As minorias e as cortes constitucionais

Gabriela de Alvarenga Silva Murta

AS MINORIAS E AS CORTES CONSTITUCIONAIS

INTRODUÇÃO

Há algum tempo os principais sistemas jurídicos ao redor do mundo proclamam que todos são iguais coibindo qualquer tipo de discriminação, no entanto sabemos que mesmo nestes países a realidade não é bem essa, as chamadas minorias sofrem ainda e muito vários tipos de preconceitos. É certo que muitos de seus direitos foram reconhecidos pelas Cortes Constitucionais e assim introduzidos em nossa sociedade, mas também é certo que essas mesmas Cortes relutam em reconhecer outros, confirmando assim os estigmas existentes.

Não há dúvida que as Cortes Constitucionais desempenham aqui um importante papel, pois, conforme o próprio nome diz são elas as guardiãs da Constituição e os direitos e princípios que aqui nos referimos encontram-se inseridos em seu corpo. Quanto maior for o rol de princípios e direitos colocados na Lei Maior, mais amplas serão as atribuições de um Tribunal Constitucional. No Brasil, o nosso Supremo Tribunal Federal, ao contrário da Suprema Corte dos Estados Unidos e do Tribunal Constitucional Alemão, têm atribuições outras que a defesa da Constituição, atuando também como instância recursal, mas esta atribuição não nos interessa aqui.

Vamos aqui verificar o papel das Cortes Constitucionais na defesa dos direitos fundamentais, a proteção das minorias e sua relação com o sistema democrático de governo. Infelizmente, a doutrina pátria não nos confere muitos estudos acerca do assunto.

MINORIA-CONCEITO

Primeiramente necessário que fixemos o que se deve entender por minoria. Em sua preocupação de proteção internacional da minoria, as Nações Unidas , têm adotado a definição dada por Francesco Capotorti em seu estudo sobre os direitos conferidos à minoria :
“ A group numerically inferior to the rest of the population of a State, in a non-dominant position, whose members – being nationals of the State – posses ethnic, religious or linguistic caracteristics differing from those of the rest of the population and show, if only implicity, a sense of solidarity, directed towards preserving their culture, traditions, religion or language.”

Portanto, podemos vislumbrar como elementos constitutivos desta definição o numérico, o da não-dominância, o da cidadania e o da solidariedade entre os membros da minoria, com vistas à preservação de sua cultura, tradições, religião ou idioma.

Contudo, tal definição apresenta diversos problemas, a começar pelo elemento numérico, ou seja, questiona-se qual deva ser o tamanho de uma minoria. Além disso, a minoria precisa imprescindivelmente ser caracterizada por uma posição de não-dominância e, mesmo assim, os trabalhadores migrantes (por não serem cidadãos do país em que vivem) ou as pessoas portadoras de deficiência (por falta de solidariedade com vistas à preservação de cultura, tradições, religião ou idioma) estariam fora do conceito conferido por Capotorti.

Tomando em consideração apenas o elemento numérico, alguns autores realizam um breve estudo sobre o papel da minoria na democracia. Oscar Vilhena Vieira em seu livro “Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política”, chega a afirmar que a democracia seria prejudicial à minoria, pois seria ela na realidade uma ditadura da maioria, aquela teria seus direitos melhor assegurados em uma Constituição que dispusesse de um amplo rol de princípios e direitos.

“ Democracia e constitucionalismo são concepções políticas distintas. À democracia importa, fundamentalmente, discutir a origem e o exercício do poder pela maioria; já o constitucionalismo moderno, através da separação de poderes e de uma declaração de direitos, irá preocupar-se com os limites do poder, seja esse poder exercido pelo rei ou pelo povo.”

E prossegue:
“ Quanto mais democrático for um sistema político, no sentido de um regime onde as decisões são tomadas com base na regra da maioria, menor serão as atribuições de um tribunal constitucional. Restando a estes tão-somente a função de garantir que as regras democráticas, principalmente a igualdade dos cidadãos na tomada de decisões públicas, não sejam violadas. Em contrapartida a função dos tribunais constitucionais será tanto maior, quanto mais constitucionais forem os sistemas políticos. O que significa dizer, quanto maior for o número de assuntos colocados acima dos procedimentos de decisão majoritários. Nestes casos as funções dos tribunais será prevalentemente a preservação de valores resguardados pela Constituição. Se esses valores forem entendidos como tão fundamentais, que devem estar acima de deliberações produzidas inclusive por maiorias qualificadas ou mesmo pela totalidade dos cidadãos, os tribunais ocuparão a posição de órgão máximo dentro de uma estrutura constitucional.”

Desse modo, diante de um sistema essencialmente democrático, onde tudo fosse resolvido de acordo com a vontade da maioria, a minoria não teria vez, seus direitos fundamentais não estariam assegurados. Ao contrário, um sistema político essencialmente constitucional, onde todos os direitos fundamentais estivessem elencados em seu corpo, conferindo pequena atuação à democracia, seria ideal para a minoria, a qual teria o Tribunal Constitucional como seu protetor máximo, assegurando o cumprimento da Lei Maior.

