STJ relativiza requisito da publicidade para reconhecimento de união estável homoafetiva

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que é possível abrandar a exigência de publicidade para a configuração da união estável homoafetiva, desde que estejam presentes os demais elementos caracterizadores desse tipo de relação, previstos no artigo 1.723 do Código Civil.

Com esse entendimento, o colegiado reconheceu a união estável entre duas mulheres que conviveram por mais de 30 anos em uma cidade do interior de Goiás, mas mantinham uma relação reservada.

“Negar o reconhecimento de união estável homoafetiva em razão da ausência da publicidade do relacionamento, quando evidente a convivência contínua e duradora, como uma verdadeira família, seria invisibilizar uma camada da sociedade já estigmatizada, que muitas vezes recorre à discrição como forma de sobrevivência”, destacou a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi.

Requisito deve ser interpretado à luz da dignidade da pessoa humana
Segundo o processo, as mulheres moraram juntas até a morte de uma delas, em 2020. Ao longo desse tempo, adquiriram bens, fizeram reformas na casa em que viviam, receberam visitas de familiares, viajaram sozinhas ou acompanhadas de amigos e frequentaram eventos sociais.

O juízo de primeiro grau, embora tenha reconhecido a convivência e a comunhão de interesses entre elas, considerou a união estável não configurada, pois a publicidade da relação – requisito essencial – não ficou demonstrada no processo. Essa posição foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), para o qual era possível relativizar a exigência de publicidade, uma vez que havia elementos suficientes para comprovar a união homoafetiva.

Em recurso ao STJ, irmãos e sobrinhos da falecida, seus herdeiros, alegaram que a publicidade seria indispensável para caracterizar a união estável, mas esse argumento foi afastado por Nancy Andrighi. Para a ministra, no caso das relações homoafetivas, o requisito deve ser interpretado à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da liberdade individual, garantindo-se a proteção da vida sexual e da intimidade.

Publicidade não deve ser entendida como excessiva exposição social
A relatora explicou que a constituição da união estável depende muito mais do ânimo de constituir família do que do conhecimento da relação pela sociedade em geral. Com isso, a publicidade não pode ser exigida como “excessiva e desmedida exposição social”, considerando que os conviventes não são obrigados a expor sua vida em público e têm direito à privacidade.

No caso da união estável homoafetiva, a ministra ressaltou que é ainda mais difícil de se identificar o requisito, pois é comum que essas relações sejam omitidas de familiares, por receio de julgamentos ou represálias. Por esse motivo, prosseguiu, ações dessa natureza devem ser julgadas a partir da perspectiva histórico-cultural do meio em que o casal vive, reconhecendo a publicidade possível no ambiente social restrito em que a relação se desenvolveu.

“No recurso sob julgamento, a comunhão de vida e de interesses das conviventes restou comprovada desde a origem. Assim, considerando se tratar de união estável havida entre duas mulheres, oriundas de cidade do interior de Goiás, por mais de 30 anos, o requisito da publicidade deve ser relativizado, em razão das circunstâncias da época e do meio social em que viviam”, concluiu Nancy Andrighi ao negar provimento ao recurso especial.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

CNJ: Juiz federal acusado de assédio sexual é aposentado compulsoriamente

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou a pena de aposentadoria compulsória, com direito a vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ao magistrado Orlan Donato Rocha, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). O juiz foi acusado de assédio e importunação sexual por colaboradoras e por uma servidora da corte onde atuava, praticadas entre 2014 e 2022. A decisão, unânime, se deu durante a 17ª Sessão Ordinária de 2025, realizada na manhã de terça-feira (9/12).

O voto do relator da Revisão Disciplinar 0004434-22.2024.2.00.0000, conselheiro Ulisses Rabaneda, foi apresentado pela primeira vez na 12ª Sessão Virtual de 2025, realizada em setembro, e retomado na 13ª Sessão Ordinária de 2025, em outubro. Rabaneda propôs a reforma da decisão original do TRF-5, que havia aplicado pena de censura ao juiz. A revisão foi motivada pela desproporcionalidade da pena em relação à gravidade dos fatos.

Em seu relatório, Rabaneda destacou que é imprescindível reafirmar que magistrados devem pautar sua conduta pela irrepreensibilidade, tanto na vida pública quanto privada, sendo exemplos de respeito, ética e dignidade para a sociedade e para os servidores que atuam sob sua direção. “Quando esses deveres são violados de forma grave e sistemática, a resposta institucional não pode ser tímida ou indulgente, sob pena de se comprometer a credibilidade do Poder Judiciário e a confiança da sociedade em suas instituições”, ressaltou.

O magistrado federal foi acusado de diversas condutas impróprias contra colaboradoras e servidoras, como insinuações, olhares inapropriados, perseguição de funcionárias dentro do gabinete, entre outros episódios que caracterizam assédio e comportamento abusivo.

Vista

Na 13ª Sessão Ordinária de 2025, a conselheira Daniela Madeira pediu vista do processo, segundo ela, para compreender melhor a divergência em relação à pena aplicada ao magistrado. “Analisando o processo, não há dúvida em relação aos atos praticados pelo magistrado contra as colaboradoras terceirizadas e a uma servidora efetiva da unidade judiciária na qual ele atuava”, afirmou.

