Prisão preventiva é instrumento de vingança de juízes

Diz Luiz Flávio Gomes – Doutor em Direito Penal Pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri em recente entrevista ao Jornal Correio do Estado de Campo Grande-MS



Apontado como um dos maiores especialistas em Direito Penal do País, o ex-juiz Luiz Flávio Gomes, em sua visita a Campo Grande-MS, concedeu entrevista ao jornal Correio do Estado, sobre a atuação de juízes, de decisões polêmicas do Supremo Tribunal Federal (STF), de proposta demagógica de políticos e de presos provisórios que ficam “mofando” na cadeia. Ele criticou o excesso de prisões preventivas deixando claro que ninguém pode ser considerado culpado antes de trânsito em julgado da sentença.



Ele avaliou ainda como absurda a existência, hoje, no Brasil de mais de 190 mil presos provisórios (sem sentença definitiva). Isto significa que mais de 42% de todos os presos não contam com condenação final. Ele observou ainda que a posição do STF beneficia os réus que podem recorrer, que contam com advogados para recorrer até as últimas instâncias. Isso não acontece com os réus pobres, que formam a massa dos 190 mil presos provisórios no Brasil.



Luiz Flávio Gomes criticou também que o abuso da prisão provisória no Brasil é mais do que patente e atingi muito mais a classe pobre da sociedade. E ele (o abuso) ocorre só contra uma classe de delinquentes: os menos favorecidos. Os mutirões carcerários são necessários: mais de 3 mil presos foram encontrados com penas já cumpridas. No Espírito Santo um preso estava recolhido há 12 anos sem julgamento. Esses mutirões ajudam a suavizar a injustiça com os delinqüentes de “baixo”, afirmou.



E completou com duras acusações aos juízes que decretam prisões preventivas sem fundamentação. “Muitos juízes usam a prisão preventiva como pena antecipada e como instrumento de vingança. Tudo isso é absolutamente inconstitucional”, criticou o jurista.



Luiz Flávio Gomes defende a punição, caso haja dolo ou má-fé do juiz também eventualmente do membro do Ministério Público por abuso ou erro na decretação da prisão. Diante de tanto abuso no nosso País, a indenização para prisões indevidas deveria ser automática”, salientou.



O jurista é conhecido também nacionalmente por ter desenvolvido e implantado a primeira Rede de Ensino Telepresencial da América Latina, que atualmente está presente em mais de 340 cidades brasileiras.



Veja a íntegra da entrevista:



O Supremo Tribunal Federal – por sete votos a quatro – acolheu a tese de que a prisão, antes da sentença condenatória transitada em julgado, contraria o art. 5º, § 57, da Constituição Federal, contrariando o preceito constitucional da presunção de inocência. O posicionamento provocou debates de juristas magistrados e procuradores da República. Como o sr. Avalia a decisão do STF?



LFG: Por força da presunção de inocência ninguém pode ser considerado culpado antes de trânsito em julgado. Essa presunção não é incompatível com a prisão, antes do trânsito em julgado final, mas o juiz tem que fundamentar a sua absoluta necessidade. Apesar da posição do STF, temos hoje no Brasil mas de 190 mil presos provisórios (sem sentença definitiva). Mais de 42% de todos os presos não contam com condenação final. A posição do STF beneficia os réus que podem recorrer, que contam com advogados para recorrer até as últimas instâncias. Isso não acontece com os réus pobres, que formam a massa dos 190 mil presos provisórios no Brasil.



Esta decisão, diante da morosidade crônica do Poder Judiciário, não vai aumentar a sensação de impunidade?



LFG: Essa decisão vem permitindo que os ricos (tal como Pimenta Neves, por exemplo) demorem mais para ir para a cadeia (quando excepcionalmente vão). A sensação de impunidade em relação aos ricos é cada vez maior. Mas sempre foi assim no Brasil, Em relação aos pobres é diferente. São eles os 190 mil presos provisórios do Brasil. Talvez para eles não haja nenhuma sensação de impunidade.



Há um número impressionante de presos provisórios no Brasil em decorrência de prisões preventivas, sendo que em alguns estados já ultrapassa a metade dos condenados – o que forçou o CNJ a fazer recentemente mutirões carcerários, onde se constataram os excessos dessa medida -. O que o Sr. Acha desta questão?



LFG: O abuso da prisão provisória no Brasil é mais do que patente. E ele ocorre só contra uma classe de delinquentes: os menos favorecidos. Os mutirões carcerários são necessários; mais de 3 mil presos foram encontrados com penas já cumpridas. No Espírito Santo um preso estava recolhido há 12 anos sem julgamento. Esses mutirões ajudam a suavizar a injustiça com os delinquentes de “baixo”. Muitos juízes usam a prisão preventiva como pena antecipada e como instrumento de vingança. Tudo isso é absolutamente inconstitucional.



E o que o Sr. Tem a dizer a respeito das prisões preventivas calcadas na gravidade de fato atribuído ao acusado, na repercussão social e “sensação de descrédito do Poder Judiciário”?



LFG: O STF tem consolidada jurisprudência no sentido de que o clamor público, por si só, não justifica a prisão preventiva. Nem a gravidade do fato. A sensação de descrédito do Poder Judiciário não está na lei. Todas essas prisões cautelares são inconstitucionais.



