TJ/MG: Médico e hospital indenizarão por queimadura em parto

A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) modificou decisão da Comarca de Belo Horizonte e aumentou o valor da indenização por danos morais e estéticos que um médico e um hospital devem pagar a uma paciente. Ela deve receber R$ 15 mil em danos estéticos e R$ 30 mil em danos morais.

A mulher, que estava grávida, foi ao hospital em janeiro de 2019 para dar à luz. Segundo o processo, durante a cesariana, a paciente sofreu uma queimadura enquanto a equipe operava um equipamento chamado cautério. A queimadura, com extensão de dois centímetros, deixou uma cicatriz permanente.

Em 1ª Instância, a 15ª Vara Cível de Belo Horizonte condenou os réus a pagar indenização de R$ 3 mil por danos morais e R$ 5 mil por danos estéticos. As partes recorreram.

Por unanimidade, a 9ª Câmara Cível do TJMG manteve as condenações.

O relator do caso, desembargador Amorim Siqueira, explicou que eventual defeito no aparelho não afasta a responsabilidade dos réus. Ele entendeu que a paciente “se dirigiu ao hospital para realização de cirurgia cesárea e, sob supervisão do médico, sofreu duas queimaduras na perna, que causaram consequências físicas e situação de angústia e sofrimento”.

O magistrado votou para aumentar os danos estéticos para R$ 15 mil e os danos morais para R$ 20 mil, e foi acompanhado pelo desembargador José Arthur Filho.

O desembargador Leonardo de Faria Beraldo abriu divergência para ampliar os danos morais para R$ 30 mil. O voto com esse valor foi seguido pelos desembargadores Pedro Bernardes de Oliveira e Luiz Artur Hilário, garantindo a maioria dos votos para definir a quantia a ser paga pelo hospital e pelo médico à paciente.

Processo nº 1.0000.25.035646-6/001

TST: Vale é responsabilizada por danos psicológicos de operador que atuou no rescaldo da tragédia de Brumadinho

Ele presenciou a retirada de corpos e de fragmentos de corpos das vítimas.


Resumo:

  • Um operador de retroescavadeira contratado logo após o rompimento da barragem de Brumadinho (MG) deve receber indenização da Vale.
  • Ao remover a lama e os destroços do desastre, ele teve de presenciar a retirada de restos mortais das vítimas e desenvolveu problemas psicológicos.
  • Para a 2ª Turma do TST, a empresa, responsável pelo desastre, também deve responder por suas consequências na saúde psíquica do trabalhador.

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Vale S.A. e o Consórcio Price Lista pagar R$ 50 mil de indenização a um operador de escavadeira contratado para remover a lama e os destroços causados pelo rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho (MG), que vitimou 272 pessoas. Segundo o colegiado, as empresas obrigaram o trabalhador a lidar com situações de morbidez, ao presenciar a retirada de corpos e de fragmentos de corpos das vítimas.

Trabalhador disse que cenário era de uma “zona de guerra”
O rompimento da barragem ocorreu em 25 de janeiro de 2019. Na reclamação trabalhista, o operador de escavadeira disse que foi contratado duas semanas depois, em 11 de fevereiro, e pediu demissão em julho do mesmo ano. Nesse período, relatou que esteve em contato direto com lama tóxica, poeira e forte odor, além de presenciar e participar de resgates de corpos e fragmentos humanos. Em razão da precariedade do local, tinha de fazer as refeições na própria escavadeira.

Segundo ele, o cenário teria provocado danos psicológicos, inicialmente diagnosticados como estresse pós-traumático, que evoluíram para transtorno de ansiedade generalizada e distúrbios do sono. Ele relatou que vivia com temor de um novo rompimento e que os treinamentos de fuga, sem aviso prévio, pioravam a angústia diária de trabalhar em um “cenário comparado a uma verdadeira zona de guerra”.

Para empresas, operador sabia o tipo de trabalho que faria
As empresas, em sua defesa, sustentaram que ele não trabalhava no local na data do rompimento da barragem e foi contratado quase um mês depois para atuar na limpeza da área, auxiliar bombeiros e reduzir impactos ambientais. Segundo seu argumento, ele se candidatou espontaneamente à vaga e tinha ciência do local e da função. Para as empresas, ele pediu demissão apenas para tentar obter uma indenização indevida, e seu estado de saúde emocional era anterior, porque havia perdido um tio no acidente.

O juízo da Vara do Trabalho de Betim (MG) negou o pedido de indenização, e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a sentença. Para as instâncias anteriores, o empregado sabia da possibilidade de ter contato visual com restos mortais, e a tarefa de removê-los era dos bombeiros, e não dele.

Empresas são responsáveis por impactos da “atividade mórbida”
A relatora do recurso de revista do consórcio, ministra Liana Chaib, ressaltou que a contratação do operador se deu exclusivamente em razão do desastre ambiental, e caberia à Vale S.A. responder integralmente pelas repercussões do fato. Na sua avaliação, afastar a responsabilidade da empresa “desconsideraria os impactos dessa atividade mórbida na saúde psíquica do trabalhador”.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: RR-11070-06.2020.5.03.0163

TJ/MG: Proprietário de motocicleta tem pedido de indenização negado

A partir de laudo pericial, Justiça concluiu que veículo foi danificado por mau uso.


A Justiça negou, em duas instâncias, pedido de proprietário de uma motocicleta esportiva para ser indenizado, por danos morais e materiais, em função de suposto defeito na roda do veículo. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) concluiu que os problemas decorreram de utilização inadequada do veículo.

O dono alegou que comprou uma motocicleta BMW zero km e que, após 1,4 mil km rodados, notou uma rachadura na roda dianteira. Ele solicitou que fosse reconhecido vício oculto, com restituição em dobro do valor gasto com a substituição da peça (R$ 43,3 mil), e indenização por danos morais de R$ 50 mil.

Velocidade

Em sua defesa, a concessionária argumentou que o proprietário ocultou o fato de ter usado a motocicleta de forma nociva e indevida, praticando velocidades incompatíveis. Para a empresa, a conduta imprudente foi comprovada por provas fornecidas pelo próprio condutor, que assinou ordem de serviço em que relatava ter passado em cabeceira de ponte “próximo de 200 km/h”.

A fabricante, por sua vez, afirmou que a perícia técnica foi rigorosa e realizada por profissional qualificado e que comprovou não haver vício de fabricação no produto.

O juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Uberaba julgou improcedente o pedido do cliente. Com isso, o proprietário recorreu, sustentando que foi impedido de exercer livremente a defesa e questionou a perícia.

