“Para doar valores, não há necessidade de homologação do Judiciário”

No desdobramento de uma ação judicial que já dura mais de dez anos, a 2ª Câmara Especial Cível do TJRS se acautelou, há poucos dias, em “não homologar acordo contrário ao decidido nos autos”.

Na origem está uma ação ordinária ajuizada pelo Clube Esportivo de Bento Gonçalves contra a CRT – Cia. Riograndense de Telecomunicações, sucedida pela Brasil Telecom. Durante o andamento habilitou-se a empresa Mercaterra Ltda. a quem o clube futebolístico teria cedido seus créditos.

Depois que a etapa de conhecimento terminou, a ação entrou em fase de cumprimento de sentença. Houve a realização de um depósito, pela ré Brasil Telecom, que impugnou a fase executória.

Nesse desdobramento, houve nova decisão – já trânsita em julgado – que afirmou a ausência de diferença acionária, afastando qualquer saldo em favor do suposto credor. Foi determinada, inclusive, a extinção da execução.

Foi então que aportou nos autos da ação (proc. nº 105010602220), em tramitação na 5ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, uma petição de acordo, pedindo a expedição de dois alvarás para levantamento (duas partes de 50%) do valor depositado.

O juiz Fernando Antonio Jardim Porto tomou uma decisão: “acoste o procurador da ré procuração com poderes para acordar ou transigir por cópia autenticada ou original, em 10 dias”.

Na mesma decisão, o magistrado expressou sua surpresa: “apesar do acordo retro travado, considerando que houve interposição de impugnação de crédito em apenso pela ré Brasil Telecom, havendo decisão trânsita em julgado no sentido da ausência de diferença acionária afastando qualquer diferença em favor do credor – determinando, inclusive, a extinção da execução – indefiro o pedido de homologação do acordo de fls. 628/629, na medida em que estabelece obrigação de pagamento contrária à decisão retro mencionada.”

O Clube Esportivo Bento Gonçalves – que já cedera seus créditos à empresa Mercaterra – então interpôs agravo de instrumento contra a decisão que não homologou nem liberou os alvarás. No recurso, o agravante refere que “no caso dos autos foram analisadas todas as questões pertinentes ao débito existente, bem como feita uma análise minuciosa da demanda, e o acordo foi realizando considerando-se todas as decisões existentes”.

Intimada a se manifestar, a Brasil Telecom concordou com a pretensão do clube autor (agravante).

O relator, desembargador Altair de Lemos Júnior – que é oriundo da Advocacia, tendo chegado ao TJRS pelo quinto constitucional – negou o efeito suspensivo e levou o caso ao julgamento colegiado.

O voto inicialmente expressa que “não é inoportuno destacar, elucidando um pouco mais a estranheza causada pela espécie, que as pautas deste tribunal encontram-se extremamente abarrotadas de recursos pendentes de julgamento envolvendo a empresa ora agravada, justamente porque no afã de minimizar as condenações proferidas em seu desfavor, exaure as possibilidades recursais de que dispõe”.

A seguir o magistrado registra sua surpresa: “Como aceitar, então, que a agravada (Brasil Telecom) lute incessantemente por seus direitos em todas as instâncias para, ao final, vitoriosa, por mera liberalidade destinar 50% do valor depositado em juízo à contra-parte?”

Lemos Júnior – então acompanhado pelos votos dos desembargadores Fernando Flores Cabral Júnior e Marcelo Cezar Müller – encerra com uma observação: “se a idéia é fazer doação de valores, não há a menor necessidade de homologação do Poder Judiciário para tanto”.

Detalhe: só nos autos do agravo de instrumento, 60 folhas são de instrumentos de procuração, substabelecimentos e juntada de novos mandatos.

No primeiro grau, o processo pode ter um fim favorável ao acordo se a Brasil Telecom acostar “procuração com poderes para acordar ou transigir por cópia autenticada ou original, em 10 dias”. Em janeiro de 2009, a Oi assumiu o controle da Brasil Telecom. (Proc. 70041274135 – número do TJRS).

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