É dever do juiz demonstrar, com dados concretos extraídos do processo, a necessidade de determinar a prisão preventiva do acusado na fase inicial da ação. Com esse entendimento, o ministro Francisco Peçanha Martins, presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça, concedeu liminar em Habeas Corpus para revogar o decreto de prisão de Alcides de Almeida Neto, acusado de formação de quadrilha e corrupção.
Segundo o ministro, o pedido de prisão feito pelo Ministério Público do Paraná não explicitou a participação do acusado nos crimes. Apenas indicou que Almeida era empregado de um outro acusado, suposto chefe de um esquema que explora jogo do bicho e o comércio de máquinas caça-níqueis em Londrina.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, embasada em investigações policiais, Almeida está foragido para não prestar declarações à Polícia sobre os crimes praticados, o que prejudica o andamento do processo. Para o MP, o pedido de prisão preventiva do acusado garantiria a aplicação da lei penal, agilizando os trâmites processuais.
Peçanha Martins não encontrou no decreto de prisão fundamentos que justificassem a medida. “A custódia do paciente baseia-se tão só no fato dele não ter sido encontrado para prestar declarações à polícia acerca do envolvimento de seu patrão em suposta prática de jogo do bicho e exploração de máquina caça-níquel. O mandado de prisão carece de adequada e legal fundamentação, uma vez que a mera relação empregatícia do paciente com um suposto infrator não demonstra indício de autoria suficiente para justificar a medida excepcional que é a prisão preventiva.”
Na decisão, Peçanha Martins destacou precedentes do STJ e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a fuga do réu e a garantia de aplicação da lei penal não constituem bases legais para o decreto de prisão preventiva, ainda mais em um pedido “genérico, sem alusão a dados específicos da causa”.
O ministro determinou a imediata expedição de contramandado de prisão em favor de Almeida e salientou que o decreto prisional pode ser solicitado novamente se ficar comprovada, de forma concreta e justificada, a necessidade de tal medida.
HC 99.235
Leia a decisão
HABEAS CORPUS Nº 99.235 – PR (2008/0015846-4)
IMPETRANTE: MAURO VIOTTO E OUTRO
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
PACIENTE: ALCIDES BERTIER DE ALMEIDA NETO
DECISÃO
Vistos, etc.
1. Cuida-se de habeas corpus, com pedido de concessão de liminar, impetrado em favor de Alcides Bertier de Almeida Neto, contra acórdão da 2a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:
“HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA E ‘JOGO ILEGAL’. DENÚNCIA OFERECIDA. PACIENTE NÃO LOCALIZADO PARA SER CITADO. REPRESENTAÇÃO PELA SUA PRISÃO PREVENTIVA. DECRETAÇÃO PELO JUÍZO ‘A QUO’. ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. RÉU FORAGIDO. ADEQUAÇÃO ÀS HIPÓTESES DO ARTIGO 312 DO CPP – ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA.” (fl. 34).
Sustenta o impetrante constrangimento ilegal do paciente, uma vez que (i) inexistem os requisitos que autorizam a prisão preventiva, inclusive “indícios de autoria e materialidade”; (ii) o paciente não está foragido, pois “quando da decretação de sua prisão preventiva, o Paciente já estava fora da cidade de Londrina” (fl. 8); (iii) o decreto de prisão carece de fundamentação. Afirma, ainda, que “diante do clima de ameaça e terror a que foi submetido o paciente, o mesmo viu-se impedido de se apresentar, sob pena de sofrer um evidente e manifesto constrangimento ilegal e insuportável” (fl. 9). Requer a concessão de liminar, com expedição de contra-mandado de prisão e de salvo-conduto.
2. Verifica-se, prima facie, relevante o fundamento da impetração (fumus boni iuris), bem como a presença do perigo da demora, diante da ordem de prisão expedida em desfavor do paciente, a justificar a concessão do pleito liminar.
O decreto de prisão de fls. 81/85 não descreve a suposta participação do paciente na prática ilegal, nem mesmo de forma sucinta – própria da fase em que se encontra o processo.
Tampouco o decisório que indeferiu o pedido de revogação da prisão explicita essa questão.
Nesse ponto, limita-se a primeira decisão a indicar o paciente como funcionário de José Ricardo Pinto. Ora, a mera relação empregatícia do paciente com um suposto infrator não demonstra indício de autoria suficiente para justificar a medida excepcional que é a prisão preventiva. Frise-se, por oportuno, que “é dever do magistrado demonstrar, com dados concretos extraídos dos autos, a necessidade da custódia do paciente, dada sua natureza cautelar nessa fase do processo” (HC 41.291/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03.08.2006, DJ 06.11.2006 p. 347).
O decisório impugnado, no tocante ao ora paciente, fundamenta-se tão-só no fato dele não ter sido encontrado para prestar declarações à polícia acerca do envolvimento de seu patrão José Ricardo Pinto em suposta prática de jogo do bicho e exploração de máquina caça-níquel, o que motivou o magistrado a decretar a prisão preventiva para garantia da aplicação da lei penal, mantida pelo Tribunal a quo.
Ocorre que, segundo precedente deste Superior Tribunal de Justiça, “o fato de o paciente não ter sido encontrado para o cumprimento do mandado de prisão, o decreto prisional, carente de adequada e legal fundamentação, não pode legitimar-se com a posterior condição do réu de foragido da justiça, o qual não deve suportar, por esse motivo, o ônus de se recolher à prisão para impugnar a medida constritiva.” (HC 58.568/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 15.08.2006, DJ 25.09.2006 p. 289)
E como acentuou o e. Min. Cezar Peluso do Supremo Tribunal Federal, “fuga do réu e garantia de aplicação da lei penal, sobretudo quando invocadas em decisão genérica, sem alusão a dados específicos da causa, não constituem causas legais para decreto de prisão preventiva” (HC 87.343/SP, DJ de 22/6/2007).
3. Diante do exposto, defiro a liminar para determinar a imediata expedição de contramandado de prisão em favor do paciente, se por outro motivo não estiver sido decretado sua prisão e sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a segregação, com base em fundamentação concreta.
Solicitem-se informações.
Após, vista ao Ministério Público Federal.
Comuniquem-se ao Juízo da 2a Vara Criminal de Londrina-PR e ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 25 de janeiro de 2008.
MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
Vice-Presidente, no exercício da Presidência
Revista Consultor Jurídico