A responsabilidade do árbitro

Nas últimas semanas, o principal assunto discutido no meio esportivo brasileiro – leia-se futebol – não tem sido o desempenho das equipes e seus craques, mas sim a atuação de juízes. Uma das principais paixões do brasileiro virou assunto das páginas policiais por conta de uma quadrilha, formada por árbitros e apostadores, acusada de armar um esquema de compra de juízes para a “fabricação” de resultados, com o objetivo de favorecer apostadores de loterias clandestinas, realizadas pela Internet. Estão sob suspeita jogos do Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores da América, Copa Sul-Americana e Campeonato Paulista de Futebol, todos da edição 2005. De acordo com as investigações, esta armação teria movimentado pelo menos R$ 3 milhões somente em 2005.

O esquema de manipulação que envolveu os árbitros Edílson Pereira de Carvalho e José Paulo Danelon, que recebiam cerca de R$ 10 mil e R$ 15 mil por jogo pelo “serviço”, levantou uma série de dúvidas quanto às responsabilidades sobre os prejuízos causados aos clubes, atletas e torcedores envolvidos na armação.

Aliás, com o advento do Estatuto do Torcedor, vislumbra-se a possibilidade de termos uma enxurrada de ações de indenização movidas por torcedores contra a CBF, seus prepostos e contra os próprios clubes. Contudo, iremos aqui discutir a viabilidade ou não desse tipo de ação ser proposta diretamente pelos clubes ou por atletas e demais profissionais do esporte contra as entidades organizadoras dos campeonatos que disputarem.

É de conhecimento de todos que o esporte, especialmente o futebol, movimenta quantias elevadas de dinheiro, seja com a venda de direitos de televisão, através de prêmios pagos por desempenho em campeonatos, nas transações envolvendo os direitos federativos dos atletas, além do patrocínio de camisas e nas placas publicitárias espalhadas pelos estádios. A conta é relativamente simples: quanto mais expressivos os resultados de um time nos campeonatos que disputa, mais prêmios ele ganha, mais caro fica o aluguel do espaço de sua camisa, mais valorizados se tornam seus atletas e mais alta é a sua fatia nas quotas de transmissão pagas pelos canais de televisão.

Contudo, muitas vezes os resultados que um time alcança em um campeonato são diretamente influenciados pelas decisões tomadas pelos árbitros nas partidas realizadas pela equipe na competição. Exemplo disso são as soluções mais cogitadas pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) de São Paulo para resolver a questão dos jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon. A anulação de jogos do Campeonato Brasileiro e a possibilidade de anular jogos do Campeonato Paulista deste ano sem remarcá-los ou até mesmo de realizar um playoff entre os clubes que podem ser rebaixados contrariam o que é previsto pelo Estatuto do Torcedor.

De acordo com o inciso 5 do artigo 9, não é permitida a alteração do regulamento do campeonato após sua divulgação definitiva. Neste caso, não seria possível aplicar nenhuma das duas soluções cogitadas pelo TJD-SP, sem que isso não resultasse em ações de torcedores contra a Federação Paulista. Se optassem pelo playoff entre os possíveis rebaixados, a FPF teria que incluir um jogo extra no regulamento que não foi previsto antes de sua formulação. Em caso de anulação de jogos, algumas equipes ficariam com menos jogos disputados. Isto também modificaria o regulamento do Paulista, que previa que todos os clubes deveriam jogar entre si, disputando cada um 19 partidas.

Os exemplos citados servem como ilustração de tantos casos que já ocorreram na história do futebol, onde muitas vezes a atuação direta de um árbitro prejudica não só o clube, como também os profissionais que para ele trabalham. Cabe agora passarmos à discussão sobre a possibilidade de que sejam cobrados das confederações e seus prepostos – no caso específico os árbitros – os prejuízos sofridos pelos clubes decorrentes de erros no desempenho da função de árbitro de futebol.

Pois bem. Estabelece o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 186, que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; e em seu artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Parágrafo Único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

A legislação atual não prevê a profissão de árbitro de futebol como uma daquelas onde não é necessária prova de culpa para que o agente causador do dano seja responsabilizado. Entretanto, parece claro que a atividade desenvolvida pelo árbitro de futebol implica risco para o direito de terceiros.

Excluindo a possibilidade de responsabilização do árbitro, pode-se imputar a responsabilidade à federação organizadora do evento, uma vez que os árbitros são prepostos das confederações e, conforme estabelecido no artigo 933, inciso I do Código Civil, os empregadores respondem solidariamente pelos danos causados por seus prepostos. Por outro lado, a tentativa de se buscar ressarcimento dos prejuízos sofridos por um clube esbarraria em algumas questões difíceis de resolver.

Em primeiro lugar verificamos a grande dificuldade de se quantificar o dano sofrido, uma vez que não há parâmetros para se auferir a indenização devida e o real prejuízo sofrido por uma equipe prejudicada pela arbitragem em uma partida. Outro fato importante é que a FIFA, órgão máximo do futebol mundial, pune com exclusão qualquer agremiação que busque seus direitos através da justiça comum, o que inibe, se não impede, sobremaneira, a busca do judiciário por qualquer de seus filiados.

Apesar desta determinação autoritária da FIFA, temos que salientar que, com a cada vez maior mercantilização do futebol, que cada vez mais deixa de ser “paixão” para incorporar os conceitos do “business”, não há lugar para práticas como essa e, mais cedo ou mais tarde, algum de seus filiados irá ao judiciário em busca do que lhe é de direito.

Por fim, cabe ressaltar que toda esta discussão tornar-se-ia obsoleta se os homens da International Board – órgão da FIFA que propõe e aprova as mudanças nas regras do futebol – se livrassem da resistência que ainda têm às inovações tecnológicas e permitissem o uso da eletrônica como auxiliar dos árbitros, através do videoteipe, que serviria como recurso para dirimir as dúvidas surgidas em lances polêmicos e cruciais das partidas de futebol.

Gustavo Lorenzi de Castro
Advogado especialista em Direito Processual Civil

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