Licitação de passagens – Só lei pode modificar contrato com agências de viagens

por Jonas Lima

O ano de 2008 iniciou-se com forte turbulência para centenas de agências de viagens que trabalham com contratos governamentais. Todas estão preocupadas com as mudanças estabelecidas pelas companhias aéreas nos critérios de remuneração, que já começaram surtir efeitos e que representariam um verdadeiro caos nas licitações e nos ajustes firmados com a Administração Pública.

A nova sistemática de remuneração reflete tendência já impregnada na realidade de muitos países e que agora está começando a aparecer no Brasil: companhias aéreas não pagariam mais a comissão ao agente de viagens com um percentual sobre o valor do bilhete, mas passariam a destacar em campo próprio uma taxa de administração, ou seja, um adicional ao preço do bilhete, a ser repassado ao consumidor final.

O pressuposto do novo sistema de remuneração, com uma taxa de administração (fee) seria a transparência, pois cada comprador teria a efetiva informação de quanto estaria pagando de remuneração ao agente de viagens, embora, na prática, isso represente um aumento de preço, da ordem de 10%, por exemplo.

Depois da polêmica inicial, a nova sistemática está em debates em todo o Brasil e não vem sendo aplicada para as contas “GR”, ou seja, de contratos governamentais.

Pergunta-se então: qual seria o cenário da implantação da taxa de administração nos contratos das agências de viagens com a Administração Pública?

Para responder a essa pergunta é preciso começar lembrando que o Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967 (então reforma Administrativa Federal), estabelecia em seu artigo 132, inciso III, que seria admissível nas licitações para obras e serviços o regime de “administração contratada”.

Essa figura permaneceu no Decreto-Lei 2.300, de 21 de novembro de 1986 (Licitações e contratos da Administração Federal), que passou a estabelecer em seu artigo 5º, inciso VI, alínea “c”, a execução indireta, entre outras, pela modalidade de “administração contratada”, que seria a hipótese de contratação da “execução da obra ou do serviço, mediante reembolso das despesas e pagamento da remuneração ajustada para os trabalhos de administração”. Outra referência à “administração contratada” também constou como modalidade de execução indireta, no artigo 9º, inciso II, do referido decreto-lei.

Mais adiante, quando da apresentação do projeto que daria origem à Lei 8.666/93 (substituindo o Decreto-Lei 2.300) foi repetida a menção à “administração contratada”, mas houve veto do então presidente da República, com amparo em manifestação da Advocacia-Geral da União no sentido de que seria a norma “contrária ao interesse público”.

Com isso, após a redação sancionada da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993 (normas para licitações e contratos da Administração Pública), ficou banida a figura da “administração contratada”, que seria remunerada mediante a “taxa de administração”.

Mesmo diante da tentativa do Congresso Nacional de reinclusão do instituto na Lei 8.666/93, quando da edição da Lei 8.883, de 8 de junho de 1994, o presidente da República novamente vetou os dispositivos em questão com a argumentação de se tratar de “norma contrária ao interesse público”.

A partir daquele momento, o entendimento se consolidou, inclusive, para os convênios, merecendo destaque a Instrução Normativa STN 1, de 15 de janeiro de 1997 (Disciplina a celebração de convênios), que em seu artigo 8º veda “a inclusão, tolerância ou admissão, nos convênios, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade do agente, de cláusulas ou condições que prevejam ou permitam: I – realização de despesas a título de taxa de administração, de gerência ou similar”.

Até hoje o Tribunal de Contas da União continua insistindo nos mesmos assuntos, em reiteradas decisões, sendo suficiente os extratos do Acórdão 1.100/2007, do Plenário, que se referem a outros acórdãos: “Processo 003.214/2007-8 (…) Relatório do Ministro Relator (…) 4.2.6.1 A jurisprudência deste Tribunal tem sido pacífica ante a impossibilidade de adoção do regime de “administração contratada” após a edição da Lei 8.666/93. A título de exemplificação, cite-se a Decisão 1070/2002 – Plenário, Decisão 978/2001 – Plenário, Acórdão 2.016/2004 – Plenário, Acórdão 1.168/2005 – Plenário, Acórdão 1596/2006 – Plenário, todos contendo determinações para a repactuação dos contratos firmados, com vistas a excluir a taxa de administração. (…) 4.2.6.4 Diante do exposto é necessário determinar ao órgão que abstenha-se de adotar, na execução dos serviços, o regime de administração contratada por falta de amparo legal e por contrariar diversas deliberações deste Tribunal (Decisão 1070/2002 – Plenário, Decisão 978/2001 – Plenário, Acórdão 2.016/2004 – Plenário, Acórdão 1.168/2005 – Plenário, Acórdão 1596/2006 – Plenário e Acórdão 2060/2006 do Plenário)”.

Dessa forma, considerando que a “taxa de administração” se diferencia em muito da “comissão” do agente de viagens (porque essa última não constitui um “plus” indicado no preço final apresentado à Administração), atualmente, instituir a taxa de administração nos contratos de agências de viagens com a Administração Pública traria sérios problemas com as auditorias internas e com o Tribunal de Contas da União, além dos outros congêneres, inclusive com punições em atuais contratos e prejuízos para a participação das agências em licitações futuras.

Também é preciso considerar que, devido a todo esse cenário de aspectos legais bastante claros e evidentes, não basta impugnar editais de licitações para tentar forçar a aplicação nas licitações de novos critérios de remuneração estabelecidos por companhias aéreas ou, simplesmente, deixar de assinar novos contratos administrativos, porque nem os órgãos deixarão de ter necessidade de licitar, nem será a vontade do particular que prevalecerá sobre a da Administração, sendo que, de todo modo, os órgãos governamentais continuarão seguindo as sistemáticas de desconto sobre os totais das faturas.

Nesse particular, registre-se que, por meio da Decisão 495/96-Plenário, o Tribunal de Contas da União sedimentou o entendimento de que a comissão percebida pelas empresas de turismo é distinta da tarifa paga pelo bilhete, podendo as empresas disporem de parte da referida comissão. Ademais, desde a prolação da Decisão 592/94-Plenário, as agências de turismo passaram ofertar nas licitações descontos sobre suas comissões, somente mais recentemente tendo sido alterada a sistemática para descontos sobre o volume de vendas.

Então, seria o caso de modificar a sistemática de descontos nos contratos governamentais sobre a remuneração das agências, mesmo não sendo comissões, mas agora taxas de administração, separadas em campos próprios dos bilhetes, destacados da tarifa, mas, de todo modo, compondo o valor total da fatura a ser paga pelo órgão público.

O problema é que nem mesmo portarias ministeriais (que possuem âmbito de aplicação muito limitado no Poder Executivo Federal) resolveriam a situação, pois somente uma alteração na Lei de Licitações poderia abrir exceção para permitir a “taxa de administração” nos contratos administrativos firmados com as agências de viagens, isso em todas as esferas da Administração Pública.

É urgente, portanto, que os governos federal, distrital, estaduais e municipais comecem a discutir esses assuntos, a fim de evitar sérios problemas em um futuro breve nas licitações e nos contratos, envolvendo companhias aéreas, agências de viagens e órgãos públicos.

Em resumo, o que tiver de ser modificado precisa ser discutido com a maior brevidade possível, não apenas em casos isolados, mas visando solução ampla e definitiva para esse importante segmento dos contratos governamentais.

Revista Consultor Jurídico

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