Já Gilmar Ferreira Mendes relembra muito bem os ensinamentos de Kelsen para quem a democracia era uma forma de proteção da minoria, isto porque ela assegurava que todos fossem ouvidos e que reivindicassem seus direitos. E mais, “A concepção democrática somente seria preservada se existissem mecanismos adequados a assegurar a aplicação da Constituição, obstando a consolidação de uma ditadura da maioria.” Assim neste sentido, o direito de propositura, no controle abstrato de normas, de um terço dos membros do Parlamento Federal, na Alemanha, concretiza a idéia de proteção da minoria. E, no Brasil, a propositura da ação pelos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, assegurando até mesmo ao partido que possua uma representação singular, o direito de reivindicar.

Mas voltando ao conceito de minoria, temos que agora, não mais vamos levá-lo no sentido já assinalado, ou seja, o elemento numérico. Vamos aqui tomar em consideração todos os grupos que sofrem discriminação, sejam eles numericamente inferiores ou não, assim mulheres, negros e homossexuais farão parte de nosso estudo. Segundo Gabi Wucher estes grupos são os chamados grupos vulneráveis, conceito de abrangência maior que o de minorias, o que importa aqui é a questão de não-dominância e não o elemento quantitativo.

Esta mesma autora ainda indica uma classificação de minorias viabilizada segundo os objetivos da minoria e de seus membros: minoria by force e minoria by will.
“ Entende-se por minorias ‘by force’ aquelas minorias e seus membros que se encontram numa posição de inferioridade na sociedade em que vivem e que aspiram apenas a não serem discriminados em relação ao resto da sociedade, querendo adaptar e assimilar-se a esta. Em contrapartida as minorias ‘by will’ e seus membros exigem, além de não serem discriminados, a adoção de medidas especiais as quais permitam-lhes a preservação de suas características coletivas- culturais religiosas ou lingüísticas.”

Esta classificação é perfeitamente aplicável ao conceito de grupos vulneráveis, onde uns requerem a ausência de tratamentos discriminatórios negativos e outros não só a não discriminação, como também a possibilidade de preservar as suas características próprias. Tanto a não-discriminação quanto reivindicações por medidas de discriminação positiva baseiam-se no princípio da igualdade.

A discriminação positiva necessita da adoção de normas jurídicas que prevêem um tratamento distinto para certas pessoas ou categoria de pessoas, com vista a garantir-lhes uma igualdade material em relação aos outros membros da sociedade. O princípio da não discriminação, ao proclamar a igualdade de todos perante a lei, implica uma igualdade de jure, porém esta não implica automaticamente uma igualdade material ou de fato e aí é que entram essas normas, as quais são temporárias e vigoram enquanto se verificar a situação desfavorável, devendo deixar de vigorar logo que ultrapassada a desigualdade.

O princípio da igualdade é hoje entendido em sua concepção aristotélica de que deve ser dado tratamento igual ao que é igual e tratamento desigual ao que é diferente. Busca-se assim eliminar as desigualdades de fato para alcançar não só uma igualdade jurídica mas também material.

TEORIAS ACERCA DA NÃO DISCRIMINAÇÃO

Os Estados Unidos é o país que apresenta mais discussões teóricas a respeito do tema. Sua Emenda XIV “ nenhum Estado fará ou aplicará qualquer lei que cerceie os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem nenhum Estado deverá privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa, dentro de sua jurisdição, a igual proteção das leis” foi objeto de diversas interpretações pela própria Suprema Corte. Diferentes teorias vieram à tona com diferentes concepções de igualdade e que traziam sérias conseqüências para a sociedade.

Um caso bastante conhecido no mundo todo e que apresentou uma ruptura com a doutrina dos iguais mas separados manifesta pela Suprema Corte no caso Plessy v. Ferguson em 1896, foi o Brown v. Board of Education of Topeka., decidido em 1954. Anteriormente a esta decisão era entendimento da Corte que o Estado, embora devesse tratar a todos de forma igual, poderia fazê-lo separadamente. No máximo prolatava uma decisão exigindo que estes serviços tivessem a mesma qualidade, mantida a segregação entre brancos e negros.

