A responsabilidade das instituições de ensino superior pelo vício no serviço prestado

Paulo Jorge Scartezzini Guimarães

1. Introdução.
Num país onde, erroneamente, apenas os possuidores de certificado de conclusão de um curso superior são respeitados pela sociedade e têm a chance de lutar por um melhor lugar no mercado de trabalho, vemos o surgimento de uma infinidade de Faculdades que oferecem seus cursos após a aprovação em um prévio exame, ou mais recentemente, pelas simples notas obtidas no curso médio (1).
Este crescimento na oferta de ensino não seria preocupante se não fosse a baixa qualidade do serviço posto à disposição. Muitas destas instituições de ensino, que por ironia são as que possuem as mensalidades mais caras, não dão a seus alunos as mínimas condições para o aprendizado, tendo como principal objetivo e, às vezes o único, o lucro (2-3).
Diversas instituições não possuem qualquer infra-estrutura, como, por exemplo, salas de aula adequadas e bibliotecas com quantidade e qualidade de obras capazes de auxiliar os estudantes nas suas pesquisas; além de superlotar as salas, não dão incentivo ou treinamento aos professores, que em regra, sequer possuem um curso de especialização ou pós-graduação. A decepção é ainda maior quando comparamos nossas universidades com as existentes em outros países, até com aqueles não considerados de primeiro mundo.
Esquecem estes fornecedores, efetivamente, que o ensino, nos termos do art. 205 da Constituição Federal, visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional, devendo ser ministrado com base, dentre outros, no princípio da garantia de padrão de qualidade (inciso VII do art. 206) (4).
A preocupação quanto à baixa qualidade do ensino é tão grande que o próprio Governo Federal, pelo seu Ministério da Educação, implantou o chamado “provão” (Exame Nacional de Cursos), que visa identificar, através de exame nos alunos do último ano do curso e por outros critérios (5), as melhores e piores faculdades, atribuindo-lhes uma nota e colocando esta informação para conhecimento do público (6-7-8).
Dentro do curso de Direito, onde estamos mais familiarizados, percebemos claramente o problema acima indicado. Há sem dúvida, na maioria dos cursos oferecidos, uma preocupação muito pequena com a formação do aluno (9).
Como bem diz Geraldo M. Martins “o objetivo ao qual o estudante é incentivado a se dedicar, durante sua passagem pela universidade, deixa de ser o aprendizado e o domínio de conhecimento, para se tornar apenas a aprovação na matéria, a aprovação no final do semestre e, finalmente, a diplomação”. Continua o autor afirmando que “as instituições universitárias acabam convertendo-se simplesmente no lugar onde se tomam as disciplinas necessárias para se obter o diploma. Os cursos, ao deixarem de ser um projeto de formação do cidadão e de efetiva aquisição de competências, transformam-se em uma passagem fastidiosa pela rede pública ou num negócio que se pratica na rede privada” (10).
Poder-se-ia até dizer que parte da culpa deve ser atribuída aos próprios estudantes, já que não lutam por seus direitos, aceitando as condições impostas (11). Muitas vezes, o que se percebe, principalmente nas faculdades menos renomadas, é a total falta de interesse por grande parte dos alunos, isto porque, como dito no primeiro parágrafo, visam apenas obter o tão precioso “diploma”.
Mas, no fundo, não se pode culpá-los; são vítimas de uma sociedade que dá valor aos “títulos”, como se somente o homem diplomado merecesse sua consideração. Ingressam nas faculdades, muitas vezes com grandes dificuldades de pagamento das mensalidades, e ao contrário do que deveria acontecer, não são incentivados, estimulados, não os fazem ver que aquele pedaço de papel, na verdade, não lhes garante qualquer sucesso profissional e que o objetivo do estudo é bem outro (12).
Pode-se, isto sim, atribuir parte da culpa a alguns professores (13), que não se dedicando a tão importante função, esquecem de se atualizar na matéria a lecionar, deixando também de exigir de seus pupilos a mínima dedicação ao estudo, com o simplista, e ao nosso ver errado entendimento, de que eles aprenderão na prática. Sem dúvida, há um fundo de verdade nesta afirmação, pois a prática é a universidade das universidades, porém o risco é muito grande, já que estes profissionais terão em suas mãos, dentre outros bens, a vida, a liberdade, e o patrimônio das pessoas e assim, devem ter o mínimo de conhecimento para evitar a causação de danos a terceiros (14).