A 12ª Câmara Cível manteve a sentença. A relatora, desembargadora Maria Lúcia Cabral Caruso, ponderou que o perito nomeado tem formação como engenheiro mecânico, engenheiro automotivo e engenheiro de segurança do trabalho, com pós-graduação e vasta experiência na área, e foi categórico ao concluir que os danos ocorreram “em razão de impacto sofrido pela roda no momento em que se chocou contra objeto fixo com alta dureza e resistência, causando a deformação”.

Para a magistrada, ressarcimento e reparação não eram devidos, pois o termo de garantia exclui da cobertura “defeitos resultantes de utilização inadequada, acidentes de qualquer natureza e influências externas anormais”, e a perícia demonstrou que o mau uso do produto acarretou o estrago.

“A responsabilidade pela condução segura recai sobre o usuário, não podendo ser transferida ao fabricante quando há uso inadequado comprovado tecnicamente. Ainda que a motocicleta seja capaz de atingir velocidades elevadas, a utilização responsável pressupõe o respeito às condições da via e a adequação da velocidade às circunstâncias do trajeto, especialmente em trechos com potenciais obstáculos ou irregularidades”, concluiu.

Os desembargadores Régia Ferreira de Lima e José Américo Martins da Costa seguiram o voto da relatora.

Processo nº 1.0000.22.083149-9/004

STJ: Embriaguez ao volante e lesão corporal culposa na direção de veículo devem ter as penas somadas

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que os crimes de embriaguez ao volante e de lesão corporal culposa na direção de veículo configuram concurso material de crimes, o que leva à aplicação cumulativa das penas decorrentes de ambas as infrações penais.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para reconhecer o concurso material na conduta de um motorista, em vez do concurso formal de crimes.

O denunciado foi acusado de dirigir seu veículo com a capacidade psicomotora alterada pelo uso de bebida alcoólica, na cidade de Contagem (MG). Sem observar uma placa de parada obrigatória, ele teria colidido com outro veículo e causado ferimentos em três de seus quatro ocupantes.

Por entender que o acusado, com uma única atitude, incorreu nos dois crimes, o TJMG reconheceu o concurso formal entre as condutas, o que levou o Ministério Público estadual a recorrer ao STJ.

Crimes têm momentos consumativos diferentes e tutelam bens jurídicos diversos
O relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, explicou que o concurso formal de crimes, disciplinado pelo artigo 70 do Código Penal (CP), pressupõe a existência de unidade de conduta e pluralidade de resultados, ou seja, é quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes.

Por sua vez – continuou –, o concurso material (artigo 69 do CP) se configura quando há pluralidade de condutas e pluralidade de resultados, isto é, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes.

“Os crimes de embriaguez ao volante e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor possuem momentos consumativos distintos e tutelam bens jurídicos diversos”, afirmou.

Segundo o ministro, o crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (embriaguez ao volante) se consuma quando o agente, depois de beber, assume a direção do veículo com capacidade psicomotora alterada. Por sua vez, o crime do artigo 303 do CTB (lesão corporal culposa na direção do veículo) se consuma quando ocorre a lesão na vítima, em decorrência de conduta culposa do motorista.

Crime de perigo abstrato e crime de resultado
Sebastião Reis Júnior ressaltou que o crime de embriaguez ao volante é de perigo abstrato e se configura com a simples condução do veículo em estado de embriaguez, independentemente da ocorrência de qualquer resultado lesivo; já o de lesão corporal culposa na direção do veículo é um crime de resultado, que exige a efetiva ofensa à integridade física de terceiro.

“No presente caso, o motorista, ao ingerir bebida alcoólica e assumir a direção do veículo, consumou previamente o delito de embriaguez ao volante. Posteriormente, em outro momento, ao avançar o cruzamento sem observar a placa de parada obrigatória, causou a colisão que resultou nas lesões corporais nas vítimas, consumando então o crime do artigo 303 do CTB”, concluiu.

Para o relator, o entendimento do TJMG, ao reconhecer concurso formal entre os delitos, contrariou a orientação jurisprudencial do STJ, que considera necessária a aplicação do concurso material entre os crimes em questão, pois se trata de condutas autônomas praticadas em momentos distintos, com objetos jurídicos diversos.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2198744

TJ/MG: Acusado de produzir bebida clandestina continuará preso

Suspeito passou por audiência de custódia em BH e teve a prisão em flagrante convertida para preventiva.


O homem de 53 anos acusado de produzir bebida alcoólica clandestina em uma casa do bairro Cardoso, região do Barreiro, em Belo Horizonte (MG), teve a prisão em flagrante convertida para preventiva. O suspeito passou por audiência de custódia na Capital mineira, na manhã desta quarta-feira (8/10). A decisão é do juiz Leonardo Vieira Rocha Damasceno e, segundo o Boletim de Ocorrência, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), uma denúncia anônima indicou o possível local de fabricação clandestina de bebidas alcoólicas.

Na casa, os militares identificaram diversos rolos de rótulos de cachaça, embalagens plásticas da bebida já rotulada e, mais ao fundo da residência, três compartimentos grandes com líquido dentro. Questionado, o proprietário da casa afirmou que trabalha com venda de bebida. Ele informou ainda que a cachaça é despejada nos compartimentos instalados no fundo do imóvel e, depois, bombeada para o terceiro andar da residência. Nesse local, os policiais encontraram grande quantidade de bebidas já envasadas e rotuladas.

Em outro cômodo, havia uma impressora serigráfica, usada para impressão de rótulos em garrafas plásticas. Próximo ao equipamento, foi encontrada uma embalagem plástica semelhante às usadas para armazenar álcool líquido.

Ainda durante a vistoria, os militares identificaram três marcas distintas de rótulos empregados nas bebidas. Uma delas, inclusive, é regularmente registrada com documentação e atuação regular no mercado, o que “sugere a utilização indevida da marca pelo autuado”.

A decisão do juiz Leonardo Damasceno destaca que “do conjunto de elementos colhidos, restou demonstrado, em análise preliminar, a existência de atividade de fabricação e envase de bebidas alcoólicas sem autorização dos órgãos competentes, bem como indícios de falsificação de rótulos e possível violação de marca registrada, configurando, em tese, infrações penais a serem devidamente apuradas pela autoridade policial competente”.

O magistrado lembrou do atual contexto que o País vem enfrentando com o crescente número de casos de intoxicação relacionada à ingestão de bebidas alcoólicas fabricadas de forma clandestina, prática que gera perigo comum e coloca em risco a saúde pública e a segurança de um número indeterminado de consumidores.