O caso Brown v. Board of education, proposto pela NAACP, uma associação negra, buscava integrar as crianças negras ao sistema público de educação de Topeka, Kansas e estava associado a uma série de outros casos de discriminação racial no ensino público. O menino chamado Brown não dispunha de uma escola para negros perto de sua casa e era impedido de freqüentar a escola próxima, a qual era só para brancos.
Os advogados procuraram derrubar a doutrina do separate but equal através de argumentos não apenas jurídicos, mas também sociológicos e psicológicos e um intenso debate foi montado. O relator da decisão foi o então Presidente da Corte, juiz Warren, ele fundamentou sua decisão no direito à educação:

“ A educação é talvez a mais importante função dos Estados e dos governos locais. As leis de freqüência escolar obrigatória e os grandes gastos com educação, ambos demonstram nosso reconhecimento da importância da educação para nossa sociedade democrática. É requisito na realização de nossas responsabilidades públicas mais elementares, mesmo o serviço militar. Hoje é um instrumento fundamental no despertar da criança para os valores culturais, na sua preparação para a futura instrução profissional, e na sua adequada adaptação ao seu meio. Nos dias atuais é duvidoso que qualquer criança tenha expectativas de sucesso na vida, se a ela for negada a oportunidade de educação. Esta oportunidade, que o Estado se responsabilizou em provê-la, é um direito que deve estar disponível para todos em igualdade de condições. Nós chegamos então à questão levantada: a segregação das crianças nas escolas públicas com base em sua raça, mesmo que as condições físicas e outros fatores tangíveis sejam iguais, privam as crianças de um grupo minoritário de igual oportunidade de educação? Nós acreditamos que sim… Nós concluímos que no campo da educação pública a doutrina do separate but equal não tem lugar. Locais diferentes para educação são inerentemente desiguais.”

Desse modo, a decisão causou sérias repercussões, encontrando resistência para ser efetivada e a Suprema Corte foi então obrigada a determinar no ano seguinte, que as autoridades escolares implantassem a decisão de 1954 com a maior rapidez, atribuindo aos juízes federais o poder de fiscalizar a implantação do novo sistema de ensino em todo o país. Eis aqui uma demonstração de como uma Corte Constitucional pode modificar toda a cultura de uma sociedade e seus debates filosóficos, se à época todos questionavam a decisão, hoje ninguém mais o faz.

É certo que há quem diga que algumas decisões da Corte, contrárias à discriminação, estão indo de encontro à liberdade de contratar e caminhando para uma tirania dos Tribunais. É isto que pensa Richard Epstein sobre a decisão no caso Diaz v. Pan American World Airways, Inc. Embora a preferência dos clientes de companhias aéreas fosse ter um serviço de bordo formado por mulheres, a Corte proibiu a companhias aéreas de atender os desejos de seus clientes, contratando apenas mulheres para o serviço, pois aí estaria presente uma discriminação em função do sexo.Epstein alega então, que a Corte estaria invadindo a liberdade de contratar das pessoas, garantida constitucionalmente.

O movimento pela igualdade social também foi acelerado pelo Civil Rights Act of 1964, o qual envolveu massiva intervenção estatal na esfera econômica privada. E hoje, a luta pela não-discriminação envolve proteção também para outros grupos, como os homossexuais, os quais estão pedindo não só proteção contra a discriminação, mas reconhecimento de seu direito de casar e ter filhos.

Interessante notar que em alguns países nórdicos da Europa, o casamento entre pessoas do mesmo sexo já é permitido pela legislação, sendo que em alguns casos é permitida até mesmo a adoção. O problema virá a ser então, como serão recebidas, pela sociedade, estas crianças de casais do mesmo sexo.

O projeto de não discriminação demanda que a sociedade reconheça o valor humano de todos os seus membros e que ninguém deva ser desvalorizado ou diminuído, todo ser humano tem a necessidade de ser reconhecido e valorado como membro da sociedade.

Partimos agora, para as teorias propriamente ditas. Dworkin é um dos que nos traz contribuições, sua teoria tem como base o fato de que no processo de fazer as leis (decision making process) deve-se levar em conta as preferências pessoais de cada cidadão para seu divertimento e oportunidades e não suas preferências externas que dizem respeito às oportunidades dos outros. As preferências externas contaminam o processo, infectando-o.

John Hart Ely contesta a posição de Dworkin quanto às preferências externas, dizendo ter ele tomado uma posição bastante hostil quanto as mesmas. O tipo de preferência externa que realmente não pode infectar o processo legislativo é a do tipo maligno envolvendo um desejo de privar outra pessoa ou grupo do igual direito de partilhar as oportunidades, baseado na suposição de que certa raça ou certos grupos simplesmente merecem menos.

Dworkin condena a limitação de oportunidades de alguns, a qual é resultado das preferências de outros e busca assim incutir a idéia do equal concern and respect no processo legislativo. Segundo ele o equal concern and respect aplica-se somente na esfera pública, pois em nossas decisões pessoais nós não somos neutros e imparciais, mas comprometidos e fiéis a certos grupos de idéias e estereótipos.

É papel da lei reformar a consciência racial que existe na sociedade, os brancos devem parar de pensar nos negros como uma raça antes do que uma pessoa e os negros devem parar de pensar em si desta maneira também. Se ambos acreditarem que os negros são inferiores e que a economia premia os melhores, o fato de os brancos estarem com os melhores postos é facilmente justificável pela lei imparcial do mercado. A discriminação está na cultura da sociedade, por isto a dificuldade em superá-la.

