Juiz ouve testemunhas de acusação, de defesa e procuradora acusada de torturar menina de dois anos

O juiz Mario Henrique Mazza, da 32ª Vara Criminal da capital, ouviu nesta sexta-feira, dia 11, seis testemunhas de acusação e quatro de defesa do processo em que a procuradora aposentada Vera Lúcia de Sant’Anna Gomes é acusada de torturar a menina T.S.E.S., de dois anos de idade, que estava sob sua guarda provisória. A pedido do Ministério Público e da defesa, a audiência foi realizada a portas fechadas a fim de preservar os depoentes. Os depoimentos, incluindo o interrogatório da acusada, duraram cerca de dez horas.

A primeira a depor foi a ex-empregada doméstica da procuradora, Luzia. Ela contou que a convivência com a ré sempre foi difícil, pois ela freqüentemente agia de maneira grosseira e humilhando os empregados. De acordo com a empregada, Vera Lúcia já havia comentado que gostaria de adotar uma criança para ter para quem deixar sua herança, por não ter marido, filhos, nem pais. Ainda segundo essa testemunha, a procuradora batia fortemente no rosto da criança quando, de manhã, ela não respondia ao seu “bom dia”; quando se assustava com os bichos da casa – dois gatos e um cachorro – e quando não queria comer toda a refeição que estava no prato. Além disso, várias vezes agredia verbalmente a menina, chamando-a de “vaquinha”, “cachorra”, “prostituta igual à mãe”, entre outros xingamentos. Falava ainda que preferia mil vezes seus bichos à ela e que nada na casa lhe pertencia, pois ela não tinha nada.

A segunda a depor foi a folguista Sidilania, que trabalhou apenas um final de semana na casa de Vera Lúcia, cerca de duas semanas após a chegada da menor à casa. Ela confirmou ter presenciado várias agressões físicas e verbais contra a criança, sendo que em uma delas T.S.E.S. ficou com a boca sangrando devido a um forte tapa dado em seu rosto pela procuradora.

Em seguida, depôs uma outra diarista, Camila, que trabalhou na casa em um final de semana, dias depois de a menina chegar. Ela contou que T.S.E.S. comia sempre no prato usado pelos empregados, porque Vera Lúcia não sabia “se a menina tinha alguma doença”. A testemunha também presenciou a procuradora dar dois tapas na criança, um na mão e outro no rosto.

Os depoimentos continuaram com mais uma testemunha que cobriu férias de Luiza, no período de 10 a 25 de março. Maria Isabel falou que começou a trabalhar numa quarta-feira, e a menina chegou na sexta e que foi uma “experiência muito difícil”, pois desde o início percebeu que a menina seria maltratada. Em relação à acusada, ela comentou que tem como hábito humilhar as pessoas e que gritava com frequência com a criança, dava tapas e puxões de cabelo. Disse também que teve, inclusive, uma passagem sua pessoal, quando preparou uma comida (quiabo com frango) para a acusada, de surpresa, e ela disse que não comeria aquilo, pois “era comida de preto e de pobre”.

A quinta testemunha de acusação a depor foi a psicóloga Patricia que foi à casa da ré em Ipanema, com a equipe interdisciplinar do Juizado verificar denúncia de maus tratos a uma criança. E, quando chegou lá, ficou muito impressionada com o que viu, apesar dos seus 11 anos de trabalho na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital: a menina sentada numa cadeira inadequada para a sua idade, comendo uma comida fria, com o rosto desfigurado e os olhos muito inchados. A psicóloga falou que perguntou a ela, num primeiro momento, quem teria feito aqueles ferimentos e que T.S.E.S. teria dito que foi a mamãe. Perguntou novamente, e a vítima repetiu ter sido a mamãe Vera. Depois de ter interagido com a criança, que para ela, apresentava “grande sofrimento e desamparo”, a levou para o Hospital Miguel Couto, onde recebeu os primeiros socorros, sendo depois encaminhada novamente para o Educandário Romão Duarte, de onde saiu.

A oitiva do MP terminou com a sexta testemunha, a assistente social Yara, do Educandário onde vivia a menina antes de ser entregue, de forma provisória, à procuradora, que disse ter ficado indignada com o estado de retorno da vítima, que apresentava o rosto muito machucado e inchado, não podendo nem abrir os olhos. Falou que a menina saiu do abrigo em perfeito estado de saúde e que sempre interagiu com as coleguinhas e funcionárias do abrigo. Que a menina voltou assustada, mas que ficou feliz quando viu as pessoas que já conhecia.