Frente a esta realidade, surge a indagação sobre a eventual responsabilidade dessas instituições de ensino, em relação ao malogro de seus alunos e até pelos danos por estes causados em decorrência de suas falhas na formação técnica.
Não pretendemos defender a tese de que serão elas (instituições de ensino superior) culpadas e, em conseqüência, responsáveis por todo insucesso individual ou pelo desemprego dos recém formados. Por outro lado, terão sim responsabilidade quando o fracasso tiver como causa a inexistência ou existência deficiente do serviço por elas prestado.
Por exemplo, imaginemos que grande parcela dos alunos de uma determinada faculdade não consiga aprovação, sequer num exame inicial para ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (15), isto pela falta de conhecimento básico da matéria, acarretando-lhes, além do abalo mental, um prejuízo econômico (lucros emergentes – gastos com novos cursos preparatórios e lucros cessantes). Podemos também imaginar a responsabilidade das faculdades quando o dano causado a terceiro tiver como causa, mesmo remota, essa ausência do ensinamento ou o ensinamento incorreto (16).
A questão aqui posta não é nova. Em 1973 um ex-aluno da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Dascomb Henderson, foi despedido de seu emprego após aplicar uma fórmula de investimento ensinada na faculdade, causando à empresa um prejuízo.
O ex-aluno ingressou com uma ação de indenização contra a Universidade e o professor que havia ensinado a fórmula, pleiteando $500,000 de lucros cessantes e $ 200,000 pelas humilhações sofridas. Inicialmente a ação foi extinta, porém, na fase recursal, foi acolhido o pedido de um julgamento, afirmando o juiz que “it seems paradoxical beyond endurance to rule that a manufacturer of shampoos may not endanger a student’s scalp but that a premier educational institution is free to stuff his skull with nonsense” (17).
Apesar da ação, por pouco não ter sido julgada procedente, consta que as instituições de ensino e seus professores passaram a ter mais cautela quanto ao serviço prestado, sendo que outras inúmeras ações semelhantes foram propostas (18).

2. Das Obrigações Contratuais.
Nesse contrato bilateral, oneroso, comutativo e de longa duração, ao aluno cabe o pagamento dos valores combinados, enquanto à prestadora do serviço cabe, através de seus professores, transmitir, de forma eficiente, conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação ou a um fim determinado (19).
As obrigações das partes não se resumem às prestações acima indicadas (20). Se por um lado o estabelecimento de ensino não pode obrigar o aluno a freqüentar as aulas e absorver os conhecimentos e informações dados, por outro, tem o dever de controlar seu desenvolvimento e vedar seu ingresso em outro semestre ou que conclua o curso, se não estiver apto a tanto (21).
Essa avaliação do aluno é feita semestralmente ou anualmente, tendo como o ápice do reconhecimento da aquisição dos conhecimentos, a efetiva conclusão do curso, ou melhor, a diplomação (22).
Assim, quando as instituições de ensino aprovam os alunos e ao final dão os certificados de conclusão, estão atestando que tais pessoas possuem os conhecimentos básicos sobre aquela matéria estudada durante anos, que estão aptos a exercer a profissão que ao curso está ligada.
A constatação de que tal situação não é verdadeira caracterizará o vício e, em conseqüência, uma responsabilidade da Instituição de ensino.
3. O Vício de Qualidade do Serviço de Ensino no CDC.
A proteção do vício de qualidade do serviço é nova no nosso sistema jurídico positivo, pois no Código Civil o vício redibitório só poderia existir no produto (coisa). Este novo instituto surge com o advento do Código de Defesa do Consumidor.
A situação aqui estudada, sem dúvida, pode ser definida como uma relação de consumo; como consumidores finais de um serviço temos os alunos (caput do art. 2°); como fornecedores, posto que pessoas jurídicas, nacionais, públicas (23) ou privadas, desenvolvendo atividade relativa à prestação de serviço, temos as instituições de ensino (art. 3°); ligando estes dois pólos e formando a relação de consumo, temos o ensino (obrigação de fazer), que é o serviço dado (24).
Se não bastasse essa análise dos dispositivos do C.D.C., o legislador, para afastar quaisquer dúvidas, fez constar do art. 3° da Lei 8.170/91 que: “No caso de celebração de contratos de prestação de serviços educacionais, os mesmos deverão obedecer o disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor”.
