TJ/SP: Exigência de formação universitária específica para intérpretes de Libras na celebração de casamento civil é indevida

Legislação não restringe exercício da atividade.


A Corregedoria Geral da Justiça julgou indevida a exigência de formação universitária específica para intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) atuante na celebração de casamento civil de pessoa com deficiência auditiva. A decisão foi proferida no âmbito de processo que apurou a reclamação, julgado improcedente pela Corregedoria Permanente. Em reanálise, a CGJ manteve a improcedência, mas por outro fundamento, já que não houve infração disciplinar, dolo ou má-fé, pois a exigência foi baseada em interpretação equivocada da legislação, sendo afastada a falha funcional do Oficial de Registro Civil.

Na decisão, a juíza assessora da CGJ Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad destacou que a Lei nº 12.319/10, que regulamenta a profissão de intérprete, não restringe o exercício da atividade apenas àqueles que tenham formação em nível superior. “Diante da legislação em vigor, fácil concluir que o Registro Civil das Pessoas Naturais pode solicitar a presença de intérprete em Libras para garantir a completa compreensão do ato pela pessoa com deficiência auditiva e a manifestação de sua vontade. Porém, não deve exigir que o profissional tenha formação universitária específica. Note-se que a exigência em questão impõe condição diferenciada e injustificada, podendo configurar discriminação em razão de deficiência”, escreveu a magistrada, explicando que intérpretes também podem ter formação em nível médio, por meio de cursos de educação técnica profissional.

Processo nº 2025/00084536/SP

TJ/MG: Homem é condenado a indenizar por agressão em pizzaria

Vítima foi agredida sob o argumento de que teria flertado com mulher do agressor.


O 2º Núcleo de Justiça 4.0 – Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve sentença da 2ª Vara Cível e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Guaxupé que condenou um homem a pagar R$ 30 mil em indenização por danos morais por agressão a outro em uma pizzaria.

O processo mostra que, em fevereiro de 2021, o comerciante estava em uma pizzaria quando teria reparado que outro homem olhava para sua mulher. Ele se levantou para tirar satisfações e agrediu o homem com um soco no olho. Ele alegou ter agido em “legítima defesa”, pois sua mulher estaria se sentindo “desconfortável e possivelmente ameaçada”.

O agredido acionou a Justiça pleiteando danos morais. Ele negou ter importunado a mulher e alegou ter sofrido violência sem motivo por um desconhecido.

Afastada tese de legítima defesa

Em 1ª Instância, o juízo se baseou em documentos e provas testemunhais para afastar a tese de legítima defesa e fixou o valor da indenização.

As partes recorreram. O relator do caso, desembargador Wauner Batista Ferreira Machado, manteve a sentença. Ele entendeu que o agressor “de forma desproporcional, agrediu violentamente o primeiro apelante, conforme se observa pelas fotografias, causando-lhe ferimentos graves, em uma reação desproporcional”.

Em relação ao valor da indenização, o magistrado entendeu que não cabe a tese da culpa concorrente, pois a aproximação ou contato visual com a esposa do réu não configura ameaça iminente, tampouco agressão que justificasse reação violenta.

Danos materiais negados

O relator também negou o pedido da vítima para recebimento de danos materiais por conta de gastos com advogado. Isso porque gastos “despendidos pela parte ao seu advogado não constituem dano material passível de reparação, já que inexiste ato ilícito a fundamentar tal responsablização”. Ele elencou decisões do TJMG nesse sentido e pontou que honorários “decorrem de livre pactuação entre o litigante e o respectivo procurador, sem que a parte adversa dela tenha participado, de modo que não pode ser compelida a arcar com a referida verba”.

Os desembargadores Newton Teixeira de Carvalho e Roberto Soares de Vasconcelos Paes votaram de acordo com o relator.

TJ/RN: Justiça determina que companhia aérea mantenha viagem de passageiros a Paris neste ano

O Poder Judiciário potiguar determinou que uma companhia aérea mantenha integralmente uma reserva de viagem correspondente aos voos de ida e volta (Fortaleza – Paris – Fortaleza), em classe executiva, nas datas de 4 e 16 de novembro deste ano, ou realize, às suas expensas, a realocação do autor e de seu acompanhante em voos de companhia aérea similar. A decisão é da juíza Rachel Furtado, da Vara Única da Comarca de Portalegre.

