20 anos da queda do Muro de Berlim: símbolo de mudanças em todo o mundo

No final da década de 80 o Brasil e o mundo passavam por mudanças significativas, que balizariam o que viriam ser os próximos 20 anos, bem mais democráticos do que as duas décadas anteriores em várias partes do planeta. No Brasil era promulgada em 1988 a última Constituição Federal, a chamada Constituição Cidadã, pelo zelo com que buscou amparar os direitos fundamentais do cidadão, cerceados durante o regime militar.

Um ano depois, o país passava pela primeira eleição presidencial com voto direto após o fim do regime militar e comemorava o primeiro centenário da Proclamação da República. Está na Constituição brasileira em seu artigo 1º que o Brasil é uma República Federativa democrática, formada pela união indissolúvel de estados, municípios e o Distrito Federal.

A Constituição brasileira é um símbolo da estabilidade democrática do país. Quando da comemoração dos 20 anos da nossa Carta maior, esta estabilidade foi o ponto mais lembrado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, os guardiões da Constituição.

Naquela ocasião o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, afirmou: “este é o mais longo período de estabilidade institucional da nossa história republicana. Em termos de tradição democrática, temos a comemorar”.

Ano de mudanças

1989 foi um ano expressivo em mudanças políticas, econômicas e sociais em várias partes do mundo. Na China, estudantes inconformados com o governo do Partido Comunista tomaram as ruas e ocuparam a Praça da Paz Celestial, em Pequim. Na Romênia explodia a revolução que acabou com o governo comunista e ditatorial de Nicolae Ceausescu – preso, condenado à morte e executado naquele mesmo ano, enquanto que na Polônia crescia a influência do Sindicato Solidariedade e de Lech Walesa, que um ano depois foi eleito o primeiro presidente da Polônia após a queda do regime comunista.

No Japão a morte do imperador Hirohito, depois de 63 anos de reinado, também provocou mudanças. Ele era o chefe de Estado quando do bombardeio japonês à base norte-americana de Pearl Harbor (1941). Aliou-se aos alemães e italinaos na II Guerra Mundial e pagou o alto preço da derrota com ataques nucleares às cidades Hiroshima e Nagasaki. Já no Irã, 1989 ficou marcado pela morte do Ayatollah Khomeini, o líder espiritual e político da Revolução Islâmica. Também líder espiritual e político, mas do Tibete, o Dalai Lama foi agraciado naquele ano com o Prêmio Nobel da Paz.

URSS – Perestroika e Glasnost

Mas 1989 foi marcado pelo colapso do regime comunista e o início do desmantelamento da chamada Cortina de Ferro, que reunia no leste europeu os países alinhados com a União Soviética. Mudanças políticas e econômicas anunciadas quatro anos antes foram concretizadas, respectivamente, com a Glasnost (transparência) e a Perestroika (reestruturação) de Mikhail Gorbatchev. Assim a União Soviética se abria para o mundo e essa abertura passava a inviabilizar a continuidade do regime fechado nos países a ela alinhados – tinha início a onda de revoluções, pacíficas ou não.

Na Alemanha, 1989 foi um ano simbólico. Enquanto a Lei Fundamental do país completava quatro décadas, o povo alemão pode comemorar e vivenciar a queda daquele que foi o maior símbolo da Guerra Fria. Caía o Muro de Berlim e a divisão do mundo basicamente entre dois blocos econômicos: capitalista, em que prevalecia a economia de mercado, e socialista que se sustentava na presença imperativa do Estado (governos comunistas) sobre a economia.

Isolados

Um dia, os alemães acordaram e não puderam mais cruzar a cidade de Berlim, cortada por uma cerca de arame farpado, que seria substituída por um muro com 66,5 Km de comprimento, em decorrência do êxodo dos alemães do lado leste para o lado oeste da cidade. O Muro de Berlim divida a Alemanha em duas, uma socialista sob o domínio da União Soviética e outra capitalista, influenciada pelos Estados Unidos e seus aliados. Famílias foram separadas, pessoas tiveram que deixar seus empregos, suas casas, e ainda perderam direitos, como à liberdade e o de transitar por toda a cidade de Berlim.

