Supermercado que induzia empregado a comprar seus produtos devolverá valores

A 9ª Turma do TRT-4 condenou o supermercado L.C. Bonato e Cia. Ltda., da cidade de Guaíba (RS) a devolver os valores descontados de um empregado referentes a compras no próprio estabelecimento. O trabalhador recebia “vales” de até R$ 350,00 mensais e era incentivado a gastá-los em compras no próprio supermercado, ocorrendo posterior desconto do seu salário. A decisão confirma a sentença do primeiro grau.

Como lembrou a juíza Carolina Santos Costa de Moraes, da Vara do Trabalho de Guaíba (RS), “o artigo 462 da CLT consagra o princípio da intangibilidade salarial, segundo o qual, ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto no salário dos empregados, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de normas coletivas.”

A empresa empregadora descontava as compras efetuadas pelo funcionário no mês do salário, como se fossem adiantamento, em até 70% dos vencimentos. “Logo, apesar de constar descontos a título de adiantamentos, não eram reais adiantamentos, mas efetivos descontos por compras realizadas”, concluiu a julgadora.

Os autos mostram que em determinados meses, o obreiro recebeu saldos pequenos, de até R$ 72,00, após os descontos. Para a magistrada, “a ilegalidade do procedimento é latente, pois, por certo, no mês seguinte, sem ter recebido de forma correta seu salário, o empregado fica condicionado a novamente comprar do estabelecimento reclamado, já que não tem condições financeiras de realizar suas compras em outro lugar. Tal procedimento retira do trabalhador a liberdade de escolha, ferindo a dignidade da pessoa humana, já que aproxima o trabalho ao regime de servidão.”

A prática patronal foi qualificada na sentença como sendo de “truck system”, conceituado como medidas que limitam o uso do salário pelo trabalhador, por meio de coação ou indução à compra de bens essenciais ou serviços fornecidos pelo próprio empregador.

No âmbito do tribunal, o relator, desembargador Claudio Antônio Cassou Barbosa, reconheceu que os descontos realizados pelo empregador eram abusivos, porque “o empregado comprometia quase a totalidade de seu salário com a compra de mercadorias comercializadas pelo empregador (supermercado), de forma a ficar condicionado a novamente comprar no estabelecimento reclamado”.

Atua em nome do reclamante a advogada Lucimara Garroni Garcia. (Proc. nº 0006600-42.2008.5.04.0221).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO EMENTA: DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS. O comprometimento praticamente integral do salário do empregado decorrente da compra de mercadorias comercializadas pelo empregador, de forma a condicioná-lo a novamente comprar no estabelecimento reclamado, equipara-se à situação denominada de truck system, vedada pelo art. 462 da CLT. Os descontos realizados nos salários do empregado em virtude dessas compras são ilegais, sendo devida a devolução.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Guaíba, sendo recorrente L.C. BONATO & CIA LTDA. e recorrido M.D.S..

A reclamada recorre da sentença das fls. 474/478, prolatada pela Juíza Carolina Santos Costa de Moraes, que julga a ação parcialmente procedente. Pugna pela sua alteração no tocante aos seguintes tópicos: diferenças de domingos trabalhados; diferenças salariais; devolução de descontos salariais; indenização correspondente aos descontos previdenciários e fiscais; FGTS sobre as parcelas condenatórias; descontos previdenciários, custas e honorários advocatícios (fls. 483/486).

São juntadas contrarrazões nas fls. 493/496.

É o relatório.

ISTO POSTO:

1. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO

A reclamada não se resigna com a condenação ao pagamento de diferenças de domingos trabalhados. Em defesa, alega que o reclamante gozava de folga compensatória quando do trabalho em domingos, além de perceber um valor fixo, a título de “bônus”, conforme previsão contida em acordos coletivos, cujos valores constavam de recibos apartados dos contracheques.