De acordo com os autos, o cliente comprou para ele e seu companheiro, duas passagens junto à empresa, com destino a Paris, com voos programados para o dia 4 de novembro (ida) e de 16 de novembro deste ano de 2025 (volta). Entretanto, no mês de junho, tomou conhecimento, pelas redes sociais, da suspensão dos voos regulares entre Campinas e Paris.

Ele afirmou que entrou em contato com a companhia aérea e abriu um chamado, a fim de entender e regularizar a situação, quando foi informado que as duas únicas opções seriam: antecipação da viagem para o mês de outubro ou ressarcimento integral do valor pago. Entretanto, a antecipação se mostrou impossível pois o cliente já havia planejado o restante de sua viagem, tendo comprado passagens de trem para Bruxelas e Amsterdã, assim como reservado os hotéis nessas cidades.

O autor ainda procurou a empresa, tendo sido aberto protocolo, mas a resposta foi a mesma quanto a antecipação ou ressarcimento da quantia. Alegou, ainda, que tal situação lhe traria prejuízo econômico incomensurável, ao perder também as passagens de três hotéis reservados, além da impossibilidade de comprar uma nova passagem para o período original no mesmo preço e condições.

Ao analisar os autos, a magistrada embasou-se no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6°, que assegura ao consumidor a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais, bem como o acesso à facilitação da defesa dos seus direitos. Além disso, a juíza citou o art. 14, que dispõe sobre a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, respondendo independentemente de culpa pelos danos causados ao consumidor por falha na prestação do serviço.

“A alteração unilateral e posterior cancelamento da rota, sem aviso prévio eficaz ou oferecimento de alternativa adequada ao consumidor, configura manifesta falha na prestação do serviço. Constato a presença do perigo de dano, pois a não concessão da medida liminar ou sua postergação gera inegável prejuízo à organização da viagem internacional do autor e de seu acompanhante, já com passagens ferroviárias e reservas de hotel contratadas, as quais poderão ser perdidas, bem como pela impossibilidade de aquisição de novas passagens aéreas nas mesmas condições e valores anteriormente pagos, diante da proximidade da data da viagem”, assinalou.

A magistrada destacou, além disso, não se tratar de mero aborrecimento, mas de prejuízo concreto ao planejamento financeiro e pessoal do consumidor, situação que exige pronta atuação do Judiciário. “Sendo assim, defiro a tutela de urgência liminarmente requerida, determinando que a parte ré mantenha integralmente a reserva”, concluiu.

TJ/DFT afasta responsabilidade de empresa de pagamentos por aposta feita em site não autorizado

A 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal confirmou, por unanimidade, decisão que negou pedido de indenização apresentado por homem que havia realizado aposta em plataforma não autorizada. O autor pretendia responsabilizar a empresa de pagamentos “SecurePayments”, uma vez que não obteve resposta da plataforma de apostas aos seus contatos.

Segundo o autor, em fevereiro de 2025, depositou, na conta da empresa “SecurePayments”, o valor de R$ 3 mil, a fim de participar de jogos virtuais na plataforma ZZ77.com. Após algumas rodadas, o homem teria sido contemplado com prêmio de R$ 56 mil. Porém, ao tentar realizar o saque da quantia, a plataforma teria bloqueado seu usuário e impedido o autor de acessar a conta para a retirada do prêmio.

Na 1ª instância, a justiça não acolheu o pedido do autor, que recorreu da decisão. Ao julgar o recurso, a Turma explica que a ré “SecuryPayments” exerce a função de facilitadora do pagamento entre o apostador e a casa de aposta, de modo que sua participação termina depois que é viabilizada a participação na plataforma e feita a formalização do pagamento.

Além disso, o colegiado explica que a intermediadora de pagamento não pode ser responsabilizada por eventuais prejuízos causados por ambiente virtual de apostas de origem duvidosa. Portanto, “[…]afasta-se a sua responsabilidade civil, nos termos do art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, sendo caracterizada, no caso, culpa exclusiva da vítima ao aderir, de forma voluntária, a serviço não identificado formalmente e não autorizado pelos órgãos competentes”, concluiu a juíza relatora.

