Contrato de Fiança no Novo Código Civil Brasileiro

Valdirene Laginski

Introdução
As origens da fiança remontam ao direito romano onde se desenvolveu sob as formas de sponsio, fidepromissio e fideiussio, sendo os dois primeiros institutos de direito civil e o último de jus gentium. Por longo tempo o fiador foi considerado como devedor solidário e, só na época de Justiniano se reconheceu a sua qualidade de responsável subsidiário, qualidade que permanece até os dias de hoje, salvo se estipular solidariedade entre devedor e fiador (828, II CC).

A fiança é contrato acessório em relação ao principal, haja vista que para a sua existência pressupõe-se a existência de um contrato principal. Neste contexto, em regra, o fiador sempre responde subsidiariamente, isto é, somente quando o devedor principal se tornar insolvente. Entretanto, se o fiador cumprir a obrigação que garante, tem a seu favor a possibilidade de ajuizar uma ação contra o devedor principal, chamada ação de regresso.

É um contrato intuitu personae relativamente ao fiador, isto é, uma garantia pessoal, realizada na base da confiança, visto que para ser celebrado será imprescindível a existência da confiança entre credor e fiador.

O contrato de fiança tem natureza unilateral, o fiador se obriga perante o credor, mas, em contrapartida, o credor não assume nenhum compromisso para com aquele.

A fiança dever ser, obrigatoriamente, assumida na forma escrita (art. 819 CC), não se admite a fiança na forma verbal. Não se exige solenidade e pode constar de instrumento público ou particular ou outro documento que apresente os requisitos peculiares.

A priori, a fiança é um instituto gratuito, pois o fiador ao se obrigar perante o credor o faz confiando na lealdade e honestidade do afiançado no cumprimento de suas obrigações, sem exigir nada em troca. Porém, nada impede que exista uma remuneração. Nos dias de hoje existem empresas especializadas em prestar fiança mediante remuneração. É o que ocorre com a chamada fiança bancária, pela qual os bancos assinam termos de responsabilidade em favor de seus clientes em troca de uma porcentagem sobre o montante afiançado.

A fiança encontra-se disposta nos artigos 818 a 839 do Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. É um contrato acessório pelo qual o fiador se une ao devedor principal, a fim de garantir o adimplemento da obrigação por este assumida. O fiador se obriga a cumprir a obrigação em todos os seus termos, caso o devedor principal não a cumpra.

A instituto da fiança tem como objetivo dar maiores garantias e possibilidades de o credor receber a sua dívida. O fiador, quando assume a obrigação de garantir um contrato é responsável nos exatos termos em que se obrigou e, caso não haja o pagamento da dívida, responde com seus bens patrimoniais pessoais. Se o devedor não pagar a dívida ou seus bens não forem suficientes para cumprir a obrigação, o credor poderá voltar-se contra o fiador, reclamando o pagamento.

A fiança pode ser convencional ou contratual, judicial e legal. A fiança convencional ou contratual, como é acessória em relação ao contrato principal, segue o seu destino, ou seja, se a obrigação principal for nula, a acessória também será. Porém, a recíproca não é verdadeira, ou seja, se a fiança for nula, não quer dizer que o contrato principal é nulo também.

Podem ser fiadores todos aqueles que são maiores ou emancipados e com direito à livre disposição dos seus bens. O cônjuge, sem outorga uxória (anuência expressa), não poderá assumir esta responsabilidade, exceto no regime da separação absoluta de bens, regulada no artigo 1.647 do código atual. A ausência da outorga uxória, não suprida pelo juiz, torna ato anulável.

Somente o cônjuge interessado pode argüir a falta de outorga. A nulidade não pode ser requerida pelo cônjuge que anuiu e nem mesmo ser decretada “ex officio” pelo juiz. O prazo para requerer a nulidade da fiança, que antes era de quatro anos, contados a partir da dissolução da sociedade conjugal, agora, com a entrada em vigor do novo Código, o prazo foi reduzido para até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal (art. 1.649 CC).

Quando a fiança exceder ou for mais onerosa que o valor da dívida, não valerá senão até o limite da obrigação afiançada (art. 823 CC) e pode ser prestada ainda que o devedor não dê seu consentimento, pois a fiança é contrato restrito a fiador e credor e pode ser aceita pelo credor mesmo contra a vontade do afiançado. No entanto, se a fiança foi prestada com o consentimento do devedor e vindo o fiador a ficar insolvente ou incapaz, o devedor é obrigado a substituí-lo (art. 826), o que não ocorre se foi prestada à sua revelia.

Efeitos da fiança
Considerando que a fiança um contrato acessório em relação ao contrato principal e, em geral, gratuita, seus efeitos estão restritos à forma contratada, não podendo ir além da dívida nem lhe ser mais onerosa. O fiador só poderá ser acionado para responder pela dívida afiançada após o descumprimento da obrigação pelo devedor principal.

Benefício de ordem
O benefício de ordem é um direito que tem o fiador de só responder pela dívida se, primeiramente, for acionado o devedor principal e este não cumprir a obrigação de pagar. Segundo as disposições do atual Código Civil, constantes no artigo 827, que manteve a mesma redação do artigo 1.491 do Código antigo, o devedor tem direito a exigir, até a contestação da lide, que primeiro sejam executados os bens do devedor. E o parágrafo único do mencionado artigo diz que: “O fiador que alegar o benefício de ordem a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito”.

