STF cassa decisão que mantinha bloqueio dos bens do ex-presidente Lula

A reclamação apresentada pela defesa do ex-presidente foi apreciada em sessão virtual do colegiado que termina às 23h59 desta sexta-feira (26).


Por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu Reclamação (RCL 46378) apresentada pela defesa de Luiz Inácio Lula da Silva e cassou a decisão do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) que mantinha o bloqueio de bens do ex-presidente no âmbito dos processos relacionados à Operação Lava Jato, mesmo após a anulação das condenações pelo STF. Também foi determinado o envio à Justiça Federal do Distrito Federal de todos os processos ou procedimentos acessórios às ações penais envolvendo Lula.

Prevaleceu, no julgamento, a divergência aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski, seguida pelos ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques, no sentido de que a constrição dos bens afronta, de modo direto, o entendimento firmado no Habeas Corpus (HC) 193726, em que foi declarada a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar ações penais contra o ex-presidente e decretada a nulidade de todos os atos decisórios. Para Lewandowski, se foi declarado incompetente para processar e julgar as ações penais, o órgão não poderia mais emitir qualquer juízo de valor no caso, inclusive sobre a manutenção do bloqueio dos ativos de Lula.

O ministro Edson Fachin ficou vencido, ao votar pela manutenção do bloqueio. Segundo ele, não houve descumprimento da ordem concedida no HC 193726, tendo em vista o caráter instrumental das medidas decretadas contra Lula, que poderá ser revista pela autoridade judicial declarada competente (Justiça Federal do Distrito Federal). O bloqueio de bens foi imposto nas ações envolvendo o apartamento tríplex do Guarujá (SP), o sítio de Atibaia (SP), a sede do Instituto Lula e doações ao mesmo instituto.

STJ: Doação de imóvel superior a 30 salários mínimos exige escritura pública

​A doação de imóvel de valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo do país deve ser feita por escritura pública. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) segundo o qual a doação, nessas condições, poderia ser formalizada também por contrato particular.

Os ministros deram parcial provimento ao recurso em que uma empresa buscava afastar a exigência de construção de uma arena cultural em imóvel que lhe foi doado – encargo que constava inicialmente do contrato particular de doação.

Na escritura pública lavrada para aperfeiçoar o negócio, a doação foi descrita como pura e simples – ou seja, livre de condições ou encargos. Na sequência, as partes estabeleceram um aditivo contratual particular, por meio do qual foi retificado o instrumento original para que a doação constasse como pura e simples, afastando-se o encargo. No entanto, a empresa doadora pediu em juízo a revogação da doação, alegando que a donatária não cumpriu a obrigação de construir a arena cultural.

Dúvidas sobre a declaração de vontade da doadora
Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, sob o fundamento de que o instrumento particular não poderia prevalecer sobre a escritura pública.

O TJMS reformou a sentença e revogou a doação, entendendo que a transferência do imóvel poderia ter sido formalizada por contrato particular, conforme o artigo 541 do Código Civil – que permite às partes escolherem a forma a ser utilizada no ato. Para a corte local, esse dispositivo, por ser norma especial, prevaleceria sobre a regra geral do artigo 108 do CC, o qual exige escritura pública para negócios que tenham como objeto imóveis de valor acima de 30 salários mínimos.

Além disso, o TJMS considerou haver dúvida sobre a declaração de vontade da doadora, de maneira que a interpretação deveria ser favorável a ela, a fim de prestigiar a boa-fé e a função social do contrato, principalmente em vista do alto valor atribuído ao imóvel (R$ 2 milhões).

Ausência de conflito de normas
Segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso, a possibilidade de o doador e o donatário escolherem como formalizar a doação deve ser interpretada de acordo com as diretrizes da parte geral do Código Civil, as quais preveem que a declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei o exigir (artigo 107), e que o negócio poderá ser celebrado mediante instrumento público por interesse das partes, no silêncio da lei (artigo 109).

Dessa maneira, para o magistrado, em uma interpretação sistemática dos artigos 107, 108, 109 e 541 do Código Civil, doações como a discutida no recurso (de imóveis de mais de 30 salários mínimos) devem ser efetivadas mediante escritura pública.

Segundo o relator, diferentemente do que entendeu o TJMS, não há como aplicar o princípio da especialidade, pois este pressupõe um aparente conflito de normas – o qual não existe no caso, pois ambas as regras coexistem harmonicamente, impondo-se apenas uma adequada interpretação sobre elas.