O Código de Defesa do Consumidor, na seção III de seu Capítulo IV (arts. 18 a 25) cuida da responsabilidade pelo vício do produto e do serviço (25), mais especificamente, vícios de qualidade por inadequação e quantidade (26).
Falando especificamente sobre os vícios de qualidade do serviço, temos o art. 20 que prevê a responsabilidade do fornecedor em três hipóteses: vícios por impropriedade, vícios por diminuição do valor e vícios por disparidade com as indicações informativas.
Vejamos cada uma delas.
Quanto à primeira hipótese, o legislador, em seu parágrafo segundo, deu a definição de impróprio, como sendo “todos os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade”.
Ora, a pessoa que ingressa em uma faculdade espera – e a lei impõe como finalidade desse serviço (27) – que o ensino a ser fornecido permita o acúmulo de conhecimentos que, por sua vez, lhe ampliará os horizontes culturais e facilitará a abertura das portas de um futuro profissional melhor (28). Inadequado será então o ensino prestado que não dê ao aluno esses conhecimentos básicos na matéria estudada, que não lhe torne apto a exercer a profissão escolhida, que frustre as suas normais expectativas, violando a confiança depositada no fornecedor do serviço (29).
Poderíamos ainda afirmar, que, na classificação de Demogue, a obrigação da “escola”, quanto ao dever de prestar um serviço adequado, é de resultado (30). Assim, deve o devedor empregar todos os esforços para que seu serviço atinja o resultado esperado pelo credor da obrigação, levando-se em conta sua eficiência, diligência e profissionalismo. Como bem diz Cláudia Lima Marques “a prestação de serviço adequado passa a ser a regra, não bastando que o fornecedor tenha prestado o serviço com diligência” (31-32).
Em relação às normas regulamentares, vale lembrar que elas apenas fixam um mínimo a ser observado pelo fornecedor de serviços. Assim, o seu não cumprimento gera, automaticamente, a impropriedade do serviço. Todavia, não basta que as instituições de ensino cumpram as disposições previstas para se isentarem de suas responsabilidades, pois como já afirmado, são eles apenas padrões básicos. Devem, se necessário, ir além, fornecendo o serviço de forma mais completa possível, com o fim de torná-lo um serviço de qualidade, ou seja, efetivamente adequado (33).
Na segunda hipótese, quanto à diminuição do valor, ela pode estar ligada tanto à qualidade, quanto à quantidade (34). No primeiro, o serviço não é impróprio e apesar de atingir os fins desejados, sua adequação é parcial (35). Na segunda hipótese, a quantidade da prestação não é compatível com o previsto, tornando a prestação de serviço, apesar de útil, incompleta (36).
Por último, temos o vício pela disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária. Esta questão está diretamente ligada à publicidade ilícita, falsa ou enganosa.
Nos termos do art. 30 do CDC, toda informação ou publicidade suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, integrando o contrato que vier a ser assinado.
Por sua vez, o parágrafo primeiro do art. 37 veda a publicidade enganosa, ou seja, aquela que, por qualquer modalidade, inteira ou parcialmente, dê informação ou faça comunicação de caráter publicitário falso, bem como aquela que, por qualquer outro modo, induza em erro o consumidor sobre, entre outras coisas, a natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço do serviço.
Diante da concorrência que já surge também entre as prestadoras de serviços educacionais, muitos dos fornecedores fazem publicidade, afirmando coisas que às vezes não são verdadeiras, garantindo até o sucesso profissional de seus alunos, após a conclusão do curso (37-38).
Não podemos nos esquecer também dos diversos cursos que apresentam no rol de seu corpo docente (39), professores que jamais deram ou darão aulas aos futuros alunos; aquelas que divulgam imagens de ambientes e equipamentos aos quais os alunos não terão acesso e assim por diante.

4. Da Responsabilidade Civil pelo Vício do Serviço.
Ocorrendo a inadequação total (impropriedade do serviço), terá o consumidor a possibilidade de exigir a reexecução do serviço, quando cabível (inciso I) ou a restituição imediata da quantia paga (inciso II); no caso de inadequação parcial, poderá pleitear a reexecução do serviço ou o abatimento proporcional do preço (inciso III) (40-41).
Na última hipótese, ficando caracterizada a publicidade enganosa, surgirá para o consumidor/aluno, além das opções previstas nos incisos do art. 20, ainda, aquelas previstas no art. 35, I e II, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Com qualquer um desses pedidos poderá o consumidor cumular pedido de indenização, seja do que efetivamente perdeu, do que deixou de ganhar, seja quanto aos danos morais (42).
