Indenização para fiel idosa agredida por pastor da Igreja Universal

Vem de Goiás acórdão que mostra que nem só de paz e amor são as relações entre religiosos. Ana Jorge Siqueira, uma fiel da Igreja Universal do Reino de Deus, foi agredida por pastor da congregação e deverá ser reparada por dano moral.

Em primeiro grau, a sentença proferida pelo juiz de Direito Eduardo Walmory, da comarca de Piracanjuba (GO) julgou improcedente o pedido da autora, que relatara ter “passado por vergonha, revolta, indignação e depressão, em face dos danos físicos a ela causados pelo pastor Rones da Conceição Morais”.

Instisfeita com a sentença, Ana recorreu ao TJ de Goiás alegando ser “idosa, viúva, de origem humilde e de pouca instrução, e que, embora não sendo evangélica, procurou o templo em busca de solução para males de sua vida”.

Segundo ela, quando se dirigiu ao altar para ofertar quantia em dinheiro para a igreja, foi sacudida, agredida e arremessada ao chão, sem depois receber sequer auxílio quando se viu machucada.

Referindo-se ao ato do pastor Rones como exorcismo, a autora afirmou que jamais pediu para ser alvo do mesmo, porque não acreditava nem alegou estar possuída por demônios, e, mesmo que assim o fosse, tal não justificaria as agressões.

A Igreja Universal defendeu-se dizendo que “a fiel teve apenas um desmaio, caindo no chão sem dar chance de que se evitasse a queda”, e que houve prestação de auxílio.

Para o desembargador Carlos Escher, relator da apelação no TJ-GO, mereceu prevalência o relatório médico feito logo em seguida ao acontecimento, dando conta de que as lesões teriam sido acarretadas por agressão física, o que – corroborado por fotografias – tornou sem sentido as explicações da ré.

Segundo o magistrado, “estando o pastor ciente da fragilidade da saúde da autora, como alegado na contestação, deveria conduzir suas práticas religiosas de modo a assegurar a segurança dos participantes, mesmo tendo eles voluntariamente adentrado ao templo”.

O magistrado discorre revelando saber que “nas práticas denominadas de libertação de espíritos malígnos, muitas vezes ocorrem acometimentos de desfalecimentos dos seguidores durante a ministração de seu tratamento espiritual.”

Desse modo, entenderam os julgadores do tribunal goiano que a Igreja Universal deve se cercar de cuidados para evitar lesões às pessoas que, nos cultos, são privadas de seus sentidos durante as ministrações, até mesmo porque em caso análogo, de Minas Gerais, uma pessoa chegou a fraturar um membro, vindo a receber indenização da entidade.

Reconhecida a responsabilidade objetiva da Igreja Universal, a quantia reparatória dos danos morais foi, ao final, arbitrada em R$ 8.000,00.

Ainda não há trânsito em julgado. Atua em nome da autora a advogada Marilene Vieira Sampaio. (Proc. nº 468713-77.2008.809.0123).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 468713-77.2008.809.0123(200894687131)
DE PIRACANJUBA
APELANTE ANA JORGE SIQUEIRA
APELADO IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
RELATOR DESEMBARGADOR CARLOS ESCHER
CÂMARA 4ª CÍVEL

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso de apelação, interposto por ANA JORGE SIQUEIRA, em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da comarca de Piracanjuba, Dr. Eduardo Walmory Sanches (fls.182/186), nos autos da ação de indenização que move em desfavor da Igreja Universal do Reino de Deus, ambas qualificadas e representadas nos autos.

A apelante alega ter sido comprovado tanto o dano moral sofrido, caracterizado pela vergonha, revolta, indignação e depressão, bem como os danos físicos causados pela prática não autorizada por ela e efetuada pelo Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, Rones da Conceição Morais, estando demonstrado tanto os prejuízos quanto o nexo causal entre a conduta daquele e os danos experimentados, bem como o vínculo entre referida igreja e o causador das lesões.