De acordo com Daniela, os testemunhos prestados por juízes federais e juízas federais, que foram procurados pelas vítimas, reforçam a prática de condutas de Orlan. “Os atos dele provocaram nas vítimas sentimentos de medo, constrangimento e insegurança, levando algumas vítimas a solicitar transferência de setor. A situação se tornou tão insustentável que uma das servidoras chegou a cogitar a própria exoneração do cargo em razão do clima de intimidação”, completou a conselheira.

O CNJ encaminhará o acórdão da decisão à Advocacia Geral da União (AGU) e ao Ministério Público competente para eventual ingresso de ação penal ou por improbidade administrativa, podendo resultar em perda do cargo e do recebimento da aposentadoria pelo magistrado punido.

Revisão Disciplinar 0004434-22.2024.2.00.0000

TRF1: Estudante deve ter nota mínima no Enem para transferir curso financiado pelo Fies

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu, por unanimidade, manter a exigência de nota mínima no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para estudantes que desejam transferir o curso financiado pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), mesmo no caso de o contrato ter sido firmado anteriormente à entrada em vigor da Portaria MEC nº 535/2020. O Colegiado entendeu que, mesmo para contratos antigos, as novas regras valem quando o pedido de mudança é feito depois da publicação da norma.

O caso envolveu uma estudante que contratou o Fies no primeiro semestre de 2020 e pediu transferência no segundo semestre, quando a Portaria MEC nº 535/2020 já estava em vigor. A relatora, desembargadora federal Kátia Balbino, destacou que as novas regras também se aplicam a contratos anteriores quando o pedido de aditamento é formulado após a entrada em vigor da portaria. Segundo ela, “ainda que seja assim, formulado o pedido de aditamento do contrato em momento posterior (semestre letivo 2020.2) à entrada em vigor dos novos regramentos que instituíram a restrição debatida, suas disposições devem ser aplicadas no caso concreto”.

Com isso, a magistrada aplicou o entendimento estabelecido pela 3ª Seção do TRF1 no IRDR nº 72, de observância vinculante por todos os órgãos julgadores da 1ª Região, que uniformizou a compreensão sobre o tema, afirmando que as restrições constantes das Portarias MEC 38/2021 e 535/2020 não extrapolam nem confrontam o regramento constitucional relativo ao direito à educação nem a legislação do FIES.

Desse modo, a Turma reformou a sentença, que havia afastado o requisito da nota de corte baseada no ENEM, mas ressalvou que à estudante ficaria assegurada a quitação das mensalidades vencidas até o encerramento do segundo semestre letivo de 2024, com base nos critérios do FIES, cessando, a partir de então, o financiamento para o curso de Medicina.

Processo: 1005850-07.2020.4.01.3701

TRF4: Remuneração de gestantes afastadas do trabalho presencial na pandemia não pode ser considerada salário-maternidade

A Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região (TRU/JEFs) realizou sessão de julgamento na sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, na última sexta-feira (5/12).

Na ocasião, foi julgado processo discutindo se o salário pago às empregadas gestantes que ficaram afastadas do trabalho presencial durante a pandemia de Covid-19 deveria ter natureza de remuneração regular, ficando a cargo do empregador, ou poderia ser enquadrado como salário-maternidade, possibilitando a compensação do empregador por meio da retenção das contribuições previdenciárias ao INSS sobre a folha de salários.

Neste julgamento, a TRU baseou-se em jurisprudência estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema nº 1.290, no qual foi fixada a tese de que “os valores pagos às empregadas gestantes afastadas, inclusive às que não puderam trabalhar remotamente, durante a emergência de saúde pública da pandemia de Covid-19 possuem natureza jurídica de remuneração regular, a cargo do empregador, não se configurando como salário-maternidade para fins de compensação”.

O caso

A ação foi ajuizada em junho de 2022 por um empresário, morador de Erechim (RS). No processo, o autor declarou que é dono de restaurante e, que durante a época da emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, o estabelecimento tinha duas empregadas que trabalhavam como cozinheiras que estavam grávidas.

O empresário narrou que durante a pandemia da Covid-19 foi sancionada pelo governo federal a Lei n° 14.151, de maio de 2021, que determinou o afastamento das empregadas gestantes das atividades de trabalho presencial, durante a emergência de saúde pública. Ele afirmou que, em razão dessa legislação, durante o período de novembro de 2021 até abril de 2022 as duas cozinheiras ficaram afastadas do trabalho e a empresa arcou com o pagamento dos salários.

O autor argumentou que os valores pagos às empregadas gestantes afastadas de suas atividades presenciais por conta da Lei nº 14.151/21 deveriam ser caracterizados como salário-maternidade para permitir a compensação desses valores pelo INSS quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários, conforme o artigo 72, paragrafo 1º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.

Esta previsão da Lei 8.213/91 estabelece que a empresa é responsável por pagar o salário-maternidade devido à sua empregada gestante e que a compensação desse valor é feita pela empresa, por meio da retenção das contribuições previdenciárias ao INSS sobre a folha de salários.