A teoria de Dworkin acarreta então, implicitamente, um ambicioso projeto de transformação cultural e com base nos argumentos conferidos por ele, Andrew Koppelman contesta a posição de Epstein para quem a lei anti-discriminação seria uma intolerável imposição na liberdade individual, interferindo nos desejos privados. Para Koppelman “ a justificativa para uma lei anti-discriminação é que certas preferências são tão malignas que elas contradizem a razão pela qual as preferências devem ser tomadas em primeiro plano. Nós respeitamos as escolhas somente porque nós respeitamos as pessoas e, portanto, estamos justificados para desconsiderar escolhas que manifestam desrespeito pelas pessoas.”

A teoria de Ely é bastante parecida com a de Dworkin, ambos concordam que sua preocupação é com a introdução de um elemento contaminado no decision making process: preferências externas, preferências malignas, desejo do mal.

Já mencionamos anteriormente que para Ely o problema são as preferências malignas e não as externas., ele nos oferece uma teoria constitucional onde a seleção dos valores substanciais é deixada quase que totalmente para o processo político. O judiciário só entraria onde fosse realmente necessário, onde o legislativo não conseguisse exercer o seu papel de maneira satisfatória, representando todos os seus cidadãos e não deixando de lado seus interesses, nem valorando-os negativamente. Quando as decisões do governo são contaminadas, o judiciário pode corrigi-las. O problema é que não há garantia que as decisões da Corte não serão elas mesmas infectadas pelo racismo, os juízes fazem parte da sociedade e assim não conseguem ser totalmente imparciais.

Um bom exemplo é o caso McCleskey v. Kemp, onde um prisioneiro contestou sua sentença de morte mostrando que na Geórgia, EUA, assassinos de brancos são condenados à morte quatro vezes mais que assassinos de brancos. A Corte rejeitou o pedido alegando que o prisioneiro não havia demonstrado que no seu caso a decisão havia sido proferida com propósitos discriminatórios. E, segundo Koppelman , McCleskey havia demonstrado claramente que ele havia sido vítima de discriminação, se fosse branco, não teria sido condenado. As decisões do tribunal da Geórgia em pena de morte, são infectadas pelo racismo, ele claramente valoriza a vida dos brancos e desvaloriza a vida dos negros.

Por isso, para Koppelman, também a teoria de Ely necessita de uma transformação cultural da sociedade, porque só assim as decisões não seriam contaminadas por idéias racistas. Em uma democracia todos os cidadãos são de certa forma produtores de decisões e se eles são racistas, inevitavelmente a decisão democrática ficará contaminada.

É como a teoria da hermenêutica de Peter Häberle . Para ele toda a sociedade é intérprete da Constituição, esta ampliação do círculo de intérpretes é apenas uma conseqüência da necessidade de integração da realidade no processo de interpretação. Se por um lado há uma democratização da interpretação constitucional, esta interpretação poderá estar infectada por idéias racistas.

A par destes dois teóricos (Dworkin e Ely) que baseiam-se no decision making process, há o grupo que identifica o fundamento da discriminação na estigmatização de certos grupos. Há o estigma presente de que a raça negra é inferior à branca. Assim, enquanto as teorias do decision making process partem da premissa de que o Estado tem a tarefa de ser imparcial, mas não chegam a falar da necessidade de mudanças culturais na sociedade , a teoria do estigma expressamente o faz. Há um direito de todos de serem livres de qualquer estigma racial.

Algumas decisões da Suprema Corte claramente demonstram os estereótipos existentes. Em Strauder v. West Virginia a Corte condenou uma lei estadual que excluía os negros do júri, ela declarou que a emenda XIV protegia os negros de discriminações legais, ou seja, inferioridade na sociedade civil. Em Brown v. Board of Education também encontra-se presente, o Juiz Warren escreveu que a segregação de estudantes negros é inaceitável porque gera um sentimento de inferioridade em seus corações e mentes de um modo nunca feito anteriormente.

O principal articulador desta teoria é Charles Black, uma pessoa não deve ser blasfemada por características que ela não pode fazer nada a respeito e a humanidade não é naturalmente dividida em raças inferiores e raças superiores.

A noção de preferências malignas de Ely, seria na verdade um tipo de estigma, já que a preferência maligna é baseada na suposição de que certa raça ou certos grupos simplesmente merecem menos.

Mas enquanto as teorias de Dworkin e Ely fazem menção ao equal concern and respect apenas na esfera pública, exigindo uma atuação neutra do Estado, a teoria do estigma não se restringe a tal, buscando um respeito entre todos os membros da sociedade. Pois para os adeptos da teoria do estigma há uma necessidade, por parte dos grupos discriminados, de serem reconhecidos pela comunidade, e se assim é, somente a comunidade pode fazê-lo. A obrigação dos membros de uma comunidade de reconhecer os valores dos outros, não é satisfeita por uma lei que reconheça a igualdade formal. Assim, seria melhor que uma comunidade voluntariamente desagregasse suas escolas, tendo em vista seus ideais, do que um juiz federal o fizesse. Mas quando isto não acontece, uma intervenção coerciva é justificável.