Alega ser idosa, viúva, de origem humilde e de pouca instrução, e que, embora não seja evangélica, procurou referido templo em busca de solução para os seus males, orientada pelo referido pastor e uma obreira de mencionada igreja.

Sustenta que tendo sido levada a ofertar determinada quantia em dinheiro, dirigiuse ao altar para entregar sua oferta, momento em que foi sacudida, agredida e arremessada ao chão pelo Pastor Rones, que, conhecedor de seu estado de saúde, não exitou em se utilizar de atos violentos, não tendo, inclusive, esboçado nenhuma atitude de auxílio quando a vítima se viu machucada, caída no chão.

Assevera serem inverídicas as alegações da igreja apelada, no sentido de que a vítima teria apenas desmaiado, o que teria acarretado as lesões em comento, posto que, embora houvesse sido hospitalizada, não tinha o costume de ser privada de seus sentidos.

Afirma que a liberdade de culto, garantida constitucionalmente, não assegura a exploração da fé, o abuso da boa-fé, agressões físicas e a prática de atividades curandeirísticas ou religiosas sem o consentimento do indivíduo, sendo que, no caso dos autos, a autora/apelante jamais pediu para que lhe fosse feito o alegado exorcismo, mesmo porque, foi até o altar somente porque fora conduzida pela obreira Joana Dárc, sua conhecida, para depositar a oferta pleiteada. Acrescenta que, por ser católica, sequer sabia o que poderia ocorrer no interior da Igreja Universal, e somente porque visitou tal instituição religiosa pela primeira vez, a convite da vizinha, a obreira Joana DÁrc, não significando que concordasse com os rituais de exorcismo, ou quaisquer outros praticados pelos seguidores de referida seita.

Afirma que jamais acreditou ou alegou estar possuída por demônios, e mesmo que assim o fosse, tal não justificaria as agressões impingidas pelo referido pastor, bem como não explica a omissão de socorro por parte daquele.

Portanto, afirma possuir o direito a ser indenizada pela apelada, em virtude do vilipêndio à sua fé, bem como à sua boa-fé, e, ainda, pelos constrangimentos e danos morais e físicos a ela acarretados, o que propicia o provimento do apelo.

Em contra-razões ao recurso (fls.270/282) a igreja recorrida argumenta inexistir nos autos provas do fato constitutivo do direito da autora, já que os fatos alegados somente poderiam ser demonstrados através da prova testemunhal, que foi dispensada pela recorrente. Afirma que ao contrário do que alega a apelante, ela solicitou ao pastor celebrante do culto no dia do evento narrado nos autos, que
promovesse oração em seu benefício, o que foi efetuado pelo referido pastor, que foi surpreendido pelo desmaio da mesma, que em lapso de segundo desfaleceu e caiu ao chão, sem que houvesse qualquer chance de evitar a queda.

Não obstante, o culto foi interrompido, tendo o mencionado pastor e demais obreiros prestado auxílio à recorrente, que recobrou a consciência e esclareceu que estava tudo bem, e que apenas estaria fraca devido a problemas de saúde que acarretaram sua internação hospitalar no dia anterior.

Sustenta que todos os documentos trazidos pela apelante se referem apenas a fatos não ligados aos acontecimentos que ora são analisados, ou foram produzidas unilateralmente, não sendo verídica a afirmação no sentido de que a mesma teria sido agredida ou arremessada ao chão, bem como está comprovado nos autos, pelas próprias alegações da recorrente que esta buscou o auxílio
da referida igreja de forma voluntária, motivos pelos quais, pede a manutenção da sentença recorrida.

É o relatório, em síntese.

Ao douto revisor.

Goiânia, 1º de março de 2010.

Desembargador CARLOS ESCHER
RELATOR

APELAÇÃO CÍVEL Nº 468713-77.2008.809.0123(200894687131)
DE PIRACANJUBA
APELANTE ANA JORGE SIQUEIRA
APELADO IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
RELATOR DESEMBARGADOR CARLOS ESCHER
CÂMARA 4ª CÍVEL

V O T O

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele CONHEÇO. É por demais trivial e dispensa maiores digressões a respeito, o fato de que a indenização na esfera civil está atrelada à
presença de três requisitos: a ocorrência do dano, o nexo entre o prejuízo e a conduta do agente e, ainda, a culpa deste último.

