Hospital não pode denunciar lide a médico em ação indenizatória por erro

Um acórdão do TJ de Mato Grosso garante o maior interesse de possível vítima de erro médico ao agir para que o processo tenha tramitação mais célere, sem que a lide seja denunciada a profissional da Medicina pelo hospital.

De acordo com a 6ª Câmara Cível do TJ-MT, “o hospital de que disponibiliza seus serviços ao paciente tem responsabilidade objetiva por danos resultantes de suposto erro médico ali ocorrido.” Por isso, para evitar atraso na prestação da tutela juridicional, o tribunal vetou a denunciação da lide, garantindo, porém, o direito de regresso a ser exercido em ação própria ou de prosseguimento nos mesmos autos.

A vítima, autora de ação de indenização de danos morais e materiais, litiga com o Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Fátima, que, por sua vez, tentava trazer ao feito o médico Reinaldo Turra Ávila. O nosocômio sustentava que o médico apenas utilizava as suas dependências sem ser empregado ou preposto seu, sendo o responsável por responder pelos danos alegados.

Com a decisão interlocutória indeferitória da intervenção do terceiro, o hospital agravou ao TJ-MT, onde não teve melhor sorte. O relator, desembargador Guiomar Teodoro Borges, explicou que “a própria relação de preposição não é indispensável à caracterização da responsabilidade do nosocômio.” Desse modo, o estabelecimento de saúde, fornecedor de serviços, responde mesmo sem culpa pelos danos causados ao consumidor por defeitos no serviço, porque “tem a obrigação de zelar pela qualidade e eficiência do serviço contratado e colocado à disposição do paciente.”

Lembrou o relator que o artigo 88 do CDC veda expressamente a denunciação da lide, devendo a ação de regresso ser ajuizada autonomamente ou utilizar-se da faculdade de se prosseguir nos mesmos autos. A denunciação da lide “representa um complicador ao processo e atrasa a prestação da tutela jurisdicional”, afirmou o magistrado, ressaltando que não há razão para uma discussão subjetiva na lide quando a hipótese é de responsabilidade civil objetiva. (Proc. nº 40240/2010).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO

SEXTA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 40240/2010 – CLASSE CNJ – 202 – COMARCA DE LUCAS DO RIO VERDE
AGRAVANTE: HOSPITAL E MATERNIDADE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA LTDA.
AGRAVADO: ODILON RAIMUNDO DOS SANTOS
Número do Protocolo: 40240/2010
Data de Julgamento: 23-6-2010

EMENTA

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS – HOSPITAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA – DENUNCIAÇÃO DA LIDE –
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ARTIGO 70, III, DO CPC – PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL – RECURSO DESPROVIDO.

O hospital que disponibiliza seus serviços ao paciente tem responsabilidade objetiva por danos resultantes de suposto erro médico ali ocorrido. Na hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelos defeitos na prestação do serviço, inviabilizada a denunciação da lide, para evitar-se o atrasa na prestação da tutela jurisdicional.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. GUIOMAR TEODORO BORGES

Egrégia Câmara:

Cuida-se de Recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Hospital E Maternidade Nossa Senhora De Fátima, de decisão que na Ação de Indenização de Danos Morais e Materiais, que lhe move Odilon Raimundo dos Santos, indeferiu o pedido de denunciação à lide do médico Reinaldo Turra Ávila.

O agravante suscita, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam porque o médico que realizou a cirurgia do agravado não é empregado ou preposto do nosocômio, apenas utiliza as dependências do estabelecimento para internação de seus pacientes.

Aduz que não há nenhum vínculo entre o agravante e os supostos danos alegados pelo agravado diante da ausência da responsabilidade do Hospital, portanto deve ser excluído da relação processual.

Afirma que no caso não há falar-se na aplicação exclusiva da teoria da responsabilidade objetiva, porque embora o médico que realizou a cirurgia não seja empregado do agravante, é responsável pela internação e cirurgia do agravado, situação que enseja sua denunciação à lide, nos termos do art. 70 do CPC.

Postula o provimento do recurso, a fim de que seja deferida a denunciação da lide do médico Dr. Reinaldo Turra Ávila e o reconhecimento da ilegitimidade passiva do agravante.

Não houve pedido de efeito suspensivo (fls. 162/163-TJ).

Em contraminuta (fls. 167/171-TJ), alega a legitimidade do agravante para responder pelos danos sofridos, em razão do nexo causal entre a ação médica e o resultado danoso, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Requer o desprovimento do recurso.

É o relatório.

V O T O (PRELIMINAR – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM)

EXMO. SR. DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Suscita o Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Fátima, a preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que não é empregador ou responsável pelos atos dos profissionais liberais que ali realizam seus atendimentos. Embora o agravante argua não ter qualquer vínculo com o médico responsável pela cirurgia realizada em suas dependências e que teria incapacitado o ombro direito do agravado, releva considerar que a própria relação de preposição não é indispensável à caracterização da responsabilidade do nosocômio.

