A nova definição de infração de menor potencial ofensivo

Victor Eduardo Rios Gonçalves

A Lei n. 10.259, de 12.07.01, que trouxe nova definição de infração de menor potencial ofensivo para o âmbito da Justiça Federal, acabou levando inúmeros juristas a entender que, embora esta lei seja expressa no sentido de ser aplicável apenas nesta esfera, deverá ser também aplicada na Justiça Estadual em face dos princípios da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade. Pelo novo texto consideram-se infrações de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Porém, como não há qualquer razão plausível para que um desacato contra funcionário público federal admita a transação e contra funcionário estadual não, o benefício deverá ser aplicado nas duas hipóteses. Nesse sentido também a opinião de Damásio de Jesus, Luiz Flávio Gomes, Alberto Silva Franco, Fernando Capez, César Roberto Bittencourt, Adauto Suannes, Cláudio Dell Orto, Fernando Luiz Ximenes Rocha, José Renato Nalini e Paulo Sérgio Leite Fernandes (conforme artigos publicados na Internet em 31/07/01, pelo IBCCrim), e Mariana de Souza Lima Lauand e Roberto Podval (Boletim IBCcrim, outubro de 2001, p. 22/23). É também o entendimento do Fórum Permanente dos Juízes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil.

Ocorre que, analisando a nova lei, surge a necessidade de salientar que as conseqüências da atual definição serão ainda maiores. Com efeito, ao contrário do que ocorre com a Lei n. 9.099/95, o novo texto não excluiu da competência do Juizado Especial Criminal os delitos que possuam rito especial, alcançando, por exemplo, os crimes de abuso de autoridade, contra a Administração Pública, contra a honra ou qualquer outro delito cuja pena máxima não seja superior a dois anos. Assim, essa regra valerá também para a esfera estadual. Com efeito, imagine-se um funcionário público estadual cometendo abuso de autoridade. Seria julgado pela Justiça Estadual Comum e não teria direito aos benefícios legais porque o crime tem rito especial (Lei n. 4.898/65), porém, se cometesse o abuso juntamente com um funcionário federal ambos teriam tais benefícios porque seriam julgados pelo Juizado Especial Federal (Súmula n. 122 do STJ). Essa interpretação é claro que não pode ser aceita, pois a distinção pretendida pela Lei n. 10.259/01, fere o próprio bom senso.

Partindo dessa premissa, é fácil vislumbrar as enormes modificações no plano prático, já que esses delitos deixarão de seguir as regras do CPP e das leis especiais para seguir os ditames da própria Lei n. 9.099/95 no que se refere à fase policial e judicial. Desse modo, assim que a nova lei entrar em vigor, em 12 de janeiro de 2002, deverá ser lavrado termo circunstanciado e não auto de prisão em flagrante em relação àquele que seja surpreendido portando uma arma de fogo (cuja pena máxima é de dois anos, desde que o crime não seja qualificado) ou cometendo delito de abuso de autoridade. É o que se depreende do art. 69, par. único, da Lei n. 9.099/95. O procedimento a ser seguido em juízo, após a realização de audiência preliminar em que se frustre a tentativa de transação, será o sumaríssimo e as regras recursais serão também as da Lei n. 9.099/95.

Desse modo, pode-se dizer que passarão a ser consideradas infrações de menor potencial ofensivo:

todos os crimes a que a lei comine pena não superior a dois anos (ainda que atualmente possuam rito especial);

todas as contravenções penais. A nova lei não as menciona porque não poderia fazê-lo, já que a Justiça Federal não julga contravenções, nos termos do art. 109, IV, da CF;

qualquer que seja a pena privativa de liberdade, se houver previsão, em abstrato, de aplicação alternativa de pena de multa. Essa conclusão decorre da parte final do novo dispositivo (…, ou multa). Assim, os crimes contra a relação de consumo previsto no art. 7º, da Lei n. 8.137/90, que são apenados com detenção de dois a cinco anos, ou multa, também serão considerados de menor potencial ofensivo.

Observações:

1) Essas novas regras, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal, são retroativas, uma vez que são mais benéficas e que têm inegáveis reflexos de natureza penal.

2) O instituto da suspensão condicional do processo não sofreu alteração, sendo permitido apenas para os crimes que tenham pena mínima não superior a um ano.

3) Existe entendimento no sentido de que as novas regras não seriam aplicáveis aos crimes de porte de entorpecentes, porte de armas e calúnia porque esses delitos são apenados com detenção, de seis meses a dois anos, e multa, e a Lei n. 10.259/2001 só as admitiria se a pena máxima fosse de dois anos, ou multa. Para os seguidores dessa corrente, o fato de haver previsão cumulativa de multa excluiria a competência dos Juizados Especiais Criminais.

Tal raciocínio, entretanto, é absurdo, inicialmente porque se fosse essa a intenção do legislador, o texto deveria ser expresso. Em segundo lugar, porque existe uma vírgula separando a pena privativa de liberdade – máxima de dois anos – da menção à pena de multa. Além disso, considerando que o art. 61 da Lei n. 9.099/95 está derrogado em relação aos crimes, o acolhimento dessa interpretação acabaria excluindo da competência dos Juizados crimes como desobediência (detenção, de um a seis meses, e multa) favorecimento pessoal (detenção, de um a três meses, e multa), favorecimento real (detenção, de um a seis meses, e multa), o que não se pode admitir.

Victor Eduardo Rios Gonçalves é Promotor de Justiça da Capital e professor de Direito Penal e Processo Penal no Complexo Jurídico da Damásio de Jesus.

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