No caso dos autos, a recorrente pretende seja admitida a sua argumentação no sentido de que teria sido empurrada pelo Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, e que a queda originada de referida agressão tenha resultado em ferimentos físicos e sequelas emocionais causados em sessão de “exorcismo” da qual não concordou em participar, sendo que não lhe foi prestado qualquer tipo de socorro por aquela entidade religiosa ou seu Pastor, à ocasião.

Por outro lado, a apelada, Igreja Universal do Reino de Deus argumenta que os ferimentos sofridos pela autora/apelante decorrem de simples desmaio que a mesma teria sofrido durante a ministração de oração à sua pessoa.

Em análise aos requisitos antes mencionados, encontram-se nos autos os elementos que demonstram a efetiva ocorrência do prejuízo. De fato, a igreja apelada, em momento algum , refutou as afirmações da autora no sentido de que tenham havido os ferimentos experimentados por aquela e que tais lesões tenham ocorrido em lugar distinto de suas dependências.

Ao contrário, em sua contestação a igreja recorrida tece as seguintes alegações: “…Convidando aos frequentadores que quisessem participar de oração, a autora se apresentou juntamente com outras pessoas para recebê-la.

Ato contínuo – a autora começou a passar mal e o pastor Rone que teve a atenção voltada para a autora, a indagou, a fim de saber o que estava sentindo, momento em que, sem pronunciar qualquer palavra perdeu os sentidos desmaiando.

Não houve tempo de ampará-la no momento do desmaio, motivo pelo qual caiu com o corpo no chão, tendo lesões leves. Recobrando seu estado, o pr. Rone que acompanhou a todo o tempo a autoria, perguntou se estava bem, inclusive prontificando-se levá-la ao hospital, sendo veementemente rechaçada tal ajuda pela autora que disse somente querer ir embora.

A autora, conforme exaustivamente alegado na exordial é pessoa idosa, acometida de osteoporose, tinha dores no estomago e não realiza quaisquer tratamentos para mudança ou manutenção de
seu quadro clínico…(pág.102).

Como se vê, os danos estão comprovados nos autos, não somente por estas afirmações tecidas na contestação mas, ainda, pelo relatório médico exarado no dia 15/9/2008, pela médica Keila Freitas Ferreira -CRM 12659- da Diretoria – Geral da Polícia Civil, Superintendência da Polícia Judiciária de
Piracanjuba, cujos trechos transcrevo:

“Estado Geral: Paciente em regular estado geral, consciente, lúcida, orientada em 3 esferas. 2- Lesões apresentadas (descrever as lesões ao tipo, dimensões, localização, planos atingidos e gravidade) – Hematoma retro orbital – Hematoma e edema de face lado esquerdo – corte pequeno em lábio inferior – escoriações em MSD e cotovelo. 3- instrumento ou meio que produziu a ofensa- agressão física.” (fl. 55).

Do mesmo modo, comprovam as lesões sofridas as fotografias juntadas aos autos às fls. 82/88.

Portanto, a lesão está comprovada, bem como a ocorrência do incidente nas dependências da igreja recorrida, o que, também, demonstra o nexo causal. Resta perquirir acerca da desnecessidade de culpa ou de sua existência, atribuível ao preposto da Igreja Universal, devendo ser consignado que esta admite, expressamente, ser ele pastor submetido à sua hierarquia religiosa, senão vejamos o que diz na contestação:

“O alegado ato ilícito é atribuído a pessoa certa e determinada (Pr. Rone) um dos pastores da ré que não possui poderes de gerência e por tal motivo não executa atos em nome da ré” (fl.100).