Efetiva vontade das partes e princípio da boa-fé objetiva
O magistrado observou que, no caso dos autos, a real intenção das partes era a celebração de uma doação sem ônus à donatária, pois “assim constou da escritura pública e foi confirmado, posteriormente, pelo aditivo ao instrumento particular”.

Em interpretação restritiva das cláusulas contratuais (artigo 114 do CC), Bellizze concluiu que a doação foi pura e simples, o que justifica o restabelecimento da sentença que julgou improcedente o pedido de revogação por inexecução de encargo – “sobretudo diante do teor do instrumento público (forma indispensável para a concretização do contrato), que não apenas é silente a respeito da imposição de encargo como prevê explicitamente o caráter puro e simples da doação”.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.938.997 – MS (2020/0254297-7)

TJ/GO condena concessionária de rodovia por acidente provocado pela má sinalização

A concessionária MGO Rodovias deverá pagar, por dano material, a quantia de R$ 44 mil a um homem que sofreu acidente de trânsito ao passar por um buraco na via, em decorrência de má sinalização da pista. A decisão é do juiz Antônio Afonso Júnior, do 2º Juizado Especial Cível e Criminal da comarca de Catalão. Determinou ainda que a empresa cumpra a sentença, no prazo de 15 dias úteis, contados do trânsito em julgado, sob pena de multa de 10% do valor da indenização.

Em contestação, a concessionária alegou que o ocorrido se deu em razão de o motorista não ter se atentado à sinalização. Diante disso, requereu a improcedência dos pedidos. Na decisão, o magistrado disse que o autor comprovou a consistência do fato ao demonstrar fotografias e orçamentos referentes aos danos. Entendeu ainda que a concessionária deve responder por má prestação de serviço, pois, ainda que seja seu ônus, não demonstrou nos autos que cuidou de sinalizar corretamente a obra da pista e, diante da falta de sinalização, houve a colisão do caminhão em buraco na via.

O juiz ressaltou que, ao analisar as fotos anexadas ao processo, os cones que haviam ali não estavam com a sinalização de desvio ou interdição da via, sendo determinante para que o motorista se direcionasse no sentido do buraco. “Ainda, das fotografias anexadas pela própria requerida, verifica-se, dos horários, que a “rede” de proteção e indicação do buraco na via foram inseridos após o acidente ora narrado”, explicou o magistrado.

Para o juiz, a culpa pelo evento danoso não pode ser imputada somente ao motorista do caminhão, já que a requerida concorreu, decisivamente, para o resultado. “Assim, a concessionária tem o dever de sinalizar de forma ostensiva, extensiva e adequada à existência de eventuais obstáculos na pista, a fim de permitir a circulação segura dos veículos à sua volta”, finalizou.

Veja a decisão.
Processo n° 5188458-65.2021.8.09.0029

TJ/ES: Motorista que teve CPF utilizado por outra pessoa deve ser indenizado por aplicativo

Segundo sentença proferida pela juíza da 4ª Vara Cível de Serra, o motorista deve receber R$ 3 mil a título de danos morais pela empresa responsável pela plataforma tecnológica.


Um homem que, ao tentar se cadastrar como motorista de aplicativo, descobriu que seu Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) já havia sido utilizado por outra pessoa, deve ser indenizado em R$ 3 mil a título de danos morais pela empresa responsável pela plataforma tecnológica, de acordo com sentença proferida pela magistrada da 4ª Vara Cível de Serra.

O requerente contou que tentou se cadastrar, mas, como não houve liberação da empresa, compareceu ao escritório, quando foi informado que o seu CPF já estava cadastrado, tendo, inclusive, sido excluído do aplicativo em razão de má reputação. O autor da ação também disse que registrou um boletim de ocorrência, conforme orientado pela requerida, e pediu à plataforma investigação do uso indevido de seus dados e abertura de um novo cadastro.

Em sua defesa, a requerida informou que realizou a exclusão do suposto cadastro do perfil realizado por terceiro e que o autor já havia iniciado um novo cadastro com seus dados, motivo pelo qual a juíza entendeu que houve perda do interesse processual quanto ao pedido de exclusão do cadastro irregular existente.

Já quanto à indenização por danos morais, a magistrada julgou procedente o pedido, ao levar em consideração que o documento do autor foi utilizado indevidamente, fato que repercutiu em sua esfera íntima.