Se a premissa maior da teoria do estigma é que às pessoas não devem ser atribuídas características sem razão, uma identidade virtual que difere do que realmente a pessoa é, passando a ser verdade o que a pessoa deve ser, a premissa menor é que há uma cultura de inferioridade sendo transmitida pelas gerações na comunidade.É certo também que o estereótipo existente da raça negra ser inferior tem um pouco a ver com o sistema de escravos, mas não é conseqüência apenas dele.

Há ainda uma terceira corrente a teoria do grupo dos desavantajados (Group-disadvantage theory), tendo como um dos teórico Alan Freeman. Este tece sérias críticas às teorias do decision making process e do estigma por elas se basearem nas idéias que as pessoas tem na cabeça, sem observar a realidade existente. Ele argumenta então, que as lei anti-discriminação devem basear-se sobre uma perspectiva da vítima, verificar como é realmente a realidade, buscando assim resultados, ou seja , mudanças. De nada adianta que as pessoas negras continuem sem emprego, sem uma casa decente para morar, educando seus filhos em escolas de qualidade inferior e a Corte diga que tudo está sendo feito sem a menor discriminação. Portanto, é da situação concreta que irão surgir resultados.

Do contrário poderíamos chegar à seguinte afirmação: Nós somos uma país que cumpre as leis e as Cortes nos dizem que na vasta maioria das instâncias a lei é obedecida, então se nós estamos tratando negros e brancos igualmente, e os negros continuam na base da sociedade econômica, deve ser porque eles estão fracassando em aproveitar das oportunidades ou porque eles não são capazes de aproveitá-las.

A principal preocupação deste grupo é então definir quem são as vítimas, ou seja, os grupos oprimidos e discriminados. Para Iris Marion Young, “ um grupo é oprimido quando ocorre uma ou mais das seguintes condições para todos ou grande parte dos membros: os benefícios de seu trabalho e energia vão para os outros, sem haver uma reciprocidade de beneficiamento (exploração); eles são excluídos de participar da maioria das atividades sociais (marginalização); eles vivem e trabalham de forma subordinada e têm pouquíssima autonomia e autoridade sobre si mesmos (falta de poder); como um grupo eles são estereotipados no mesmo momento em que sua experiência e situação é invisível na sociedade, e têm pouca oportunidade para expressar suas experiências (cultura do imperialismo); os membros do grupo sofrem casualmente de violência e perseguição.”

Segundo ele ainda, a teoria do decision making process se reduziria à falta de poder e a teoria do estigma à cultura do imperialismo.

DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS NEGROS

Historicamente, a discriminação e exploração do negro no Brasil e nos Estados Unidos da América na época da escravatura, salta aos olhos de toda a sociedade. Ao longo da história, podemos perceber a ideologia do branqueamento, levando o negro a sentir-se inferiorizado ao ver sua identidade: cultura, valor humano, força de trabalho…, menosprezados.

Todas as manifestações práticas do racismo, utilizadas de maneira sutil ou evidente, constituem um ato ilegal e afetam diretamente a auto-estima da pessoa e do grupo ao qual ela pertence, dada a força com que os estereótipos se integram á própria identidade dos indivíduos. É comum o desenvolvimento de um sentimento exarcebado de superioridade nos membros de um grupo dominante, em contraposição a um sentimento de inferioridade nos membros de um grupo discriminado.

Joel Kovel distingue o racista dominante, o qual procura manter os negros para baixo e usa de força se necessário e o racista aversivo, o qual conscientemente rejeita o racismo mas acha os negros repugnantes e tenta ignorar sua existência, evitando contato com os mesmos. O tipo aversivo carrega conotações insultantes, queira ele ou não, porque ele é inconscientemente influenciado pela cultura de inferioridade.

Segundo Richard Wassertrom o racismo inconsciente pode ser mais insultante e destrutivo que o outro, ele cita como exemplo uma reportagem em um jornal do Sul, antes do fim da segregação, sobre um programa da high school. A reportagem dizia que todos os estudantes poderiam participar, não excluía expressamente os negros, embora todos soubessem que a eles não era permitido, apenas pelo fato que os estudantes negros não eram tidos como pessoas, ser humanos.

No Brasil também, o racismo aversivo, inconsciente, prevalece. O brasileiro não admite seu preconceito, a emoção das pessoas, o sentimento inferior delas é que é racista. Quando racionalizam, elas não se reconhecem assim, não identificam em suas atitudes componentes de discriminação.

Mas a desigualdade racial brasileira é denunciada pela pesquisa da Federação do Órgão para Assistência social e Educacional – FASE, , que traz índices que levam à conclusão de que a qualidade de vida da população negra está próxima s dos países pobres. As famílias negras ainda são marginalizadas no processo produtivo e da mesma maneira seus filhos. Enquanto 43% dos brancos têm a possibilidade de entrar para uma Universidade, apenas 18% dos negros o têm. Sem mencionar que o índice de analfabetismo é bem maior entre os afro-brasileiros. A discriminação é mais clara ainda no mercado de trabalho, freqüentemente é considerado incapaz ou exigi-se “boa aparência” .