A análise da culpa deve ser efetuada com base na observação das suas duas modalidades, já que a culpa pode exteriorizar-se de duas formas: na feição do delito civil, em que o agente espontaneamente viola as providências que deveria tomar para evitar o evento trágico e, ainda, na
forma da chamada culpa simples, em que há involuntariedade do ato, embora presente o dever de precavê-lo.

É, em tal sentido, a lição de Rui Stoco, ao lecionar que:

“… é a inexecução de um dever que o agente poderia conhecer e observar. Se o conhecia efetivamente e o violou deliberadamente, há delito civil, ou em matéria de contrato, dolo contratual. Se a violação do dever foi involuntária podendo conhecê-la e evitá-la há culpa simples”. ( Tratado de Responsabilidade Civil, Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, pag.55).

No caso dos autos, embora a deliberada violência física esteja demonstrada apenas pelo relatório médico feito logo em seguida ao acidente, como mencionado, dando conta de que as lesões sofridas teriam sido acarretadas por agressão física, o que poderia tornar relativamente discutível a ocorrência da culpa em sua modalidade de delito civil, ao contrário, a culpa simples se apresenta bastante palpável.

De fato, ao lado do relatório médico que demonstra ter a autora/apelante sofrido agressão física, o que é corroborado pelas fotografias trazidas aos autos, não tem qualquer significante respaldo nos autos a alegação da Igreja apelada no sentido de que a ré poderia ter sofrido mero desmaio em virtude de suas doenças.

Como a própria Igreja Universal admite, a ré possuía osteoporose e problemas estomacais, circunstância confirmada pelos documentos médicos de fls. 47/51 e 58, fatores que não induzem à conclusão no sentido de que ela estivesse propensa a vertigens ou perda de sentidos.

Do mesmo modo, o relatório médico em questão, feito em seguida ao evento danoso, o que torna, também, despiciendo o fato de que o Boletim de Ocorrência tenha sido feito posteriormente, traz as seguintes informações:

“1- Estado Geral: Paciente em regular estado geral, consciente, lúcida, orientada em 3 esferas.” (fl.55).

Por outro lado, estando o Pastor ciente da fragilidade da saúde da autora, como alegado na contestação, deveria conduzir suas práticas religiosas de modo a assegurar a segurança dos participantes, mesmo tendo eles voluntariamente adentrado ao templo.

Ainda, é sabido que as Igrejas que detém práticas denominadas de “libertação” de espíritos malígnos, muitas vezes se veêm às voltas com acometimentos de desfalecimentos em seus seguidores durante a ministração de seu tratamento espiritual.

Até mesmo nas exposições veiculadas nos órgãos de comunicação se pode perceber, corriqueiramente, pessoas que sofrem vertigens ou perda de sentidos.

Se tais ocorrências são acarretadas por se tratarem de pessoas influenciáveis, detentoras de problemas mentais, ou até mesmo espirituais, isso não importa no caso presente. Relevante é que, sendo comum os desmaios, desfalecimentos ou vertigens, o correto seria que a Igreja, que tem como uma das suas práticas principais tal atividade – responsável pela convergência de milhares de pessoas àqueles templos – cuidasse para que o dirigente espiritual do culto, se cercasse das cautelas necessárias a evitar danos físicos àqueles que viessem a ser privados de seus sentidos durante as ministrações.

Não se desincumbindo de tal mister, ou o exercitando de modo falho, evidente que dará causa a dissabores físicos e a constrangimentos, tendo em vista a habitualidade com que suas práticas de libertação são realizadas.

De fato, a igreja alega que a senhora recorrente, idosa, veio a desmaiar durante uma oração. Não obstante, as orações, ordinariamente são feitas estando uma pessoa defronte a outra, havendo pequeno lapso espacial entre uma e outra, o que dá para concluir que não é esforço demasiado
para o próprio Pastor aparar o corpo que desmorona à sua frente, sendo de se esperar que os
“obreiros” da igreja estejam vigilantes para que a queda seja evitada ou a pessoa seja sustentada para evitar maiores danos.