Pela nova visão da teoria da responsabilidade civil, principalmente dentro das relações de consumo, deixa-se de lado a dicotomia criada pela doutrina entre responsabilidade contratual e extracontratual. Como preleciona Cláudia Lima Marques – mesmo reconhecendo a necessidade da dualidade técnica – “procura-se uma unidade teórica da responsabilidade, não mais baseada na culpa como noção transcendente” (43-44).
O que passa a existir, dentro de uma nova teoria chamada da “qualidade” é uma responsabilidade legal (45). Essa responsabilidade deriva de uma garantia implícita em todo contrato quanto à adequação do produto e do serviço prestado (art. 24 do CDC) (46).
Assim, com a violação do dever legal acima mencionado e presente os demais requisitos da responsabilidade civil, haverá, automaticamente, a obrigação de indenizar, sendo irrelevante a culpa do fornecedor (art. 23 do CDC) (47). Atente-se que essa norma legal, ao contrário da antiga previsão do art. 1.102 do Código Civil, veda qualquer tipo de exoneração desse dever (arts. 25 e 51, I).
Em termos práticos, ingressando o consumidor com uma ação, que englobe qualquer um dos pedidos citados, terá que indicar apenas o vício na prestação do serviço (inadequação total, parcial ou a disparidade com a oferta e a publicidade). Quanto ao pedido de indenização, deverá provar a ocorrência do dano material, pois o moral é presumido (48), isto com o devido nexo causal.
Dependendo do caso concreto, ou seja, a existência de verossimilhança ou hipossuficiência (49), nos termos do art. 6°, VIII do CDC, o juiz deverá inverter o ônus da prova em relação a qualquer dos requisitos do dever de indenizar.
Tratando-se de vício relativo a serviço durável e sendo ele oculto, o prazo será de 90 dias, tendo o dies ad quo a data em que ficar ele evidenciado (§3° do art. 26), isto sempre após o término da execução do serviço (§1°) (50).
Para se eximir de sua responsabilidade deverá a ré se utilizar uma das hipóteses previstas no §3° do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, deverá provar que não forneceu o serviço indicado (não firmou qualquer contrato de prestação de serviço com o autor), inexiste o vício no serviço, ou que a culpa é exclusiva ou concorrente do consumidor ou de terceiro (51). Lembremos que a Universidade não poderá alegar ausência de sua culpa, de seus prepostos ou representantes, isto nos termos dos arts. 23 e 34 (52).

CONCLUSÕES
1) O ensino, total ou parcialmente inadequado, prestado pela instituição de ensino superior remunerado, pode ser conceituado como vício, nos termos do art. 20 do CDC ?
2) Responde civilmente a instituição de ensino remunerado pelos danos causados ao aluno, podendo ser solidariamente responsável por danos que este tenha causado a terceiros em decorrência do vício no serviço ?

Notas:

1. Nos últimos quatro anos, o Ministério da Educação autorizou a abertura de 117.584 vagas em faculdades integradas, centros universitários e instituições isoladas de ensino superior, ampliando em 47% a oferta de vagas nessas instituições (Jornal Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 2000, 3/7). Segundo consta de matéria publicada na Revista Veja, de 2 de fevereiro de 2000, cerca de 350.000 universitários se formam anualmente no Brasil (p. 62).
2. José Renato Nalini, analisando a Portaria 1.886/94 do Ministério da Educação, conclui que tal norma procurou “conferir tratamento adequado a um ensino hoje encarado como atividade comercial descomprometida de uma destinação ética, desvinculado das tradições do Direito pátrio, deteriorado por falta de seriedade e distanciado das necessidades de uma população extremamente carente” (O Novo Ensino do Direito, in RT 715/342).
3. O Jornal da Globo, veiculado no dia 9 de fevereiro de 2000, informou que as faculdades particulares representam 62% das vagas universitárias em todo o Brasil, porém apenas ¼ delas demonstraram, no último “provão” (1999), que, de fato, formam bons profissionais. Diz a reportagem que, na febre do ensino superior, há quantidade e não qualidade. No último exame nacional de cursos, apenas 20% das faculdades privadas atingiram aprovação com notas A e B; por outro lado 103 instituições, por 3 anos consecutivos, foram reprovadas com notas D e E.
