A (im)Previdência dos juízes e a aposentadoria integral

Roberto Wanderley Nogueira *

Após a vitoriosa campanha presidencial de Luís Inácio Lula da Silva, grupos corporativos recrudescem no esforço de restabelecer, ou manter, o primado de privilégios que vinham sendo acumulados desde a colônia, nada obstante as gritantes desigualdades da população brasileira desde então. Esses grupos são marcados pela excelência com que executam planos e procedimentos conservacionistas, bem como por uma recorrente insensibilidade para com os problemas do povo e uma extraordinária capacidade de articulação e mobilização política.

Talvez uma das categorias mais recorrentes, nesse sentido, seja a magistratura. Sem motivo não é que suas associações de classe desenvolveram uma formidável capacidade de produzir lobbies, por vezes totalmente despropositados, com os quais querem preservar vantagens e benefícios nas carreiras que pretendem representar.

Disso decorre que os problemas internos não são submetidos, via de regra, a debate aberto, como as crises envolvendo magistrados das cúpulas e outros das bases jurisdicionais, episódios que permanecem, quase sempre, abafados justamente em razão dos interesses dessas mesmas cúpulas.

Igualmente, institutos como o do “quinto constitucional”, um canal escancarado à política partidária junto aos Tribunais, tem sido deixado de lado mesmo nas discussões acerca da felizmente malograda Reforma do Judiciário.

Sem dúvida, o argumento de maior incidência entre os magistrados é aquele que diz respeito aos seus próprios vencimentos. Mais do que argumentação, esses debates revelam um sentimento quase sindicalista da própria classe dos magistrados, os quais, no passado recente, chegaram a pensar em greve.

Sobre isso, o apelo evoluiu, hoje, para a questão dos proventos da aposentadoria, em face dos acenos de mudança no regime jurídico da Previdência Social. Os juízes se aterrorizam com a possibilidade de terem frustradas suas expectativas de aposentadorias especiais com proventos integrais, em contraposição à maioria dos trabalhadores brasileiros.

Por isso postulam, de um lado, a consagração do princípio dos direitos adquiridos. De outro, com a mesma voracidade, aludem que as condições da atividade judicial recomendam essa especificidade. Efetivamente, não há razão tanto numa quanto noutra tese, claramente arbitrárias, porque são derivadas do mesmo espírito corporativista antes reportado.

Os direitos adquiridos, como conceito jurídico, passam, necessariamente, pela compreensão de que todos os seus elementos constitutivos, como termo e condições, se integrem plenamente ao patrimônio jurídico da pessoa (sujeito de direito).

O caso de quem ingressa na magistratura, especialmente aquele cujo objetivo principal é lograr uma aposentadoria confortável à custa do Estado com o mínimo de esforço, não ilustra a proposição, porque o suposto direito à aposentadoria, enquanto não constituída a termo (tempo legal de serviço e implemento de idade) ou condição típica de inatividade antecipada (invalidez permanente para o trabalho), gera apenas uma mera expectativa jurídica que os magistrados, aliás, não desconhecem.

Por outro lado, referir que as condições do exercício judicial efetivo, de tão arriscado e penoso, gera o dever do Estado de satisfazer as necessidades pessoais e familiares do magistrado aposentado, segundo critérios particularistas, é manifestação que, sobre inverter os papéis da relação institucional Estado-servidor (ou agente político), revela inteiro desconhecimento das naturezas da dupla face remuneratória do serviço público: ativo e inativo.

Com efeito, vencimentos do serviço público ativo não são proventos da inatividade, segundo uma clássica construção da Teoria Jurídica. Sobre isso, as relações que se estabelecem em função do direito à percepção dos vencimentos são de uma categoria — atividade funcional — e as relações que se estabelecem em função do direito à percepção de proventos são de outra — inatitivade.

Dessa forma, não faz sentido a luta pela manutenção dos proventos iguais aos vencimentos, haja vista o perfil conceitual da categoria de seus beneficiários. Também não é razoável, juridicamente, estabelecer gradientes quanto aos valores da aposentadoria, atitude que não parece um atributo da Justiça Social.

Pelo contrário, é sinal de injustiça e desigualdade, pois o aposentado que é oriundo de uma categoria melhor aquinhoada terá reunido amplas condições para, pelo senso de responsabilidade, estabelecer um plano financeiro de longo prazo, ou para vencer infortúnios, do que o aposentado que provém de categoria profissional menos qualificada.

Lutar por bons vencimentos e pela sua irredutibilidade não significa o mesmo que lutar por que esses vencimentos se traduzam, no futuro, na perfeita expressão de proventos da aposentadoria, quando e se bancados pelo Erário, a “mãe” de todos os caprichos no Estado burguês elitizado (plutocracia).

Pois é bem verdadeiro que os proventos, em face de sua distinção essencial, como conceito, não podem ser confundidos com vencimentos para servir ao arbítrio corporativo de grupos que supõem que a Constituição é o que se lhes valha aos próprios interesses.

Roberto Wanderley Nogueira é juiz Federal em Recife, professor-adjunto da Unicap e membro da Associação Juízes para a Democracia

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