Em novembro de 2022, a 1ª Vara Federal de Erechim julgou o processo pelo procedimento do Juizado Especial e deu provimento ao pedido do empresário, condenando a União a restituir ao autor os valores de salários pagos às empregadas gestantes afastadas do trabalho presencial. A União recorreu à 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, mas o colegiado negou o recurso, mantendo a sentença válida.

Assim, a União interpôs um Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei para a TRU. Inicialmente, em dezembro de 2023, a TRU julgou o caso e negou provimento ao pedido da União, mantendo a decisão em favor do empresário.

Na época, a Turma estabeleceu a tese de que “é compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência de saúde pública da Covid-19, sendo possível a compensação pelo regramento do art. 72 da Lei 8.213/1991”.

No entanto, em fevereiro deste ano, o STJ, ao julgar o Tema nº 1.290, fixou tese de que “os valores pagos às empregadas gestantes afastadas, inclusive às que não puderam trabalhar remotamente, durante a emergência de saúde pública da pandemia de Covid-19 possuem natureza jurídica de remuneração regular, a cargo do empregador, não se configurando como salário-maternidade para fins de compensação”. A decisão do STJ transitou em julgado em agosto deste ano.

Dessa forma, a TRU, em juízo de adequação, modificou a sua decisão e aplicou o caso ao Tema nº 1.290, negando a possibilidade de enquadrar como salário-maternidade a remuneração paga às trabalhadoras gestantes afastadas por conta da Lei nº 14.151/21 e reconhecendo a natureza de remuneração regular desses valores.

Os autos devem retornar à Turma Recursal de origem para novo julgamento do processo seguindo entendimento do STJ.

Processo nº 5002219-66.2022.4.04.7117/TRF

TRF4: INSS deve conceder BPC a mulher vivendo com HIV

A 1ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) determinou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceda o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e pague parcelas vencidas a uma mulher que teve o pedido negado em via administrativa. A autora vive com HIV e está em situação de vulnerabilidade social, com renda única proveniente do programa bolsa-família. A sentença, publicada no dia 5/12, é da juíza Lenise Kleinubing Gregol.

A autora narrou que se enquadra no conceito de deficiência devido a ser pessoa vivendo com HIV, mas o seu pedido foi negado pelo INSS no dia 31/01/2025, sob a justificativa de que não “atende ao critério de deficiência para acesso ao BPC-LOAS”. Ela afirmou ter 50 anos, baixa escolaridade, com histórico de trabalho com classificação de maçãs e residir em um município pequeno, com aproximadamente 10 mil habitantes.

A mulher pontuou que as informações sobre sua condição se espalharam rapidamente na cidade, o que dificulta sua reinserção no mercado de trabalho. A defesa dela destacou que o preconceito e a discriminação com pessoas vivendo com HIV é um problema que gera a obstaculização ao igual acesso na participação social, seja sintomático ou não. Por isso, argumentou que o impedimento de longo prazo citado na lei deve considerar as novas percepções da condição de deficiente. “O conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente – abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício –, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social”.

Ao analisar o caso, a magistrada pontuou que a Lei n. 8.742/1993, que regulamenta o direito no art. 20 e seguintes, conceitua pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Além desse requisito, a concessão do benefício também exige que a pessoa seja incapaz de prover sua própria manutenção.

Foi realizada perícia médica judicial que apontou que a autora não apresenta incapacidade laboral. No entanto, o laudo indicou que ela vive com HIV, sofre de dores no joelho esquerdo e apresenta obesidade.

Já a perícia social constatou o impedimento de longo prazo de natureza física, decorrente da condição de viver com HIV, o que exige acompanhamento médico e uso permanente de medicamentos específicos. “A autora vive de forma isolada, por receio de preconceito e discriminação, o que constitui uma barreira que obstrui a participação plena em sociedade”, afirma Gregol.

A magistrada deferiu tutela provisória de urgência e julgou procedente a ação determinando que o INSS conceda o benefício de prestação continuada à parte autora e o pagamento das parcelas vencidas. Cabe recurso da decisão às Turmas Recursais.

TRF5 mantém suspensão de cobrança de ingresso para acesso à Vila de Jericoacoara

A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 decidiu manter, nesta terça-feira (09/12/2025), a suspensão da cobrança de ingresso para visitantes que se dirigem exclusivamente à Vila de Jericoacoara (CE). Por maioria, o Colegiado negou provimento a um novo recurso apresentado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Durante a sessão de julgamento, o relator do processo, desembargador federal Paulo Cordeiro, lembrou que a Turma já havia, no último dia 21/10, rejeitado recurso anterior da Urbia Cataratas Jericoacoara S.A., concessionária responsável pelos serviços de apoio à visitação no Parque Nacional de Jericoacoara (PARNA), mantendo a decisão do Juízo da 18ª Vara Federal do Ceará.

Em seu voto naquele julgamento, o magistrado enfatizou: “A empresa concessionária pode licitamente empreender cobrança aos interessados que têm a específica finalidade de visitar os atrativos do Parque Nacional, não sendo razoável, contudo, que se proceda à cobrança de ingresso de quem pretende apenas chegar à Vila, sem qualquer interesse nos atrativos que se localizam dentro do referido Parque”.

