Lei das CCPs é alvo de críticas por causa de prejuízos

Edésio Passos*

A Lei nº 9.958, que permite a implantação do sistema privado de conciliação de conflitos individuais de trabalho, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia, está vigorando há dois anos e dois meses. As entidades sindicais de empregados e empregadores definiram as bases desses novos organismos, praticamente afastando a existência de Comissões de Conciliação Prévia nas empresas, optando pelo organismo intersindical ou multissindical.

Essa preferência toma por base a facilidade de concentrar em determinado local, por setor de produção, comissão integrada por representantes com experiência profissional, sindical e domínio de questões legais, funcionando em tempo integral, localizadas nos municípios-sede das Varas do Trabalho, abrangendo a jurisdição dos organismos judiciais.

Os custos de manutenção têm sido rateados segundo critérios previamente definidos entre as partes ou suportados pelas empresas. As normas básicas estão definidas em convenções coletivas de trabalho e em regimentos complementares, inclusive prevendo a presença de advogados nos debates para a conciliação.

As manifestações contrárias às Comissões de Conciliação Prévia partiram das entidades representativas dos advogados (OAB, Abrat) durante a tramitação do projeto de lei. A primeira delas nasceu no XXI Congresso Nacional da Abrat, em outubro de 1999, quando a entidade fixou posição sobre o então projeto de lei, indicando sua rejeição ou pontos que deveriam ser modificados. A rejeição se impunha porque:

a) a Comissão de Conciliação Prévia permitiria a privatização na solução do conflito trabalhista, favorecendo o desmonte da Justiça do Trabalho;

b) seria incentivo para que as empresas descumprissem a lei, pois os “acordos” efetivados na comissão teriam a “eficácia liberatória geral”;

No caso de aprovação da lei:

c) a introdução de mecanismo fiscalizatório, pois não havia qualquer controle do Judiciário ou do Ministério Público do Trabalho sobre a formação e funcionamento das comissões;

d) os sindicatos, no caso das comissões de empresa, apenas fiscalizariam o procedimento eleitoral quando da eleição dos representantes dos empregados, estando alijados do restante do processo;

e) prejuízos consideráveis aos trabalhadores, face a não-obrigatoriedade de que os pedidos fossem formulados por advogados, inexistência da garantia da presença do advogado nas sessões e o exercício do pleno direito de assistência jurídica ao empregado;

f) não ter sido determinado qual o juízo competente para conhecer das ações referentes à criação, composição, eleições e outras questões relacionadas com as Comissões de Conciliação Prévia. Infelizmente, o projeto de lei foi aprovado e essas ponderações não foram acolhidas pelos parlamentares, resultando em uma lei eivada de lacunas e imperfeições.

Em seguida, após a publicação da Lei 9.958/2000, ocorreu a manifestação da Comissão do Advogado Assalariado da OAB/SP, entendendo que “a atual redação da Lei 9.958 comporta seriíssimos riscos para os trabalhadores em razão de certas deficiências. O primeiro ponto é que existem situações onde é velada e ínsita a condição do empregado, impossibilitando uma negociação em iguais termos, da qual possa resultar um acordo justo”.

Dessa crítica inicial, seguiram-se denúncias de irregularidades, deficiências e abusos cometidos por conciliadores e mesmo à instalação de pseudotribunais de conciliação, visando lucros e prejudicando os trabalhadores. Essas denúncias foram tornadas públicas pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho que, para sanar os vícios existentes, encaminhou à Câmara dos Deputados anteprojeto de lei alterando a Lei 9.958/2000. Ainda em decorrência de tais denúncias, o Tribunal Superior do Trabalho pronunciou-se favoravelmente à fiscalização das comissões, culminando com a decisão do Ministério do Trabalho em propor a regulamentação para funcionamento das comissões.

A primeira proposta para corrigir referidas deficiências consta de projeto de lei do deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP). Finalmente, encontram-se tramitando no Supremo Tribunal Federal ações de declaração de inconstitucionalidade sobre questões relativas à obrigatoriedade de submeter a demanda à comissão e sobre a eficácia liberatória do acordo formalizado perante ela, sendo uma das Adins da lavra do advogado paranaense Luiz Salvador, membro diretor da Abrat, e proposta pela Confederação Nacional dos Profissionais Liberais.