Assim, o hospital – fornecedor de serviços, responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação do serviço, no caso, suposto erro médico ali ocorrido, porquanto tem a obrigação de zelar pela qualidade e eficiência do serviço contratado e colocado à disposição do paciente, ora agravado.

Nesse sentido:

“INDENIZAÇÃO – ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL – VÍNCULO EMPREGATÍCIO DO MÉDICO – DESNECESSIDADE – RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS PROFISSIONAIS MÉDICOS – APURAÇÃO E EFEITOS.

‘O hospital que disponibiliza seus serviços, instalações, equipamentos e equipe médica ao paciente tem responsabilidade objetiva por danos resultantes de erro médico ali ocorrido, não importando o fato de inexistir vínculo de emprego entre a casa de saúde e os profissionais responsáveis pela conduta danosa (art. 14, Lei nº. 8.078/90).’

(…). Preliminares rejeitadas e recursos não providos.” (TA/MG, AC 2.0000.00.375.438-1/000, Relator Desembargador EDGARD PENNA AMORIM) Assim, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva.

V O T O (MÉRITO)

EXMO. SR. DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (RELATOR)

Egrégia Câmara:

A matéria trazida a exame cinge-se na denunciação da lide do médico Dr. Reinaldo Turra Ávila.

A ação de indenização de danos morais e materiais foi ajuizada com fundamento em relação de consumo decorrente de suposto defeito na prestação de serviços médicos.

Na hipótese, é aplicável o artigo 88 da Lei nº 8.078/90, que veda expressamente a denunciação, in verbis:

“Art. 88 – Na hipótese do art. 13, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.” Com efeito, como a questão a ser analisada na ação originária está na obrigação de reparar, sob o ângulo objetivo decorrente da relação de consumo, inadmite-se a intervenção de terceiros por meio da denunciação da lide, ainda que existente eventual direito de regresso, como dispõe o art. 88 do CDC, porquanto clara a incompatibilidade da denunciação da lide, que representa um complicador ao processo e atrasa a prestação da tutela jurisdicional.

Ademais, o disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que a responsabilidade do prestador de serviços independe de culpa, já a denunciação da lide requerida, ampliaria subjetivamente a demanda, motivo pelo qual torna necessária a verificação da existência de dolo ou culpa do médico que operou o agravado.

Registra-se que tal vedação, não importa ofensa ao contraditório ou ampla defesa do hospital/agravante, a quem continuará assegurado o direito de voltar-se contra o profissional, se o caso, pelas vias ordinárias.

Nesse sentido:

“Recurso. Agravo de Instrumento. Denunciação da lide requerida pela agravante frente ao médico apontado como responsável pela prestação do serviço.

Descabimento. Denunciação indeferida. Inteligência dos artigo 13. § único e 88, ambos do CDC e Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal. Agravo Improvido”. (TJ/SP, Agravo de Instrumento n° 490.323.4/9-00, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Adilson de Andrade).

“Agravo de Instrumento. Ação indenizatória. Erro médico. Alegação de que o profissional que operou a agravada não possui qualquer relação com o hospital, quer como preposto ou prestador de serviços. Matéria que depende de apuração, impedindo o pronto acolhimento da preliminar. Agravante, ademais, que teria obtido lucro derivado do ato ilícito, com possibilidade, em tese, da sua responsabilidade solidária em indenizar o dano. Denunciação da lide. Introdução de fundamento novo na denunciação (culpa do médico), não compatibilizado com o fundamento da ação originária (responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços). Inadmissibilidade. Decisão mantida. Agravo improvido.” (TJ/SP, Agravo de Instrumento n° 454.934.4/3-00, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Donegá Morandini). (g.n.)

Sobre a matéria, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“Processo Civil. Ação Proposta Contra Clínica. Denunciação Da Lide Ao Profissional Responsável Pelo Tratamento Médico. A denunciação da lide, nos casos previstos no art. 70, inc. III, do Código de Processo Civil, supõe que o resultado da demanda principal se reflita automaticamente no desfecho da ação secundária; tema que amplie a controvérsia inicial ou demande outras provas não pode ser embutido no processo. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 673258/RS, Relator Ministro Ari Pargendler, 3ª Turma, j. 28-6-2006, DJ 04-9-2006 p. 262). (g.n.)

Com essas considerações, nega-se provimento ao recurso.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEXTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JURACY PERSIANI, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (Relator), DRA. CLEUCI TEREZINHA CHAGAS (1ª Vogal convocada) e DES. JURACY PERSIANI (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão:
PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO DESPROVIDO, À UNANIMIDADE.

Cuiabá, 23 de junho de 2010.

DESEMBARGADOR JURACY PERSIANI – PRESIDENTE DA SEXTA CÂMARA CÍVEL

DESEMBARGADOR GUIOMAR TEODORO BORGES – RELATOR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?