Sigilo em xeque – PF teve senha para mapear ligações de qualquer cidadão

O delegado Protógenes Queiroz e sua equipe, que comandaram investigações contra o banqueiro Daniel Dantas na Operação Satiagraha, receberam senhas para acessar o cadastro completo e monitorar o histórico de ligações de qualquer assinante das operadoras telefônicas do país. A informação consta de reportagem da Folha de S.Paulo publicada neste domingo (3/8).

Assinada pelos jornalistas Leonardo Souza e Hudson Corrêa, a reportagem explica que, por meio de um sistema da rede de computadores da telefonia, a PF consegue ter acesso remoto aos dados dos usuários das telefônicas. Embora a Lei de Interceptações Telefônicas não preveja tal procedimento, os juízes de primeira instância têm autorizado o uso de senhas pela Polícia Federal a fim de que seus agentes entrem no sistema, entendendo que isso agiliza as investigações.

Nas decisões da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo sobre interceptações na Satiagraha, fica claro o uso das senhas nas empresas de telefonia. “Tal [o fornecimento de senhas] destina-se ao acesso às informações de banco de dados das concessionárias de telefonia possibilitando-lhes o seguinte: i) consulta aos cadastros completos de assinantes e usuários, através de pesquisas por nome, CPF ou CNPJ e/ou número de linha e IMEI [dados e voz pela Internet] de eventuais investigados; ii) consulta ao histórico de chamadas, abrangendo essas linhas interceptadas e aquelas que se comunicarem com esses números”, informa o despacho do juiz Márcio Rached Millani, substituto do juiz Fausto Martin De Sanctis.

A operadora Vivo teria se negado a cumprir a ordem. Ela enviou ofício, em 2007, ao juiz, comunicando entendimento do Ministério Público de que a concessão de senha genérica não tem base legal e fere o direito constitucional do sigilo de dados pessoais. Além disso, segundo a operadora, o sistema “dá margem a abusos”.

Segundo a PF, o uso das senhas nas investigações é para obter dados de pessoas que ligaram para investigados. Ou seja, de pessoas que ainda não são, formalmente, investigadas. O delegado que comandou a investigação até a sua deflagração, Protógenes Queiroz, não se manifestou sobre o assunto. Já a assessoria da Justiça Federal informou que o juiz substituto Márcio Rached Millani não poderia atender à reportagem da Folha.

Em entrevista ao jornal, o juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), disse que há decisões contrárias ao uso de senhas no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mas defende o uso de senhas. “Se for pedir ao juiz para mandar a empresa [de telefonia] informar o cadastro de quem ligou para o investigado, demorará uma semana. É melhor ter acesso rápido para fazer frente ao crime organizado”, afirmou. Para o juiz, há um excesso de “garantismos” que só beneficiam os “bandidos”.

A utilização das senhas não permite, pelo menos por enquanto, que os policiais ouçam as conversas de qualquer assinante. O que eles podem fazer com os dados é mapear todas as chamadas feitas e recebidas não somente pelos investigados, mas também de qualquer pessoa que ligue para um deles. Como as senhas não têm restrição de uso, em tese, os policiais podem mapear as ligações de qualquer cidadão.

Revista Consultor Jurídico

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