Mas também o judiciário possui uma estimativa, enquanto 27% dos brancos respondem em liberdade, apenas 15,5% dos negros usufruem desta condição no Brasil.

Entretanto, os Tribunais Constitucionais vêm sendo os principais responsáveis pelo ganho de espaço dos negros na sociedade, dando efetividade aos princípios elencados nas Constituições. É claro que não sem a luta dos movimentos dos negros, estes levam suas reinvidicações à Corte Superior, a qual verifica os seus direitos perante a Lei Maior. Sem dúvida a melhor ilustração é a decisão do caso Brown v. Board of Education.

DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES

Indubitavelmente, o século que passou foi testemunha de um grande salto adiante na luta pelos direitos das mulheres. Embora em alguns países a proteção dos direitos humanos das mulheres seja minada por leis e práticas profundamente discriminatórias, freqüentemente em nome da religião, da tradição ou da cultura, que preservam a noção de que as mulheres são inferiores aos homens e não merecem direitos iguais ou proteção igual nos direitos, em muitos países, as mulheres adquiriram direito de votar e de participar do governo. Em outros, conseguiram independência econômica e status social de natureza impensável há cem anos.

Grande parte dos países adotaram constituições ou leis que proíbem a discriminação de sexo, foram assinados tratados internacionais de direitos humanos para erradicar a discriminação contra as mulheres, mas mesmo assim, elas ainda são tratadas como cidadãs de segunda classe. Seu status econômico continua inferior ao do homem e a prosperidade de muitas mulheres é ligada à sua dependência ao homem. Tudo isto está relacionado com a cultura em que vivemos, embora as feministas e as anti-feministas discordem em como isso se dá.

Para as feministas têm suas raízes na infância, onde é ensinado às meninas a ter prazer em sua própria subordinação. Há uma herança de submissão e dependência nas relações entre homens e mulheres que se traduz em comportamento discriminatório. É tradicional conferir às mulheres as responsabilidades primárias de cuidar das crianças e aos homens o trabalho fora, o qual não terá preocupações em sua mente para atrapalhar seu rendimento (crianças). Desse modo, uma mulher disputando o mesmo cargo será marginalizada ou no mínimo, paga com um salário menor.

As mulheres são praticamente excluídas dos cargos de chefia, seja no mundo dos negócios, no governo ou na própria organização religiosa. Assim restam a elas as carreiras periféricas de auxílio e que por isso mesmo são tipicamente femininas: irmã de caridade, enfermeira, secretária, etc.

Estatísticas brasileiras demonstram que as mulheres têm mais dificuldades no acesso a empregos e na ascensão profissional em razão das responsabilidades familiares. Freqüentemente são impedidas de obter promoção com a justificativa de que os demais funcionários teriam dificuldade em aceitar uma mulher como superior hierárquica. Além disso estão sujeitas ao assédio sexual, à demissão por motivo de gravidez ou exigências de atestado de esterilização e não-gravidez no ato da admissão.

Já as anti-feministas culpam a situação atual, onde há uma desvalorização das suas funções tradicionais e a proliferação de divórcios, os quais obrigam as mulheres a entrarem no mercado de trabalho queiram elas ou não. Segundo elas, enquanto no século XIX havia uma valorização da vida doméstica e o papel importante da mulher nele, hoje, ser dona de casa não tem prestígio e é muitas vezes degradante. Mas as mulheres não largaram suas antigas funções, assim têm que combinar trabalho fora com trabalho de casa, tendo então que procurar um serviço de meio-horário, onde não há benefícios e os salários são baixos. Assim enquanto elas carregam o estigma de que mulheres com crianças são menos capazes de se dedicarem ao trabalho do que os homens, elas também são acusadas de negligenciar seus filhos quando elas trabalham.

A própria sociedade ainda demonstra o seu estigma de serem elas inferiores aos homens, com diversas piadas a respeito, as quais vão sendo transmitidas assegurando, de maneira inocente, a supremacia do homem.

É comum dizer que as conversas de mulheres são sobre coisas tolas e triviais, fofocas, já dois homens quando conversam, eles estão tendo uma discussão, fato importante. As mulheres não sabem dirigir, embora os números dos acidentes de trânsito denotem o contrário.

O próprio termo comum pelo qual se designa a raça humana é homem, em inglês man. Contudo, já neste espaço estamos tendo uma melhoria, o novo projeto do Código Civil Brasileiro que está no Congresso Nacional, busca substituir a expressão ‘homem’ por ‘ser humano’.

Segundo Koppelman , até mesmo “a valorização da beleza da mulher é prejudicial a ela, não só por reduzir as mulheres a seus corpos, mas também por desvalorizar o corpo que muitas mulheres têm.”