Foram 28 anos de uma fronteira edificada, símbolo da Guerra Fria, que dividia uma antiga nação em dois países. Assim, entre 13 de agosto de 1961 e 9 de novembro de 1989, os alemães eram um só povo, dividido em dois países – a República Democrática Alemã ou Alemanha Oriental, cuja capital era a dividida Berlim, e a República Federal da Alemanha ou Alemanha Ocidental, cuja capital era Bonn.

A reunificação da Alemanha se deu em 1990, quando o território que era a Alemanha Oriental foi anexado à República Federal da Alemanha, com a adoção da mesma moeda, dos mesmos símbolos nacionais e também sob a regência das mesmas regras constitucionais – a Lei Fundamental.

Nova ordem mundial

No período que compreendeu a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha, o ministro Gilmar Mendes, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, concluía seu mestrado e iniciava o seu doutorado na Universidade de Münster, naquele país. Ao concluir seu curso de mestrado apresentou o trabalho – Pressupostos de admissibilidade do Controle Abstrato de Normas perante a Corte Constitucional Alemã. Já sua tese de doutorado foi: “O Controle abstrato de normas perante a Corte Constitucional Alemã e perante o Supremo Tribunal Federal”.

Segundo o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, a partir da queda do Muro de Berlim houve uma grande mudança na ordem econômica mundial. “O modelo econômico era outro, era um modelo fortemente estatizante. E agora, especialmente a partir do governo FHC [Fernando Henrique Cardoso], houve um modelo muito mais privatista, ou muito mais influenciado por uma concepção liberal”, observou. Na avaliação de Gilmar Mendes, “o Texto de 1988 veio com alguma antecipação. É que a queda do Muro de Berlim se deu em 1989. Então, ficou muito mais fácil para se compreender o mundo depois da queda do Muro de Berlim”, disse o ministro.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, como a Constituição brasileira foi promulgada num momento de transição política nacional e imediatamente antes de um período de transição econômica mundial, muitas emendas tiveram de ser feitas para ajustar tais mudanças à realidade do país. “Um momento em que nós transitamos de um mundo bipolar para um mundo multipolar.”

Logo depois, como nós sabemos, cairia o Muro de Berlim, em 1989. O socialismo de Estado entrou em retrocesso, inaugurou-se uma era neoliberal no mundo todo. “E se nós formos verificar bem, grande parte das Emendas Constitucionais foram feitas no sentido da redução da participação do Estado, da privatização dos serviços públicos”, disse Lewandowski.

Lei Fundamental de Bonn

Além da queda do Muro de Berlim, os alemães comemoram em 2009 os 60 anos da Lei Fundamental de Bonn, considerada a Constituição alemã. Ao participar de solenidade organizada pela Embaixada da Alemanha, em maio deste ano, o presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu discurso que a Lei Fundamental Alemã foi “o sustentáculo da reunificação [do país] em 1990”.

O ministro citou o direito alemão como uma grande influência no desenvolvimento da democracia e em diversas Constituições no mundo todo. “Nesse sentido, a Lei Fundamental de Bonn tem em seu texto o gérmen daquilo que vem sido denominado de ‘neoconstitucionalismo’, ou seja, de uma nova cultura jurídica”, afirmou Gilmar Mendes.

Gilmar Mendes lembrou que a Constituição de Weimar, de 1919, serviu de base para algumas das instituições da Lei Fundamental de Bonn, e foi importante modelo para as Constituições elaboradas no período entre as duas guerras, a ela se devendo a constitucionalização dos direitos sociais e da economia.

Para Gilmar Mendes, a Lei Fundamental de Bonn “conseguiu concretizar em seu texto, a garantia efetiva dos direitos fundamentais e a institucionalização de um sistema de governo marcado por sua profunda democracia e estabilidade”.

O modelo alemão, segundo o presidente do Supremo, serviu de “inspiração direta para, dentre outras, a Constituição portuguesa de 1976, a Constituição espanhola de 1978, bem como para as novas Constituições dos países do Leste europeu, nascidas da transição democrática e da fragmentação da União Soviética”.

“A relevante influência da Lei Fundamental de Bonn para os mais diversos Estados Constitucionais não se esgota no texto moldado em 1949, mas sua contínua concretização realizada na democracia alemã ainda inspira e incentiva diversos Estados Constitucionais, dentre os quais destaco, pela minha vivência, o Brasil”, concluiu Gilmar Mendes.

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