“Os fatos narrados no autos demonstram que não se trata de uma produção artesanal de pequeno porte, mas de uma fábrica, com estrutura organizada, maquinário específico e logística de produção em vários pavimentos, destinada a abastecer o comércio e atingir um número indeterminado de consumidores. A fabricação clandestina de bebidas alcoólicas, sem qualquer controle sanitário ou fiscalização dos órgãos competentes, expõe a população a perigo iminente. A ausência de controle sobre a matéria-prima e o processo de envase cria a possibilidade real de contaminação ou da utilização de substâncias impróprias para o consumo, podendo causar intoxicações, lesões graves ou até mesmo a morte”, disse o juiz Leonardo Damasceno.

Ele acolheu o pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) imputando o cometimento de três crimes em concurso, com gravidade concreta, para determinar prisão preventiva do acusado para a garantia da ordem pública.

Processo nº 5209646-79.2025.8.13.0024

TRT/MG: Empresa não terá que indenizar família de caminhoneiro morto em acidente na BR-116

A Justiça do Trabalho negou o pagamento de indenização por danos morais e materiais à família do motorista morto após acidente no km 783 da BR-116, em 5/4/2023. O corpo do motorista foi encontrado carbonizado dentro da cabine do veículo, que pegou fogo após capotar e sair da pista.

Segundo dados do processo trabalhista, o veículo trafegava na faixa de rodagem em direção a Além Paraíba, quando o condutor perdeu o controle do caminhão-trator e do semirreboque, ocasionando o tombamento próximo ao final de uma curva. Com o acidente, o conjunto veicular incendiou-se por completo, causando a morte do motorista.

A esposa e os filhos ajuizaram ação trabalhista, argumentando que o acidente fatal ocorreu porque o ex-empregado trabalhava com falta de segurança na execução das atividades. “No dia do acidente, ele transportava mercadoria altamente inflamável, com os dois tanques cheios de óleo diesel, totalizando 820 litros”.

Alegaram ainda que, ao permitir que o motorista trabalhasse em condições adversas, transportando produto altamente inflamável e perigoso, a empresa foi omissa, negligente e imprudente. “Tal comportamento resulta em culpa gravíssima, assemelhada ao dolo, obrigando-se à devida responsabilidade para com aqueles que sofrem as consequências do infortúnio”, disseram na ação os familiares, pleiteando as indenizações por danos morais e materiais.

Decisão
Mas, ao decidir o caso, o juiz titular da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Henrique Alves Vilela, reconheceu que, apesar da prova oral produzida, ficou provada a ocorrência de culpa exclusiva da vítima no acidente.

Segundo o julgador, a perícia de acidente de trânsito da Polícia Rodoviária Federal concluiu que o excesso de velocidade foi um fator determinante no acidente. Essa informação foi confirmada pela extensão das marcas de sulcagem e pela distância de imobilização final do veículo em relação ao início do acidente.

“Em análise de sistema de rastreamento implementado no veículo, foi identificado o registro de velocidade, no trecho em declive, em curva acentuada à direita, acima do limite imposto pela regulamentação, que era de 60 km/h, estando o caminhão, no momento do acidente, a uma velocidade de 75 km/h, ou seja, 25% acima do permitido no trecho”.

Foram realizados testes laboratoriais para identificação de presença de substâncias que poderiam ter contribuído para o acidente rodoviário. Segundo o laudo pericial, as análises indicaram a presença de substâncias relevantes que podem ter influenciado o acidente.

“(…) a dosagem de teor alcoólico no sangue foi detectada com um valor de 3,9 dg/L, resultado considerado positivo. Adicionalmente, conforme o laudo, foi também detectada a presença de cocaína, resultado igualmente positivo”, mostrou a perícia.

Para o julgador, esses achados reforçam a análise de que o estado psicomotor do condutor pode ter sido afetado, constituindo um fator potencialmente agravante na ocorrência do acidente.

“Tais informações são fundamentais para a avaliação detalhada da dinâmica do evento e contribuem para a determinação dos fatores que influenciaram a perda de controle do veículo e, consequentemente, o desfecho fatal”, ressaltou o magistrado.

Dessa forma, o julgador concluiu que foram identificadas duas causas que contribuíram conjuntamente para a ocorrência do sinistro.

“A primeira causa, e a principal, foi a atitude do motorista, que não diminuiu a velocidade, mesmo conhecendo a situação da via, contrariando os padrões de segurança. Podemos classificar tal atitude como um erro humano causado por imprudência”, destacou o julgador.

Já a segunda causa o magistrado classificou como circunstancial e está relacionada também ao não cumprimento de legislação de trânsito, onde foi constatado, por exame toxicológico realizado pelo Instituto de Medicina Legal de Minas Gerais, que o condutor apresentava teor alcoólico e resultado positivo para a presença de cocaína.

“Tais achados são considerados causas circunstanciais ou secundárias que contribuíram de forma relevante para a ocorrência do acidente. A combinação de excesso de velocidade com a presença de álcool e substâncias psicoativas no organismo do condutor potencializa o risco de perda de reflexos, julgamento e controle do veículo, agravando a situação e corroborando para o desfecho fatal”, concluiu o juiz. Ele observou que foi constatada a existência de revisões preventivas do veículo acidentado, inclusive dos freios, poucos dias antes do acidente.

O julgador entendeu que, diante dos fatos, é impossível acolher os pedidos da família de indenizações por danos morais e materiais.

“Não sendo possível a responsabilização objetiva da empresa, sendo afastada a presunção de culpa dela no acidente, uma vez que comprovada a culpa exclusiva da vítima e inexistindo, portanto, culpa da empregadora para a ocorrência deste evento, julgo improcedentes os pedidos de indenizações por danos morais e materiais formulados na peça de ingresso”.

A família do motorista interpôs recurso, mas os julgadores da Quarta Turma do TRT de Minas mantiveram, nesse aspecto, a sentença do juízo da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. O processo foi remetido ao TST para exame do recurso de revista.

TJ/MG: Município deve indenizar empresa por queda de árvore em imóvel

Árvore de grande porte caiu durante temporal em Belo Horizonte.


A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve sentença da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte que condenou a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a indenizar uma empresa que teve o imóvel danificado pela queda de uma árvore.

O valor dos danos materiais foi confirmado em R$ 37.730, e a turma julgadora modificou a decisão em relação aos juros, que incidirão sobre a data do incidente, e não a partir da promulgação da sentença.

A empresa ajuizou ação contra o município argumentando que o imóvel, localizado em Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte, foi atingido por uma árvore de grande porte no dia 15/12 de 2015.