Processo: 0719902-04.2025.8.07.0016

TJ/SP: Madrasta pagará aluguel a enteados para morar em imóvel da família

Afastado direito real de habitação.


A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 4ª Vara Cível do Foro Regional de Nossa Senhora do Ó que determinou que madrasta pague aluguel a enteados para residir em imóvel da família, nos termos da sentença proferida pelo juiz Murillo D’avila Vianna Cotrim. A quantia será de 75% do valor a ser apurado no cumprimento de sentença.

Segundo os autos, a requerida manteve união estável com o pai dos três autores e residiu no apartamento da família até a morte do companheiro. O imóvel não pertencia exclusivamente ao falecido: havia sido partilhado com os filhos dele após o óbito da esposa (mãe dos requerentes), antes do início da união estável com a apelante, fazendo com que os autores se tornassem co-proprietários de 50% do imóvel.

Em seu voto, o relator do recurso, Ronnie Herbert Barros Soares, destacou que, neste caso, não há incidência do direito real de habitação, uma vez que o falecido não detinha a propriedade exclusiva do imóvel durante a união estável com a segunda companheira.

“Além da preexistente copropriedade (o direito da parte requerente sobre fração ideal do imóvel não foi adquirido em decorrência do falecimento do pai), os autores, que são filhos do primeiro casamento do de cujus, não guardam nenhum tipo de solidariedade familiar em relação à companheira supérstite (a requerida), não havendo falar em qualquer vínculo de parentalidade ou até mesmo de afinidade. Ou seja, o direito da parte requerente lhe foi assegurado há muito por meio da sucessão de sua genitora”, escreveu o magistrado.

Participaram do julgamento, de votação unânime, os desembargadores Silvério da Silva e Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho.

Apelação nº 1012159-10.2014.8.26.0020

TJ/RN: Consumidora que adquiriu veículo com defeito será indenizada em danos morais e materiais

A 2ª Câmara Cível do TJRN decidiu, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração e manter a sentença inicial que condenou uma concessionária pela venda de um carro novo que apresentou defeitos poucos dias após a compra. De acordo com o narrado, a cliente adquiriu um veículo novo com a concessionária, pagando à vista o valor de R$ 66 mil. Com pouco tempo de uso, o carro passou a apresentar sucessivos defeitos, sendo submetido à troca de peças e análise na concessionária por pelo menos oito vezes.

Segundo a mulher, após o primeiro problema, ela compareceu à concessionária e foi informada de que o carro possuía problemas decorrentes de “sobre-giro”, danos que não eram cobertos pela garantia, precisando desembolsar o valor de R$ 8.500,00. Após passar mais de mês no conserto, o veículo apresentou novos defeitos 24 horas após ser entregue. Dessa forma, entre a data da compra do veículo até o fim do segundo conserto, o carro só foi utilizado por 45 dias. Nos meses seguintes, os problemas continuaram, totalizando oito idas à concessionária.

Por tais razões, a consumidora buscou na Justiça a restituição do valor integralmente pago pelo veículo ou a substituição do veículo por um novo, do mesmo modelo e características do que foi comprado, além da indenização por danos morais e materiais. Na sentença inicialmente proferida, a concessionária foi condenada a realizar o pagamento de R$ 8.500,00 a título de dano material e R$ 7.000,00 por danos morais, além de restituir o valor pago pelo automóvel.

Em segunda instância, a empresa alegou a ausência de comprovação do defeito no veículo e de falha na prestação dos serviços, além da necessidade de redução dos valores indenizatórios. O pedido não foi acolhido, e o acórdão contou com a explicação de que o produto em questão padecia de vício, não sendo comprovado o uso inadequado por parte da consumidora.