Por seu turno, as entidades sindicais de trabalhadores que assumiram a organização e funcionamento das comissões no Paraná, juntamente com as entidades sindicais patronais, têm como experiência válida o funcionamento desses organismos, mas não rejeitam a necessidade de supervisão e controle dos mesmos. Em uma linha de procedimento comum, definida em reuniões e seminários das entidades sindicais de empregados e empregadores, houve consenso para que as comissões adotassem as seguintes normas:

a) presença obrigatória de advogados dos empregados;

b) as rescisões contratuais serem efetivadas perante a entidade sindical e não perante a comissão;

c) as taxas de manutenção serem suportadas pela empresa demandada no caso de acordo ou valor fixo relativo a qualquer demanda protocolada.

Segundo levantamentos estatísticos, em média, 50% das demandas são resolvidas por acordo e não há reclamações judiciais posteriores sobre as conciliações. Nas opiniões coletadas entre os conciliadores de diversos organismos em Curitiba e interior do Estado, há credibilidade das empresas e dos empregados em relação à maioria das comissões, embora as mesmas continuem sofrendo resistência por parte de muitos advogados.

Em comentário publicado no caderno Direito e Justiça (13/5/2001) afirmávamos “que o êxito das Comissões de Conciliação Prévia está diretamente ligado à credibilidade que transmitam a empregados, empregadores e advogados. Essa credibilidade advirá de alguns fatores, como a capacidade e habilidade dos conciliadores, boas técnicas de conciliação, não-aviltamento das reivindicações e respeito aos direitos básicos do trabalhador, a presença de advogados na elaboração e conciliação da demanda, transparência nos acordos, boas condições materiais de funcionamento dos organismos”.

No panorama atual são necessárias medidas urgentes que possam dar maior segurança jurídica às Comissões de Conciliação Prévia e aos empregados e empregadores. Em especial: 1º) o julgamento imediato pelo Supremo Tribunal Federal das ações diretas de inconstitucionalidade relativas à Lei 9.958/2000; 2º) levantamento, cadastramento, supervisão e controle fiscalizatório pelo Ministério do Trabalho, Procuradoria do Trabalho, entidades sindicais de empregados e empregadores, OAB, Abrat, ANP e Anamatra, sobre todas as comissões em funcionamento, para possibilitar a distinção entre aqueles organismos saudáveis e os que usurpam a finalidade da lei. (O protocolo firmando entre o governo federal, o MPT e entidades sindicais para os atos de controle das CCPs devem ser estendidos às entidades representativas dos advogados, magistrados do trabalho e procuradores do trabalho; 3º) a formação de um grupo de trabalho que elabore anteprojeto de lei para alterar o texto atual, composto pelos representantes das entidades acima indicadas. Somente uma ação imediata nesses três sentidos possibilitará o encaminhamento correto sobre a questão.

E fica a lição, uma vez mais repetida, que as iniciativas sobre relações de trabalho, por parte do governo federal e do Tribunal Superior do Trabalho (onde nasceu o projeto de lei somente poderiam ser adotadas depois de um amplo debate com todas as partes interessadas). Também devem ser criticados os parlamentares que votaram pela aprovação da lei, a maioria governista, pois, insensíveis às ponderações das entidades dos advogados trabalhistas, deram curso a um texto eivado de deficiências.

Quando as descobertas do laboratório oficial, unidas à incapacidade legislativa, se sobrepõem à realidade, o resultado sempre tem sido altamente prejudicial a empregados, empregadores e ao conjunto da sociedade. Nessa situação específica das Comissões de Conciliação Prévia ainda há tempo para tratar o doente, antes que seu estado seja terminal.

Edésio Passos é advogado Trabalhista em Curitiba e em Santa Catarina, integrante do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Abrat, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores e ex-deputado federal (PT-PR).

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