Lula com Chávez versus os EUA: como o Brasil está consolidando sua liderança no continente

Carlos Hugo Studart

Tem sido intensa a movimentação de bastidores entre Brasil e Estados Unidos. Primeiro foi o chanceler Celso Amorim quem disparou um telefonema para o general Colin Powell, secretário de Estado norte-americano. Powell não gostou do que escutou – mas prosseguiu no diálogo. Quatro dias depois, em pleno domingo 12, numa tarde de fortes trovoadas na capital, foi a vez da embaixadora norte-americana Donna Hrinak contatar Amorim em sua residência. Ela pediu ao chanceler que a recebesse com urgência, já no dia seguinte. Pediu também que Amorim atendesse um enviado especial da Casa Branca, John Maisto, influente assessor de George W. Bush para a América Latina. Na tarde de quarta-feira 15, Amorim e Maisto se encontraram em Quito, Equador.

Todas essas conversas giram em torno de uma única palavra: Venezuela. Brasil e EUA bateram de frente nas propostas de tentar retirar o país vizinho do pântano político em que se meteu. E por trás dos debates sobre esse vizinho há algo maior – a intenção do governo Lula de ganhar a liderança da América do Sul. “O Brasil precisa desabrochar como um botão de rosas e assumir de vez sua grandeza”, disse Lula na quinta-feira 16, em Quito, onde foi para a posse do novo presidente equatoriano, Lucio Gutierrez.

Por enquanto, essa nova política externa está dando certo. Diante de Powell, Hrinak e Maisto, Celso Amorim deixou claro que o Brasil vai lutar contra a retirada à força de um presidente eleito, como é o caso de Hugo Chávez. Amorim argumentou que qualquer saída fora da Constituição seria um grave precedente. Os americanos, que há um ano apoiaram um golpe que retirou Chávez do poder por 47 horas, estavam defendendo um plebiscito imediato sobre a permanência (ou não) do presidente.

Em Quito, os 34 países-membros da Organização dos Estados Americanos anunciaram a formação de uma aliança para mediar uma saída pacífica para a crise. “Não queremos uma solução que surja do bolso do colete”, disse Amorim. Prevaleceu a proposta brasileira de criar o Grupo de Amigos da Venezuela, formado por seis países, que atuarão sob a batuta da OEA.

A principal proposta na mesa de negociações é promover um referendo a Chávez, em agosto próximo, conforme rege a Constituição. A oposição exige a saída imediata de Chávez. Aceita, no máximo, antecipar o referendo para o início de fevereiro. “A questão venezuelana precisa ser resolvida por uma solução democrática, pacífica, constitucional e eleitoral”, balizou o secretário-geral da OEA, Cesar Gavíria. Em Caracas, Hugo Chávez comemorou a criação do Grupo de Amigos provocando os adversários. “Eles sofrem de uma enfermidade mental que os leva a culpar-me por todos os problemas.”

Alguns pontos chamam a atenção no primeiro teste da nova política externa brasileira. Um é a própria formação do Grupo de Amigos. Foram eleitos Brasil, EUA, México, Chile, Espanha e Portugal. Era para o Brasil estar de fora. Por tradição, países fronteiriços não fazem parte desse tipo de aliança. Ademais, a oposição venezuelana não queria a inclusão do Brasil por conta das afinidades explícitas entre Lula e Chávez.

Gavíria também se posicionou contra o Brasil, mas o País entrou no Grupo por mérito de Amorim. Chávez, por seu lado, tentou impedir que os americanos entrassem. Foi Lula quem o convenceu a ceder.

“A crise na Venezuela é uma grande oportunidade para Brasil e Estados Unidos começarem a atuar em parceria no continente”, afirma Márcio Chalegre Coimbra, professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília e autor de livros sobre as relações bilaterais entre os dois países.

A eleição de Lula causou uma preocupação inicial em parte do establishment americano, mas que foi superada pelo clima amistoso que prevaleceu no encontro entre ele e Bush, em dezembro. Além disso, cresce na opinião pública americana um profundo respeito a Lula, pelo fato de ter chegado ao poder após quatro eleições democráticas. Em Washington, as autoridades já admitem ser natural que Bush e Lula tenham visões distintas. “Ninguém esperava que Lula fosse um cachorrinho poodle da diplomacia americana”, disse uma fonte diplomática de Washington. “O importante é que os dois países consigam cooperar”.

CARLOS HUGO STUDART, jornalista e historiador, é professor da Universidade Católica de Brasília e editor do site DIREITO.COM.BR

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