Aspectos processuais e prescrição na nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas

1. Considerações iniciais. Vigência e revogações

Tem este artigo a finalidade de transmitir algumas reflexões acerca dos aspectos procedimentais e regras atinentes à prescrição na nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, n. 11.101/2005 (adiante denominada LFRE).

Publicada em 9 de fevereiro de 2005, entrará em vigor cento e vinte dias após, ou seja, no dia 9 de junho de 2005. O diploma que regulava o tema (Decreto-Lei n. 7.661/45) continuará sendo aplicado aos processos de falência e concordata ajuizados anteriormente à vigência do diploma em comento (LFRE, art. 192).

Segundo seu art. 200, ficam revogados aludido o Decreto-Lei e os arts. 503 a 512 do Código de Processo Penal – relativos ao rito dos crimes falimentares. Em seu lugar, o legislador entendeu mais conveniente a adoção do rito sumário dos crimes apenados com detenção (CPP, arts. 531 a 540), obviamente visando processo e julgamento mais céleres, com maior rapidez na prestação jurisdicional.

2. Juízo competente

Pondo fim a divergências doutrinárias, a LFRE, em seu art. 183, define o juízo criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, como o competente para conhecer da ação penal. Dessarte, em São Paulo, a disciplina do art. 15 da Lei n. 3.974/83, que atribuiu ao juiz da falência processar e sentenciar tais crimes, fica tacitamente revogada.

3. Legitimação. Ministério Público e denúncia. Ação privada subsidiária

Todos os crimes são de ação pública incondicionada, de molde que o representante do parquet é o único legitimado a acionar o falido ou qualquer outro agente que se enquadre numa das condutas típicas trazidas pelo recente diploma, tal qual sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, na medida de sua culpabilidade. Também podem figurar no pólo passivo de ação penal pelo crime de violação de impedimento o juiz, o MP e outros agentes caso adquiram por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos (LFRE, art. 177).

Em qualquer fase do processo, havendo indícios da prática de crime, o juiz da falência ou da recuperação judicial ou extrajudicial, cientificará o representante do parquet.

Se o promotor não oferecer a denúncia no prazo legal, qualquer credor ou o administrador judicial poderá interpor queixa-crime subsidiária da pública, no prazo decadencial de seis meses (LFRE, art. 184, parágrafo único).

4. Sentença declaratória e prisão cautelar. Natureza jurídica

Na esfera cível, da decisão que decreta a falência cabe agravo na forma de instrumento, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação.

Na sentença declaratória de quebra, dentre outras determinações, pode sobrevir decreto prisional contra o falido. Estatui o art. 99, VII, da Lei que o juiz “determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei”. Obviamente, o magistrado cível deverá ter evidenciada a presença dos pressupostos cautelares da custódia preventiva (CPP, art. 312) – materialidade e indícios suficientes de autoria –, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência. Acreditamos ser uma decisão difícil de ser tomada em face da pouca afeição com a esfera criminal que tem o juiz cível.

As sentenças de quebra, concessiva de recuperação judicial ou extrajudicial homologada (LFRE, art. 163) são pressupostos da ação penal por crime falimentar. A discussão sobre sua natureza jurídica – condição específica de procedibilidade, condição objetiva de punibilidade ou elemento constitutivo do tipo falimentar – fez com que o legislador tentasse pôr fim à controvérsia, optando por defini-la como condição objetiva de punibilidade. Contudo, se é condição de punibilidade quanto aos crimes antefalimentares ou ante-recuperação judicial, qual será sua natureza em face dos crimes pós-falimentares ou pós-recuperação judicial? Sem dúvida, constituirá elemento constitutivo do tipo.

Importante consignar que a ação penal jamais poderá iniciar-se antes de ser prolatada uma das sentenças em questão (LFRE, art. 180).

5. Sentença penal e seus efeitos

Reza o art. 181 da LFRE que os efeitos da condenação são os seguintes: I – inabilitação para o exercício de atividade empresarial; II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas à Lei de Falências; III – impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. Tais efeitos não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença, pois perdurarão por cinco anos após a extinção da punibilidade, salvo se anteriormente foi o condenado beneficiado por reabilitação criminal. Lembre-se que, transitada em julgado a sentença penal condenatória, deve o juiz determinar a notificação ao Registro Público de Empresas para que tome as providências cabíveis de molde a impedir novo registro em nome dos inabilitados.

6. Rito processual

O rito sumário dos crimes apenados com detenção foi o adotado pelo novel diploma para processo e julgamento dos tipos previstos na Lei (LFRE, arts. 168 usque 178).

Deslembrou-se o legislador falimentar de que o rito sumário vem contido nos arts. 538 e 539 do CPP, porquanto os arts. 531 a 537 foram revogados tacitamente pelo texto constitucional quando o constituinte conferiu legitimidade exclusiva ao MP para ajuizar ação penal em crimes de ação pública (CF, art. 129, I). Assim, como exposto acima, a seqüência de atos ordenados deve obedecer ao disposto nos arts. 538 e 539 do diploma processual penal.

