TRF3 condena cineasta a pagar r$ 100 mil em danos morais coletivos por discurso de ódio contra indígenas

Valor será direcionado ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados.


A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) condenou um cineasta ao pagamento de R$ 100 mil, a título de danos morais coletivos, por discurso de ódio contra indígenas na direção do curta metragem “Matem… Os Outros!”. A decisão determina que o montante e os valores arrecadados com ingressos vendidos para apresentações do filme sejam recolhidos ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados.

Na Ação Civil Pública, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que a obra promove discurso de ódio e intolerância, calcado em manifestações de caráter explicitamente discriminatório, direcionadas a uma minoria estigmatizada (grupo indígena Guarani-Kaiowá), a partir de um ponto de vista etnocêntrico.

O curta-metragem apresenta enredo no qual quatro personagens, no curso de viagem de carro em direção ao Município de Sidrolândia/MS, desenvolvem diálogos em que expõem os sentimentos e perspectivas de produtores rurais da região em relação aos conflitos envolvendo indígenas situados no Mato Grosso do Sul e em outros Estados do Brasil.

Na decisão, o relator do processo, desembargador federal Hélio Nogueira, cita trechos das falas dos personagens em que há discriminação contra os indígenas.

Como exemplo, um deles diz: “O que é que o índio tem para ser intocável? Qual a contribuição dele para o Estado brasileiro? É um troglodita sem passado. E eu, nós, somos europeus com séculos de história e civilização. Produz colares e cocares. Eu planto toneladas de sojas de milho, por que eu tenho que paparicar e sustentar essa escória pelo resto da minha vida?”, ilustrou.

Para o magistrado, o discurso transmitido na obra propaga uma mensagem dotada de conteúdo que excede os limites do exercício da liberdade de expressão, impondo-se a responsabilização por sua veiculação, em resguardo à proteção dos direitos fundamentais violados e ao funcionamento de todo o processo democrático.

“É possível extrair, tanto a partir do teor dos diálogos, quanto da forma de caracterização do único personagem indígena a figurar no filme, a construção de um discurso veiculado com o fim de transmitir ideais preconceituosos e de ódio étnico, atentatórias à dignidade da comunidade indígena”, pontuou o relator.

O desembargador federal considerou que os diálogos retratados na obra promovem discurso de ódio e intolerância, com declarações de caráter notoriamente discriminatório, ferindo o direito à igualdade e promovendo a violência.

“O hate speech objetiva a negação da igualdade entre os indivíduos, promovendo a discriminação e propagando a inferioridade de determinados grupos. Trata-se de discurso atentatório às bases fundamentais de uma sociedade democrática, cujo banimento do espaço público impõe-se enquanto forma necessária de proteção da democracia”, enfatizou.

Na decisão, o magistrado também apontou que a responsabilização pelo exercício abusivo do direito à liberdade de expressão encontra respaldo em diversos instrumentos internacionais subscritos pelo Brasil, tais como a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 13.5) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 19.3).

“Caracterizado ato ilícito, deflui, como consequência inexorável, o dever à reparação pelos danos morais coletivos causados, em relação aos quais não se faz necessária a comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico sofrido pelos membros da comunidade atingida”, ressaltou.

Com esse entendimento, a Primeira Turma do TRF3 julgou procedente o pedido do MPF e condenou o diretor ao pagamento de R$ 100 mil, a ser recolhidos ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados. Também determinou a direcionamento para o Fundo dos valores de ingressos vendidos para apresentações do filme.

Apelação Cível 5000435-70.2018.4.03.6002


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?