Segurança do Carrefour furtava carne para churrasco

A 4ª Turma do TRT-4 julgou improcedente o pedido de um vigilante, flagrado furtando mercadorias no seu antigo local de trabalho, o supermercado Carrefour. O autor buscava judicialmente a desconstituição da despedida por justa causa e uma reparação por danos morais.

O caso teve início quando o autor, que atuava como segurança em uma das lojas da rede, foi flagrado por um colega de trabalho transportando carnes e ingredientes para churrasco, dentro de uma mochila. Ele acabou preso e acusado de furto qualificado na forma tentada.

O segurança foi absolvido no processo penal porque o crime não teria passado da fase preparatória. A mochila com os produtos furtados não chegou a ser retirada da loja. Se tivesse saído do interior do estabelecimento com os produtos poderia vir a ser condenado criminalmente.

O autor teve seu pedido negado em 1º grau pelo juiz Eduardo Duarte Elyseu, da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS). Segundo o magistrado, o trabalhador se aproveitou da confiança nele depositada para tentar apoderar-se do patrimônio do empregador.

O demandante recorreu sob justificativa de que não foram colhidos o seu depoimento pessoal e nem do representante legal do réu. Testemunhos, segundo ele, reforçariam “a base de anulação da sentença”. O Carrefour, por sua vez, reiterou a importância de documentos, como a cópia do inquérito policial e do processo criminal instaurado.

Segundo o relator, desembargador Fabiano de Castilhos Bertolucci, o autor não nega ter praticado a tentativa de furto de mercadorias e “se valeu da função de segurança para realizar o ato”.

Sendo assim, “não há como afastar a hipótese de justa causa, diante da gravidade da conduta do reclamante, e da inexistência de amparo jurídico ao pedido de indenização por danos morais”, sustentou o magistrado.

Atua na defesa do Carrefour o advogado Henrique Hillebrand Pochmann. (Proc. nº 01328004120095040001)

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (04.02.11)
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. De acordo com o artigo 130 do CPC e em decorrência dos princípios do livre convencimento e da celeridade processual, o juiz pode indeferir a oitiva de testemunha se houver subsídios suficientes para julgar a causa, sem que haja cerceamento de defesa ou nulidade processual, nos termos do artigo 794 da CLT. Ademais, não houve qualquer impugnação do reclamante à prova documental produzida pelo reclamado, inclusive quanto aos detalhes envolvendo o fato delituoso (tentativa de furto) que ele pretendia fosse abordado na prova oral.

DISPENSA POR JUSTA CAUSA. PROCESSO

CRIMINAL. A decisão penal que absolve o réu por reconhecer que o fato não constitui infração penal (artigo 386, III, do CPP) não impede a propositura da ação civil, nos termos do artigo 67, III, do CPP. Preservada, nesta hipótese, a independência das esferas penal e civil, não há óbice a que a conduta seja provada e configurada como ato faltoso na esfera trabalhista, capaz de ensejar a despedida motivada do reclamante.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz Eduardo Duarte Elyseu, da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente M.D. e recorrido CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA.

O autor recorre da sentença das fls. 178/185, que julgou a ação improcedente. Argui a nulidade da decisão por cerceamento de defesa e, quanto à questão de fundo, quer a sua reforma quanto ao reconhecimento da justa causa para a despedida e à indenização por danos morais.

Com contrarrazões protocoladas às fls. 193/194, vêm os autos para julgamento.

É o relatório.

ISTO POSTO:

PRELIMINARMENTE

REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO

Ainda que a petição de encaminhamento do recurso não o integre, propriamente, o requerimento que nele o reclamante parece formular, de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, deve ser examinado pelo Juízo a quo como pretensão recursal, embora, no caso dos autos, não mereça ser conhecido. Pelos parcos fundamentos que ensejam o requerimento, atrelados à alegação de hipossuficiência econômica, deduz-se que o reclamante pretende, na verdade, a concessão da gratuidade da justiça, benefício que, contudo, já foi deferido na sentença de origem, nos termos do artigo 790, §3o, da CLT (fl. 185). Inexistente interesse recursal, no aspecto, deixa-se de conhecer de tal pretensão.