Após o acórdão, a concessionária entrou com recurso de embargos de declaração, alegando que o julgado incorreu em vícios previstos no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que tratam sobre omissão, contradição, obscuridade ou erro material.
No voto, a relatora, desembargadora Lourdes Azevêdo, observa que os vícios apontados se baseiam em trechos específicos do laudo pericial que foram analisados no julgamento, destacando que não houve comprovação de mau uso do veículo e que o defeito técnico persistiu mesmo após tentativas de reparo. Além disso, ela descreve que “o acórdão explicitou a aplicação do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor com base na constatação da não solução do defeito no prazo de 30 dias e na escolha da consumidora pela restituição do valor pago”.

“Portanto, diante da inexistência de qualquer vício maculando o acórdão impugnado e da clara tentativa da parte de rediscutir a causa, ante o inconformismo com os termos do julgado, forçoso é concluir pelo desprovimento do recurso, vez que só poderiam ser acolhidos acaso existisse um dos requisitos do artigo 1022 do CPC que autorizam o seu manejo”, finalizou a relatora.

TJ/DFT: Supermercado deve indenizar consumidor que teve sacolas revistadas

O Atacadão Dia a Dia foi condenado a indenizar consumidor que teve as sacolas revistadas, em duas ocasiões, após o pagamento da compra. A juíza do 4º Juizado Especial Cível de Brasília concluiu que a situação representou exposição desnecessária e constrangedora.

Narra o autor que foi submetido a duas abordagens públicas por funcionária do supermercado durante o pagamento das compras. Relata que as sacolas e caixa de papelão foram revistadas. Em seguida, a funcionária teria aberto uma sacola embalada para verificar a quantidade de queijo. De acordo com o autor, a situação ocorreu diante de outros clientes e funcionários, o que teria causado constrangimento. Pede para ser indenizado.

Em sua defesa, o supermercado afirma que agiu no exercício regular de direito e que não houve exposição vexatória. Alega que não houve ato ilícito. Ao julgar, a magistrada observou que as provas do processo mostram que tanto as sacolas retornáveis quanto a caixa de papelão foram revistadas “duas vezes pela operadora de caixa”, mesmo após o autor afirmar que não havia mercadorias não registradas. A situação, de acordo com a magistrada, “denota desconfiança gratuita e desproporcional” e caracteriza falha na prestação do serviço.

“O ato ocorreu em ambiente público, na frente de outros clientes e funcionários, situação que, pela forma como se deu, representa exposição desnecessária e constrangedora, ofendendo a honra e a dignidade do consumidor”, disse. A magistrada destacou, ainda, que a conduta da funcionária revelou abuso de direito por parte da ré e extrapolou os limites do exercício regular de proteção patrimonial.

“O ato de revistar sacolas pessoais ou recontar produtos já pagos (…) somente pode ser aceitável quando motivado por fundada e concreta suspeita, desde que realizado com discrição e respeito à dignidade do cliente, o que não se verificou no presente caso”, explicou.

Dessa forma, o réu foi condenado a pagar ao autor a quantia de R$ 3 mil a títulos de danos morais.

Cabe recurso da sentença.

Processo: 0722493-36.2025.8.07.0016

TRT/MG: Trabalhador autista é dispensado após sugerir adaptações no trabalho e empresa é condenada por discriminação

Justiça confirma que empresa ignorou recomendações de adaptação e reforça dever de inclusão no ambiente profissional.

Um trabalhador autista que era visto como exemplo de diversidade dentro da empresa em que trabalhava acabou dispensado sem justa causa um mês depois de apresentar um laudo médico com recomendações de inclusão. A Justiça do Trabalho reconheceu a dispensa como discriminatória e condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais. Na 31ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a juíza Haydée Priscila Pinto Coelho de Sant’Ana fixou o valor da indenização em R$ 25 mil, destacando que a dispensa logo após o pedido de ajustes mostrou omissão grave e caracterizou discriminação. Em grau de recurso, os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG mantiveram o entendimento de dispensa discriminatória, mas reduziram o valor para R$ 10 mil, concluindo que essa quantia é mais adequada.

Entenda o caso
Logo que chegou à empresa, um trabalhador autista acreditava estar vivendo um exemplo raro de inclusão no mercado de trabalho. Foi bem avaliado, elogiado pelos colegas e até usado em campanhas internas como símbolo de diversidade. Mas essa história mudou quando ele apresentou um laudo médico recomendando adaptações simples para que pudesse exercer suas funções com mais conforto e igualdade. Um mês depois, foi dispensado sem justa causa.