Segundo a maioria dos autores que tratam do assunto, a luta das mulheres é muito mais difícil do que a dos negros, isto porque falta a elas a consciência de grupo. É difícil a construção de uma cultura que acabe com o status inferior, pelo fato de elas estarem vivendo, morando, justamente com o grupo que detém o poder. Assim elas internalizaram os estereótipos para pelo menos acreditarem que os problemas que têm são conseqüência de sua situação individual e não de seu status como mulher.

É mais uma vez um problema de transformação cultural, as Cortes ainda julgam infectadas pelo estigma, isto porque, seus membros antes de tudo, são membros da sociedade, mas cabem a eles tentar dar um fim a este estigma, assim como às leis, de forma que no futuro, a igualdade seja realmente verdadeira. Todas as Cortes devem tentar incitar um movimento social para erradicar a cultura de desvalorização.

Exemplo de decisão neste sentido foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 120305/RJ, julgado em 08/09/1994, onde o Tribunal entendeu que o concurso público para preenchimento de vagas existentes no Oficialato da Polícia Militar, no Quadro de Saúde, era inconstitucional por excluir as mulheres do certame e a Constituição Federal proíbe a distinção por motivo de sexo.

Em sentido contrário, minorando a mulher, há a decisão da Suprema Corte Americana no caso Michael M v. Superior Court , em um caso de estupro. A Suprema Corte entendeu não ser o acusado culpado já que não parecia que a suposta vítima tenha participado sem vontade do ato sexual. Se ela antes estava beijando o acusado, ela o instigou e portanto, não cabe alegar estupro, não importando que ele só tenha conseguido consumar o ato após dois ou três murros em seu rosto. Assim prevaleceu a noção de que qualquer homem que for deliberadamente despertado por uma mulher, não pode ser condenado por estupro.

Também em Orr v. Orr a Corte confirmou seu estigma ao manifestar que existe um espaço próprio para as mulheres e que elas necessitam de especial proteção.
Da mesma maneira mulheres que se dedicam a ser mães em tempo integral continuam a ser vulneráveis, a não ser que as Cortes parem de não dar valor algum ao trabalho que fazem. E mulheres que trabalham fora continuam a ser a segunda classe de trabalhadores, a não ser que os homens assumam também as tarefas, dividindo com as mulheres as tradicionais tarefas femininas.

País que vem avançando neste terreno é a Inglaterra, onde grande quantidade de homens divide com as mulheres as tarefas do lar, havendo inclusive a possibilidade do homem pedir licença do emprego para cuidar dos filhos.

DISCRIMINAÇÃO CONTRA HOMOSSEXUAIS

Este grupo apresenta uma dificuldade em ser reconhecido como um grupo minoritário necessitando de proteção, tendo em vista que o fundamento para que as Cortes afirmassem diversas vezes que o indivíduo não pode sofrer de discriminação é o fato de estarmos diante de características imutáveis do mesmo, e ele nada poder fazer para modificá-la.

Questionou-se então, o fato de a opção sexual do indivíduo não ser uma característica imutável e portanto não amparável pela legislação, o que levou alguns autores a afirmar sim, sua característica imutável, assim como raça e sexo. Porém tal questão foi ultrapassada e hoje não mais faz parte do cerne da questão.

A discriminação que os homossexuais sofrem é muito pior para o indivíduo do que a que sofrem mulheres e negros. Desde pequenos estes são ensinados a lidar com o preconceito e têm o apoio de seus pais, já os homossexuais só vão saber de sua opção quando adolescentes, que já é um período difícil para o ser humano e ainda, na maior parte dos casos, não contam com o apoio da família. Sendo discriminados até mesmo dentro de casa, os americanos preocupam-se com o nível de suicídio entre os jovens homossexuais.

O que eles buscam não é uma lei proibindo discriminação no emprego, eles já estão em todos os lugares, o que eles querem é parar de esconder sua sexualidade. Eles querem ter direito a uma vida comum, casar e poder criar filhos.

Seu problema ainda encontra resistência em algumas religiões, e como modificar a crença das pessoas, se aqui, como nos Estados Unidos e na Alemanha, é livre ao indivíduo a escolha de uma crença ou religião? Impor a estes indivíduos que não discriminem os homossexuais é de certa maneira uma interferência na liberdade de escolha. Inevitavelmente, esforços do Estado em reduzir qualquer tipo de discriminação irá implicitamente dizer a estes, cujas religiões discriminam, que sua crença é falsa e necessita ser modificada.

Mas é certo que todos têm direito à privacidade e de ficarem livres de discriminações. E o esforço por pôr fim à discriminação contra homossexuais, pode ser entendido, no dizer de Koppelman, como parte do esforço de pôr fim à subordinação da mulher, seu status inferior, porque a função da aversão a homossexuais é preservar a hierarquia dos homens sobre as mulheres. Do mesmo modo que a proibição de miscigenação preservava a polaridade entre as raças, onde os brancos eram superiores.

Para ele é caso de discriminação em razão do sexo, por que uma mulher pode fazer certas coisas com um homem que um outro não pode? Na realidade porque o homem seria reduzido ao status de mulher e isto seria degradante. Já o lesbianismo seria uma forma de insubordinação, ele nega que a sexualidade feminina exista somente para satisfazer o macho.