O município tentou se eximir de culpa sob a alegação de que a árvore caiu devido à forte tempestade, o que caracterizaria caso fortuito. A PBH também alegou que a empresa não requisitou previamente a poda e as notas apresentadas como gastos não serviriam como prova.

Manutenção preventiva

Os argumentos do Executivo municipal não convenceram o juízo, que estabeleceu a condenação por danos morais com juros incidindo a partir da data da sentença. As partes recorreram.

A relatora do caso, desembargadora Maria Cristina Cunha Carvalhais, manteve a condenação.

A magistrada destacou que a responsabilidade do município por queda de árvore em logradouro público é objetiva, e que a ausência de solicitação para poda não afasta a obrigação do Poder Público de agir preventivamente. Citando o art. 25 do Código de Posturas de Belo Horizonte (Lei nº 8.616/2003), apontou que a lei “estabelece de forma inequívoca que compete ao Poder Executivo a conservação, poda, transplante e supressão das árvores localizadas em logradouros públicos, atribuindo-lhe, portanto, dever jurídico específico de manutenção preventiva da arborização urbana”.

No voto, a desembargadora também rechaça a alegação de caso fortuito por conta da tempestade e atesta os recibos, contratos e fotografias como provas. Ela também acatou o pedido da empresa e os juros devem ser calculados a partir da data do evento.

Os desembargadores Mônica Aragão Martiniano Ferreira e Costa e Júlio Cézar Guttierrez votaram de acordo com a relatora.

Processo 1.0000.19.163335-3/001

TJ/MG: Justiça nega retomada de sobrenome de ex-marido

Mulher alegou que só descobriu recentemente que seu registro havia sido alterado para o nome de solteira.


“A alteração de nome do registro civil é admitida apenas de forma excepcional e mediante motivação relevante, não se prestando a retificação ao simples arrependimento ou conveniência subjetiva”. Com esse entendimento, a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve decisão da Comarca de Juiz de Fora e rejeitou o pedido de uma mulher para retomar o sobrenome de quando estava casada.

A mulher ajuizou a ação pleiteando a reincorporação do sobrenome do ex-marido, alegando que foi casada e, após o divórcio, há 30 anos, continuou assinando o nome de casada. Ela argumentou que não percebeu que fora deferida a alteração para retomar o nome de origem. Segundo a autora, só descobriu a mudança recentemente, ao pedir a renovação do documento de identidade.

“Atualmente encontra-se arrependida, pois não se atentou para o tópico do pedido na época. Na verdade, para a requerente, o nome teria continuado o de casada, porém, no decorrer do presente ano, precisou renovar o documento de identidade e foi quando descobriu que seu nome havia sido alterado para o nome de solteira”, alegou a defesa da autora.

Causa justificada

A tese não foi acolhida em 1ª Instância, o que motivou o recurso.

O relator, desembargador Adriano de Mesquita Carneiro, rejeitou o pedido. O magistrado entendeu que “a simples alegação de arrependimento posterior ou mesmo engano, conquanto respeitável no plano pessoal, não se qualifica como motivação suficiente à luz do regime legal vigente”. Portanto, os artigos 56 a 58 da Lei n.º 6.015/73 exigem causa justificada para a alteração, “não bastando o uso habitual do nome ou a conveniência pessoal como fundamento.”

No voto, o relator destacou que “o uso prolongado do nome de casada pela apelante, por mais de 30 anos após a dissolução da sociedade conjugal, não possui força jurídica para afastar a manifestação de vontade regularmente expressa no acordo de separação, por meio do qual se operou a alteração do nome para o de solteira”.

Os desembargadores José Eustáquio Lucas Pereira e Marcelo de Oliveira Milagres acompanharam o voto do relator.

 

TRT/MG: Comunidade terapêutica é condenada por submeter dependentes químicos à situação análoga à de escravidão

Instituição deverá pagar indenização individual aos trabalhadores e indenização por dano moral coletivo.

A Justiça do Trabalho reconheceu a existência de vínculo empregatício entre uma instituição terapêutica e trabalhadores “acolhidos”, condenando a instituição e seu representante legal, de forma solidária, ao pagamento de verbas trabalhistas. Os réus também foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, a ser revertida em proveito do Fundo de Direitos Difusos, e de indenização individual de R$ 10 mil a cada trabalhador. Houve condenação também da instituição a diversas obrigações de fazer e de não fazer relacionadas ao cumprimento da legislação trabalhista e de segurança do trabalho. A sentença é do juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, titular da 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora-MG, e decorre de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), após fiscalização identificar a submissão de pessoas em situação de vulnerabilidade biopsicossocial a condições análogas à escravidão.

A situação encontrada pela Vigilância Sanitária
A inspeção, realizada por auditores-fiscais do trabalho com apoio da Polícia Rodoviária Federal, decorreu de denúncia apresentada pela Vigilância Sanitária de Juiz de Fora, para averiguação de exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão na instituição terapêutica.

O ofício enviado ao MPT pelo departamento da Vigilância Sanitária registrou informações que motivaram a fiscalização. No momento da inspeção, havia seis homens trabalhando no local, sendo que um cuidava da horta, um da cozinha, um era responsável pela supervisão e três exerciam atividades de construção civil em obras de ampliação da sede da entidade. Segundo o responsável pelo local, os trabalhadores assinaram termo de trabalho voluntário e recebiam valor pelas atividades prestadas.

Realizada a abordagem com esses trabalhadores, eles disseram que não são “acolhidos” da comunidade terapêutica e que executavam as atividades de forma voluntária, negando a realização de trabalhos forçados. Considerando que o local estava em obras, foram identificadas condições precárias dos alojamentos, do preparo de alimentos e de saneamento básico.

A equipe técnica também constatou a inexistência de elementos probatórios suficientes para demonstrar que o local estava em funcionamento, na época, como uma comunidade terapêutica, não tendo identificado a presença de prontuários, prescrições médicas, plano terapêutico e fornecimento de medicação, além dos relatos realizados nesse sentido. Registrou-se que as condições de trabalho indicavam violação dos direitos humanos dos trabalhadores.

Fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT)
Após o recebimento do relatório da Vigilância Sanitária, iniciou-se a fiscalização por parte do MPT, em outubro de 2023, com inspeção no local de trabalho, análise de documentos, entrevistas de trabalhadores e com a presença do responsável pelo estabelecimento. As condições encontradas no momento da inspeção foram registradas no relatório da fiscalização, a seguir: seis pessoas foram identificadas morando e trabalhando na propriedade. Os trabalhadores não eram registrados e não recebiam remuneração pelos serviços prestados. As normas de saúde e segurança do trabalho não eram observadas e os trabalhadores sequer recebiam equipamentos de proteção individual, apesar dos riscos inerentes à atividade de construção civil.