MÉRITO

CERCEAMENTO DE DEFESA

O reclamante suscita a nulidade do processo, por cerceamento de defesa, afirmando que pretendia a oitiva de testemunha “crucial” para esclarecer os fatos, sem que isso tenha sido permitido pelo

Juízo de origem. Menciona, ainda, não terem sido colhidos o seu depoimento pessoal e o do representante legal do reclamado, o que reforçaria “a base de anulação da sentença”. Contudo, não se verifica a alegada nulidade processual. O Juízo a quo indeferiu a prova testemunhal requerida pelo autor – segundo ele, “com vistas à prova dos fatos que originaram a denúncia que ensejou a despedida do autor, com vistas à prova do dano moral” – pelo seguinte fundmento (fl. 174):

“O juízo, com fundamento nos arts. 765 da CLT e 400,I e II, do CPC, indefere a prova testemunhal requerida, tendo em vista a extensa documentação carreada aos autos, inclusive pelo próprio autor, e também pela reclamada, que não é objeto de impugnação, sendo que os fatos em si são incontroversos e já estão devidamente documentados no processo criminal, cuja cópia instrui a presente demanda, restringindose, pois, a análise do mérito da lide, matéria eminentemente de direito.

”De acordo com o artigo 130 do CPC, cabe ao Juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo e indeferir aquelas que entender inúteis ao deslinde do feito. Ademais, em decorrência dos princípios do livre convencimento e da celeridade processual, o juiz pode indeferir a oitiva de testemunha quando houver subsídios suficientes para julgar a causa, sem que haja cerceamento de defesa ou nulidade processual nos termos do artigo 794 da CLT.

De fato, há farta documentação nos autos trazendo informações detalhadas sobre o ato ilícito imputado ao autor pelo reclamado, qual seja, a tentativa de furto de mercadorias que teria sido por ele cometida dentro do supermercado onde o trabalho era prestado.

Sobre os documentos trazidos em boa parte pelo reclamado, incluindo cópia de inquérito policial e de processo criminal instaurado, o reclamante não prestou qualquer informação durante a instrução, embora assegurado prazo para manifestar-se (fl. 104).

O autor sequer explicita, ou na audiência em que pretendia a produção da prova testemunhal, ou no recurso, quais fatos seriam supostamente provados pela testemunha, e tampouco identifica por que entende como “crucial” o seu depoimento. Aliás, o recorrente também não ataca, no apelo, os fundamentos da sentença de origem quanto ao reconhecimento da prática do ato delituoso, como se verá. Por tais fundamentos, e diante da falta de indicação precisa do suposto prejuízo, não há cerceio à defesa do autor no fato de o Juízo de origem ter deixado de colher os depoimentos da testemunha ou das próprias partes. ssim, rejeita-se a prefacial.

JUSTA CAUSA. DANOS MORAIS

Considerando que já na inicial o reclamante não negara ter praticado a tentativa de furto de mercadorias do reclamado, e que a prova documental produzida por ambas as partes evidenciaria, de forma inequívoca, a prática do ilícito pelo autor, o Juízo a quo não acolheu as pretensões de descaracterização da despedida por justa causa e, ainda, de que fosse o reclamado condenado ao pagamento de indenização por danos morais.

O reclamante recorre da sentença. Diz ter sido absolvido no processo penal instaurado, tendo a decisão transitado em julgado. Voltase contra o fato de a sentença de origem ter se posicionado “contrariamente ao Juízo Criminal”, admitindo a sua culpa e a legitimidade da despedida por justa causa, e que, tal como proferida, “refaz o julgamento criminal para uma condenação” e adentra “em seara alheia, uma vez que absolvido o recorrente em Juízo Criminal competente, encerra a questão não devendo outro Juízo aplicar pena análoga”.