De fato, na maioria das igrejas denominadas petencostais, que detém a prática de retirar espíritos malignos, a exemplo do que ocorre também no espiritismo, é comum se observar ambos os segmentos religiosos adotarem condutas preventivas, evitando lesões e constrangimentos aos que ali convergem em busca de tratamento espiritual. Em regra, os seguidores da seita ou religião se postam ao redor da pessoa que recebe a oração ou passe, evitando os referidos dissabores.

Portanto, mesmo não ocorrente a culpa derivada de ilícito civil, por desconsiderada a informação constante do laudo médico mencionado, dando conta da agressão física a que foi submetida a vítima, com certeza não deve ser tomada como despiciendo o fato de que um simples desmaio causou as lesões estampadas nas fotografias anexadas aos autos, que poderiam ter sido facilmente evitadas, mesmo porque, os desfalecimentos são práticas por demais corriqueiras nesses meios religiosos.

De fato, não se pode negar que pessoas influenciáveis ou fragilizadas por doenças e problemas emocionais venham a desfalecer em ambientes carregados de apelo emocional ou de cunho religioso, ambos detentores de grande poder sobre o espírito humano.

E suma, a liberdade de culto é inconteste, mas assim como a Carta Magna protege tal direito, também protege a dignidade da pessoa humana, que deve ser posta a salvo de constrangimentos e danos evitáveis, como no caso em análise, em que a reiteração de tais experiências recomenda especial atenção de todos os que adotam tais práticas, posto que muito previsíveis os danos em potencial.

Em caso análogo, também envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus, houve a sua condenação a indenizar pessoa que, participando de suas práticas religiosas, veio a fraturar um
membro. Naquela ocasião, mesmo tendo sido a lesão provocada por terceiro, também participante da seita, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu que o dever de precaver tal situação,
seria da entidade religiosa, e que estaria caracterizada a responsabilidade objetiva da igreja.

Vejamos trecho daquele julgado:

“O que se dessume dos autos é que a autora/apelada sofreu uma queda, a que originou sua fratura no braço, quando estava presente em um culto realizado na igreja/apelante. A autora não era uma
simples ouvinte no local, mas estava recebendo um atendimento espiritual sendo assistida por “obreiros” da igreja. Diante disso, ressalvado o cunho religioso da atividade, sobressaindo dela, ou melhor, dos atos realizados, a possibilidade de risco à integridade física, seria de se esperar razoavelmente que houvesse segurança material. É de se esperar, minimante, que haja segurança nas realizações dos cultos para que os membros da igreja possam participar dos atendimentos espirituais sem maiores intercorrências. “

E o ilustre relator acrescenta:

“Conforme relato da inicial, no dia 30.09.2005, a autora/apelada participava de culto religioso nas dependências da ré/apelante quando foi “atropelada” por uma das pessoas que ali se encontrava e que, segundo pastores, estava possuída por uma entidade. Com o choque, a autora foi jogada ao solo, fraturando um dos braços.

O Código Civil, em várias hipóteses, admite a responsabilidade objetiva.

Com efeito, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem, a responsabilidade do agente será objetiva (art. 927, parágrafo único, in fine, do CC).

A aplicabilidade desta hipótese depende da exata compreensão do que seria risco normal de uma atividade.

A primeira ilação decorre da necessidade de que o risco advenha normalmente da atividade desenvolvida. Não pode ser eventual ou episódico, mas sim natural. A atividade exercida pelo causador do dano deve normalmente gerar risco para as pessoas que se utilizam do serviço ou
produto.

Segundo Cláudio Luiz Bueno de Godoy:
“O risco de que trata o parágrafo em questão não se confunde com defeito, mesmo de segurança, pois, nesse caso, há umapericulosidade anormal do produto ou serviço. (…)

Exige-se, enfim, não um perigo anormal, e nem propriamente um perigo posto intrínseco, mas antes, um risco especial naturalmente induzido pela atividade e identificado de acordo com dados
estatísticos existentes sobre resultados danosos que lhe sejam resultantes, ou seja, conforme a verificação da regularidade estatística com que o evento lesivo aparece como decorrência da atividade exercida.” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 2ª Edição. Manole,
p. 859).

