Crimes contra a honra de Pessoas Jurídicas

( * ) José Wilson Furtado

CRIMES CONTRA A HONRA DE PESSOAS JURÍDICAS

ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS

No estudo da possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito passivo de crimes contra a honra alinharemos de forma didática, as principais correntes jurisprudências, que aludem a cerca de tema.

1) Não é possível a pessoa jurídica ser passivo nos crimes contra a honra, quer no Código Penal, quer na Lei de Imprensa.

JURISPRUDÊNCIA APLICAVEL:

Jultacrim vols.9/41,28/98,69/131

Revista dos Tribunais Vols 345/222.409/278,447/421,453/462

Revista Trimestral de Jurisprudência Vols 32/7,94/589.

DOUTRINA:

1. a) NELSON HUNGRIA: em face do Código Penal, somente pode ser sujeito passivo de crime contra a honra a pessoa física. Inaceitável é a tese de que também a pessoa jurídica pode, sob o ponto de vista jurídico – Penal, ser ofendido em sua honra. A pessoa jurídica não é um fictio júris, mas sim, uma realidade palpitante na vida social (especialmente da vida econômica), revestindo-se de dignidade civil, cercando-se de reputação (Nelson Hungria, “Comentários ao Código Penal”, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1958, vol VI/págs 44/48).

1. b) BINDING: ” Falar-se em honra de pessoa jurídica é um absurdo. Uma fictio júris” (Hungria, obra já citada).

1. c) DOCHOW: Adverte Dochow, pode falar-se em honra de uma família ou de uma sociedade, mas essa honra coincide com a dos respectivos membros. As ofensas dirigidas a um ente coletivo/ são, na realidade, dirigidas às pessoas físicas que o compõem, dirigem ou administram”.

1. d) MANZINI: “pessoa jurídica não é instituto ou conceito de direito Penal”.

1. c) MAGGIORE: “A pessoa jurídica não tem sentimento de dignidade própria, pois é uma entidade abstrata”.

2) É possível a pessoa jurídica ser sujeito de calúnia da Lei de Imprensa (lei nº 5.250, de 09 de fevereiro de 1967)

Jurisprudência aplicável

JULTACRIM VOL 15/273

3) É possível a pessoa jurídica ser sujeito passivo de crime de difamação da Lei de Imprensa.

Jurisprudência aplicável

JULTACRIM VOLS 49/362;REVISTA DOS TRIBUNAIS VOL 510/380, RHCA Nº61.993-2 rs, DJU 14/12/1984,PAG. 21.607

· CRIME CONTRA A HONRA DA PESSOA

JURÍDICA.

A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no Código Penal, mesmo se tratando de difamação, apesar da tendência moderna de proteger criminalmente sua reputação.

O Código só protege a honra da pessoa física. Porém, neste caso, não se pode presumir que a ofensa é dirigida contra seus dirigentes, pois é necessário que esta seja de ordem pessoal.

Precedentes citados: HC 7.391-SP, DJ 19/10/1998, e RHC 7.512-MG, DJ 30/8/1998.

STJ, Quinta Turma, RHC 8.859-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/11/1999.

* DIFAMAÇÃO – Pessoa jurídica como sujeito passivo-Impossibilidade.

A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo do crime de difamação. A conclusão não é pacífica. Doutrina e jurisprudência divergem. A difamação, como a calúnia e a injúria, são crimes contra a – Honra – integrantes do Título – Crimes Contra a Pessoa. Consiste, ademais, em – imputar fato ofensivo à reputação de – alguém.

“Alguém”, em todo o Direito, notadamente no contexto legislativo, indica o – ser humano. Jamais a legislação se refere à pessoa jurídica – como alguém.

Interpretação lógica reafirma essa conclusão. Honra, no capítulo “V” dos Crimes Contra a Pessoa, significa o patrimônio moral do homem. Daí, a impossibilidade de ser ofendida em sua dignidade, decoro, ou reputação na sociedade.

A pessoa jurídica tem reputação, sim, todavia, de outra espécie, ou seja, significado de sua atividade social, que se pode sintetizar no valor de seu relacionamento, dado ser titular de personalidade jurídica.

Honra e reputação da empresa não se confundem. A primeira possui o – homem. A segunda – atividade comercial, ou industrial.

O anteprojeto de reforma da Parte Especial do Código Penal, a fim de resguardar também a – reputação da pessoa jurídica – propõe o crime de difamação da pessoa jurídica, verbis:

“Art. 140, § 1º Divulgar fato, que sabe inverídico, capaz de abalar o conceito ou crédito de pessoa jurídica: Pena – Detenção, de três meses a um ano, e multa.” (S.T.J. 6ª T. – RHC nº 7.512/MG – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 31/08/98, pág. 120).