Ao ser intimado da sentença declaratória de falência ou concessiva de recuperação judicial, o MP, verificando a ocorrência de crime falimentar, promoverá, com os documentos do feito, devidamente copiados, a ação penal competente no juízo criminal. A denúncia deve ser ajuizada no prazo de cinco dias, se preso o devedor ou falido, ou quinze dias, se solto. Não vislumbrando, por ora, a justa causa, pode requisitar a instauração de inquérito policial, a fim de melhorar o acervo probante, se não for o caso de arquivamento. Erradicada do cenário falitário a figura do inquérito civil, somente a Polícia Civil poderá amealhar provas para formar a opinio delicti ministerial, caso aquelas remetidas ao representante do parquet sejam insuficientes para o oferecimento da denúncia.

Mais. Caso esteja o devedor ou falido1 solto ou afiançado, pode o MP aguardar a apresentação da exposição circunstanciada referida no art. 186 da LFRE, para, se for o caso, em quinze dias, oferecer a denúncia, requerendo que o feito seja processado segundo o rito sumário do CPP.

6.1. Juizado Especial Criminal

O crime de omissão de documentos contábeis consiste em: “Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave”. Sem discutir seu aspecto subsidiário, é o único apenado com detenção e cuja pena o coloca no patamar das infrações de menor potencial ofensivo, consoante os ditames da Lei n. 9.099/95, já que todos os demais possuem pena máxima superior a um biênio e reclusiva. Entendemos que a infração em tela dificilmente permanecerá no JECrim, visto que o processo que origina a quebra ou a recuperação judicial ou extrajudicial é de razoável complexidade, o que contraria os critérios da celeridade e da simplicidade preconizados nos Juizados (Lei n. 9.099/95, arts. 3º e 62). Assim, afigura-se adequada a modificação da competência se o juiz competente decidir, a pedido do MP, pela remessa dos autos à Justiça Comum (Lei n. 9.099/95, art. 77, § 2º).

7. Prazo prescricional

De relevo acrescentar que o legislador falimentar deixou de criar regras de direito material sobre os crimes falimentares, remetendo o aplicador do direito ao CP, o que deve ser elogiado, porquanto as diversas interpretações geradas por Súmulas do STF tornavam o tema sempre polêmico. Para espancar dúvidas quanto ao termo a quo da fluência do lapso temporal da prescrição, foi categórico em aduzir no art. 182 da LFRE que: “A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial”.

Significa que o lapso prescricional é regulado pelos prazos e regras constantes dos arts. 109 e s. do CP. Se assim é, a contagem se inicia na data do fato, e, em não sendo apurada, começará a fluir do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Caso tenha o devedor, a princípio, se beneficiado com a concessão da recuperação judicial ou de homologação do plano de recuperação extrajudicial e, posteriormente, é decretada sua quebra, temos dois marcos prescricionais, aquele e este como causas interruptivas.

Não se olvide que as demais causas interruptivas previstas no art. 117 do CP incidem nos crimes falimentares, conforme a Súmula 592 do STF, em especial o recebimento da denúncia e a data de publicação da sentença condenatória por crime falimentar.

8. Diploma subsidiário

Segundo o art. 188 da LFRE, o CPP aplica-se subsidiariamente no que não for incompatível com referida Lei.

PROCEDIMENTO DOS CRIMES FALIMENTARES

*Aplicação aos crimes falimentares previstos na Lei n. 11.101/2005 e aos conexos

PEÇA ou ATO PROCESSUAL
PRAZOS E REGRAS

Denúncia ou inquérito policial
1. Após intimado da sentença de falência ou de recuperação judicial, o MP, verificando a ocorrência de crime falimentar, oferece denúncia imediatamente ou requisita a abertura de inquérito policial.

2. Caso esteja o devedor ou falido solto ou afiançado, o MP pode aguardar a exposição circunstanciada (art. 186), para, se for o caso, em quinze dias, oferecer a denúncia.

3. Denúncia, no prazo de cinco dias, se preso o devedor ou falido; e de quinze dias, se solto. Pode requisitar a instauração de inquérito policial, se não for o caso de arquivamento.

4. A omissão do MP autoriza a queixa-crime subsidiária no prazo de seis meses (art. 184).

Recebimento da denúncia ou queixa
Rejeitando a denúncia ou queixa, cabível o recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, I). Recebida a denúncia ou queixa pelo juiz ou pelo tribunal que reformou a decisão de rejeição, segue-se o rito dos crimes apenados com detenção, com interrogatório, defesa prévia, testemunhas de acusação, saneador, testemunhas de defesa, debates e julgamento.

Notas:

[1] A Lei usa a expressão réu mesmo antes do oferecimento da denúncia, o que caracteriza grande atecnia.

* Jayme Walmer de Freitas
Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Sorocaba/SP, Mestre em Processo Penal pela PUCSP, Professor de Direito Penal e Processo Penal, Coordenador Pedagógico do Curso Anglo Triumphus e Coordenador Regional do Núcleo Paulista da Magistratura.

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