“Atualmente são inúmeros as fraudes perpetradas com a utilização de documentos, não podendo ser imputado ao titular da documentação as consequências advindas da utilização irregular, considerando a facilidade na obtenção de dados pessoais através de diversos mecanismos tecnológicos. Contudo, deve existir por parte dos contratados, especialmente aqueles que lidam com um número considerável de pessoas, todos os cuidados para não utilizar indevidamente os dados de terceiros, através de contratos fraudulentos”, concluiu a juíza na sentença.

Processo nº 0011336-91.2019.8.08.0048

STJ: Multa não impede extinção da punibilidade para condenado que não pode pagar

“Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.”

Essa foi a tese fixada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos, ao revisar o entendimento firmado anteriormente pelo colegiado no Tema 931. Os ministros estabeleceram um tratamento diferente para o caso de não pagamento da multa pelos condenados hipossuficientes ou insolventes.

Para o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a extinção da punibilidade tem especial importância na situação do ex-presidiário, pois lhe permite exercer direitos e evita sua “invisibilidade civil”.

O magistrado ressaltou que esse novo entendimento significa para o condenado sem condições financeiras “a reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado”, permitindo-lhe reconstruir sua vida “sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo”. A interdição de direitos decorrente da não extinção da punibilidade, segundo Schietti, leva esses condenados a um “estágio de desmedida invisibilidade”, comparável “à própria inexistência de registro civil”.

Posição do STF levou à reforma da tese no STJ
Em um dos recursos submetidos a julgamento, a Defensoria Pública de São Paulo argumentou que a não extinção da punibilidade por causa da multa impede o acesso a programas assistenciais, essenciais para a reinclusão social e o exercício da cidadania.

Ao dar provimento ao recurso, o ministro Schietti explicou que, em 2015, na votação do Tema 931 dos repetitivos, a Terceira Seção definiu que, no caso de condenação a pena privativa de liberdade e a multa, havendo o cumprimento da primeira, o não pagamento da segunda não impediria o reconhecimento da extinção da punibilidade (REsp 1.519.777).

Em 2019, porém, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.150, firmou o entendimento de que a alteração do artigo 51 do Código Penal não retirou o caráter criminal da pena de multa, de modo que o seu inadimplemento impediria a extinção da punibilidade – compreensão posteriormente sintetizada pela Lei 13.964/2019.

Em decorrência da posição do STF e da alteração do Código Penal, em setembro de 2021, o STJ reformou a tese do Tema 931 para considerar que o não pagamento da multa deveria obstar a extinção da punibilidade.

Entendimento voltado para os crimes de colarinho-branco
No entanto, Schietti observou que o STF, naquele julgamento, ressaltou o papel de prevenção e retribuição da pena de multa nos crimes de natureza econômica; e, ainda em 2015, ao julgar um recurso em execução penal, a Suprema Corte havia estabelecido que, nos crimes contra a administração pública e nos “crimes de colarinho-branco” em geral, a pena de multa deveria ser executada com mais rigor, impedindo, se não cumprida, a progressão de regime – a menos que fosse comprovada “a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo”, mesmo em parcelas.

De acordo com o relator, as decisões do STF que consideram o pagamento da multa indispensável para a progressão penal ou para a extinção da punibilidade se dirigem aos condenados que têm condições econômicas para tanto, “de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade”.

O ministro mencionou ainda que a Recomendação 425/2021 do Conselho Nacional de Justiça aponta a necessidade de se considerar a extinção da punibilidade da pessoa egressa em situação de rua que, por hipossuficiência econômica, cumpriu somente a pena privativa de liberdade.

Sobrepunição da pobreza e indigência dos apenados hipossuficientes
Schietti destacou dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) segundo os quais, em dezembro de 2020, 40,91% dos presos no país estavam cumprindo pena por crimes contra o patrimônio; 29,9%, por tráfico de drogas, e 15,13%, por crimes contra a pessoa – todos crimes que cominam pena privativa de liberdade concomitantemente com pena de multa.

Para ele, o quadro atual tem produzido a sobrepunição da pobreza, visto que o egresso miserável e sem condições de trabalho durante o cumprimento da pena, alijado dos direitos do artigo 25 da Lei de Execução Penal, não tem como conseguir os recursos para o pagamento da multa, e ingressa em círculo vicioso de desespero. A retomada dos direitos e a reinserção social desses indivíduos invisibilizados – acrescentou – não devem ser condicionadas ao prévio pagamento da multa, se comprovada a situação de hipossuficiência.

