A Polícia não Pode Acessar o seu Celular sem Ordem Judicial

Por Dr. Rafael Rocha – Advogado criminalista, consultor e parecerista em matéria Penal e Processo Penal. Formações Acadêmicas. • Bacharel em Direito pelo INESC/MG • Bacharel em Teologia pelo SETECEB/GO • Pós graduado em Direito Empresarial pela FIJ/RJ • Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo ATAME/GO Entidades das quais faço parte. • Vice Presidente da Comissão de Direito Penal Militar OAB/GO 2016-2018 • Membro do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal. • Membro da OAB/GO • Abracrim – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas www.rochadvogados.com.br


Ataíde (nome fictício), estava tranquilo em sua casa quando recebeu a indesejada visita da polícia civil que em cumprimento ao mandado de busca e apreensão de drogas, que adentrou seu lar para cumprir a ordem judicial.

Depois de revirar a casa, não encontrou drogas, nem balança de precisão, nem produtos químicos que caracterizassem produção de entorpecentes.

Não satisfeitos lhe tomaram o celular da mão abriram e lá encontraram mensagens, imagens, endereços que possivelmente indicassem tráfico de drogas.

Levado a julgamento, foi condenado a 7 anos e dois meses de prisão.

Essa é a história de Ataíde, e de milhares de outros que estão sendo processados ou já condenados, em processos onde a única prova era ilícita como será demonstrado mais adiante.

Nesse texto será abordado o uso da prova obtida do celular do suspeito sem ordem judicial é ilícita, ainda que se argumente o estado de flagrância por não corresponder ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Por falar em STJ, recentemente, em 05/03/2020, reconheceu mais uma vez, no AgRg no HABEAS CORPUS Nº 542.940 – SP (2019/0326185-5), que prova obtida em celular sem autorização judicial é considerada ilícita e deve ser desentranhada dos autos, e realizado novo julgamento.

Veja a ementa:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE PROCESSUAL. ACESSO AOS DADOS DO APARELHO CELULAR DO RÉU. AUSÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO.
DECISÃO RECONSIDERADA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
Esta Corte Superior de Justiça considera ilícita o acesso aos dados do celular extraídos do aparelho celular apreendido em flagrante, quando ausente de ordem judicial para tanto, ao entendimento de que, no acesso aos dados do aparelho, se tem a devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente.
Precedentes.
É reconsiderada a decisão inicial porque não se trata de implícita autorização de quebra do sigilo de aparelho com dados cuja busca se determinou. O que se tem é mandado de busca de drogas, que não traz implícita ordem de apreensão de arquivos de dados e seu acesso.
Agravo regimental provido para declarar a nulidade das provas obtidas no celular sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos, cassando os atos de natureza decisória das instâncias de origem, a fim de que se realize novo julgamento.
(AgRg no HC 542.940/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 10/03/2020)

 

Voltando a nossa conversa, tive um caso onde o delegado colocou no depoimento do suspeito preso em flagrante, sem acompanhamento de advogado, que o conduzido autorizou o acesso ao celular. Mentira descarada que ocorre todos os dias em delegacias.

Esse é o mundo das arbitrariedades que tem lançado no lombo de muitos, condenações que não deveriam existir. Na verdade, muitas ações penais poderiam ser trancadas logo no início por via de HC, ou mesmo rejeitadas liminarmente por falta de justa causa, onde a única prova fosse a obtida por dados de celular sem autorização judicial.

A ação da polícia judiciária bem como a persecução do MP é tão desastrada, que tendo apreendido o celular poderiam requerer uma autorização judicial, uma vez que estão de posse do aparelho.
Mas não! Já vão logo passando o carro na frente dos bois e ferindo de morte o Direito e o entendimento das cortes superiores.

Ora, para quem tem qualquer dúvida sobre a ilicitude da prova, ao acessar um celular sem ordem judicial, saiba que viola-se aos arts. 5º, X e XII, da Constituição Federal, art. 5º da Lei n.9.294/96, art. 3º da Lei 9.472/97, e art. 7º, I, II e III, da Lei 12.965/14.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça não respeitado pelo juízo de piso, bem como pelo Tribunal, (veja a saga que deve percorrer um advogado combativo), foi reafirmado, como sempre deveria ter sido desde o início da jurisdição.

A sanha condenatória está tornando até os operadores do Direito pessoas que entendem que só há justiça se houver a condenação, o que é uma lástima. A justiça tem um aparato, peritos, escutas, grana para investigar, que os use.

Pera lá! Vamos seguir as regras do jogo. Como é chata essa história de ouvir que na teoria a Constituição e as Leis são bonitas mas na prática não é assim. E é a pura verdade.

Juízes e desembargadores que não atuam em conformidade tanto com a Lei e o entendimento dos Tribunais superiores não fazem bem ao Estado democrático de Direito.

No caso desse agravo regimental apresentado, houve um advogado combativo que foi longe pelo direito de seu cliente. Mas não é assim em muitos casos, grande parte desiste logo na sentença.

Se não há respeito as normas temos que ir até o fim para vê-las valer. É claro que nesse meio há muita coisa, como cliente que tenha condições de pagar pelo serviço nesse nível.

Para finalizar já que o entendimento está claro e firmado que é ilícita a prova obtida de celular sem ordem judicial para isso, vejamos algumas considerações práticas.

Primeiro quem está sendo investigado, ainda na fase de inquérito, pode buscar o trancamento da investigação quando a prova obtida de celular for a única, ou a mais convincente, isso vai depender da análise do advogado do caso.

Segundo, foi condenado, está em prazo de recurso, não deixe perder o prazo. Recorra! Vá ao STF se necessário, mas não deixe seu direito ser atingido por arbitrariedades da justiça. Isso, a Justiça é cega e não enxerga no escuro.

Terceiro, foi condenado, não há mais prazo para recurso, já começou a execução da pena, ou pelo menos já abriu o processo de execução, faça uma revisão criminal.

A revisão criminal é uma forma de atacar uma sentença que não tem mais possibilidade de recurso. Pode ser proposta a qualquer momento é como se rediscutisse o processo.

Veja bem, estamos falando aqui de condenações que se fundamentaram em provas obtidas de celulares sem ordem judicial para isso, que são ilícitas. Prova ilícita não serve para condenar.

O exemplo que citei é o típico caso de tráfico de drogas, também a jurisprudência que trouxe é desse mesmo crime, mas são diversos os crimes, como organização criminosa, peculato, fraude, estelionato, que são fundamentados em provas obtidas em celulares sem autorização judicial.

Mas e a flagrância? Pode Arnaldo?

Não importa. A sentença que trouxe a condenação da jurisprudência que apresentei, fundamentou nisso, dizendo que o estado de flagrância legitimava a devassa no celular.
Falácia isso!

O celular poderia ser apreendido, e depois da preservação da suposta prova, e o delegado ou Promotor requerendo ao juiz a autorização, poderia sim obter os dados. Essa é a regra.

Portanto estado de flagrância não autoriza obter dados do celular sem autorização judicial, nem mesmo o escrivão colocar no depoimento do detido que ele autorizou, porque isso não vale.

Sempre que assumimos um caso, fazemos a análise detalhada das provas constantes nos autos, e ao menor indício de ilicitude fazemos o questionamento, esse é o papel do advogado.

Advogado não deixa barato uma prova ilícita, mas briga até o último momento para o reconhecimento da ilicitude favorecendo assim o seu cliente.


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