Análise dos cartões de ponto juntados a partir da fl. 195 dos autos, bem como dos recibos juntados às fls.123/179, revela que o reclamante usufruía de folga compensatória quando do trabalho em domingos, além da bonificação prevista em acordo coletivo (v.g. cláusula 08, fl. 114) pelo trabalho nesses dias, conforme, inclusive, admite o próprio autor quando de sua manifestação acerca da defesa da demandada (fl. 377).

Nesse contexto, o reclamante não faz jus ao pagamento da parcela sob comento, impondo-se o acolhimento do pleito recursal no particular.

Dá-se provimento ao recurso para absolver a reclamada da condenação ao pagamento de diferenças de domingos trabalhados.

2. DIFERENÇAS SALARIAIS

A Julgadora da origem condena a reclamada ao pagamento de diferenças salariais, apontando o mês de agosto de 2006 como período em que o reclamante percebeu salário inferior ao piso previsto na norma coletiva juntada às fls. 81/95 dos autos.

A demandada insurge-se contra a sentença. Em suma, argumenta que a norma coletiva citada pela Julgadora apenas foi homologada em setembro de 2006. Assim, o piso salarial instituído naquela norma passou a ser implementado a partir daquele mês, em folha suplementar, quando também foram pagas as diferenças retroativas à data base da categoria profissional, fixada em 1º de março.

Com efeito, a diferença apontada (fl. 475-v) encontra razão no fato de que a norma coletiva citada na sentença foi homologada apenas em setembro de 2006, com vigência retroativa a março do mesmo ano. Assim, o piso salarial previsto naquela norma foi implementado em folha suplementar no mês de setembro de 2006, bem como pagas as diferenças retroativas à data base.

Nesse contexto, impõe-se dar provimento ao recurso para absolver a reclamada da condenação ao pagamento de diferenças salariais em função do salário normativo da categoria profissional.

3. DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS

O Juízo de origem determinou a devolução de descontos realizados sob a rubrica “adiantamento de salário”, fundamentando que tais descontos correspondem às compras realizadas pelo autor no próprio estabelecimento reclamado, em violação ao regramento inscrito no § 4º do art. 462 da CLT.

A recorrente insurge-se contra a condenação, sustentando a legalidade do procedimento.

Apesar de os descontos realizados em virtude das compras terem sido lançados a título de “adiantamento de salário”, os valores dizem respeito a compras realizadas pelo reclamante no estabelecimento reclamado, os quais se reputam abusivos, no entendimento desse Relator.

Como bem exposto na sentença (fl. 476), trata-se de caso em que o empregado comprometia quase a totalidade de seu salário com a compra de mercadorias comercializadas pelo empregador (supermercado), de forma a ficar condicionado a novamente comprar no estabelecimento reclamado, o que se equipara a uma situação de troca system, vedada pelo art. 462 da CLT.

Nesse contexto, reputam-se ilegais os descontos levados a efeito nos salários do reclamante a título “adiantamento de salário”, impondo-se negar provimento ao recurso.

4. INDENIZAÇÃO RELATIVA AOS DESCONTOS FISCAIS E PREVIDENCIÁRIOS

O recurso carece de objeto quanto ao item em apreço, tendo em vista que a decisão de origem não contempla condenação da reclamada ao pagamento de indenização correspondente aos descontos fiscais e previdenciários, incidentes sobre os créditos do autor.

Provimento negado.

5. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O recurso carece de objeto também quanto aos honorários advocatícios, tendo em vista que não há condenação nesse item.

Provimento negado.

6. REVERSÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS

Inviável a reversão do encargo relativo às custas processuais ao reclamante, tendo em vista que a demandada continua sucumbente na demanda.

7. FGTS

Mantida a condenação da recorrente ao pagamento de parcela de natureza remuneratória, persiste a incidência do FGTS na forma deferida na sentença.

Nega-se provimento.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por unanimidade de votos, dar parcial provimento ao recurso para absolver a reclamada da condenação ao pagamento de diferenças de domingos trabalhados e diferenças salariais. Valor arbitrado à condenação que se reduz para R$ 2.000,00 para os fins legais.

Intimem-se.

Porto Alegre, 19 de maio de 2010 (quarta-feira).

DES. CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA
Relator

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