Nesse contexto, caso o devedor principal não cumpra a obrigação, e o fiador venha a ser acionado para responder pela dívida, sem que antes tenha sido acionado aquele, poderá alegar o benefício de ordem para que os bens do devedor sejam excutidos em primeiro lugar. Mas, é importante ressaltar que se foi estipulada solidariedade entre devedor e fiador, esta situação permite ao credor cobrar a dívida tanto do devedor principal como do fiador.

Havendo pluralidade de fiadores há responsabilidade solidária entre os co-fiadores, salvo se declararam o benefício de divisão (art. 829 CC), caso em que cada um dos fiadores responderá pela sua parte no pagamento. A responsabilidade de cada fiador poderá ser limitada, não sendo responsável se não pela sua parte (art. 830 CC). Porém, havendo obrigação solidária em relação ao pagamento da dívida, o benefício de ordem é inaplicável aos fiadores, visto que ao credor é lícito escolher qual devedor deverá ser acionado para cumprimento da obrigação.
O fiador que pagar toda a dívida, sub-roga-se nos direitos do credor em todos os direitos que competiam ao credor originário. Não há, todavia, disposição alguma que sub-rogue o fiador nos direitos do afiançado para acionar o credor quanto este fica inadimplente.

Da exoneração da fiança
No que diz respeito à exoneração da fiança, primeiramente, deve-se analisar se o contrato foi assinado por tempo determinado ou indeterminado, pois no primeiro caso a fiança se extingue no momento em que se dá por encerrado o prazo contratado. No segundo caso, o fiador permanecerá responsável enquanto o contrato estiver vigorando, mas em ambos os casos o fiador pode dela se exonerar.

Nos termos do artigo 835 do Código atual, ainda que a fiança não tenha limite temporal, poderá o fiador dela se exonerar se assim lhe convier, responsabilizando-se, porém, por todos os efeitos dela decorrentes, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação ao credor.

Observa-se pela redação do artigo 835 do novo Código (artigo 1.500 do Código anterior), que o fiador poderá se exonerar da fiança sempre que lhe aprouver e de maneira bem mais simplificada, bastando para tanto enviar uma notificação ao credor cientificando-o da sua decisão. O espaço de tempo de sessenta dias, determinado pelo legislador, é tempo hábil para que o devedor possa constituir novo fiador.
Importante ressaltar que, se um contrato foi assinado por tempo determinado e vindo a se transmudar para tempo indeterminado, o fiador deve ser comunicado para que manifeste a sua concordância em continuar ou não a prestar fiança. Caso não haja a expressa manifestação de vontade do fiador, ainda que conste no contrato a cláusula escrita de não renunciar, esta cláusula não deve prevalecer.
Da extinção da fiança
Extinguindo-se o contrato principal, extingue-se também a fiança, visto que é um contrato acessório em relação ao principal. No entanto, a lei põe quatro hipóteses que extinguem a fiança por liberação do fiador, por motivos inerentes à sua própria natureza (art. 838 CC).

A primeira causa é a moratória concedida pelo credor ao devedor, sem consentimento do fiador, isto é, o credor concede novo prazo ao devedor para que cumpra a obrigação, após o vencimento desta.

A segunda causa é a frustração do fiador na sub-rogação nos direitos do credor em relação ao devedor. O fiador, ao afiançar, sabe que poderá ser compelido a pagar a dívida, no entanto, prevê a possibilidade de reaver o que pagou ao credor, junto ao devedor. Se o credor frustra essa garantia, extingue-se a garantia.

A terceira causa ocorre com a dação em pagamento (datio in solutum) que constitui forma de pagamento, ainda que indireta, extinguindo a fiança que não se revigora se a coisa dada em pagamento vier a sofrer evicção.

A quarta causa que é o retardamento do credor na execução em que se alegou benefício de ordem (art. 839). Se do retardamento da execução resultar que o devedor venha a ficar em estado de insolvência, o devedor fica exonerado de pagar a dívida, se provar que os bens indicados quando apontado o benefício de ordem, na época eram suficientes para quitação da dívida.

Modalidades de fiança
Hoje temos duas novas modalidades de fiança que vêm ganhando força no mercado, é a fiança bancária e o seguro fiança. A fiança bancária e um compromisso contratual pelo qual uma instituição financeira, garante o cumprimento de obrigações de seus clientes. O público alvo das instituições são as pessoas físicas e jurídicas. Os prazos da garantia são definidos em função da natureza da obrigação a ser garantida.

A vantagem se trabalhar com fiança bancária é que a garantia oferecida pelos bancos gozam de grande respeitabilidade no mundo dos negócios e proporciona maior rapidez na concretização dos negócios.

Regulado pela Lei do Inquilinato (8.245/91), o seguro fiança consiste no pagamento de determinada quantia, calculada com base no valor mensal do aluguel. Esta garantia proporciona ao proprietário a garantia de que, na falta de pagamento dos aluguéis e demais taxas condominiais, poderá acionar o seguro para receber. Esta garantia vem substituindo a figura do fiador com grande sucesso, sem mencionar que evita o constrangimento do locatário interessado.
São Paulo, 11 de agosto de 2.003.

Valdirene Laginski é Associada ao escritório
Fraga, Bekierman e Pacheco Neto Advogados, em São Paulo – SP.
Site: www.fblaw.com.br

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