A ilegalidade da prisão civil em execução de alimentos que não tenha origem em processo cautelar

Márcio Cozatti

Sem o intenção de estabelecer doutrina ou de esgotar o tema, e ainda, sem querer adentrar ao estudo dos “alimentos”, mas tão somente discutir a base legal processual, lançamos breves considerações quanto a ilegalidade da prisão civil por dívida alimentar que não tenha origem em processo cautelar.

I. Da base legal
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXVII , expressa que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Contudo, a prisão civil em razão de inadimplemento voluntário e inescusável, não é e nem poderá ser entendida como de qualquer obrigação alimentar.
A legislação infra-constitucional que trata o assunto e regula a matéria, está contida no art. 19 da Lei Federal nº 5.478, de 25 de julho de 1968: “O juiz, para instrução da causa, ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias (…)”; bem como no art. 733 do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) : “Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em três (3) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. (…) § 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um (1) a três (3) meses”.

II – Da interpretação das normas
A interpretação que se deve extrair das normas legais supra citadas, é que a prisão civil por dívida alimentar somente será possível em caso de inadimplemento voluntário e inescusável dos alimentos provisionais. Alimentos provisionais devem ser entendidos como aqueles pleiteados pela mulher, em sede de ação cautelar, nos termos do art. 852 e seguintes do CPC, antes ou após a propositura da ação de separação judicial, de nulidade de casamento ou de divórcio direto, com o intuito de sustentar-se durante a demanda. É também provisional a condenação no pagamento dos alimentos em sentença de primeira instância, na ação de investigação de paternidade. Não se confundem com os alimentos fixados em sentença transitada em julgado com fulcro na Lei de Alimentos, muito menos com os alimentos provisórios, que são aqueles que o juiz estabelece ao receber a inicial da ação de alimentos movida com base na Lei Federal nº 5.478/68, in verbis – “art. 4º. Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”.
O texto do art. 733 do CPC é claro, ensejando, numa interpretação lógica, a conclusão de que a prisão só poderá ocorrer quanto aos alimentos provisionais, e jamais em decorrência de inadimplemento das prestações alimentícias com esteio em sentença condenatória transitada em julgado, fulcrada na Lei de Alimentos.
Neste sentido é também o escólio do mestre PONTES DE MIRANDA : “os arts. 733 e 735 são relativos às prestações de alimentos provisionais. Assim, hoje a prisão somente ocorre se há sentença ou decisão que fixe os alimentos provisionais. Nas ações de alimentos, se não são provisionais, não há prisão porque só aos alimentos provisionais se referem os textos dos arts. 733 e 735. Alimentos provisionais são os que se têm de prestar na pendência da lide” (1)
Normas que restringem direitos deverão ser interpretadas restritivamente. A interpretação do art. 733 do CPC, deverá ter esse caráter restritivo, a uma, em razão da norma posterior – CPC -, ser mais benéfica (prisão somente nos casos de inadimplemento de alimentos provisionais); a duas, em razão de ser o CPC lei mais recente, que obviamente derroga a lei mais antiga.

III – Da ilegalidade dos mandados de prisão
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LIV, estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Portanto, salvo na hipótese que aventamos, vale dizer, a prisão civil por dívida alimentar que tenha origem em processo cautelar (alimentos provisionais), não existe norma legal que possa fulcrar qualquer mandado de prisão civil.
Assim, os mandados de prisão civil expedidos estão eivados de nulidade, posto que não estão embasados em Lei, podendo a prisão ser imediatamente relaxada, através de habeas corpus, nos termos do mesmo art. 5º da Constituição Federal, inciso LXV: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.
Nem se alegue que a obrigação alimentar se reveste de forte cunho de interesse público, pela importância da família como célula fundamental da sociedade, e, em razão disso tenha tratamento diferenciado, dada sua natureza urgente. Em um Estado Democrático de Direito, a observância das formas é de imperioso e essencial rigor. Não podemos deixar de nos submeter às fórmulas legais em benefício de um desenrolar célere e eficaz do processo civil. De lege ferenda, a mudança nos ritos processuais é um problema ao qual os aplicadores do direito positivo, Advogados, juízes e promotores, não podem nem devem tentar resolver, sendo uma questão à ser tratada no âmbito do Poder Legislativo Federal.
Não se prega aqui um apego burocrático e empedernido, “sostanzialmente medioevale” — na expressão acre de Liebman —, à letra da lei, mas aos procedimentos ditados e emanados do direito positivo brasileiro. Não se deve, e não se pode, sob pena de nulidade, preocupar-se unicamente com a finalidade. Há que se observar a forma.
Diante desses preceitos acima elencados, a execução de pensão alimentícia baseada em sentença condenatória ou homologatória, transitada em julgado, cuja ação observou o rito da Lei de Alimentos, ou ainda, fixada em ação de separação judicial ou divórcio, deve ser feita nos termos do art. 732 do CPC, e nunca com base no art. 733 do mesmo diploma legal, posto ser ilegal a cobrança do devedor com a ameaça da prisão civil.
Neste sentido, há que se dizer que não há meio termo, ou se aplica o art. 733 do CPC tão somente aos casos de execução de alimentos provisórios, ou não se aplica tal dispositivo legal, uma vez que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A interpretação extensiva que restringe a liberdade do executado é equivocada, e a decisão que determina a prisão com base nessa interpretação é ilegal.

IV – Da extinção do processo
Os contornos da lide são dados pelo exeqüente. Este, em que pese as considerações acima, poderá requerer a execução de sentença transitada em julgado nos termos do art. 733 do CPC. Neste caso, evidentemente que “não poderá o juiz modificar o pedido, mandando penhorar bens contra o pedido original. Seria, no caso, uma decisão ultra petita, o que não é possível em virtude das regras disciplinadoras do direito …” (2)
Não poderia, em nosso sentir, o exeqüente optar pelo rito que lhe convém.
Portanto, se o exeqüente optar pelo procedimento errado, a ação de execução deverá ser extinta de plano.

V – Conclusão
Do exposto, devemos concluir que a execução dos alimentos, nos termos do art. 733 do CPC, que prevê a prisão civil do executado, somente poderá ocorrer se a sentença ou decisão fixar os alimentos provisionais. Caso não sejam provisionais os alimentos, não poderá haver prisão porque “só aos alimentos provisionais se referem os textos dos arts. 733 e 735”.

BIBLIOGRAFIA:
(1) PONTES DE MIRANDA, Francisco C. – Comentários ao Código de Processo Civil – tomo X. Rio de Janeiro: Forense 1976.
(2) AMORIM, Sebastião Luiz, A execução da prestação alimentícia e alimentos provisionais — Prisão do devedor, in Revista dos Tribunais, v. 558, págs. 28/32.

MÁRCIO COZATTI – É Advogado integrante da “Nadal e Cozatti – Advogados Associados”. Presidente da Comissão Cultural da 33ª OAB/SP – triênio 2001/2003. E-mail: marcio.cozatti@aasp.org.br

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