4. Estes mesmos objetivos estão incluídos no art. 2° da lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Lei 9.394/96).
5. Sobre o procedimento para o processo de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior, vide Decreto 2.026/96.
6. Quanto a esta avaliação e por mais que tentemos, não conseguimos entender a posição de alguns, que se intitulam defensores dos alunos (como exemplo a União Nacional dos Estudantes – UNE), na batalha inicial contra tal método. Talvez não seja ele perfeito, porém é eficaz e classificou nos últimos anos diversos cursos oferecidos pelas instituições de ensino, fazendo com que muitas delas repensassem seus métodos e seus objetivos e melhorassem sua imagem perante o mundo acadêmico.
7. Esse assunto, como já dissemos, tem preocupado a todos, inclusive às associações profissionais. Em artigo publicado na revista Veja, intitulado “Palavra de Ordem”, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, após constatar que o aumento das faculdades criou condições para o surgimento de cursos péssimos, que proporcionam uma formação deficiente, lançou proposta de criar um ranking com as melhores e piores universidades do Brasil, estabelecendo um selo de qualidade (Revista Veja, de 17 de novembro de 1999, p. 164).
8. Especialistas da área de recursos humanos, reconhecendo que o ensino no país é desbalanceado, dizem que as empresas procuram futuros profissionais em poucas escolas – nas de vestibular mais disputados – apesar de reconhecer que há talentos em universidade do norte ao sul. Acreditam que com a consolidação do “Provão”, os estudantes de notas mais baixas vão pressionar a direção dessas instituições, provocando assim a melhoria da qualidade dos cursos (Revista Veja, “A Escolhida”, de 2 de fevereiro de 2000, p. 60/62).
9. De forma precisa Régis de Oliveira afirma que: “Não há preparação adequada do aluno para a compreensão da matéria. Não há controle sobre a lista de assinaturas, o que leva a cada qual assinar por dois ou três, sem que se possa efetuar qualquer tipo de melhoria. O grande número de alunos em cada classe distancia-os do professor, sem que se possa efetuar troca de idéias a respeito do tema dado. A ausência de leitura do aluno perde-se em dramática falta de ‘conversa’ ou ‘argumento’ para discutir com o mestre. Este, de seu turno, não só pelos dados anteriores (baixos salários, etc), não está interessado na universidade de pesquisa, mas tem o ensino como ‘bico’ ou por questão de status”. (“A Universidade e a Justiça” in RT 692/48). Também, com a mesma colocação do problema e na busca de uma solução, José Renato Nalini (Ob. cit.).
10. Apud Régis Fernandes de Oliveira (Ob. cit.).
11. É verdade que os contratos firmados são típicos contratos de adesão, que não permitem qualquer interferência do aluno. Todavia, nos referimos à falta de reivindicações quanto, por exemplo, às bibliotecas melhores equipadas, professores mais bem preparados, classes não superlotadas e efetivo cumprimento da carga horária.
12. Regis Fernandes de Oliveira afirma que “há a ilusão de que a obtenção do título universitário assegura o acesso a posições bem remuneradas” (Ob. cit.).
13. José Renato Nalini, através de um pedido de consciência crítica, diz que “os professores devem se questionar se estão investindo em si próprios o suficiente em termos de acrescentamento. E se estão colocando o seu talento direcionado à formação de quem os substituirá, na escola e na profissão”. Para os mantenedores diz “que devem se indagar se os cursos mantidos podem ser considerados eficientes. Se estão a formar profissionais conscientes, com capacidade crítica e dotados de visão abrangente do mundo” (Em Torno à Elevação de Qualidade do Ensino do Direito do Brasil, in RT 703/246).
14. O art. 13 da Lei 9.394/96 prevê, dentre alguns dos deveres dos docentes, o de zelar pelo aprendizado dos alunos.
15. Segundo o artigo publicado na revista Veja, acima mencionada, no Estado de São Paulo, 70% dos 28.000 candidatos inscritos foram reprovados no último exame da OAB.
16. Devemos ter a cautela de dizer que em diversas áreas, principalmente naquelas ligadas às ciências humanas, não há um certo ou um errado, mas posições ou correntes diversas sobre os diferentes assuntos. Assim, caberá ao prestador do serviço, através de seus professores, mencioná-las, dando ao aluno a possibilidade de encontrar a que mais lhe pareça correta. No mesmo sentido “that a professor could not be held responsible for erros in a field where truth and error frequently exchanged identities (Neal v. Department o Sociologi, 419 Mich.3 – Apud George J. Stigler, in “The History of Truth in Teaching”, Harvar University Press, 1984, p. 43).