O relatório médico, elaborado por um psiquiatra, não trazia nada impossível: um espaço de trabalho mais calmo, luz suave em vez de fluorescente, cores neutras nas paredes, fones de ouvido para reduzir ruídos, softwares de produtividade, uma cadeira ergonômica adequada e pequenas flexibilizações na rotina, como pausas regulares em local tranquilo, e a possibilidade de contar com um mentor para ajudá-lo na interação social. Conforme frisou a juíza sentenciante, o documento indicava que eram medidas de baixa complexidade, necessárias para garantir inclusão. Segundo o relatório médico, essas medidas não exigiam grandes reformas ou investimentos e tinham como objetivo tornar o ambiente mais inclusivo, garantindo bem-estar e produtividade.

Em vez de cumprir as recomendações, a empresa providenciou somente medidas isoladas: trocou a cadeira e forneceu um suporte para notebook. Ao mesmo tempo, ofereceu trabalho remoto como alternativa. Entretanto, o trabalhador não havia feito esse pedido e o psiquiatra também não havia recomendado essa alternativa de home office. O próprio empregado tinha falado em depoimentos internos que o convívio com a equipe era fundamental para o desenvolvimento de suas habilidades sociais. O que veio em seguida foi a dispensa, justificada como parte de uma suposta reestruturação organizacional que nunca foi provada. A empresa não apresentou documento que comprovasse esse processo. A magistrada verificou que um pequeno número de pessoas havia sido desligado no setor, principalmente em cargos de liderança, o que não era o caso do trabalhador autista.

Na sentença, a juíza observou a falta de empatia por parte da ex-empregadora. Isso porque o trabalhador buscou esclarecimentos sobre sua dispensa por meio do canal oficial de atendimento da empresa, mas recebeu respostas automáticas, sem explicação concreta.

Uma testemunha do setor de recursos humanos, ouvida pela magistrada, confirmou que o laudo médico chegou à medicina do trabalho, mas nada foi feito. Essa mesma testemunha relatou que a dispensa ocorreu sem sequer passar pelo setor jurídico da empresa.

Nível 1 do espectro autista: Deficiência invisível
No relatório médico, examinado pela juíza de primeiro grau, o psiquiatra explicou que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que pode afetar a interação social, a comunicação e o comportamento. “É fundamental proporcionar um ambiente de trabalho que atenda às necessidades individuais, de forma a aumentar o conforto e a produtividade do funcionário”, pontuou.

Ao examinar o conjunto de provas, a magistrada encontrou um depoimento prestado para campanha interna da empresa sobre inclusão de pessoas com deficiência. Nesse depoimento, o trabalhador autista destacou o papel fundamental da convivência com a equipe para o desenvolvimento de suas habilidades sociais, tendo afirmado: “Desde que entrei para o time, todos já sabiam que tenho autismo e percebo o envolvimento de todos em avançar na forma de interação. Sempre pesquiso temas que podem ser compartilhados com o grupo e sempre conversamos abertamente sobre a prática da inclusão. Além disso, ganho muito no desenvolvimento, já que aqui posso trabalhar minhas habilidades sociais (…)”. Para a juíza, o oferecimento do home office, descolado das necessidades efetivas do trabalhador, transformou-se, nesse contexto, em uma forma sutil de exclusão.

Na sentença, a julgadora mencionou outra fala do trabalhador autista à época da campanha interna da empresa, quando ele relatou: “O ponto é que o nível 1 do espectro autista é muito sutil e é difícil de separar de outros transtornos, podendo ocorrer erro de diagnóstico. Por causa disso, o índice de desemprego em autismo é o maior de todos. As pessoas interpretam o seu comportamento como outra coisa, não como uma deficiência. Eu sempre escuto: ´nossa, você é tão inteligente, não tem cara de autista’, uma fala preconceituosa e que também demonstra como ainda é grande a falta de conhecimento das pessoas, principalmente para lidar com adultos autistas”.