Assim, se a natureza da atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar risco para terceiros, a responsabilidade será objetiva. Vale observar que se mostra prescindível pesquisar a finalidade econômica da atividade. Pela teoria do risco criado, adotada por Carlos Roberto Gonçalves e Nelson Rosenvald, a atividade pode ou não ser lucrativa. O relevante, para esta tese, é o exame da criação de algum perigo por meio de determinada conduta.

No caso sob julgamento, a apelante – Igreja Universal do Reino de Deus – presta serviços religiosos à comunidade local, realizando sessões nas quais os fiéis exteriorizam a fé por meio de gestos e
demais atos que necessitam de maior área de circulação.

Tal fato mostra-se incontroverso nos autos, haja vista que ambas as partes reconhecem a ocorrência dessas manifestações religiosas…

Diante disso, conclui-se que a atividade religiosa desenvolvida pela apelante
normalmente gera riscos para os demais participantes, porquanto logo após as orações, alguns fiéis promovem atos desgovernados e inconscientes, atingindo outros frequentadores, como ocorreu no caso dos autos…Assim, caracterizado o risco natural dos serviços religiosos prestados
pela apelante, o dever de indenizar os eventuais danos causados será objetivo…” (TJMG – relator Tibúrcio Marques, processo nº 1.0480.05.076399-8/001(1), Númeração Única: 0763998-06.2005.8.13.0480, ac. De 24/9/2009).

Referido voto restou assim ementado:

“EMENTA: APELAÇÃO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – CULTO RELIGIOSO – DANO MORAL – INTEGRIDADE PSICOFÍSICA – QUANTIFICAÇÃO – DUPLA FINALIDADE. A responsabilidade da entidade religiosa apelante é objetiva, nos termos do art. 927, parágrafo único, in fine, do Código Civil. A todos é garantida
a liberdade de fé e crença. O risco da atividade (art. 927, parágrafo único, in fine, do Código Civil) refere-se ao perigo de o participante do culto atingir terceiros por atos inconscientes decorrentes da fé. As manifestações dos fiéis são legítimas e merecedores de proteção legal. Todavia, mostra-se prudente evitar a provocação de prejuízos à terceiros que também tem o mesmo direito de exteriorizar sua fé nas instalações da apelante, desde que mantida a integridade psicofísica. O dano moral constitui a lesão à integridade psicofísica da vítima. A integridade psicofísica, por sua vez, é o
direito a não sofrer violações em seu corpo ou em aspectos de sua personalidade, aí incluídos a proteção intimidade, a honra, vida privada. Em razão da quebra de um braço nas instalações da apelante, a recorrida teve lesões corporais, aspecto integrante da integridade psicofísica e caracterizador do dano moral. Violada a integridade psicofísica (lesão ao corpo ou à personalidade) resta configurado o dano moral, independentemente da existência de dor ou sofrimento. Estes sentimentos, que nada mais são do que possível consequência do dano moral, passam a ser analisados unicamente no instante da quantificação do valor indenizatório. A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter
pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta lesiva.“ (TJMG – processo nº 1.0480.05.076399-8/001(1) Númeração Única: 0763998-06.2005.8.13.0480, relator:
TIBÚRCIO MARQUES, ac de 24/09/2009).

Assim, em sendo reconhecida a responsabilidade objetiva, basta que esteja evidenciada a conduta, o dano e o nexo causal entre uma e outro.

A conduta, como já exaustivamente explicitado, exteriorizou-se no fato incontroverso, assumido por ambas as partes, de ter havido a queda da recorrente nas dependências da apelada.

O dano, igualmente, sequer foi negado pela parte apelada, e está estampado no exame médico, fotografias e alegações das partes, já mencionados.