No novo recurso, o ICMBio argumentou que a isenção irrestrita de ingresso para todos os que acessam a Vila distorce a finalidade da cobrança, que seria uma ferramenta de autofinanciamento e de organização da visitação.

Para o relator, porém, o ICMBio não apresentou fundamentos capazes de alterar o entendimento já firmado pela Segunda Turma.

Em seu voto, ele ressaltou os seguintes pontos:

– “A situação posta não trata de acesso a uma Unidade de Conservação em si, mas de trânsito por ela para alcançar uma comunidade preexistente, o que exige compatibilização entre o interesse ambiental e os demais direitos fundamentais da população local, em situação analógica ao instituto da passagem forçada, prevista no art. 1.285 do Código Civil”;

– “A controvérsia restringe-se a saber se é lícita a cobrança de ingresso pela concessionária para o simples acesso à Vila de Jericoacoara, situada em área geográfica inserida no perímetro do Parque Nacional de Jericoacoara, mas juridicamente fora de seus limites administrativos”;

– “O conjunto probatório evidencia que a Vila de Jericoacoara não integra a área do Parque Nacional, sendo área administrada pelo Município de Jijoca de Jericoacoara”;

– “Os documentos juntados e as audiências públicas realizadas pelo ICMBio e pelo BNDES confirmaram expressamente que: ‘A Vila de Jericoacoara não é Parque e o Parque não é a Vila’ (degravação da audiência pública de 25/04/2022)”;

– “A tentativa da concessionária de condicionar o ingresso à Vila ao pagamento do bilhete de acesso ao Parque configura violação direta ao direito de locomoção (art. 5º, XV, da CF);

– “Não consta do contrato de concessão qualquer previsão de serviço público de pedágio ou de controle de acesso à Vila, tampouco autorização para cobrança por simples passagem, sendo certo que o contrato limita-se à prestação dos serviços de apoio à visitação, manutenção e operação dentro dos limites do Parque Nacional”;

– “Permitir que a concessionária cobre ingresso de quem apenas atravessa o Parque para chegar à Vila – único acesso terrestre possível – equivaleria, na prática, a criar um pedágio não previsto em lei, o que é vedado pelo art. 150, V, da Constituição Federal”.

Entenda o caso

A controvérsia envolve a intenção da Urbia Cataratas Jericoacoara S.A. de cobrar ingresso de visitantes que desejam acessar somente a Vila de Jericoacoara. A medida tem gerado conflitos entre a concessionária, a União e o ICMBio, de um lado, e o Município de Jijoca de Jericoacoara (autor de ação civil pública) e a população local, de outro.

O Parque Nacional de Jericoacoara é administrado pelo ICMBio e teve seus limites definidos inicialmente pelo Decreto Federal s/n, de 04/02/2002, e posteriormente ajustados pela Lei nº 11.486/2007. Embora a Vila não integre a área do Parque, o acesso terrestre ao local exige a passagem pelo PARNA.

Após processo licitatório, o ICMBio firmou o Contrato de Concessão nº 002/2024 com a Urbia, em 11/06/2024, pelo prazo de 30 anos. O contrato autoriza a cobrança de ingresso para o acesso ao Parque, mas prevê isenção para moradores, trabalhadores e frequentadores da Vila, além de residentes dos municípios vizinhos – desde que cadastrados. No caso dos “frequentadores”, o cadastro deve ser solicitado por moradores da própria Vila, o que não inclui turistas.

Processo 0810726-47.2025.4.05.0000

TRF3 reconhece trabalho de carteiro em motocicleta como especial

Segundo magistrados, atividade possui características de penosidade e risco.


A Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu, por unanimidade, o direito de um carteiro ao enquadramento como especial dos períodos laborados em motocicleta.

Perfil profissiográfico previdenciário e laudo pericial judicial que apontaram a periculosidade no desempenho da função foram considerados.

Para o colegiado, a especialidade das atividades em motocicleta, com destaque para a categoria dos carteiros, deve ser reconhecida em razão da periculosidade e da penosidade inerentes ao trabalho.

“É admissível o reconhecimento da especialidade do labor exercido com uso habitual de motocicleta em vias públicas, por exposição à periculosidade, ainda que ausente previsão expressa nos decretos regulamentares”, fundamentou a relatora do processo, desembargadora federal Gabriela Araujo.

A 10ª Turma já havia reconhecido a especialidade da atividade desempenhada por motoboys no julgamento da Ação 5256561-28.2020.4.03.9999. No caso atual, houve avanço com a admissão da especialidade também para os carteiros que utilizam motocicleta.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pleiteou a improcedência do pedido, sustentando a necessidade de sobrestamento do processo em razão do Tema 1.083/STJ e a insuficiência dos elementos probatórios quanto à especialidade dos períodos informados. Ambos os argumentos foram rejeitados.

Gabriela Araujo frisou que a decisão foi tomada “com base em prova documental idônea do desempenho da função, indo ao encontro do entendimento consolidado pelos tribunais superiores e em consonância com a legislação previdenciária vigente e os princípios constitucionais aplicáveis, especialmente da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da vedação à proteção insuficiente”.

Segundo ela, a atividade “constitui labor exercido em meio a tráfego urbano intenso, utilizando veículo de alta vulnerabilidade, exigindo deslocamento contínuo, muitas vezes sob intempéries, em jornadas extenuantes e em pavimentação inadequada”.