Leis e entendimentos aplicados ao caso
Conforme ressaltou a magistrada, a legislação impõe ao empregador o dever, não apenas de não discriminar, mas também de agir ativamente para assegurar igualdade substancial no ambiente de trabalho. Na sentença, ela citou o artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei nº 12.764/2012, que reconhece expressamente que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, segundo as leis brasileiras e os acordos internacionais aplicáveis às pessoas com deficiência.

A julgadora reforçou que a Constituição, em seu artigo 5º, assegura o direito à igualdade formal e material, e o artigo 7º, inciso XXXI, proíbe qualquer discriminação referente a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência — proibição que deve ser interpretada de forma sistemática, incluindo a fase de manutenção do vínculo de emprego.

Nos fundamentos da decisão, está também o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que prevê, em seu artigo 34, que é assegurado à pessoa com deficiência o direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

A juíza embasou seu entendimento também na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), que estabelece que a recusa injustificada de ajustes razoáveis configura ato discriminatório e que os Estados Partes devem adotar medidas para garantir a plena inclusão da pessoa com deficiência no mundo do trabalho, inclusive mediante a implementação de adaptações razoáveis no ambiente profissional.

Na avaliação da magistrada, a conduta da empresa também se enquadra nos parâmetros da Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a dispensa de trabalhadores portadores de doenças graves que envolvem estigma ou preconceito. “Embora o autismo não seja doença, mas um transtorno do neurodesenvolvimento, é inegável que há estigmas profundos e atuais relacionados à sua manifestação no ambiente de trabalho, especialmente pela ausência de marcadores físicos visíveis e pelo desconhecimento social sobre os desafios enfrentados por adultos autistas, sobretudo os que se enquadram no nível 1 de suporte”, completou. Em sua análise, a julgadora pontuou que a dispensa sem justa causa de um empregado com essa condição é presumidamente discriminatória, cabendo à empresa provar o contrário. Ela acrescentou que a empresa não conseguiu provar que a dispensa não teve relação com a condição do trabalhador, principalmente após a solicitação de adaptações, que foi ignorada.

Condenação da empresa por discriminação
A juíza que primeiro julgou o processo, na 31ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, considerou a conduta da empresa especialmente grave. “A ausência de resposta, de análise ou de providências concretas, seguida da dispensa logo após a entrega do laudo, mostra omissão grave e gera a presunção de discriminação”, afirmou. A julgadora enfatizou que a lei garante às pessoas com deficiência, incluindo pessoas com Transtorno do Espectro Autista, o direito a adaptações razoáveis para garantir igualdade no trabalho. Ressaltou ainda que o dever do empregador não é só evitar discriminação, mas agir para promover a inclusão. Para a magistrada, negar as adaptações sem justificativa foi uma violação direta à dignidade e ao direito de inclusão da pessoa com deficiência. Ela condenou a empresa a pagar R$ 25 mil de indenização por danos morais.

A empresa recorreu para tentar reduzir o valor da indenização ou anular a condenação. Houve recurso também do trabalhador autista, que pretendia o aumento do valor da indenização por danos morais.

Na Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, a desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros manteve o entendimento de que a dispensa foi discriminatória. Ela destacou que o trabalhador ocupava uma vaga destinada a pessoas com deficiência. A magistrada reiterou que o autismo, embora não seja doença, causa estigma e preconceito, devido às dificuldades de relacionamento social. A relatora destacou que a empresa tinha plena ciência da condição do empregado desde a contratação dele e que a perda do emprego só ocorreu após a formalização das recomendações importantes para promover a inclusão.

Ao revisar o valor fixado, o colegiado de segundo grau reduziu a indenização para R$ 10 mil, pontuando que essa quantia é compatível com a gravidade do caso e com a capacidade econômica da empresa, além de estar em linha com decisões semelhantes da Segunda Turma. De acordo com as ponderações dos julgadores, o caso expõe o contraste entre o discurso de inclusão e a prática dentro das empresas. Mostra também como a recusa de adaptações simples pode resultar em exclusão sutil, mas devastadora para quem já enfrenta barreiras invisíveis. Para o trabalhador, que sempre valorizou o contato com a equipe como forma de aprendizado social, a dispensa representou não apenas a perda do emprego, mas a confirmação de que a luta por inclusão ainda está longe de terminar.