Com base nestas idéias, estudos têm demonstrado que a igualdade entre os sexos está associada a uma atitude positiva com respeito ao homossexualismo e ao lesbianismo. Se as mulheres enxergassem tal fato elas seriam as primeiras a não discriminarem tais grupos.

CONCLUSÃO

Procuramos, neste trabalho, verificar o papel das Cortes Constitucionais na defesa dos direitos fundamentais, a proteção das minorias e sua relação com o sistema democrático de governo. A par de a doutrina pátria não nos conferir muitos estudos acerca do assunto, nos deparamos também com escassas decisões do nosso Supremo Tribunal Federal neste sentido. Foi uma verdadeira caça ao tesouro encontrar alguma decisão que pudesse ser citada neste trabalho e daí o motivo pelo qual abusamos da Suprema Corte Americana. Restou apenas a pergunta, o nosso Tribunal Constitucional não se manifestou acerca do assunto porque não foi questionado ou porque não desejou mesmo adentrar neste mérito? É curioso que até os dias atuais não tenha se manifestado sobre um direito constitucionalmente assegurado.

Assim, apesar dos obstáculos iniciais, procuramos inicialmente definir o conceito de minoria, apresentamo-la como um elemento numérico e fizemos então a relação entre democracia e constitucionalismo. Ou seja, diante de um sistema essencialmente democrático, onde tudo fosse resolvido de acordo com a vontade da maioria, a minoria não teria vez, seus direitos fundamentais não estariam assegurados. Ao contrário, um sistema político essencialmente constitucional, onde todos os direitos fundamentais estivessem elencados em seu corpo, conferindo pequena atuação à democracia, seria ideal para a minoria, a qual teria o Tribunal Constitucional como seu protetor máximo.

Mas não foi este, especificadamente, o rumo do trabalho, tomamos aqui o conceito de minoria não como elemento numérico e sim como grupo vulnerável, ou seja, analisamos a discriminação de negros, mulheres e homossexuais.

Três teorias básicas a respeito de discriminação foram expostas aqui, a do decision making process, a teoria do estigma e a dos desavantajados. A primeira aponta para o perigo de a feitura das leis ser infectada por idéias racistas. Trabalha ela assim, em um momento externo e refere-se somente à ordem pública. A teoria do estigma trabalha em um momento interno, quando os significados são absorvidos pelos participantes da sociedade, buscando especificar quais tipos de estigmas são intoleráveis e porquê. E, finalmente a terceira que se foca diretamente na realidade concreta.

Embora façam críticas umas às outras, cada qual tem sua brilhante contribuição. Apesar de não terem afirmado abertamente a necessidade de uma mudança cultural, não vemos outra maneira. O projeto de anti-discriminação visa romper com os estigmas existentes e assegurar uma igualdade material.

A tarefa não é fácil, vivemos em um círculo vicioso onde as decisões tomadas pela maioria na democracia são discriminatórias, isto porque a maioria é composta de cidadãos que possuem estigmas e, em suas escolhas, agem conforme suas crenças.

Como os governantes são parte da sociedade e buscam representar seu eleitorado, também eles são infectados pelos clichês existentes tornando a abstração difícil. Recorre-se então às Cortes Constitucionais, mas que também são elas formadas por membros da sociedade e que podem muitas vezes julgar inconscientemente de maneira discriminatória, como o Tribunal da Geórgia nos Estados Unidos, onde o número de negros condenados é bastante superior ao de brancos.

Mas sendo as Cortes Constitucionais, as intérpretes maiores da Constituição, resta a esperança de que consigam abstrair-se ao máximo e realmente visualizar os atentados aos direitos fundamentais. A Suprema Corte dos Estados Unidos deu um exemplo magnífico ao proferir a decisão no caso Brown v. board of education, indo de encontro ao que esperava a maioria dominante e ao que até eles próprios estavam acostumados. E, esta decisão foi tão forte que, hoje, não mais questiona-se o direito dos negros freqüentarem os mesmos lugares que os brancos. Provocou-se uma transformação cultural.

É necessário que se tenha coragem ao interpretar a constituição. Se de um lado a teoria da sociedade aberta dos intérpretes da constituição de Peter Häbele faz com que idéias racistas sejam ouvidas, ela também permite que os grupos oprimidos sejam ouvidos e que exponham as restrições que venham sofrendo.

A ampliação do círculo de intérpretes é apenas conseqüência da necessidade de integração da realidade no processo de integração. Interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública. Assim, como diz Häbele todo aquele que vive a constituição é um seu legítimo intérprete e cabe, portanto, às Cortes Constitucionais ouvir esta minoria que anseia tanto por seus direitos.

BIBLIOGRAFIA

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HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional- A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 1997.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Vol. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6. ed., São Paulo: Atlas, 1999.
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VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal- jurisprudência política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
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