Tais condições caracterizam risco real, permanente e não eventual à integridade física do trabalhador.

“Trata-se de uma realidade laboral que não pode ser ignorada pelo Poder Judiciário, sob pena de se negar proteção a quem se encontra notoriamente exposto a condições gravosas no desempenho de suas funções”, afirmou a relatora.

O acórdão destaca que a atividade do carteiro em motocicleta exige sucessivas paradas, descidas do veículo e manuseio constante de objetos postais, com alternância contínua entre pilotagem, estacionamento, deslocamento a pé e entrega porta a porta, o que impõe dinâmica operacional própria e complexa.

“Tais particularidades operacionais, combinadas à necessidade de observância estrita de roteiros e metas de distribuição, conferem à função configuração própria de penosidade e risco”, concluiu a magistrada.

Com esse entendimento, a Décima Turma reconheceu como especial o período de 29/09/2003 a 04/09/2007 e condenou o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde 19/02/2022.

Apelação Cível 5172256-77.2021.4.03.9999

TJ/MG: Locadora é condenada por bloqueio remoto de veículo durante uso

16ª Câmara Cível manteve condenação de empresa de Belo Horizonte por danos morais e materiais.


A 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) rejeitou recurso de uma locadora de veículos, sediada em Belo Horizonte, e manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização a um cliente por danos morais e materiais.

Na ação, o cliente relatou que alugou o veículo em junho de 2024 e quitou as diárias antecipadamente. Contudo, um dia antes do prazo para devolução, a locadora acionou remotamente o bloqueio da ignição do carro, impedindo o uso. O bloqueio ocorreu enquanto o homem realizava uma viagem interestadual.

A empresa ainda efetuou cobrança de diárias adicionais, quando o veículo já estava bloqueado.

Em sua defesa, a locadora alegou que o contrato autorizava o bloqueio em caso de inadimplência, com base no artigo 188, I, do Código Civil. Argumentou ainda que o Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/1990) não seria aplicável, uma vez que a locação teria fins profissionais, e que o bloqueio não impede a devolução, já que o veículo poderia ter sido rebocado.

A sentença da 3ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, confirmada pelos desembargadores, condenou a locadora a restituir em dobro os valores cobrados indevidamente, totalizando R$ 24.321,28 por danos materiais, além do pagamento de R$ 15 mil a título de danos morais. Diante disso, a empresa recorreu.

Pagamento de diárias

O relator, desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, rejeitou os argumentos da empresa e destacou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Também seguiu jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que caracteriza a relação de consumo em função da vulnerabilidade técnica e jurídica do locatário, perante a grande empresa, sendo aplicáveis as regras protetivas do CDC.

O desembargador argumentou que as diárias já haviam sido pagas e que não havia inadimplemento que justificasse o bloqueio. Como as cobranças posteriores foram consideradas indevidas, a empresa deve devolver em dobro esses valores, conforme o artigo 42, parágrafo único, do CDC.

Conforme o relator, o dano moral se configura porque o usuário foi submetido a uma série de constrangimentos e transtornos.

A sentença também se embasou em caso semelhante julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), quando um caso de bloqueio remoto de um veículo interrompeu uma viagem familiar. A decisão caracterizou a prestação do serviço como falha e destacou a exposição dos consumidores a situação de vulnerabilidade, constrangimento e desconforto.

Os desembargadores Tiago Pinto e Gilson Lemes votaram de acordo com o relator.

Processo nº 1.0000.25.312267-5/001

Veja também:

TJ/MT: Família deixada na estrada será indenizada após bloqueio remoto de carro alugado

TJ/MT: Contrato de financiamento tem juros reduzidos e seguro casado devolvido

A Terceira Câmara de Direito Privado determinou que um contrato de financiamento de motocicleta deve ser revisado para corrigir cobranças acima da média do mercado. O relator do caso, desembargador Dirceu dos Santos, destacou que os juros praticados pela instituição financeira estavam 67% acima da taxa registrada pelo Banco Central na época da contratação.

Segundo o colegiado, a taxa de 3,24% ao mês aplicada no financiamento ultrapassa o limite razoável permitido pela jurisprudência quando comparada à média de 1,94% ao mês. Por isso, os magistrados determinaram a readequação dos juros para a taxa média do Banco Central, medida que reduz o valor total da dívida e evita pagamento indevido.

O Tribunal também reconheceu que o seguro prestamista foi incluído sem oferecer liberdade de escolha ao consumidor, o que caracteriza venda casada, prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Com isso, a instituição financeira deverá devolver o valor cobrado pelo seguro, de forma simples.

Já a tarifa de registro do contrato foi mantida. O relator explicou que o valor é compatível com o serviço e que não houve prova de que o registro tenha sido irregular. O colegiado também afastou o pedido de indenização por danos morais, por entender que o caso se limita a revisões contratuais, sem violação à esfera íntima do consumidor.

Por fim, diante da constatação das cobranças abusivas, a Câmara decidiu descaracterizar a mora, evitando penalidades enquanto o contrato é recalculado.

A decisão segue para cumprimento e atualização dos valores conforme os parâmetros fixados pelos desembargadores.