21 de setembro: Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência – Inclusão no trabalho ainda é desafio diante da discriminação
O próximo domingo, 21 de setembro, será o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data chama atenção para os direitos de milhões de brasileiros que ainda enfrentam barreiras para conquistar espaço no mercado de trabalho.

A legislação brasileira garante proteção especial. A Constituição assegura igualdade e proíbe qualquer forma de discriminação. A Lei nº 8.213/1991 criou a chamada Lei de Cotas, que obriga empresas com 100 ou mais empregados a reservarem uma porcentagem de vagas para pessoas com deficiência. Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforça o direito de trabalhar em um ambiente inclusivo, com condições iguais e dignas.

Mas, na prática, os obstáculos ainda são grandes. Muitos trabalhadores com deficiência relatam que enfrentam preconceito velado, falta de acessibilidade e ausência de adaptações simples que poderiam fazer toda a diferença. Situações de capacitismo vão desde a recusa em contratar até a dispensa sem justa causa logo após o pedido de adaptações razoáveis. Capacitismo é o nome dado à discriminação contra pessoas com deficiência. É o preconceito que finge ser “cuidado” e vem disfarçado de “proteção”. Ele se manifesta quando alguém presume que uma pessoa com deficiência é menos capaz, menos produtiva ou menos inteligente.

A Justiça do Trabalho tem reiterado que negar adaptações é discriminar. O dever do empregador não se resume a abrir vagas, mas também garantir que o ambiente seja acessível, respeitoso e preparado para acolher cada trabalhador conforme suas necessidades. Não basta abrir portas — é preciso garantir que todos possam entrar, permanecer e crescer.

Neste 21 de setembro, a reflexão é urgente: inclusão não é apenas uma questão de legislação, é também uma forma de valorizar talentos e fortalecer a diversidade no mundo do trabalho. Garantir igualdade real para pessoas com deficiência significa romper com preconceitos e construir ambientes verdadeiramente justos e humanos, livres do capacitismo. Que a comunicação, o diálogo e a empatia sejam a base das relações de trabalho. Que todas as empresas garantam ambientes acessíveis, tanto físicos quanto digitais. A deficiência deve ser vista apenas como mais uma característica da rica diversidade humana.

TJ/DFT: Distrito Federal deve indenizar criança atingida por trave de futebol em quadra esportiva

O Distrito Federal terá que indenizar criança atingida por uma trave de futebol enquanto brincava em uma quadra esportiva. A 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) observou que houve ausência de manutenção do local e que o autor deve ser indenizado pelos danos morais e estéticos.

Narra o autor que brincava com o primo em uma quadra esportiva próxima de casa. Conta que, enquanto jogava bola, a trave superior caiu e o atingiu. Relata que, em razão do acidente, foi levado ao Hospital Regional do Gama, onde foi diagnosticado com trauma craniano e fratura facial. O autor sustenta que sofreu diversas lesões e que houve violação da sua integridade física e moral. Pede para ser indenizado.

Em sua defesa, o Distrito Federal afirma que não há comprovação de que o acidente ocorreu em razão da queda da trave. Acrescenta que a quadra onde ocorreu o acidente passou por diversas manutenções. Defende que não ficou demonstrado que houve culpa.

Decisão da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF observou que as provas do processo demonstraram “a precariedade do estado de conservação do equipamento provocou a lesão sofrida pelo autor”. O magistrado concluiu que ficou comprovada a efetiva ocorrência do dano sofrido e o respectivo nexo de causalidade e condenou o Distrito Federal a indenizar o autor a título de danos morais.

O autor recorreu para que o réu também fosse condenado a indenizá-lo pelos danos estéticos. Alega que as provas que demonstram a existência de cicatriz facial permanente decorrente do acidente.

Na análise do recurso, a Turma observou que o relatório médico apontou que o paciente apresentou “corte de 4cm e exposição óssea em osso frontal”. No caso, segundo o colegiado, “diante da gravidade do referido ferimento e das marcas externas aludidas, deve ser reconhecida a ocorrência do alegado dano estético”.