1. 2. A constituição brasileira e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil tem origem em duas normas constitucionais, sobre as quais constitucionalistas e ambientalistas, de um lado, e especialistas em direito penal, de outro, possuem interpretações antagônicas.

2.1. Em primeiro lugar, a norma do art. 173, §5o determina ao legislador ordinário instituir a responsabilidade da pessoa jurídica (sem prejuízo da responsabilidade individual de seus dirigentes) por atos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular .

Os constitucionalistas afirmam que onde a Constituição fala de responsabilidade quer dizer, na verdade, responsabilidade penal da pessoa jurídica, por causa da referência sobre “punições compatíveis com sua natureza”.

Ao contrário, os penalistas afirmam que se a Constituição fala de responsabilidade quer dizer, simplesmente, responsabilidade, sem adjetivos, porque a atribuição geral (responsabilidade) não implica a atribuição especial (responsabilidade penal) e o conceito de “punições” não é exclusivo do direito penal, abrangendo, também, sanções administrativas, com fins retributivos e preventivos semelhantes às sanções penais e, às vezes – como no caso das multas administrativas da Lei 9.605/98 –, com poder aflitivo superior às penas criminais substituídas por penas restritivas de direito, ou com início de execução em regime aberto. Enfim, a responsabilidade da pessoa jurídica (e de pessoas físicas) tem por objeto atos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, exclusivamente: não inclui o meio ambiente, ainda que sua defesa seja princípio geral da atividade econômica (art. 170, VI, CF) – como pretendem alguns constitucionalistas –, porque então deveria incluir, também, a propriedade privada, a livre concorrência, a defesa do consumidor, etc., igualmente princípios gerais da atividade econômica (art. 170, III, IV, V, CF), o que seria absurdo.

Curto e grosso: nenhum legislador aboliria o princípio da responsabilidade penal pessoal de modo tão camuflado ou hermético, como se a Carta Constitucional fosse uma carta enigmática decifrável por iluminados. Ao contrário, se o constituinte tivesse pretendido instituir exceções à regra da responsabilidade penal pessoal teria utilizado linguagem clara e inequívoca, como, por exemplo: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade penal individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade penal desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e contra o meio ambiente.” Mas essa não é a linguagem da norma constitucional – e se a Constituição não fala em responsabilidade penal, então nem o intérprete pode ler responsabilidade penal, nem o legislador ordinário pode estabelecer responsabilidades penais da pessoa jurídica.

2.2. Em segundo lugar, a norma do art. 225, §3o, da Constituição, estruturada em conceitos pares, prevê sanções penais e administrativas contra pessoas físicas ou jurídicas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Novamente, constitucionalistas e ambientalistas falam de ruptura do princípio da responsabilidade penal pessoal, mediante interpretação que suprime a diferença semântica das palavras condutas e atividades, consideradas sinônimos aplicáveis indiferentemente às pessoas físicas e jurídicas , ambas igualmente passíveis de sanções penais e administrativas.

Ao contrário, penalistas rejeitam a ruptura do princípio da responsabilidade penal pessoal, fundados na diferença semântica das palavras condutas e atividades, empregadas no texto como bases das seguintes correlações: a) as condutas de pessoas físicas sujeitarão os infratores a sanções penais; b) as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas. Afinal, a lei não contém palavras inúteis e o uso de sinônimos na lei, além de violar a técnica legislativa, seria uma inutilidade e um insulto à inteligência do constituinte.

A análise do texto constitucional indica que a responsabilidade penal continua pessoal, porque a constituição não autorizou a exceção da responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica. Em conclusão: a admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica parece exprimir ou leitura grosseira das normas constitucionais referidas, ou a mera vontade arbitrária do intérprete.

3. A inconstitucionalidade da Lei n. 9.605/98

A Lei 9.605/98 instituiu a responsabilidade administrativa, civil e penal da pessoa jurídica, em infrações contra o meio ambiente cometidas por decisão de representantes legais ou contratuais, ou de órgãos colegiados, tomadas no interesse ou benefício da entidade .

A criminalização da pessoa jurídica, como forma de responsabilidade penal impessoal, é inconstitucional: as normas dos arts. 173, §5o e 225, §3o, da Constituição, não instituem, nem autorizam o legislador ordinário a instituir, a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Além disso, a responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica infringe os princípios constitucionais da legalidade e da culpabilidade, que definem o conceito de crime, assim como infringe também os princípios constitucionais da personalidade da pena e da punibilidade, que delimitam o conceito de pena.