Trabalhadores dependentes de substâncias psicoativas
À equipe fiscal, os trabalhadores declararam serem dependentes de substâncias psicoativas, como o crack, situação que torna evidente a necessidade de acompanhamento e cuidados com a saúde, sendo que deveriam estar submetidos a terapia ocupacional, psicológica, médica (clínica geral e psiquiátrica) e à assistência social. As atividades terapêuticas citadas teriam como objetivo a recuperação física, mental e social, não a exploração da força de trabalho para a expansão das edificações, em verdadeira relação de emprego, de modo informal. Inclusive, esses trabalhadores estavam sozinhos no local, sem qualquer supervisão terapêutica. Em caso de surtos, por abstinência de uso das substâncias psicoativas ou por falta do uso de medicamentos prescritos por médico psiquiatra, eles (pacientes em tratamento) não teriam qualquer abordagem adequada.

Condições precárias do alojamento
Durante a inspeção, foi constatado que o alojamento, localizado em edificação na parte superior da instituição, onde se faziam as obras, era coberto com telhas de zinco e entre estas e as paredes existiam aberturas que submetiam os trabalhadores a baixas temperaturas. Havia beliches que estavam em péssimo estado de conservação e higiene. Foram encontrados alimentos (feijão e maionese) com prazos de validade vencidos. A água utilizada para beber, cozinhar e realizar a higiene corporal era oriunda de mina e armazenada em cisterna sem tampa, sem comprovação de que fosse potável.

Os trabalhadores, que não tinham treinamento, nem avaliação da saúde ocupacional e não recebiam Equipamentos de Proteção Individual, estavam de chinelos, com as mãos e os pés sujos de massa de cimento. Até mesmo a panela de pressão que estava em um fogão a lenha apresentava riscos de explosão, pois estava com o cabo quebrado e com uma improvisação na válvula de segurança.

Condição de vulnerabilidade biopsicossocial e de trabalho análogo à escravidão
Conforme consignado no relatório, as circunstâncias apuradas configuram a tipificação de trabalho análogo ao de escravo, por degradação. “A condição de vulnerabilidade biopsicossocial em que se encontram os trabalhadores manifesta-se, não só pela ausência de alternativas de moradia e cuidado, mas também pela sua condição de saúde, já que há enorme complexidade no trabalho para que seja possível a libertação de vícios”.

Providências
Com a constatação de trabalho urbano realizado em condição análoga à de escravo, em atendimento ao artigo 33, inciso I, da Instrução Normativa nº 2, de 2021, do Ministério do Trabalho e Previdência (IN 02/2021), a Auditoria-Fiscal do Trabalho determinou ao empregador a imediata cessação das atividades dos trabalhadores e das circunstâncias ou condutas irregulares, o que implicou a retirada da instituição com alocação em local diverso.

Foram realizadas tratativas e diálogos com outras instituições para que houvesse acompanhamento pelo órgão de Assistência Social do município de Juiz de Fora/MG, para as devidas providências. Solicitou-se que as Secretarias de Assistência Social e da Saúde realizassem diagnóstico biopsicossocial e o acompanhamento aos trabalhadores, conforme diretrizes e encaminhamentos estabelecidos pelo Sistema Único de Assistência Social – SUAS e pelo Sistema Único de Saúde – SUS, de modo a viabilizar o tratamento de saúde e o respectivo amparo social necessários, bem como a restauração da autonomia e a preservação da dignidade e integridade.

Alegações da instituição
Ao se defender na ação, a ré afirmou que se trata de instituição sem fins lucrativos, dedicada ao acolhimento de dependentes químicos desde 2016, oferecendo tratamento médico e psicológico gratuito, além de apoio espiritual. Disse ainda que os trabalhadores lá encontrados prestavam serviços voluntários, na forma da Lei nº 9.608/1998, com termos de adesão devidamente assinados. Negou a existência de vínculo de emprego e contestou veementemente as alegações de trabalho análogo à escravidão, sustentando que não havia cerceamento de locomoção, vigilância ou retenção de documentos. Alegou que as atividades desempenhadas (horta, jardinagem, reformas) tinham caráter profissionalizante e terapêutico, com produtos revertidos para a alimentação dos próprios internos.

Ainda segundo a instituição, os trabalhadores encontrados pela fiscalização não eram acolhidos, mas prestavam serviços voluntários, com termos de adesão devidamente firmados. Segundo alegou a ré, o trabalho profissionalizante ocorre somente após o término do tratamento terapêutico, quando alguns permanecem na instituição por gratidão ou para aprender um ofício. Argumentou que, na época da fiscalização, ainda não havia no local qualquer atividade de acolhimento, diante da ausência de condições físicas e sanitárias e que, por isso, não havia prontuários, prescrições médicas e plano terapêutico.

Trabalho voluntário X Vínculo de emprego
Entretanto, ao expor os fundamentos da decisão, o juiz esclareceu que a prestação de trabalho na forma verificada — com pessoalidade, habitualidade, subordinação direta ao dirigente da instituição e expectativa de compensações materiais — caracteriza a relação de emprego, conforme os artigos 2º e 3º da CLT e a doutrina dominante. Destacou que a atividade desenvolvida não atendia aos requisitos legais do trabalho voluntário, previstos na Lei 9.608/1998, e que a mera denominação contratual não afasta os efeitos da relação jurídica real.

O magistrado ressaltou que, nos termos da lei mencionada, considera-se serviço voluntário a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista e previdenciária, devendo ser exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, com especificação do objeto e das condições de seu exercício.

No entanto, apenas quatro dos seis trabalhadores tinham termo de adesão, e os serviços prestados, na visão do julgador, evidenciavam os pressupostos legais da relação de emprego. Segundo o juiz, a ausência de contrato escrito com dois dos trabalhadores resgatados “é indicativa de trabalho prestado sob servidão branca”. Além disso, a decisão reconheceu a validade dos autos de infração lavrados pelos auditores-fiscais do trabalho, ressaltando que tais documentos gozam de presunção relativa de veracidade, não tendo sido produzida prova suficiente para desconstituí-los. A prova testemunhal, conforme ressaltou o magistrado, reforçou a presença de um modelo organizacional que se beneficiava do trabalho de pessoas em situação de vulnerabilidade, em desacordo com a legislação trabalhista e os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.