Testemunhas de defesa

Por volta das 18h começaram a ser ouvidas as testemunhas de defesa de Vera Lúcia de Sant’Anna Gomes. Duas delas, uma psicóloga e a cabelereira da ré, pediram para não prestarem depoimento na frente da ré. A primeira, por motivos pessoais e profissionais e a segunda, por achar que iria se emocionar muito na presença dela, já que tinha um forte laço de amizade.

O primeiro depoimento foi do amigo e professor de Tarot Alexandre, que disse que, em momento algum, viu Vera Lúcia agredir a menina, tanto a nível físico quanto psicológico. Mas, que quando ouviu as reportagens na mídia e o vídeo onde ela xinga a menina de “vaquinha” e de “cachorrinha” ficou decepcionado. Falou que sabe que ela tem um temperamento forte, mas que sempre foi gentil com ele, tendo uma boa relação com a ré. E que viu a criança umas quatro vezes, quando ia à casa da acusada, uma vez por semana, dar aulas de Tarot a ela. Alexandre comentou também que sabia que ela havia levado a menina para fazer uns exames pois achava que a criança estava com anemia. Em seu depoimento, ele disse ainda que a acusada tinha planos de dar uma boa educação, inclusive, no exterior para a vítima.

Em seguida, foi a vez da psicóloga I. M. falar. Ela comentou que teve uns dois contatos profissionais com a acusada e a criança. Uma, só com Vera Lúcia, e outra, com a procuradora e a criança, ambos em abril. Ela acredita que o objetivo da procuradora era de melhorar o relacionamento dela com a menina e contribuir para o desenvolvimento da vítima. Assim como a psicóloga da Vara da Infância, ela acredita que, em tese, a menor poderá ter seqüelas no futuro, por causa da violência sofrida, como dificuldades de relacionamentos, de afeto e de contato com as pessoas.

A terceira testemunha a depor foi a cabelereira da acusada, Márcia, que disse não ter nada contra ela e que viu a menina uma vez, na casa dela. Ela comentou que chegando lá, viu a procuradora muito feliz por ter conseguido a guarda provisória da menina, e que ela mesma a levou até ao seu quarto onde mostrou os seus brinquedos. A cabelereira falou ainda que não acredita que a procuradora tenha feito as agressões. Mas, confirmou ter reconhecido a voz dela no vídeo mostrado na televisão.

O quarto e último depoimento foi o do atual motorista da ré, Claucio, que disse estar trabalhando para a procuradora desde abril e que nunca viu a menina, pois quando foi admitido, ela já tinha voltado para o abrigo. Completou o seu relato dizendo que a ré sempre foi muito educada com ele e que num momento de desabafo disse que sentia muita falta da menina e também preocupação. Ele atualmente cuida dos animais da casa e também da manutenção da mesma.

Procuradora nega agressões à menina

O interrogatório da procuradora aposentada Vera Lúcia Sant’Anna Gomes, que estava visivelmente nervosa e abalada, teve início às 19h30m e durou cerca de uma hora e vinte minutos. Ela negou todas as acusações contidas na denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual, disse desconhecer como as lesões apareceram na criança e reputou à imprensa todo o sofrimento por que vem passando.

“Há apenas um fato verdadeiro na denúncia. Eu realmente xinguei a menina por estar muito nervosa. Me arrependo profundamente. Nunca bati nela, nunca a agredi. O resto é culpa da imprensa, que vem fazendo sensacionalismo com o caso. Já me sinto julgada e condenada pela mídia. Hoje sou jurada de morte. Nem no presídio posso circular livremente”, disse a ré.

Ao ser indagada pelo juiz Mário Henrique Mazza sobre o que teria levado as quatro empregadas a acusá-la, Vera Lúcia não soube responder. Para a procuradora, que afirmou ter dificuldades na relação com empregados, ela está sendo vítima de um complô.

“Também gostaria muito de saber por que estão fazendo isso. Para mim, isso é um grande mistério. Acredito que a relação patroa-empregada é muito complicada. Ainda mais entre mulheres. Há muito inveja, ciúmes”, finalizou.

A audiência transcorreu de forma bastante tranqüila e as provas foram todas produzidas. Agora, a pedido das partes, o juiz abriu prazo para que o Ministério Público e a defesa apresentem alegações finais por escrito. Cada um terá cinco dias, a partir de segunda-feira, para se manifestar.

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