“O condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal de proteção da família”, observou.

O magistrado destacou que manter os condenados pobres com o mesmo tratamento dado aos ricos, quanto à exigência de cumprimento das penas traduzidas em valores, somente serviria para exacerbar “a assimetria socioeconômica tão intrínseca à própria desigualitária formação da sociedade brasileira, potencializada pelo sistema de Justiça criminal”.

Veja o voto do relator no REsp 1.785.861.
Processos: REsp 1785861; REsp 1785383

TRF1: OAB não pode se recusar a emitir a segunda via da carteira profissional de advogado inadimplente com as anuidades

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não pode se recusar a emitir a segunda via da carteira profissional de um advogado, mesmo que ele esteja inadimplente com as anuidades da instituição.

A OAB/MG entrou com apelação contra a sentença que determinou a expedição da segunda via da carteira profissional. No recurso, afirmou que o advogado respondeu a processo disciplinar e ficou suspenso durante vários anos, mas nem mesmo a suspensão fez com que ele quitasse a dívida. Defendeu, ainda, que é requisito para o exercício da advocacia estar em condições regulares perante a OAB.

Ao julgar o caso, a relatora, desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, informou que o artigo 5º da Constituição Federal, diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Segundo a magistrada, apesar da inadimplência ser considerada uma infração pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994), o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário 647.885/RS, que é inconstitucional a suspensão do exercício da profissão por conta da inadimplência de anuidades, “pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária, afrontando os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal”.

Desta forma, a magistrada destacou em seu voto que deve ser mantida a sentença, pois “não pode o advogado ser tolhido de desempenhar as suas atividades laborais, pela inadimplência de anuidades, havendo outros meios razoáveis e proporcionais, para a cobrança do débito”

A 7ª Turma do TRF1, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do relator.

Processo n° 1005727-71.2018.4.01.3800

TJ/DFT: Cirurgias reparadoras em transexuais devem obedecer ordem de prioridade do SUS

Os juízes da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF decidiram, por unanimidade, que o Distrito Federal deve encaminhar paciente transexual para realização de cirurgia mamária, conforme determinação da Portaria 2803/13, do Ministério da Saúde. Os magistrados destacaram, no entanto, que devem ser respeitas as prioridades de atendimento no Sistema Único de Saúde – SUS, uma vez que o procedimento não é considerado de urgência.

De acordo com os autos, a autora realizou acompanhamento médico regular no Ambulatório de Assistência Especializada a Pessoas Travestis e Transexuais (Ambulatório Trans) da Secretaria de Saúde do DF desde 2017. A equipe médica recomendou, em 2019, a realização da cirurgia de mamoplastia masculinizadora, a fim de diminuir suas vulnerabilidades e aflorar suas potencialidades humanas.

Contudo, ao analisar o caso, o magistrado observou que relatório médico emitido pelos especialistas não menciona qualquer caráter de urgência na realização do procedimento cirúrgico. Além disso, a existência do referido documento por si só não demonstra pedido ou a abertura de procedimento administrativo neste sentido, que deveria ser feita pela parte interessada.

O julgador destacou a importância do papel do Estado, no sentido de resguardar a dignidade das pessoas transexuais, apoiando e instituindo políticas públicas e mecanismos que garantam que seus objetivos sejam atingidos. Porém, embora a autora tenha direito à cirurgia solicitada, o colegiado ressaltou que interesses particulares não podem se sobrepor ao interesse público. “Assim, inexistindo a comprovação da mora administrativa ou fatores emergenciais para a realização imediata do procedimento cirúrgico, incabível permitir que ocorra a preterição entre pessoas que já aguardam algum tipo de procedimento cirúrgico em listas de espera do Sistema Único de Saúde”, concluiu o relator.

Dessa maneira, a Turma determinou que o DF promova as medidas dispostas na portaria 2803/13, do Ministério da Saúde, respeitadas as prioridades de atendimento.

Processo n° 0706587-73.2020.8.07.0018

TJ/SP: Advogado e escritório devem indenizar e restituir valores por desídia na prestação de serviços

Aplicação da teoria da “perda de uma chance”.