Trata-se de ação movida pelo autor em face do supermercado reclamado, na qual alegou ter sido acusado de furto qualificado, na forma tentada, inclusive com a realização de prisão em flagrante. Postulou a desconstituição da despedida por justa causa, com o pagamento das parcelas relativas à despedida imotivada, bem como indenização por danos morais. A sentença retratou os fatos ocorridos e apresentou minuciosa análise da prova produzida pelas partes, nos seguintes termos (fls. 179/181): “Na espécie, contudo, diante do contexto probatório, o reclamado logrou se desincumbir a contento do encargo que se lhe impunha.

Primeiramente, impende salientar que, na exordial, como bem pontua o reclamado, o autor não nega ter praticado tentativa de furto de mercadorias do reclamado (de uma mochila e de carnes e ingredientes necessários para a feitura de um churrasco), o que já denota que a presente demanda está fadada ao insucesso.

Todavia, ainda que assim não fosse, a prova documental carreada aos autos pelo próprio demandante evidencia, de forma inequívoca, a prática, pelo autor, da tentativa de furto noticiada na defesa, cabendo frisar que o próprio reclamante, que era justamente um dos responsáveis pela segurança do estabelecimento reclamado, vigiando as suas dependências para verificar a ocorrência de furtos de mercadorias, acabou aproveitando-se da confiança nele depositada para tentar apoderar-se do patrimônio do seu empregador.

Insta mencionar que o fato de o demandante ser o responsável pela fiscalização do estabelecimento réu (pessoa a quem incumbia zelar pelo seu patrimônio) foi atestado pela Exma. Juíza de Direito Miriam Fernandes, tendo esta relatado, inclusive, descaber a absolvição sumária do réu com base no Princípio da Insignificância justamente em decorrência do dever de vigilância do autor.

Ressalte-se, demais disso, que, ainda que o reclamante tenha sido absolvido, resta claro e evidente que este praticou a tentativa de furto noticiada na defesa e retratada de forma abundante no processo criminal contra ele instaurado, cabendo frisar que as esferas penal e trabalhista são independentes, de modo que, ainda que o autor tenha sido absolvido criminalmente, este fato, por si só, não é apto a gerar a conversão da sua dispensa por justa causa para dispensa imotivada.

Ora, ao analisar-se atentamente a prova documental coligida aos autos, percebe-se que, na decisão proferida pelo Exmo. Juiz de Direito Honório Gonçalves da Silva Neto, este menciona cabalmente que o autor separou gêneros alimentícios e os colocou dentro de uma mochila para, ao sair do estabelecimento reclamado, os levar sem pagamento. Entendeu o Eminente magistrado, todavia, que o delito não teria ultrapassado a fase de preparação da execução da infração, uma vez que a pronta ação do segurança Carlos Jaime teria tornado inviável a execução do crime, além do que a res furtiva não teria saído do interior do estabelecimento comercial, de modo que a conduta do demandante revelou-se atípica.

Desta forma, como visto supra, não há dúvidas de que o autor apoderou-se de todos os itens necessários para a feitura de um churrasco (além de uma mochila para carregar estes bens), possuindo a intenção de sair do estabelecimento sem efetivar o pagamento das mercadorias, de modo que, ainda que a sua conduta seja atípica para fins de responsabilização criminal, é patente que estes fatos são suficientemente graves e ensejadores da dispensa motivada, porquanto capazes de romper a fidúcia que deve pautar a relação entre empregado e empregador.

Aliás, cabe indagar, se os fatos anteriormente narrados não são capazes de respaldar a dispensa motivada por ato de improbidade, o que então seria capaz de justificá-la? Como dito anteriormente, o autor valeu-se do seu cargo para furtar mercadorias do seu empregador, cabendo gizar que, se não coibirmos a prática destes pequenos furtos, de mercadorias de pouco valor, certamente estaremos estimulando a prática futura de furtos de mercadorias de grande valia.

Impende referir, ainda, que não se verificou nenhuma exacerbação de poder por parte do chefe de segurança do reclamado, devendo o autor, inclusive, manter um sentimento de gratidão por este empregado, uma vez que, não fosse a sua pronta e eficiente ação, a conduta do reclamante certamente não seria considerada atípica na esfera penal, uma vez que o autor teria ultrapassado a fase preparatória e a res furtiva teria saído do interior do estabelecimento demandado, o que teria, certamente, ocasionado a sua condenação criminal.

