Mulher do padre fica sem nada

Foi publicado na sexta-feira (11) o acórdão da 8ª Câmara Cível do TJRS que manteve, por maioria de votos, a sentença que não reconheceu a união estável entre um padre católico da Diocese de Novo Hamburgo, falecido em 2007, e uma mulher com quem ele se relacionou afetivamente. A decisão foi noticiada pelo Espaço Vital na edição de 05/04/2010.

Os demandados foram a legatária Mitra Diocesana de Novo Hamburgo e os herdeiros do falecido, que negaram a existência do relacionamento nos moldes anunciados na inicial, sustentando que “o extinto mantinha apenas uma relação de namoro/romance, com a autora”.

O pedido para o reconhecimento da vida comum foi realizado pela mulher que sustentou ter mantido união estável com o religioso, de 1977 a 2007, até sua morte. O juiz Luis Gustavo Pedroso Lacerda, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, julgou o pedido improcedente.

O falecido padre exercia o ministério religioso em uma das paróquias do Vale do Rio dos Sinos e sua namorada residia em Porto Alegre, num apartamento de propriedade dele.

Uma das cartas levadas aos autos – e reproduzida no acórdão disponível no saite do TJRS, tem o seguinte teor:

“Porto Alegre aos 7 de março de 1987.
Querida xxx (segue-se o nome):
Conforme palavra dada, até o dia 28 de fevereiro, eu deveria optar entre ti e o meu trabalho. Pensei demais sobre isto. Sempre chego à mesma conclusão. Tanto tu como o meu trabalho me parecem vitais. Como que os meus dois pés irrecusáveis na caminhada.
Entretanto sei que me alertasse de tua decisão. Tenho consciência dos teus direitos também, que não posso obstruir. Caso tomares outros e novos rumos de vida, tudo farei para acatar serenamente a tua decisão. Entretanto os laços de amizade são perenes e nada no mundo os possa destruir. Conte sempre comigo, como sempre serei o mesmo, que te ama e amará sempre.
Com beijos e abraços.
(assinatura)”.
Da sentença de improcedência da ação, houve recurso ao TJRS, sustentando que o padre teria preferido manter o relacionamento de forma reservada para que pudesse continuar na profissão de ministro da Igreja e que a convivência era conhecida de vizinhos e familiares.

Para o desembargador Claudir Fidélis Faccenda, relator, “os requisitos para o reconhecimento da união estável, de acordo com o disposto na Lei nº 9.278/96, são a dualidade de sexo, a publicidade, a continuidade do relacionamento, e o intuito de constituir família”.

O voto ressalta que “a condição de sacerdote não seria empecilho para o reconhecimento da existência da união estável, sendo essencial, porém, para o reconhecimento mesmo que paralelo, a presença dos requisitos legais, convivência pública contínua e com o objetivo de constituir família – assim é a jurisprudência”.

O relator e o desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos também consideraram a importância do testamento público, elaborado em 8 de abril de 2004, em que o padre instituiu como sua herdeira universal de todo o seu patrimônio a Mitra da Diocese de Novo Hamburgo.

Seria impossível – diz o acórdão – que “alguém que manteve um relacionamento afetivo por 29 anos, segundo a inicial, externando profundos sentimentos por uma pessoa, como se pode perceber nas inúmeras correspondências enviadas, pudesse ter tal atitude em relação à companheira de não lhe reservar qualquer bem, nem o próprio imóvel que atualmente utiliza como residência”.

O padre era proprietário de duas casas (Imbé e São Leopoldo), um apartamento (Porto Alegre – onde reside a mulher autora da ação), um box de estacionamento, um automóvel, tinha ações da Brasil Telecom e contas bancárias.

A maioria da 8ª Câmara concluiu que “em que pese a qualidade e o esmero profissional do ilustre procurador (Gustavo André Olsson) que subscreve a petição recursal, que exaustivamente analisa a prova (especialmente a testemunhal) no sentido de convencer que a relação havida entre o extinto padre e a autora/recorrente assumiu contornos de união estável, o que se verifica, na verdade, foi a ocorrência de um longo e furtivo namoro”.

Houve voto vencido em que o desembargador Rui Portanova critica a conclusão de seus colegas de colegiado: “esta união estável está sendo negada pelo só fato de se trata de um padre”.

Portanova fez um comentário objetivo sobre a análise da prova testemunhal: “ele foi um padre radicalmente fiel à sua profissão, há quem diga que ele foi casado com a igreja, mas ele era casado com a autora da ação”.

Não cabem embargos infringentes. Mas a mulher pode tentar recursos especial e extraordinário. Os advogados Wilson Moreira de Oliveira, Solange Maria Paranhos de Almeida e Wilson de Oliveira Moreira Junior atuaram na defesa do espólio do padre.

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