3.1. A lesão do princípio da legalidade

O princípio da legalidade, sintetizado na fórmula nullum crimen, nulla poena sine lege, se realiza no conceito de tipo de injusto, como descrição legal da ação proibida. A ação, como fundamento psicossomático do conceito de crime, ou substantivo qualificado pelos adjetivos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, é fenômeno exclusivamente humano, segundo qualquer teoria: para o modelo causal, seria comportamento humano voluntário para o modelo final, seria acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim ; para o modelo social seria comportamento humano de relevância social ; para o modelo pessoal seria manifestação da personalidade , etc. Numa palavra: se a ação é fenômeno exclusivamente humano, então a pessoa jurídica é incapaz de ação e, por esse motivo, os atos das pessoas jurídicas são referidos como situações de ausência de ação, em qualquer manual de direito penal .

A proposta mais aproximada do conceito de ação pessoal, formulada por partidários da criminalização da pessoa jurídica, parece ser o conceito de ação institucional, produto daquela vontade coletiva sedimentada em reuniões, deliberações ou votos, que exprimiria uma vontade pragmática, no sentido sociológico, na linha de uma imaginária perspectiva dicotômica de dupla imputação para o direito penal.

Entretanto, assim como a vontade pragmática não se confunde com a vontade consciente do conceito de ação, a chamada ação institucional não contém os requisitos da ação humana, que fundamenta a responsabilidade pessoal do direito penal.

Primeiro, a vontade pragmática da ação institucional é incapaz de dolo, como vontade consciente de realizar um tipo de crime, em que a vontade é a energia psíquica produtora da ação típica e a consciência é a direção inteligente da energia psíquica individual, ambas inexistentes no vazio psíquico da vontade pragmática impessoal da ação institucional da pessoa jurídica. Além disso, a vontade pragmática da ação institucional impessoal da pessoa jurídica é incapaz de erro de tipo, fenômeno psíquico negativo do dolo: o aparelho psíquico da vontade pragmática em que deveria se manifestar o erro de tipo, como defeito intelectual na formação do dolo, não tem existência real.

Segundo, a vontade pragmática informadora da ação institucional é incapaz de imprudência, porque a construção judicial do tipo dos crimes de imprudência se fundamenta no critério da capacidade individual – conforme os sistemas da generalização, de JESCHECK/WEIGEND, e da individualização, de JAKOBS –, inaplicável à pessoa jurídica e insubstituível por critérios análogos, como o da capacidade empresarial, por exemplo. Por outro lado, a lesão do dever de cuidado objetivo ou do risco permitido supõe o modelo de homem prudente, capaz de reconhecer e avaliar situações de perigo para bens jurídicos protegidos, mediante observação das condições de realização da ação e reflexão sobre os processos subjacentes de criação e de realização do perigo , igualmente inaplicável à pessoa jurídica e também insubstituível pelo abstruso critério análogo da empresa prudente. Enfim, o critério da previsibilidade, limite mínimo de atribuição do crime imprudente, carece de aparelho psíquico para operacionalização, quer sob a forma de imprudência inconsciente, como imprevisão de resultado típico previsível, quer sob a forma de imprudência consciente, como confiança na evitação da prevista possibilidade de lesão do bem jurídico.

Terceiro, a vontade pragmática da mencionada ação institucional é incapaz de omissão de ação: se a pessoa jurídica é incapaz de ação, então é, igualmente, incapaz de omissão de ação, cujo pressuposto lógico é a capacidade concreta de ação, definida na literatura como capacidade individual de ação , ou como possibilidade físico-real de agir, inexistente na ação institucional produzida pela indefinível vontade pragmática da pessoa jurídica.

Por último, o argumento utilizado para refutar a incapacidade de ação – e, portanto, para refutar a incapacidade de ação típica – da pessoa jurídica, difundido pela autoridade de TIEDEMANN e assumido como axioma por adeptos da criminalização da pessoa jurídica , é capcioso: se a pessoa jurídica pode realizar a ação de contratar (por exemplo, inexistindo pois, os elementos definidores do crime.

O tema ora exposto não se esgota aqui, precisando pois, de um estudo mais acurado ao artigo 5º da Carta Magna vigente, todavia, de modo despretencioso estamos oferecendo estas informações, que servirão de apoio ao trabalho do órgão jus puniendi.

( * ) O autor é Promotor de Justiça e titular da 7ª Promotoria de Justiça Criminal de Fortaleza e pós- graduado em Processo Penal pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR

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