A 45ª Vara Cível da Capital condenou advogado e escritório pela cobrança de valores apropriados indevidamente de cliente, provenientes de depósitos recursais em reclamações trabalhistas feitos pelos autores da ação. Além da reparação solidária por danos morais, fixada em R$ 12 mil, os réus foram condenados a restituir o montante de R$ 85,6 mil, atualizados e corrigidos desde as datas de desembolsos, referentes a depósitos recursais cobrados pelo advogado.

De acordo com os autos, os sócios contrataram o escritório de advocacia para a defesa da empresa em diversas reclamações trabalhistas, mas por desídia do contratado – que deixou de passar informações importantes sobre o andamento dos processos –, os sócios sofreram bloqueios de contas, perda de chance e danos morais.

O juiz Guilherme Ferreira da Cruz considerou que os requeridos agiram com “intenso dolo de enganar” ao não realizar os depósitos recursais, sendo devida a restituição. Além disso, foi verificada “inexecução obrigacional que ultrapassa o limite do aceitável – retenção indevida de valores e desídia no exercício da advocacia”, resultando no dever de indenizar por danos morais.

O magistrado também aplicou ao caso a teoria da “perda de uma chance”, que analisa as reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas diante da negligência do advogado. Segundo ele, a teoria “visa a reparar o dano material ou moral – ou mesmo os dois juntos – decorrente da lesão de uma legítima expectativa, não mera esperança subjetiva ou remota expectativa aleatória, que não se concretizou porque determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos e impediu a realização do resultado final esperado”.

“A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos, a ultrapassar a expectativa abstrata do improvável. Real é a chance que, em verificação antecedente, liga-se a um juízo objetivo de probabilidade, quase um indício de certeza, não mera hipótese”, completou o magistrado. Cabe recurso da decisão.

Processo nº 10055408-18.2021.8.26.0100

STF: ICMS maior sobre serviços de telecomunicações e energia é inconstitucional

A decisão foi tomada no julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral.


O Supremo Tribunal Federal decidiu que a cobrança de alíquota do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) superior a 17% sobre as operações de fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação é inconstitucional. A decisão, majoritária, foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 714139, com repercussão geral, que teve julgamento encerrado na sessão virtual finalizada em 22/11.

Produtos supérfluos

O RE foi interposto pelas Lojas Americanas S.A. contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) que confirmou a constitucionalidade de dispositivo da Lei estadual 10.297/1996 (artigo 19, inciso I, alínea “a”), que enquadrou energia elétrica e telecomunicações entre os produtos supérfluos, prevendo a alíquota de 25% para o ICMS. Segundo a empresa, a lei ofende os princípios da isonomia tributária e da seletividade do imposto estadual, pois prevê alíquotas maiores para serviços essenciais.

Serviços essenciais

O caso começou a ser julgado em junho deste ano, mas foi suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e retomado na última sessão virtual. Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio (aposentado), observou que a Constituição Federal admite a fixação de alíquotas diferenciadas de ICMS para as diferentes mercadorias e serviços (artigo 155, inciso III). Contudo, adotada essa técnica, chamada de seletividade, o critério dever ser o da essencialidade dos bens e serviços.

No caso em análise, o ministro considerou inequívoco que energia elétrica e telecomunicação estão entre os bens e serviços de primeira necessidade e, por isso, devem ter carga tributária fixada em patamares menores que os produtos supérfluos. Segundo o relator, o acréscimo na tributação de itens essenciais não gera realocação dos recursos, porque se trata de itens insubstituíveis. Ele lembrou, por exemplo, que a pandemia da covid-19 demonstrou a essencialidade de serviços como a internet e a telefonia móvel, que viabilizaram a prestação de outras atividades essenciais, como saúde, educação e a prestação jurisdicional.

Seletividade

Na avaliação do relator, o desvirtuamento da técnica da seletividade, considerada a maior onerosidade sobre bens de primeira necessidade, não se compatibiliza com os fundamentos e objetivos contidos no texto constitucional, seja sob o ângulo da dignidade da pessoa humana, seja sob a óptica do desenvolvimento nacional.

O relator foi acompanhado pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e pelos ministros Nunes Marques, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.

Divergência

Para o ministro Alexandre de Moraes, é possível aplicar alíquotas diferenciadas em razão da capacidade contributiva do consumidor, do volume de energia consumido ou da destinação do bem. Em relação aos serviços de telecomunicações, o ministro considera que a estipulação de alíquota majorada, sem adequada justificativa, ofende o princípio da seletividade do ICMS. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Tese

A tese de repercussão geral fixada, que servirá de parâmetro para a resolução de processos semelhantes, foi a seguinte: “Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”.

