TRT/MG: Pais de sobrevivente de Brumadinho ganham direito a indenização de R$ 60 mil

A Vale S.A. e uma empresa de engenharia foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais em ricochete, no valor total de R$ 60 mil, aos pais de um trabalhador que sobreviveu ao rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, ocorrido em 25 de janeiro de 2019. O casal alegou que sofreu forte impacto emocional em razão dos danos psíquicos e da invalidez sofrida pelo filho, em consequência da tragédia, que completa hoje 34 meses.

Ao decidir o caso, o juízo da 22ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte garantiu aos pais do trabalhador a indenização de R$ 60 mil. Mas, inconformados, eles interpuseram recurso pleiteando a majoração do valor da indenização. O recurso foi julgado pelos membros da Segunda Turma do TRT-MG, que, por unanimidade, negaram provimento.

O trabalhador foi contratado por uma empresa de engenharia e ocupava a função de encarregado de obras. Ele realizava o serviço de execução de obras eletromecânicas para adequação do sistema de proteção e combate a incêndios nas instalações das minas de Jangada e do Córrego do Feijão. Conforme CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) emitida, ele estava na planta da mineradora, em Brumadinho, no dia do acidente, mas sobreviveu.

Na defesa, a empregadora alegou que mantinha contrato em regime de empreitada parcial nas instalações das minas da Jangada e do Córrego do Feijão, ambas no município de Brumadinho. E que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da Vale, reforçando que o risco existente no local não era de seu prévio conhecimento. Já a Vale alegou que suas atividades foram precedidas por licenciamentos e autorizações dos órgãos competentes, tendo cumprido as normas de segurança e saúde do trabalho, “não tendo havido culpa no acidente, que seria imprevisível”, disse a defesa.

Mas o juiz convocado Danilo Siqueira de Castro Faria, atuando como relator, considerou que a Vale, com a deposição de rejeitos de mineração, criou risco acentuado aos trabalhadores e terceiros, o que resultou na tragédia do rompimento da barragem, “sendo, assim, suficiente estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado danoso”, frisou.

No entendimento manifestado no voto condutor, o parágrafo único do artigo 927, do Código Civil, é plenamente aplicável ao Direito do Trabalho, não se vislumbrando sua incompatibilidade com o inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição da República, já que o caput prevê a possibilidade de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. “As empresas atuantes na seara da mineração (seja diretamente ou por contratos de terceirização de serviços especializados) não podem ignorar os perigos a que expõem seus empregados, com o fim de obter lucro”, ressaltou.

O relator destacou ainda que, por imperar no Direito do Trabalho o princípio da alteridade (segundo o qual é a empresa que assume os riscos do empreendimento, nos termos do artigo 2º, caput, da CLT), não é permitido ao empregador transferir qualquer tipo de risco aos trabalhadores, “devendo o risco ser encarado em seu sentido amplo, não se limitando aos perigos de ordem meramente financeira, mas também aos riscos sociais, às perdas humanas”, pontuou.

Assim, segundo o relator, não existe celeuma quanto à responsabilidade objetiva da Vale, o que alcança os empregados de empresa terceirizada, como é o caso dos autos. A empregadora, por seu turno, colocou os empregados para trabalhar em prol da mineradora em local de risco acentuado. “Mesmo que assim não fosse, não há dúvidas quanto à existência de culpa da Vale pela tragédia ocorrida com os seus empregados e terceirizados, considerando a construção e manutenção de unidades utilizadas pelos trabalhadores logo abaixo da barragem que se rompeu, área que deve ser considerada extremamente vulnerável, ainda mais considerando o recente acidente de causas similares ocorridos no município de Mariana”, asseverou o relator.

No seu entendimento, não se pode olvidar que a empregadora tem a obrigação de promover a redução de todos os riscos passíveis de afetar a saúde e a integridade física dos trabalhadores no ambiente de trabalho. “E é fato público e notório que não foram oferecidas condições seguras de trabalho aos empregados que se ativavam nas áreas atingidas pela lama decorrente da ruptura da barragem, sendo nítida a culpa empresária pela consumação do infortúnio”.

Assim, segundo o acórdão, sob qualquer ângulo que se examine a questão, resta a conclusão de que as reclamadas devem arcar com os ônus decorrentes do infortúnio. E, por outro lado, a prova do processo, particularmente os atestados firmados por psicólogo, demonstram o sofrimento dos pais do operário, deixando ainda mais clara a caracterização da obrigação de indenizar. “Na situação de fato deste processo, os danos morais são inclusive presumíveis”, foi ressaltado.

O magistrado destacou ainda julgado da 4ª Turma do STJ, que reconheceu o direito, inclusive quando a vítima sobrevive, “já que não se baseia no direito de personalidade da vítima do evento danoso, – o qual, em caso de morte, seria exercido pelos indiretamente atingidos -, ‘mas personalíssimo, autônomo em relação ao dano sofrido pela vítima do evento danoso”.

Para o julgador, a invalidez causada ao empregado, inclusive com apuração em perícia médica de danos de ordem psíquica e danos existenciais decorrentes do impedimento da fruição de atividades como lazer, esporte, convívio e religião, resultou na alteração de toda a rotina e planejamento de vida da família, “atingindo inegavelmente os pais, pelo próprio caráter estreito dos laços afetivos, ensejando lesão, ainda que reflexa, indireta ou por ricochete, a direitos da personalidade”.

Diante do exposto, o julgado reconheceu que foi configurado o direito dos pais do trabalhador sobrevivente de receberem das empresas, de forma solidária, indenização por danos morais, devidamente provados nos autos. O julgador manteve então o valor de R$ 30 mil para cada autor, assim como fixado pelo juízo de origem. Para ele, “o montante é plenamente adequado ao caso em questão, por ser consentâneo com a extensão do dano, com a situação econômica das partes, com a natureza pedagógica da reparação e com os valores estipulados em outras demandas similares”.

Dano em ricochete – Segundo o decidido, a ideia do dano moral indireto ou em ricochete consiste na possibilidade de os resultados danosos do ato ilícito praticado contra o indivíduo alcançarem também pessoas distintas, que com ele mantêm ou mantinham forte vínculo afetivo, pessoas estas que igualmente são atingidas pelo sofrimento experimentado pela vítima ou decorrente da ausência daquele ente querido, caso haja o resultado morte. Atualmente, há recurso pendente de decisão de admissibilidade no TRT-MG.

Fotoarte: Leonardo Andrade

Processo n° 0010036-94.2021.5.03.0022


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