Por fim, o nexo causal se constitui no liame entre a queda e as lesões sofridas, que também não foram sequer refutadas nos autos, já que a Igreja Universal do Reino de Deus apenas alegou não ter havido agressão física à vítima. NO entanto, sendo caso de responsabilidade objetiva, a sua culpa decorre da simples ausência do dever de cuidado que lhe é atribuível, como já esclarecido.

No que concerne ao dano moral, desnecessárias maiores comprovações do que a existente nos autos. De fato, as incontestes lesões sofridas pela idosa já representam ofensa à sua integridade psicofísica, que se constitui no direito de não sofrer máculas em seu organismo ou ofensas a sua personalidade.

Tendo sido ferida fisicamente, restou ferida também em sua dignidade, sendo dever do estado zelar pela proteção de sua honra, direito constitucional assegurado a todo ser humano, e que, neste caso, restou violado.

Portanto, está a merecer reforma a sentença recorrida.

E estando reconhecido o dever indenizatório em decorrência do dano moral, a sua estipulação deve levar em conta a sua função compensatória e punitiva.

O mister compensatório do ressarcimento deve ser alcançado tendo em vista a extensão do dano e das condições pessoais da vítima.

A finalidade punitiva, por sua vez, tem natureza pedagógica e preventiva, visando visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta lesiva, sendo de se observar ainda, a condição econômica do ofensor e o seu grau de culpa. No caso em análise, portanto, tem -se que a lesão sofrida embora não tão severa, foi perpretada contra pessoa idosa, contanto com quase setenta anos de idade, o que otimiza a degradação tanto física quanto psíquica, tendo em vista uma maior fragilidade em ambos os aspectos a partir de determinadas faixas etárias.

Assim, considerando o duplo objetivo da reparação e, ainda, as condições financeiras da igreja apelada que, como é divulgado, movimenta milhões de reais rotineiramente, tenho que o
quantum indenizatório deve observar os critérios da razoabilidade e proporcionalidade.
Diante desse entendimento, fica prejudicado o pedido efetuado às fls. 286/289, no sentido de que fosse oficiado ao CREAS- Centro de Referência Especializado em Assistência Social, em Piracanjuba, requisitando laudos e relatórios referentes a tratamentos ali efetuados, a fim de
demonstrar os danos por ela experimentados.

Ao teor do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso apelatório para, reformando a sentença proferida no juízo monocrático, condenar a apelada, Igreja Universal do Reino de Deus, a indenizar a recorrente na quantia de R$8.000,00 (oito mil reais), invertendo-se os ônus da sucumbência.

É o voto.

Goiânia, 18 de março de 2010.

Desembargador CARLOS ESCHER
RELATOR

APELAÇÃO CÍVEL Nº 468713-77.2008.809.0123(200894687131)
DE PIRACANJUBA
APELANTE ANA JORGE SIQUEIRA
APELADO IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
RELATOR DESEMBARGADOR CARLOS ESCHER
CÂMARA 4ª CÍVEL

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA. Estando admitido nos autos a ocorrência de danos provenientes de queda da vítima nas dependências da apelada, onde se realizam ministrações tendentes a levar à perda de sentidos, a ausência de cuidados para impedir os danos decorrentes de tais incidentes acarretam o dever de ressarcir o dano moral experimentado, estando comprovadas a conduta, o dano e nexo causal entre um e outro.

APELO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as retro indicadas. ACORDAM os componentes da 3ª Turma Julgadora da 4ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e provê-lo, nos termos do voto do Relator. Fez sustentação oral, em sessão anterior, o Dr. Eduardo Augusto de Sena Rodrigues.

Votaram com o Relator, que também presidiu a sessão, a Desembargadora Beatriz Figueiredo Franco e o Dr. Carlos Alberto França (subst. do Des. Kisleu Dias Maciel Filho). Presente o ilustre Procurador de Justiça Doutor Rodolfo Pereira Lima Júnior.

Goiânia, 18 de março de 2010.

Desembargador CARLOS ESCHER
RELATOR

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