Relatos das testemunhas ouvidas demonstraram que todos os seis trabalhadores encontrados pela fiscalização apresentavam-se em condições de vulnerabilidade social, já que eram dependentes químicos, que buscavam os préstimos da ré para reabilitação. Nas palavras do julgador, a ré, “quiçá aproveitando-se desta condição, firmou com pelo menos 4 destes trabalhadores um contrato de trabalho voluntário, porém as atividades que cada contratado deveria desempenhar não estão especificadas no referido documento, que traz apenas o vocábulo “CARGO” onde deveria constar os serviços contratados”.

A decisão apontou a existência de cláusula expressa no contrato de trabalho voluntário (firmado com quatro dos trabalhadores resgatados) que vinculava a prestação de serviços voluntários à estadia do contratado. “Sucede que, se os trabalhadores não eram ‘acolhidos’, como alegado pela defesa, ou seja, não estavam ali para tratamento de dependência química, a ‘estadia’ oferecida não tinha fins terapêuticos, tratando-se apenas de alojamento para viabilizar a prestação de serviços”, destacou o juiz.

Além disso, para o magistrado, os trabalhadores não prestavam serviços com intenção benemérita, pois se tratava de pessoas com transtornos decorrentes de substâncias psicoativas, trabalhando, muitas vezes, em troca de alimentação e moradia, sem remuneração digna, treinamento ou equipamentos de proteção. Ao serem questionados pelo fiscal da Vigilância Sanitária, os trabalhadores informaram que recebiam “um valor simbólico” pelos serviços prestados, o que, na avaliação do julgador, revela que o contrato voluntário tinha caráter oneroso, caracterizando fraude aos preceitos trabalhistas.

Como pontuado na sentença, a inspeção do local de trabalho revelou que os trabalhadores lá encontrados laboravam de maneira informal, sem receber salários (exceto simbólico) pelos serviços prestados, sem treinamentos, sem programas exigidos por lei, como Gerenciamento de Riscos (PGR) ou o de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), sem equipamentos de proteção individual.

“Os réus se valeram da força de trabalho de pessoas vulneráveis para a expansão das edificações, numa genuína relação de emprego, de modo informal, seja com aqueles que firmaram o contrato de trabalho voluntário, seja com aqueles que não firmaram tal contrato, o qual, a propósito, é nulo de pleno direito, conforme prevê o artigo 9º da CLT, por atentar contra os preceitos da legislação trabalhista. Com isso, o pedido de anulação do negócio jurídico fica prejudicado”, destacou o julgador.

Conforme constou da decisão, a fiscalização revelou que a entidade operava sem licenças sanitárias atualizadas, sem planos terapêuticos individuais e sem equipe multidisciplinar, contrariando normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD). Foram constatadas condições degradantes no alojamento, com colchões no chão, alimentação insatisfatória e instalações sanitárias precárias, contrariando normas da ANVISA, que exige boas condições de conservação, segurança, organização, conforto e limpeza. As atividades exercidas – sobretudo em construção civil – não tinham caráter terapêutico e expunham os acolhidos a riscos, desvirtuando a finalidade assistencial e configurando exploração de mão de obra vulnerável.

O depoimento de um dos trabalhadores resgatados reforçou as condições degradantes enfrentadas: jornadas exaustivas, ausência de folgas, desvios de recursos pessoais (como parte do Auxílio Brasil), cobrança de dízimos e inexistência de acompanhamento médico adequado.

Uma nova fiscalização, realizada por requisição do juízo em janeiro de 2025, identificou melhorias significativas na instituição, com instalações em condições adequadas de habitação, procedimentos e regras para acolhimento, implementação de planos terapêuticos individuais e equipe multidisciplinar, oferecimento de cursos de capacitação, sem indícios de atividades forçadas, exaustivas ou em condições degradantes. Contudo, foram encontrados dois trabalhadores sem registro, o que gerou novas autuações.

Segundo pontuou o magistrado, a ré admitiu que o local se encontrava em estado lamentável de conservação, o que demandou, para a execução dos trabalhos, revitalização de suas instalações. “No entanto, isso deveria ter sido feito mediante contratação regular de trabalhadores e não com o aproveitamento de mão de obra de pessoas acolhidas, cuja situação de vulnerabilidade psicossocial demandava atenção. Se é certo que o acolhido somente vai para a prática de trabalhos profissionalizantes após o término de seu tratamento terapêutico, como enfatizado pela defesa, os réus olvidaram-se dessa circunstância. A fragilidade dos trabalhadores acolhidos é reconhecida pela própria defesa, ao admitir que alguns continuam ali “por não terem para onde ir, outros por gratidão aos trabalhos de recuperação realizados”, destacou o juiz.

Com base no princípio da primazia da realidade, o julgador considerou nulos os contratos de trabalho voluntário por ofensa ao artigo 9º da CLT e, diante da presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, reconheceu esta modalidade de relação de trabalho com seis trabalhadores identificados em inspeção de outubro de 2023 e determinou a anotação das CTPS (Carteira de Trabalho de Previdência Social) digitais e o pagamento das verbas rescisórias correspondentes à dispensa imotivada. A instituição e seu representante legal também foram condenados, solidariamente, ao pagamento das verbas trabalhistas devidas pelo período de cada vínculo de emprego reconhecido, como salários, férias proporcionais acrescidas de um terço, 13º salário e FGTS.

Configuração de trabalho análogo à escravidão
Conforme ressaltado na decisão, a instituição utilizou indevidamente o instituto do trabalho voluntário como meio de para obter mão de obra gratuita, especialmente para obras de construção civil, sem qualquer finalidade terapêutica real, ocultando uma verdadeira relação de emprego e contrariando os preceitos da Lei nº 9.608/1998 e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Segundo o apurado, esses trabalhadores, dependentes químicos “acolhidos” pela entidade, prestavam serviços exaustivos, sem qualquer vínculo formal, sem salário (ou recebendo apenas quantias simbólicas), sem jornada definida, sem equipamentos de proteção, e em condições degradantes, em violação à dignidade humana e aos direitos fundamentais das vítimas.

Conforme constou da sentença, inspeções do Ministério do Trabalho e da Vigilância Sanitária confirmaram essas práticas, constatando ausência de finalidade terapêutica, ausência de profissionais de saúde e instalações precárias.

De acordo com o julgador, o contexto apurado evidencia o “modus operandi” da exploração: utilização de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, sem oportunidades alternativas de subsistência, sendo submetidas a trabalho sem remuneração, em condições degradantes e sem assistência médica ou terapêutica adequada, configurando situação análoga à escravidão, conforme os parâmetros contemporâneos do instituto.