Sobreleva considerar, por fim, que ao empregador cabe o risco da atividade econômica. Por isso, exerce ele o poder de direção e dispõe do trabalho do empregado. Para que seja mantida a ordem numa organização empresarial, já que a empresa, por sua própria natureza, não prescinde de organização, é preciso que sejam obedecidas as normas de conduta por ela estabelecidas, bem como respeitadas as obrigações secundárias do contrato de trabalho, tais como os deveres de obediência, de disciplina, de lealdade, de pontualidade, de assiduidade e outros inerentes ao contrato de trabalho. O não-cumprimento destes deveres constitui falta disciplinar, sujeita a ser punida. Tal punição decorre do poder diretivo, fiscalizador e sancionador do empregador que fiscaliza e comanda a prestação de serviços.

O Poder Judiciário, distante dos fatos relatados na inicial e na contestação, sem poder avaliar, portanto, seus efeitos, não pode simplesmente anular a penalidade e deixar o empregado inequivocamente faltoso, como é o caso destes autos, sem sofrer nenhuma punição pela sua conduta contrária aos deveres legais e contratuais.

Diante de todo o exposto, ao tentar subtrair mercadorias do estabelecimento demandado, o autor, indubitavelmente, cometeu falta grave a qual se enquadra como ato de improbidade, que, de acordo com a lição de Lamarca, citado por Valentim Carrion […] Nesse contexto, não se cogita da anulação da despedida por justa causa, […]”.

Note-se que o autor, no recurso, sequer tangencia o exame dos fatos retratado na sentença, deixando de se manifestar – e de se opor, portanto – quanto às provas que evidenciaram a efetiva prática da tentativa de furto de mercadorias no interior do supermercado, por parte do empregado, o qual, inclusive, teria se valido da função de segurança (agente de fiscalização) que exercia no estabelecimento. Também não se insurge contra a constatação de que não houve, por parte do chefe de segurança que o flagrou, qualquer excesso na conduta ou abuso de poder.

O recurso limita-se, apenas, a sustentar que a absolvição na esfera penal, no processo instaurado para apurar a responsabilidade penal decorrente do ilícito, impediria entendimento contrário (desfavorável) nesta esfera trabalhista. Tal alegação não se sustenta, contudo.

Tal como referido na sentença de origem, a absolvição do autor no processo penal decorreu do reconhecimento de que, mesmo na hipótese de ele pretender furtar as mercadorias, o crime não teria ultrapassado a fase preparatória, pois a mochila com os produtos não chegou a ser retirada da loja sem o pagamento. Assim, a ação penal foi julgada improcedente, com fundamento no artigo 386, III, do CPP (“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:[…] III – não constituir o fato infração penal;”) – fl. 97. Aplica-se à hipótese, portanto, a regra do artigo 67, III, do CPP, determinando que não impede a propositura da ação civil “a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime”.

Preserva-se no caso dos autos, assim, a independência das esferas penal e civil, de modo que, mesmo tendo havido a absolvição do autor em face de a conduta a ele imputada não constituir crime (ilícito penal), não há óbice a que seja provada e configurada como ato faltoso na esfera trabalhista, capaz de ensejar a despedida motivada do reclamante.

E, a prevalecer o entendimento da sentença sobre a ocorrência dos fatos retratados nos autos – aspecto que não é objeto do recurso, como dito –, não há como afastar a hipótese de justa causa, diante da gravidade da conduta do reclamante, e da inexistência de amparo jurídico ao pedido de indenização por danos morais. Assim, nega-se provimento.

Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade, NÃO CONHECER DO RECURSO quanto ao requerimento formulado na petição de encaminhamento, para concessão do benefício da justiça gratuita, por ausência de interesse recursal.

No mérito, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Intimem-se.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2010 (quinta-feira).

Des. Fabiano de Castilhos Bertolucci
Relator

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