17. Em uma tradução livre: “parece excessivamente paradoxial decidir que um fabricante de shampoo não deve danificar o couro cabeludo de um estudante, mas uma instituição educacional de primeira linha é livre para encher a sua cabeça com besteiras”
18. George J. Stigler, The Intellectual and the Marketplace, Enlarged Edition, 1984, Harvard Univerity Presse – tema 8 “A Sketch of the History of Truth in Teaching”.
19. Conceito de “ensino”, dado pelo Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa – Folha/Aurélio.
20. Nas palavras de Manuel A. Domingues de Andrade, essas relações com pluralidade de direitos e deveres são chamadas de “relações jurídicas complexas ou múltiplas” (Teoria da Relação Jurídica, Vol. I, Coimbra, 1992, p. 4).
21. Dentre os deveres acessórios ou anexos de conduta, resultado da incidente do princípio da boa-fé objetiva, são citados pela doutrina, geralmente, os de proteção, esclarecimento e de lealdade (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in “A Boa Fé no Direito Civil”, Almedina, 1997, p. 604); os de cuidado, informação, segurança e cooperação (Cláudia Lima Marques, Contratos…, p. 575). Clóvis do Couto e Silva os resume em deveres de proteção, incluindo nesse o dever de afastar os danos, atos de vigilância, guarda, cooperação e assistência (A Obrigação como Processo, Ed. José Buschatsky, 1976).
22. O art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional também prevê que o diploma terá validade nacional como prova da formação recebida por seu titular (g.n.).
23. Outra questão interessante, que analisaremos brevemente aqui, se refere à existência ou não de relação de consumo, quando se trata de ensino superior fornecido pelo Poder Público. Para alguns, não são abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor os serviços públicos próprios, prestados uti universi, diretamente pelo Estado e mantidos pelos tributos gerais. Tais serviços, pelo menos de forma direta, não são remunerados e assim, não caracterizariam serviços, nos termos do §2° do art. 3° do CDC (nesse sentido, Adalberto Pasqualotto – RDC 1/130; falando especificamente sobre o ensino público vd. Cláudia Lima Marques, in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, ob. cit., p. 214; Maria Antonieta Zanardo Donato, Proteção ao Consumidor- Conceito e Extensão, RT, pp. 118/130). Todavia, essa distinção entre serviços próprios e impróprios é criticada por outra corrente doutrinária. Segundo esta, a qual nos filiamos, não se pode, sob pena de se afastar dos objetivos da norma jurídica, fazer uma interpretação restritiva do dispositivo legal, excluindo-se parte dos serviços públicos prestados aos consumidores (nesse sentido Gláucia Aparecida Ferraroli Cazzaniga, in RDC 11/144; Herman Benjamin, ob. cit).
24. No 4° Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, foi aprovada por unanimidade a seguinte conclusão: “O Direito do Consumidor deve ser aplicado às relações de consumo da Educação e do Ensino não apenas no que se refere aos custos, preços e propaganda enganosa, mas sobretudo em relação à qualidade de ensino ministrado, uma vez delimitado o conceito de qualidade” (Apud, Revista de Direito do Consumidor 26/241).
25. Rachel Sztajn dá o conceito de serviço nos seguintes termos: “…ações (dos homens) que criam utilidades para satisfazer imediatamente necessidades humanas em oposição às necessidades satisfeitas com bens materiais” (A Prestação de Serviços na Lei do Consumidor, Revista de Direito Mercantil, n° 83/117).
26. Terminologia utilizada por Herman Benjamin, in Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Saraiva, 1991, p. 81.
27. O art. 43 da Lei 9.394/96 dá como finalidades da educação superior: “I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento científico e do pensamento reflexivo; II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição”.
28. Claro é que apenas uma boa formação acadêmica não significa a garantia de um sucesso profissional, porém, com certeza, é um requisito muito importante.
29. Sem menosprezo a qualquer profissão, ninguém faz, até porque seria desnecessário, uma faculdade de direito para ser despachante; não se faz uma faculdade de medicina para ser balconista de uma farmácia; não se faz uma faculdade de administração para vender cachorro quente na esquina das ruas.