A prisão preventiva é de natureza processual penal, não servido como antecipação da pena, pois se o réu for absolvido segundo o ministro Eros Grau, do STF, “nenhuma reparação pecuniária irá lhe restituir as horas de confinamento, por mais curtas que tenham sido”. O sr. concorda?



LFG: De fato a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena (sob pena de grave violação da Constituição). O judiciário Brasileiro, finalmente, esta acordando para o problema das indenizações. Recentemente o STJ confirmou indenização de dois milhões de reais a um sujeito que ficou preso injustamente 13 anos no Pernambuco. É uma crueldade sem tamanho prender alguém e depois em caso de absolvição, não haver indenização.



E nos caso em que tais fatos ocorrem, de quem é a responsabilidade? Se “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, os promotores de Justiça que requerem e os juízes que concedem prisões cautelares fora dos pressupostos do art. 312 do CPP estão acima da lei? Afinal, não são eles que deveriam respeitá-la mais do que ninguém?



LFG: A responsabilidade por todo abuso ou erro na prisão cautelar é, desde logo, do Estado. Depois, caso haja dolo ou má-fé, é do juiz também (e eventualmente do membro do Ministério Público). Diante de tanto abuso no nosso País, a indenização para prisões indevidas deveria ser automática.



O professor de direito penal da PUC-MG, Leonardo Isac Yarochewsky, em entrevista ao jornal Folha de S. Pulo (dia 26 de julho de 2009), sobre o tema afirmou: “a partir do momento em que começarem a responsabilizar a pessoa do promotor, do juiz, do desembargador que comete abusos, arbitrariedades, que deixam de julgar, e eles forem responsabilizados civilmente e criminalmente, não o Estado como instituição, ai pode ser que a coisa mude”. O sr. Concorda?



LFG: Pelo direito vigente a responsabilidade, em primeiro lugar, é do Estado. Mas o Estado não está impedindo de ingressar com ação depois contra o juiz, promotor, etc. (desde que haja dolo ou má-fé). O tema é delicado. Se a responsabilidade fosse do juiz primeiramente, certamente ele deixaria de decretar prisões cautelares. E elas são necessárias contra algumas pessoas. Mas contra algumas, não contra 190 mil pessoas. Esse número de prisão cautelar é exagerado (42,9% do total). Por todos esses abusos o Brasil vai pagar muito caro (porque se o Judiciário brasileiro não dá indenização, a pessoa lesada pode ir à Corte Interamericana de Direitos Humanos).



Recentemente, o Tribunal de Justiça de MS aplicou o princípio da bagatela imprópria (não aplicação da sentença condenatória) em um caso de agressão doméstica, cuja lei denominada “Maria da Penha” impede até mesmo a suspensão do processo e outros benefícios ao acusado. O que o sr. acha deste entendimento?



LFG: O princípio da insignificância (ou da bagatela), sempre que usado com prudência e equilíbrio, é um instrumento valioso de justiça. Ele tempera o rigor formal da lei. Os juízes mais sábios vêm fazendo bom uso do princípio da insignificância. O STF aplicou o princípio 18 vezes no ano de 2008.



Está em análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a Proposta da Emenda Constitucional (PEC) que tirará de condenados por crime hediondos o direito de progressão de regime prisional. A PEC já tem apoio do seu relator na comissão, deputado Ciro Nogueira (PP-PI). Se for promulgada, a PEC irá restaurar uma sistemática abolida pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou que negar ao condenado por crime hediondo a progressão do regime é incompatível com o princípio constitucional da individualização da pena de acordo com as peculiaridades de cada pessoa. Como o senhor avalia esta PEC em análise na CCJ da Câmara dos Deputados?



LFG: Cuida-se de uma proposta legislativa aberrante (e demagógica). O deputado sabe que não adiantará nada a sua aprovação, porque ela é inconstitucional, inclusive porque o próprio STF já firmou entendimento da impossibilidade de se proibir a progressão de regime. A demagogia, em geral faz parte da estratégia eleitoral dos políticos. A população inculta e não civilizada apóia a vingança sempre. Não buscam justiça, sim vingança. Quem mais catalisa esse sentimento de vingança mais benefício ganha do ponto de vista eleitoral.



Em suas palestras, o sr. reiteradamente vem afirmando que existe uma 5ª instância julgadora, além, portanto, do STF, referindo-se à possibilidade de se recorrer ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, criado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose de Costa Rica de 1992). O sr. poderia discorrer sobre o tema?



LFG: Desde 1998 o Brasil aceitou a jurisdição da Corte Interamericana (que tem sede na Costa Rica). Quando um direito fundamental nosso é violado e a vítima não encontra amparo no Judiciário brasileiro, ela pode se dirigir à Comissão Interamericana (que está em Washington) e esta comissão pode levar o assunto até a Corte, que é nossa quinta instância (ou seja: nosso último recurso, em matéria de direitos humanos fundamentais). A nossa quinta instância ainda precisa ser percebida pelos operadores jurídicos brasileiros, que não podem mais ignorar essa instância judicial.



 

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