“A situação é agravada pela vulnerabilidade dos trabalhadores, todos dependentes químicos, circunstância que, longe de justificar o desvirtuamento da proposta terapêutica, intensifica a gravidade da exploração, pois, como enfatizado no Protocolo, os agressores frequentemente se valem da premissa de que as vítimas “têm uma vida melhor ali com os empregadores, do que se morasse por conta própria”, narrativa recorrente em casos de escravidão contemporânea”, ponderou o julgador.

Aplicação do Protocolo para Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo
A sentença seguiu as diretrizes do Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo, que amplia o conceito de escravidão para além da restrição da liberdade física, para abranger situações de trabalho degradante e exploração de vulnerabilidades, como verificado no caso da ré.

A análise foi feita a partir de uma perspectiva interseccional, levando em conta a dependência química, a pobreza e a ausência de proteções trabalhistas básicas, elementos que aumentam a hipervulnerabilidade das vítimas e intensificam a situação de exploração.

“Conforme orientação do Protocolo sobredito, é essencial rechaçar estereótipos limitadores, como aquele segundo o qual ‘a escravidão contemporânea somente se concretiza com a restrição da liberdade de locomoção’, bem como a ideia de que ‘toda pessoa é plenamente livre e, portanto, pode ajustar qualquer tipo de contratação’, negando-se que ‘a fome e a miséria levam o ser humano a se dispor de seus direitos básicos’”, destacou o juiz.

Como observou o magistrado, os relatos dos trabalhadores, sobretudo de um deles, demonstra a exploração a que foi submetido: “Que lá eu construí o escritório, reboquei, entijolei, coloquei o piso, fiz a rampa, banheiro (…) fiz toda a canalização de esgoto; que durante o dia eu trabalhava de pedreiro e durante a noite cheguei a tomar conta de vinte e oito pessoas, como monitor”. Ainda mais grave foi considerara sua declaração de que “do meu Auxílio Brasil, R$ 600,00, sempre dei metade para o pastor, igual todo mundo deu”, revelando a apropriação de recursos dos trabalhadores.

Além disso, as declarações dos trabalhadores resgatados foram valorizadas segundo o Protocolo, que orienta a não considerar “o silêncio da pessoa escravizada como consentimento”, nem validar apenas os relatos que atendam a estereótipos. Segundo o pontuado pelo magistrado, o protocolo ressalta que “as pessoas escravizadas têm pouca instrução educacional formal e podem não saber expressar toda a realidade vivenciada, especialmente quando são indagadas a partir de termos técnicos ou jurídicos”.

Na avaliação do julgador, o caso verificado enquadra-se na hipótese de trabalho escravo contemporâneo, especificamente no setor da construção civil, conforme categorização apresentada pelo citado protocolo. Tal como descrito no documento de orientação, “na construção civil, as pessoas trabalhadoras muitas vezes são submetidas a condições de trabalho degradantes, jornadas exaustivas, falta de segurança no ambiente laboral e remuneração insuficiente”.

“Estas características são identificáveis no caso em tela, onde os trabalhadores realizavam atividades de construção civil sem qualquer remuneração, em jornadas que se estendiam inclusive aos finais de semana, conforme relatório da fiscalização”, destacou o magistrado.

Elementos de prova e condições degradantes
Na sentença, foram indicadas as provas que levaram à condenação dos réus. Relatório da fiscalização do Ministério do Trabalho identificou que seis trabalhadores encontrados na instituição estavam submetidos à condição análoga à de escravo, aproveitando-se o empregador de suas vulnerabilidades para obter trabalho sem contraprestação.

Houve constatação técnica das condições degradantes, inclusive nos alojamentos, onde havia beliches duplos, colchões e roupas de cama de propriedade dos trabalhadores, sendo que deveriam ser fornecidas pela instituição, com bastante sujeira no local. O relatório apontou ainda o desvirtuamento do suposto caráter terapêutico da instituição, constatando a “inexistência de quaisquer profissionais da área de saúde no local inspecionado, bem como a ausência de administração de medicamentos”.

Além disso, a subordinação direta ao pastor, que determinava as tarefas, bem como o tempo e forma da execução, evidenciou a configuração dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego dissimulada sob a roupagem de “trabalho voluntário”.

Fotografias que integram o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho ilustram as condições precárias caracterizadoras do trabalho degradante. Nas palavras do magistrado: “As imagens mostram instalações com paredes deterioradas, umidade, banheiros em condições higiênicas inadequadas e cozinha improvisada exposta às intempéries. Os alojamentos apresentam beliches rudimentares, colchões desgastados e espaço exíguo, com cortinas improvisadas como única forma de privacidade. Estruturas inacabadas de alvenaria e materiais de construção espalhados pelo terreno confirmam que obras estavam sendo realizadas sem medidas de segurança. Observam-se também reservatórios sem proteção adequada e áreas de descarte irregular, confirmando o relatório sanitário sobre a precariedade do saneamento. Este conjunto visual corrobora as descrições dos fiscais sobre as condições degradantes, demonstrando o desvirtuamento da proposta terapêutica”.

O Relatório da Vigilância Sanitária (12/7/2023) descreveu o ambiente como impróprio: água de mina sem comprovação de qualidade e armazenada em cisterna sem tampa, descarte irregular de esgoto, alimentos mal armazenados e em condições insatisfatórias para consumo, instalações elétricas incompletas e alojamentos com sujeira e improviso.

O relatório reforça o desvirtuamento do alegado propósito terapêutico da instituição, concluindo categoricamente que “A equipe técnica constatou que não foram apresentados elementos comprobatórios suficientes para que se constate que o local está em funcionamento, atualmente, como uma comunidade terapêutica, não sendo identificada a presença de prontuários, prescrições médicas, plano terapêutico e fornecimento de medicação”. Na percepção do juiz sentenciante, essa constatação descaracteriza o argumento de que as atividades teriam finalidade terapêutica, revelando a exploração de mão de obra vulnerável.

“Considerando os parâmetros estabelecidos pelo Protocolo para Atuação e Julgamento, que não exige a restrição de liberdade para configuração do trabalho escravo contemporâneo, e reconhecendo a vulnerabilidade extrema dos trabalhadores dependentes químicos, é inequívoco que as condições descritas no relatório sanitário configuram trabalho em condições análogas à escravidão”, concluiu Luiz Olympio.