30. No mesmo sentido Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 587.
31. Contratos…, ob. cit. p. 593.
32. Não ao nível de responsabilidade aqui desejado, porém cuidando da má prestação do serviço, há julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo onde consta a condenação de uma instituição de ensino ao ressarcimento dos danos materiais e morais do aluno, pela interrupção do curso prestado (RT 738/294).
33. Não é outra a opinião de Herman Benjamin. O douto Procurador da Justiça é enfático ao afirmar que “o simples respeito às normas regulamentares não dá imunidade ao serviço no que tange aos vícios de qualidade por inadequação. O traçado normativo fixa somente um standard mínimo de qualidade. E o juiz – como porta-voz da expectativa legítima dos consumidores – pode muito bem entender que seu conteúdo, como mínimo, não atingiu o patamar da suficiência” (Ob. cit. p. 108). No mesmo sentido Tereza Alvim (Código do Consumidor Comentado, Arruda Alvim et alli, Revista dos Tribunais, p. 156, nota 2). O mestre português Calvão da Silva, tratando da responsabilidade pelo fato do produto, também aborda esta questão, chegando à mesma conclusão dos autores nacionais citados (Responsabilidade do Produtor, Almedina, pp. 724/726)
34. O legislador não fala em vício de quantidade no artigo 20, porém ele está ali implícito quando se refere aos vícios que diminuam o valor do serviço ou da disparidade entre a oferta ou mensagem publicitária. Para Zelmo Denari o vício por quantidade também estaria implícito nesse dispositivo, porém acredita que eles podem ser extraídos dos vícios por disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto, Ed. Forense Universitária, p. 175). Em sentido contrário, Paulo Luiz Neto Lôbo, entendendo que a desconformidade entre a quantidade dos serviços e o constante do anúncio ou da mensagem importa inadimplemento contratual (Responsabilidade por Vícios nas Relações de Consumo, in RDC 14/33).
35. Aquisição de um pacote de viagem, onde o guia que acompanhou o grupo não sabia dar as informações históricas e turísticas dos lugares visitados.
36. Dentro do tema aqui abordado, poderíamos pensar no não cumprimento da carga horária, por exemplo, pelas constantes faltas dos Professores, sem qualquer reposição.
37. Sobre a concorrência, o Jornal Folha de S. Paulo, em matéria a respeito da mudança de conselheiros do Conselho Nacional da Educação pelo MEC fez constar que: “Apesar de a demanda por vagas em universidades crescer a cada ano, o mercado privado é limitado porque a maioria dos alunos não consegue pagar as mensalidades, que chegam a R$ 700,00. Segundo a Folha apurou, em São Paulo e no Rio, onde a briga é mais intensa, as faculdades só estão conseguindo preencher 60% das vagas abertas nos exames vestibulares (26 de fevereiro de 2000, 3° Caderno, p. 1).
38. Apenas a título de exemplo de publicidade, sem qualquer análise sobre a veracidade ou enganosidade, temos o anúncio da UniFmu, com a seguinte chamada: “Dedicação e Seriedade por um Ensino mais Qualificado” (Revista Folha de 30 de janeiro de 2000, p. 33); UniABC: “Construindo o seu Futuro” (mesma fonte, p. 34); Faculdade Associadas de São Paulo: “30 anos de experiência no melhor ensino” (mesma fonte, p. 35); Faculdade Tibiriça: “Corpo Docente – 70% de doutores e mestres” (Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 2000, caderno empregos, p. 14); Universidade São Judas: curso de pós graduação – “Rende mais que ações, poupança, dólar e fundos” (mesma fonte acima citada, p. 18); Faculdade Sumaré: “Uma Escola Atenta às Necessidades do Mercado – Empregabilidade, um assunto levado à sério”; FISP: “Tornar o seu futuro brilhante é o nosso maior objetivo (Revista Playboy, janeiro de 2000, p. 13).
39. A obrigação de apresentar a qualificação do corpo docente está prevista no §1° do art. 47 da Lei 9.394/96 e no §1° do art. 18 do Decreto n° 2.306/97.
40. Havendo vício de quantidade no serviço, acreditamos não haver a possibilidade de rescisão do contrato, com restituição do valor pago e perdas e danos, salvo em casos excepcionais onde o vício de quantidade é tão grande que afeta diretamente a qualidade do serviço.
