Efeitos práticos da prescrição em questões imobiliárias

Autor:  Rubens Carmo Elias Filho (*)

Importantes discussões são há muito travadas em decorrência dos prazos prescricionais previstos no Código Civil de 2002, principalmente, após terem sido pacificados entendimentos a respeito da aplicação de regras específicas em matérias para as quais anteriormente se aplicaria a regra geral.

Uma questão de grande relevância diz respeito à prescrição quinquenal das cotas condominiais vencidas e não pagas, quando anteriormente se entendia aplicável a regra decenal ou mesmo vintenária, quando vigia o Código de 1916.

Outra questão igualmente relevante diz respeito à prescrição quinquenal das parcelas não pagas de compromissos de compra e venda, por força do parágrafo 5º, inciso I, do artigo 206, do Código Civil de 2002 e as consequências para a efetivação da transmissão imobiliária, diante da não quitação do preço, requisito indispensável ao acolhimento da ação de adjudicação compulsória.

Além dessas duas primeiras questões, merece relevo o fenômeno da compensação como modo extintivo das obrigações, quando uma das dívidas encontra-se prescrita por ocasião da realização da cobrança da outra.

Como já se consolidou na doutrina e jurisprudência, a prescrição enseja a extinção da pretensão de um direito subjetivo, pela inércia de seu titular, por determinado lapso de tempo. A prescrição atinge a pretensão e também a defesa (exceção) nos prazos fixados pelo Código Civil de 2002, conforme artigo 190 e do próprio artigo 882, do Código Civil que dispõe: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.”

No âmbito condominial, diante da prescrição do débito, é necessário arguir se é legítimo restringir o direito de votar nas deliberações e participar das assembleias condominiais ao condômino inadimplente, se o Código Civil condiciona a participação a estar “quite” (artigo 1335, inciso III, do Código Civil). A prescrição da dívida enseja a quitação do débito? Quais são os efeitos da prescrição? A prescrição tem efeito liberatório de todas as decorrências do incumprimento da obrigação?

A este respeito, merece ser lembrado o conceito de obrigação natural trazida pelo Código Civil português: “A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é juridicamente exigível, mas correspondente a um dever de justiça.” (artigo 402).

A obrigação natural contempla quase todos os caracteres da obrigação civil, o elemento subjetivo (credor e devedor), objetivo (a prestação) e vínculo jurídico, faltando apenas a exigibilidade. Dessa forma, quando adimplida voluntariamente a dívida, ainda que em virtude de erro do devedor, ter-se-á pagamento válido, que poderá ser retido pelo credor. Em caso de não pagamento, porém, ausente a exigibilidade, afasta-se da responsabilidade patrimonial, decorrente da prescrição da pretensão, em que pese remanesça a obrigação, com origem em seu dever moral de cumprimento.

Além de não poder se considerar extinta a obrigação pela prescrição da pretensão, é importante salientar que a quitação, além de ter requisitos formais, não admite interpretação extensiva, de modo que a mera prescrição da pretensão não é suficiente para afastar as demais consequências do inadimplemento obrigacional, de modo a não afastar a restrição imposta ao condômino de não votar, nem participar das assembleias condominiais, se não estiver quite.

No âmbito da cobrança de parcelas vencidas e não pagas de contratos de compromissos de compra e venda, a matéria já foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual decidiu que a prescrição do direito de cobrança não se confunde com a quitação, conforme ementa abaixo transcrita:

“Apelação Cível. Ação de adjudicação compulsória. Compromisso de compra e venda. Ausência de comprovação do pagamento integral pelo promitente comprador. Artigo 15 do Decreto-lei 58/37. Prescrição da ação de cobrança que não corresponde à quitação. A prescrição reconhecida na sentença atinge apenas a pretensão e não o direito, de forma que, ainda que prescrita a pretensão de cobrança das parcelas vencidas, persiste a obrigação de seu adimplemento. Se o promitente vendedor não pode mais exigir o pagamento do restante do preço do imóvel prometido à venda, por força de uma eventual prescrição, não está, por outro lado, obrigado a outorgar a escritura definitiva pretendida se não recebeu integralmente o preço. Apelo desprovido.” (TJSP – 8ª Cam. Direito Privado – Apelação 0001767-57.2012.8.26.0615 – Rel. Des. Silvério da Silva – j. em 13/08/2014).

Desta forma, verifica-se que mesmo que prescrita a cobrança das prestações em aberto, tal fato não equivaleria à quitação, permanecendo a obrigação de pagamento, não podendo ser outorgada a escritura.

No que concerne à possibilidade de compensação de débito cobrado com dívida prescrita, é relevante observar que a compensação, como meio indireto de extinção das obrigações, pode ocorrer mesmo se não alegada e com efeitos retroativos, de modo que créditos se compensam pela existência contemporânea, além de que a “prescrição do título apenas lhe retira a exigibilidade, e não a liquidez”, esta, sim, requisito para a compensação:

“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – EMBARGOS DO DEVEDOR – CHEQUES – COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA – Pretendida a compensação de dívidas, mediante a apresentação de cheques prescritos – Possibilidade – A prescrição do título apenas lhe retira a exigibilidade, e não a liquidez – Presentes os requisitos do art. 369 do CC – Títulos, ademais, apresentados pela embargante na qualidade de endossatária, estando cumpridos também os requisitos do art 368 do CC – Sentença reformada – Recurso provido.” (TJ/SP, Apelação 9139577-25.2009.8.26.0000, relator Desembargador Mario de Oliveira, sem destaques no original), evitando-se, inclusive, o enriquecimento sem causa (artigos 882 e 884, do Código Civil).

Enfim, ainda que a prescrição seja capaz de tirar a exigibilidade da obrigação, afastando a responsabilidade do obrigado, não gera efeitos liberatórios da quitação, de modo que outras consequências que não sejam a exigibilidade da obrigação poderão recair igualmente sobre a obrigação, inclusive em prestígio à boa-fé e ao dever moral, corolários da obrigação natural.

 

Autor:  é advogado, sócio de Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados, mestre e doutor em Direito Civil pela PUC-SP. Professor do Insper Direito.

 

 


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