O ministro Dias Toffoli, apresentou proposta de modulação dos efeitos da decisão, que será posteriormente examinada pelo Plenário.

STJ: Indenização por violação de obrigação contratual exige prova de prejuízo e nexo causal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que condenou, por suposta violação de direitos autorais, uma companhia de seguros que distribuiu a 30 mil corretores cópias de um software adquirido de uma empresa de informática.

Para a Terceira Turma, não houve violação de obrigação principal do contrato, o qual permitia a distribuição das cópias a terceiros. Além disso, a turma considerou que, embora a seguradora tenha descumprido determinação contratual de informar à fornecedora do software quantas cópias haviam sido distribuídas, a ofensa a essa obrigação acessória não trouxe prejuízos que justificassem a indenização.

Segundo alegado pela empresa fornecedora, o programa de computador estaria licenciado apenas para uso da companhia de seguros, mas ela teria presenteado milhares de corretores com cópias do software, descumprindo, dessa forma, o contrato de licença de uso, além de ter violado seu domínio autoral, conforme o artigo 29, I, da Lei 9.610/1998.

A empresa acrescentou que, mesmo após a seguradora manifestar desinteresse na renovação do contrato, o programa continuou a ser instalado em computadores e a receber grande número de acessos diários, além de continuar havendo solicitações de suporte técnico.

Por sua vez, a companhia de seguros afirmou que foram firmados dois contratos com a fornecedora do software e que, no primeiro deles, havia cláusula expressa com previsão de uso ilimitado e de livre reprodução e distribuição do produto. Asseverou, ainda, ter sido pactuado por e-mail um valor para que o produto pudesse continuar sendo distribuído após o término da licença contratada.

Na primeira instância, o juízo entendeu que a seguradora agiu nos limites do contrato, julgando a ação improcedente. A sentença, contudo, foi reformada pelo TJRJ, que fixou indenização equivalente ao valor do contrato multiplicado pelo número de cópias distribuídas.

Proteção jurídica do software e normas aplicáveis aos contratos de informática
A relatora do recurso da seguradora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, como apurou o juízo de primeiro grau, a seguradora estava autorizada a distribuir cópias do programa não apenas para uso nas suas próprias unidades, como também para uso de terceiros, e constava expressamente do primeiro contrato o dever de comunicar à proprietária do software o número total de cópias utilizadas.

Para a magistrada, o fato de o segundo contrato ter omitido a obrigação de informar o número de cópias em uso indica que as partes não teriam mais a intenção de manter esse ponto do acordo – pois, quando o quiseram, inseriram a previsão de forma expressa no instrumento.

“É incontroverso que a recorrente (contratante) deixou de informar à recorrida (contratada) o número de cópias distribuídas e os usuários aos quais elas se destinaram. Esse descumprimento, todavia, apenas se verificou durante a vigência do primeiro contrato, findando quando da entrada em vigor da segunda avença, já que nesta houve supressão da cláusula que previa a referida obrigação”, disse a relatora.

Dever de indenizar exige comprovação de prejuízo
Nancy Andrighi assinalou que o dever de indenizar pode decorrer do descumprimento de obrigação principal ou acessória, mas, em ambos os casos, é preciso prova de prejuízo a uma das partes e da relação causal entre o descumprimento e o dano.

No processo, segundo a magistrada, o que se verifica é o descumprimento de uma obrigação acessória pela contratante, já que a obrigação principal era a remuneração pela licença de uso do software e pela prestação do serviço de assistência técnica. Porém, a ministra observou que tal inadimplemento não ocasionou prejuízo à contratada, já que a contraprestação estipulada para a licença de uso e o suporte técnico era fixa, independentemente da quantidade de cópias distribuídas.

Ao restabelecer a sentença, a relatora apontou que, se a seguradora tivesse cumprido a obrigação de informar o número de cópias durante a vigência do primeiro contrato, tal circunstância não alteraria o valor a ser pago por ela e não resultaria em lucro nem prejuízo para a outra empresa. “Ante a inexistência de dano, não há que se falar em obrigação de reparação”, concluiu.

Veja o acórdão.
Processo n° 1911383 – RJ (2020/0331613-6)


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