41. Zelmo Denari, comentando o art. 20 do CDC, afirma que “se uma escola oferece um curso com determinado conteúdo programático, o descumprimento do programa autoriza o aluno a pleitear a completude da matéria, o que significa a reexecução dos serviços educativos prestados (inc. I), sem prejuízo das sanções previstas nos incs. I e II do dispositivo comentado” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto. Forense Universitária, 5ª ed., p. 175).
42. Nesse sentido, entre outros, Arruda Alvin et alli (ob. cit., p. 158) e Herman Benjamin (ob. cit., p. 107).
43. Ob. cit., p. 578.
44. Sobre as teorias dualista, unitária e intermediária da responsabilidade civil, vd. Geneviève Viney (Traité de Droit Civil – Introduction à la Responsabilité, LGDJ, pp. 276/280). Sobre a crítica à dicotomia existente entre responsabilidade contratual e extracontratual vide, além da autora francesa acima citada (p. 433 e segs.), Anelise Becker (Esta autora traz a idéia desenvolvida pelos irmãos Mazeaud e após, a idéia de um Contato Social in “Elementos para uma Teoria Unitária da Responsabilidade Civil” – RDC 13/42). Também entenderam ter sido abolida esta dicotomia: Olga Maria do Val, Maria Antonieta Zanardo Donato e Heloísa de Mello (respectivamente in Responsabilidade por Vícios do Produto e do Serviço: Do Código Civil ao Código de Defesa do Consumidor, RDC 13/63; Proteção ao Consumidor. Conceito e Extensão, pp. 220/221 e Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor, RDC 28/62). Jorge Bustamante Alsina diz ser uma tendência geral a unificação entre responsabilidade contratual e extracontratual (Teoría General de la Responsabilidad Civil. Novena edición, Bueno Aires: Abeledo Perrot, 1997, p. 99); O Prof. Antônio Junqueira, Sergio Cavalieri e Calvão da Silva também admitem a inexistência desta dicotomia, porém somente no CDC (o último fala apenas na responsabilidade do produtor), sendo que no Código Civil ela continua a existir (respectivamente, em apontamentos de aula no curso de pós-graduação da USP; Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed, Malheiros, 1999, pp. 27, 196 e 364 e Responsabilidade do Produtor, Almedina, pp. 475/480). Parece ser ainda esse o posicionamento de Tereza Alvim, que citando Herman Benjamin (vd. Obra aqui citada, p. 44), diz ser estéril a discussão entre responsabilidade civil contratual e extracontratual (Código do Consumidor Comentado, ob. cit. p. 154, nota 1).
45. Cláudia Lima Marques, ob. cit. p. 579.
46. O dever de garantia por parte do alienante não é novidade. Carvalho Santos, em seu Código Civil Brasileiro Interpretado, já sustentava que “a garantia a que é obrigado o alienante subsiste ainda quando êle ignora o vício oculto. É um risco do negócio, que à semelhança de outros, recai sôbre êle, com justo fundamento na segurança dos contratos” (vol. XV, p. 360).
47. Para alguns a responsabilidade é objetiva (Nelson Nery, in “Os Princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, RDC 3/44), enquanto que, para outros, ela é subjetiva, porém, com presunção absoluta da culpa (nesse sentido Cláudia Lima Marques, ob. cit. p. 589; Arruda Alvim et alli, Código do Consumidor Comentado, 2ª ed. RT, p. 143; Antônio Herman Benjamim, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, Saraiva, p. 82).
48. Muitos temem a proliferação das demandas envolvendo danos morais, falando inclusive na “indústria do dano moral”. A preocupação é válida, porém, pode muito bem ser controlada pela quantificação do dano moral, ou seja, pelo valor a ser fixado pelo juiz. Com isto, evitar-se-á as ações onde se procura o lucro exagerado por qualquer aborrecimento, transtorno ou dor.
49. A hipossuficiência, no nosso caso, poderá ser tanto econômica como técnica.
50. Tratando-se de contrato relacional, de longa duração, o conhecimento do vício pelo consumidor no curso da prestação de serviço, não isenta o fornecedor de sua responsabilidade.
51. Também admitindo a aplicação subsidiária das disposições da seção II aos vícios Roberto Senise Lisboa (O Vício do Produto e a Exoneração da Responsabilidade, in Revista de Direito do Consumidor, RT, n° 5/89).
52. No mesmo sentido, Cláudia Lima Marques, in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 3ª ed., p. 596.

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