Ciclos da escravidão – Padrões históricos
De acordo com o julgador, ao se ponderar sobre os ciclos da escravidão, como orienta o Protocolo, é necessário reconhecer que o caso verificado reflete a persistência de padrões históricos de exploração adaptados ao contexto contemporâneo. “De fato, a utilização de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica e com dependência química representa a perpetuação de um ciclo de marginalização que torna determinados grupos mais suscetíveis à exploração”, ressaltou o juiz.

Como observou o magistrado, o Protocolo citado destaca que a escravidão contemporânea “não é um fenômeno isolado, mas sim parte de um contínuo histórico de exploração e opressão”, sendo necessário compreender que “a desigualdade socioeconômica, a falta de acesso à educação e oportunidades de trabalho digno” contribuem para sua perpetuação.

Indenização por danos morais coletivos
A sentença reconheceu a existência de dano moral coletivo praticado pela instituição localizada em Juiz de Fora/MG, por violar de forma sistemática e reiterada a legislação trabalhista e os direitos fundamentais dos trabalhadores resgatados, todos dependentes químicos, em extrema vulnerabilidade social e psíquica.

Os réus foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, a ser revertida para o Fundo de Direitos Difusos – FDD. Os danos morais coletivos foram reconhecidos ao fundamento de que a conduta dos réus não atingiu apenas os trabalhadores explorados, mas toda a coletividade, por representar violação aos valores fundamentais da ordem jurídica, com a frustração da expectativa de comportamento ético e legal de uma entidade. O magistrado destacou que não é necessário provar o prejuízo individual, bastando a agressão à moral social coletiva. “A lesão perpetrada foi significativa e ultrapassou a esfera individual”, destacou o julgador.

A condenação foi embasada nos artigos 186 e 927 do Código Civil, artigos 3º e 13 da Lei da Ação Civil Pública, artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, e no artigo 149 do Código Penal, cuja atual redação reconhece o trabalho análogo à escravidão mesmo sem restrição à liberdade de locomoção.

Foram também considerados tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como as Convenções nº 29 e 105 da OIT, a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre Escravatura de 1926 (Decreto nº 58.563, de 1966) e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura.

“A ocorrência de danos morais coletivos encontra sólido embasamento jurídico em diversos aspectos analisados pelo Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo, bem como na definição do trabalho decente, visto como a submissão de trabalhadores a condições degradantes não constitui mera infração de normas trabalhistas, por se tratar de ato ilícito, tipificado como uma das modalidades do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149, do Código Penal”, registrou o juiz na decisão.

Segundo pontuou o magistrado, a atual redação do artigo 149 do Código Penal não exige o concurso da restrição à liberdade de locomoção para a caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo, bastando, como no caso, a presença de elementos, como a inexistência de água limpa para higiene adequada, ausência de instalações sanitárias em condições higiênicas, e inexistência de local adequado para armazenagem ou conservação de alimentos. Ao fixar o valor da indenização, o juiz considerou “caráter o repressivo e pedagógico”, destacando ser “necessária a atuação da Justiça do Trabalho no enfrentamento a este problema, em defesa da ordem jurídica insculpida pelos valores descritos na Constituição Federal”.

“O arbitramento de valor à título de danos morais coletivos representa o cumprimento de obrigações internacionais assumidas pelo Brasil e concretiza o dever de enfrentamento ao trabalho em condições análogas à escravidão, reforçando o compromisso do Poder Judiciário na proteção da dignidade humana e no combate às formas contemporâneas de escravidão”, enfatizou.

Indenização por danos morais individuais
Os réus também foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais individualmente no valor de R$ 10 mil a cada trabalhador resgatado, quantia arbitrada levando-se em conta a capacidade econômica dos réus.

“A ninguém escapa que os trabalhadores resgatados tiverem aviltada a sua dignidade humana pelas condições de trabalho a que foram submetidos, bem assim pela exploração de sua vulnerabilidade social, já que todos eles dependentes de substâncias entorpecentes”, observou o magistrado.

Conforme ressaltado na sentença, o dano moral propriamente dito, sofrido por trabalhador, é extraído objetivamente dos fatos provados, sendo presumido, dispensando a prova do sofrimento íntimo.

Houve ainda a condenação da instituição a diversas obrigações de fazer e de não fazer, com o fim de sanar as irregularidades encontradas. Há recurso da sentença aguardando julgamento no TRT-MG.

TJ/MG: Justiça mantém condenação de escola e professora por situação vexatória

Aluno de 7 anos passou mal em sala e precisou se limpar sozinho, em Uberaba.


A 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou a condenação de uma escola e de uma professora pelo constrangimento sofrido por um aluno de 7 anos em sala de aula, em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Ele foi obrigado a limpar o próprio vômito na frente de colegas e a buscar papéis no banheiro.

As rés foram condenadas a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais. Exceto se houver pedido expresso à Justiça, a quantia deve ficar depositada em poupança até que a vítima atinja a maioridade.

Conduta inadequada

A criança, representada pelo pai, entrou com a ação alegando ter vivido situação vexatória. A peça narra que o aluno estava em aula, em agosto de 2022, quando vomitou em decorrência de uma crise de ansiedade. A professora mandou que ele se limpasse no banheiro e pegasse papéis para higienizar o que ficou sujo na sala. Devido à situação, precisou mudar de escola e fazer tratamento psicológico.

A defesa da escola informou que não houve ato ilícito que justificasse sua condenação e que a professora foi demitida por não atender critérios de conduta.

Já a educadora argumentou que não foi indiciada criminalmente após investigação e que o fato de ter pedido para que o estudante se limpasse se baseou no “incentivo à autonomia trabalhada com as crianças”.

Abalo psicológico

Os argumentos não foram aceitos pela 4ª Vara Cível da Comarca de Uberaba, que fixou o valor da condenação. Diante disso, as partes recorreram.

Em análise da apelação cível, o relator do caso, desembargador Antônio Bispo, rejeitou os recursos e manteve a sentença.

“O propósito pedagógico de estimular a autonomia infantil não se confunde, em absoluto, com a exposição do aluno a constrangimentos públicos.”

Para o desembargador, restou comprovado o abalo psicológico: “O episódio em exame, pela sua gravidade e repercussão, transcende os meros aborrecimentos do cotidiano escolar, afetando diretamente a dignidade e a autoestima do menor. Com efeito, o constrangimento resultou na necessidade de abandono da escola, resistência em frequentar nova instituição e intensificação do acompanhamento psicológico, evidenciando o abalo psíquico sofrido.”

Os desembargadores Ivone Guilarducci e Francisco Costa acompanharam o voto do relator.

Processo nº 1.0000.25.141618-6/001


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