“A circunstância particular do caso em deslinde, consistente na falha no dever de manutenção adequada da aludida quadra esportiva pública, fato incontroverso, permite a determinação de omissão do Estado em zelar pela saúde e segurança das crianças e adolescentes, o que é a causa da obrigação de indenizar, nos moldes da regra prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal”, disse.

Dessa forma, a Turma deu provimento ao recurso do autor para condenar o Distrito Federal a pagar a quantia de R$ 25 mil a título de danos estéticos. O réu terá, ainda, que pagar o valor de R$ 20 mil pelos danos morais.

A decisão foi unânime.

Processo: 0704595-38.2024.8.07.0018

TRT/RS: Suspenso após licença médica e chamado de “viciado em atestados”, instalador de telefonia deve ser indenizado

Resumo:

  • Instalador era xingado por supervisor em razão dos atestados médicos decorrentes de problemas psicológicos e de tratamento para retirada de um tumor.
  • Trabalhador chegou a ser suspenso após uma crise de pânico ocorrida na empresa e durante a qual não foi socorrido.
  • Julgadores reconheceram o assédio moral e determinaram o pagamento de indenização por danos morais. Valor da indenização foi fixado em R$ 12 mil.
  • Dispositivos citados: artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal; 186, 187 e 927 do Código Civil.

Um instalador de linhas de telecomunicação deve ser indenizado pela empresa na qual trabalhou em razão de assédio moral por parte de um supervisor. Os xingamentos aconteciam sempre que o empregado voltava de licenças para tratamento de saúde.

A decisão do juiz Luiz Henrique Bisso Tatsch, da 1ª Vara do Trabalho de Cachoeirinha/RS, foi confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), no aspecto. No segundo grau, a indenização foi aumentada de R$ 6 mil para R$ 12 mil. Somados outros direitos reconhecidos, como horas extras e intervalos não concedidos, a condenação chega a R$ 38 mil.

De acordo com o processo, o autor da ação se ausentava por problemas psicológicos e também pelo tratamento decorrente da retirada de um tumor. Em uma situação, passou por um ataque de pânico dentro da empresa e não recebeu socorro. Ao retornar da licença, recebeu uma suspensão por parte de outro superior.

A empresa prestadora dos serviços não apresentou defesa e foi declarada revel, sendo considerados verdadeiros os fatos alegados pelo empregado.

Ainda assim, uma testemunha afirmou ter presenciado os xingamentos na presença de outras pessoas. Nessas ocasiões, o trabalhador era chamado de “recordista de atestados” e “viciado em atestados”. Mensagens de Whatsapp também confirmaram o tratamento dispensado ao instalador

Para o juiz Luiz Henrique, houve abuso de direito por parte do empregador, consistindo a ilicitude na violação à honra subjetiva e à dignidade do trabalhador.

“Resta caracterizada flagrante violação à honra e à dignidade do reclamante, enquanto trabalhador e ser humano (artigo 1º, inciso III, da Constituição), configurando-se a existência de dano moral, a ser reparado por meio de indenização correspondente”, destacou o magistrado.

As empresas (prestadora e tomadora dos serviços) recorreram ao TRT-RS na tentativa de afastar a condenação ou de reduzi-la. Elas sustentaram que não houve a comprovação do alegado prejuízo, tratando-se de mero incômodo por parte do instalador. O reconhecimento do dano moral, no entanto, foi mantido.

No entendimento da relatora do acórdão, desembargadora Brígida Charão Barcelos, para o cabimento da indenização por danos morais, com base no artigo 5º da Constituição, basta a comprovação do assédio moral, o que aconteceu no caso.

“A indenização por danos morais, na esfera trabalhista, tem por objetivo reparar uma lesão de ordem psicológica causada por uma das partes integrantes do contrato de trabalho. Para a configuração do dano moral cabe à parte reclamante comprovar o ato alegado como ofensivo à sua honra, imagem ou dignidade, nos termos do artigo 818 da CLT e art. 373, I, do Código de Processo Civil, sendo o dano, via de regra, “in re ipsa”, conclui a magistrada.

Também participaram do julgamento o desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso e o juiz convocado Frederico Russomano. Cabe recurso da decisão.


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