Processo nº 1065484-62.2025.8.11.0041/MT

TJ/MT: Empresa que prometeu reduzir dívidas financeiras em até 90% deve devolver valores pagos

A Segunda Câmara de Direito Privado manteve a rescisão de um contrato de assessoria financeira que prometia reduzir dívidas bancárias entre 50% e 90%, mas não cumpriu com o resultado garantido ao consumidor. A decisão, sob relatoria da juíza convocada Tatiane Colombo, assegura a restituição integral dos valores pagos e reforça a importância da transparência nos serviços oferecidos ao público.

A Câmara analisou um contrato firmado entre um consumidor e uma empresa especializada na intermediação de renegociação de débitos. O cliente buscava reduzir valores decorrentes de uma Cédula de Crédito Bancário, enquanto a empresa garantia expressamente que alcançaria um desconto significativo no prazo de até 18 meses.

No entanto, conforme demonstrado nos autos, o resultado prometido nunca foi entregue. A plataforma da própria empresa e o contrato firmado asseguravam a redução mínima de 50% da dívida. Ainda assim, não houve comprovação de qualquer diminuição efetiva do valor devido, apenas trocas de mensagens e tentativas de negociação, sem impacto real no débito.

Diante da ausência do resultado prometido e da frustração da legítima expectativa do consumidor, o colegiado concluiu que houve inadimplemento contratual. Para a magistrada, a empresa não conseguiu demonstrar nenhuma das hipóteses previstas no Código de Defesa do Consumidor que poderiam afastar sua responsabilidade.

Além de manter a rescisão do contrato, a Câmara determinou a devolução integral dos valores pagos pelo contratante. O pedido de indenização por danos morais, entretanto, foi mantido como improcedente, pois o caso foi considerado um típico inadimplemento contratual, sem repercussões que ultrapassassem o desgaste comum desse tipo de situação.

Processo nº 1009658-68.2022.8.11.0037

Veja o processo com o acórdão publicado:


Diário de Justiça Eletrônico Nacional – CNJ – MT

Data de Disponibilização: 02/12/2025
Data de Publicação: 02/12/2025
Região:
Página: 20693
Número do Processo: 1009658-68.2022.8.11.0037
TJMT – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO – DJEN
Processo: 1009658 – 68.2022.8.11.0037 Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Data de disponibilização: 01/12/2025 Classe: APELAçãO CíVEL Tipo de comunicação: Intimação Meio: Diário de Justiça Eletrônico Nacional Parte(s): JASON AGUIAR DE FREITAS Advogado(s): ENILDO NEVES DE SOUZA OAB 22020-A MT Conteúdo: ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009658 – 68.2022.8.11.0037 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão / Resolução, Cédula de Crédito Bancário, Contratos Bancários, Efeitos] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ANALISE GROUP SERVICOS LTDA – CNPJ: 15.177.938/0001-59 (APELANTE), THIAGO SILVA DE FARIAS – CPF: 425.897.568- 01 (ADVOGADO), JASON AGUIAR DE FREITAS – CPF: 329.646.171-04 (APELADO), ENILDO NEVES DE SOUZA – CPF: 396.179.801-00 (ADVOGADO)]
A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO DESPROVIDO. UNANIME. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE ASSESSORIA PARA RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS. PROMESSA DE REDUÇÃO ENTRE 50% E 90% DO DÉBITO. EXPECTATIVA LEGÍTIMA DO CONSUMIDOR. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso de apelação interposto por empresa prestadora de serviços de intermediação e negociação de dívidas contra sentença que rescindiu contrato firmado com o consumidor e a condenou à restituição dos valores pagos, afastando os pedidos de indenização por danos morais. II. Questão em discussão 2. A controvérsia recursal centra-se em verificar se o contrato de assessoria foi cumprido pela requerida ou se restou configurado o inadimplemento contratual, com o consequente dever de restituição dos valores pagos. III. Razões de decidir 3. A presunção de hipossuficiência do consumidor (art. 99, §3º do CPC/2015) não foi elidida, pois a apelante não comprovou a capacidade financeira do recorrido. Assim, o benefício da justiça gratuita deve ser mantido. 4. A relação jurídica é de consumo, submetendo-se à disciplina do CDC, que impõe responsabilidade objetiva ao fornecedor de serviços (art. 14 do CDC). 5. A apelante não comprovou a ocorrência de qualquer excludente de responsabilidade previstas no §3º do art. 14 do CDC, nem demonstrou ter alcançado o resultado contratualmente garantido, consistente na redução da dívida do consumidor entre 50% (cinquenta por cento) e 90% (noventa por cento). 6. O contrato assumiu natureza de obrigação de resultado, de modo que a inobservância da meta pactuada configura inadimplemento contratual e impõe a restituição integral dos valores pagos. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: 1. A empresa de assessoria financeira que promete expressamente a redução percentual da dívida assume obrigação de resultado, respondendo pela restituição integral dos valores pagos em caso de inadimplemento. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara. Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto por ANALISE GROUP SERVIÇOS LTDA contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Primavera do Letse/Mt aos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Indenização pro Danos Morais e Materiais n. 1009658 – 68.2022.8.11.0037 , ajuizada em seu desfavor por JASON AGUIAR DE FREITAS. A sentença (ID. 313617927) julgou parcialmente procedentes os pedidos, declarando rescindido o contrato de prestação de serviços de intermediação e negociação firmado entre as partes e condenando a requerida à restituição dos valores pagos pelo autor, corrigidos desde cada desembolso e acrescidos de juros legais a contar da citação. Os pedidos de restituição dos valores despendidos com defesa técnica nas execuções promovidas pela credora e de indenização por danos morais foram rejeitados. Ainda, em razão da sucumbência recíproca, o Juízo condenou as partes ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico, a serem suportados na proporção de 60% (sessenta por cento) pelo autor e 40% (quarenta por cento) pela requerida. Em razões recursais (ID. 313617933), a apelante impugna a gratuidade de justiça concedida ao autor. No mérito, defende a inexistência de falha na prestação de serviços, alegando ter cumprido integralmente o contrato de assessoria, inclusive com acompanhamento das tratativas junto ao banco. Defende que o distrato foi solicitado pelo próprio autor, que posteriormente negociou diretamente com o banco, encerrando unilateralmente a relação contratual e afastando qualquer dever de restituição. Alega, ainda, que a sentença desconsiderou a redação integral da cláusula contratual, que previa redução de “até 90% da dívida” (e não necessariamente nesta porcentagem), condicionada à aceitação da instituição credora. Assim, requer o provimento do recurso para que a ação seja julgada improcedente. Subsidiariamente, pleiteia a redução do valor da condenação, ao argumento de que, ainda que não tenha alcançado o resultado pretendido, os serviços foram efetivamente prestados e devem ser remunerados proporcionalmente. Contrarrazões pelo desprovimento (ID. 313617936). É o relatório. V O T O R E L A T O R Consta dos autos que o autor contratou os serviços da requerida (ID. 313617854) para intermediação e negociação junto à Cooperativa de Crédito Vale do Cerrado – Sicredi Vale do Cerrado, com o objetivo de reduzir o valor de débitos oriundos do atraso no pagamento das Cédulas de Crédito Bancário (ID. 313617855). Alega o autor que, no momento da contratação, a empresa prometeu redução de até 90% (noventa por cento) da dívida. Posteriormente, constatou que a requerida atuava apenas na negociação de contratos de financiamento de veículos, e não de cédulas de crédito bancário, o que caracterizaria má-fé ao aceitar pagamento por serviço que sabia não poder executar. Sustenta, ainda, que a inércia da requerida resultou na execução judicial dos contratos pela cooperativa (ações n. 1008616-18.2021.8.11.0037, 1008570-29.2021.8.11.0037, 1008569-44.2021.8.11.0037, 1008584- 13.2021.8.11.0037 e 1008617-03.2021.8.11.0037), inclusive com pedidos de busca e apreensão dos veículos dados em garantia. Em razão disso, teve de contratar advogados para sua defesa nas execuções, além de suportar prejuízos materiais decorrentes dos lucros cessantes (por não poder utilizar os caminhões em sua atividade profissional em razão da busca e apreensão). Além disso, após a realização do acordo extrajudicial (ID. 313617857), o autor também arcou com honorários sucumbenciais fixados em R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Por isso, ajuizou a presente ação (ID. 313617397), requerendo a condenação da requerida ao pagamento de R$ 120.312,50 (cento e vinte mil, trezentos e doze reais e cinquenta centavos) a título de danos materiais, referentes à restituição dos valores pagos à requerida e despendidos nas execuções, além de indenização de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por danos morais. Em contestação (ID. 313617894), a requerida sustentou que os serviços de assessoria foram regularmente prestados e que o próprio autor deu causa à rescisão, ao negociar diretamente com a cooperativa, descumprindo o contrato. Posteriormente, sobreveio sentença (ID. 313617927) que reconheceu o inadimplemento contratual por parte da requerida, condenando-a à devolução dos valores pagos pelos serviços de negociação, mas afastando a restituição das despesas com defesa técnica e o pedido de danos morais. Inconformada, recorre a empresa requerida. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Inicialmente, a recorrente impugna a gratuidade de justiça concedida ao apelado, sob argumento de que este possui veículos e capacidade financeira para contratação de advogados particulares e para a realização de acordo extrajudicial em valor considerável. Neste sentido, o art. 99, §3º, do CPC/2015 estabelece a presunção de veracidade juris tantum da declaração de hipossuficiência deduzida por pessoa física sendo necessária, para afastá-la, prova robusta em contrário, ônus do qual não se desincumbiu a apelante. Da análise dos autos, verifica-se que a mera existência de veículos não demonstra a capacidade financeira do recorrido, especialmente por se tratarem de instrumentos de trabalho e por terem sido dados em garantia ao cumprimento das obrigações contraídas junto ao Sicredi Vale do Cerrado (ID. 313617855). De mesmo modo, é cediço que a contratação de advogado particular não impede a concessão da gratuidade de justiça, conforme estabelecido no art. 99, §4º, do CPC/2015. Ainda, destaca-se que a realização de acordo firmado com a instituição financeira não demonstra saúde financeira atual, mas sim a assunção de nova obrigação para regularizar débitos anteriores. Portanto, ausente comprovação da capacidade financeira do recorrido, rejeito a preliminar e mantenho o benefício da justiça gratuita anteriormente concedida. No mérito, verifica-se que a controvérsia central reside na análise do inadimplemento contratual por parte da apelante e na consequente rescisão do contrato com devolução dos valores pagos. Nesse contexto, observa-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, o que atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que prevê, em seu art. 6º, inciso VIII, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, conforme corretamente determinado pelo juízo a quo. Cumpre mencionar que o art. 14, caput, do citado Codex estabelece que o fornecedor de serviços responde objetivamente pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços. Dispõe ainda, em seu art. 14, §3º, verbis: “§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.” No caso em análise, como narrado, o ora apelado contratou os serviços de assessoria e intermediação da apelada, a fim de reduzir o valor dos débitos decorrentes de parcelas atrasadas de crédito contraído junto à instituição financeira. Destaca-se que, à época da contratação, a empresa de assessoria, no parágrafo 4º do contrato firmado entre as partes, garantia, expressamente, a redução do débito em percentual variável entre 50% (cinquenta por cento) e 90% (noventa por cento), a ser obtido dentro do prazo de 18 (dezoito) meses (ID. 313617910): A garantia de redução também é demonstrada no site da empresa apelante (ID. 313617861): Na hipótese, em que pese a argumentação da recorrente, verifica-se que esta não logrou êxito em comprovar a configuração de quaisquer das hipóteses excludentes de responsabilidade previstas no art. 14, §3º, do CDC, ônus que lhe incumbia. Isto porque não há nos autos qualquer comprovação de que a apelante cumpriu com as obrigações contratualmente assumidas (qual seja, a redução da dívida no percentual estabelecido) ou a culpa exclusiva do consumidor. Embora a empresa tenha juntado aos autos conversas junto ao apelado, demonstrando a realização de tratativas, tal fato não é suficiente a comprovar a efetiva redução da dívida, uma vez que as conversas demonstram apenas que houve tentativas de negociação, mas não a efetiva redução da dívida conforme contratualmente pactuado. As conversas demonstram apenas que houve tentativas de negociação, mas não o resultado efetivo dessas tratativas. Por outro lado, a alegação de que o contrato previa redução “até 90%” não afasta a obrigação de alcançar, no mínimo, o percentual de 50% (cinquenta por cento), expressamente previsto no contrato. Ademais, o contrato estabelecia um prazo de dezoito meses para a obtenção do resultado, prazo este que já havia transcorrido quando da apresentação da contestação, conforme bem observado pelo Juízo a quo. Ressalta-se que a garantia contratual da redução da dívida gerou legítima expectativa no consumidor, que foi frustrada pelo inadimplemento contratual. Ademais, verifica-se que o contrato firmado entre as partes tinha por objeto a negociação extrajudicial, e não o ajuizamento de ações, razão pela qual a recusa do apelado em ingressar com ação revisional não configura descumprimento contratual. Com efeito, o apelado contratou a apelante justamente para evitar a via judicial, e o que reforça a improcedência da alegação de desídia de sua parte. De mesmo modo, o pedido de distrato e a negociação direta com o banco foram realizados após o ajuizamento das execuções dos contratos, e decorreram da insatisfação do apelado com os serviços prestados, que não alcançaram os resultados prometidos. Ainda, impende destacar que fato de o apelado ter contratado os serviços em duas ocasiões não demonstra satisfação, mas sim a tentativa de solucionar pendências financeiras diante da expectativa de cumprimento contratual pela apelante. Assim, comprovado o inadimplemento contratual por parte da apelante, que não demonstrou ter cumprido a obrigação de promover a redução da dívida no percentual pactuado, impõe-se a rescisão do contrato com a consequente devolução integral dos valores pagos. Outrossim, em relação ao pedido de redução da condenação a patamar proporcional aos serviços efetivamente prestados, destaca-se que a empresa apelante garantiu contratualmente a redução da dívida. Deste modo, o contrato estabelece uma obrigação de resultado, e não de meio, uma vez que a apelante comprometeu-se a alcançar a redução da dívida do apelado nos percentuais contratados, e não apenas a realizar tentativas de negociação, não havendo que se falar na redução dos valores a serem restituídos. A propósito, julgou esta C. Câmara em caso análogo: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PARCIAL PROCEDÊNCIA – SERVIÇO DE INTERNET NÃO PRESTADO – SERVIÇO DE TV NÃO CONTRATADO – CONTINUIDADE DE COBRANÇAS – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA – RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS – REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO – NÃO CABIMENTO – DANOS MORAIS – INOCORRÊNCIA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não comprovado pela requerida a prestação e a contratação do serviço contestados, tem-se por indevidos os débitos cobrados do consumidor, ensejando a restituição do indébito. 2. A restituição em dobro estabelecida no art. 42, parágrafo único, do CDC, deve observar a modulação dos efeitos determinado no EAREsp n. 600.663/RS, aplicando-se a indébitos constituídos após 30/03/2021. 3. O mero inadimplemento contratual, por si só, não é suficiente para ensejar danos morais. 4. Recurso parcialmente provido.-” (N.U 1004133-40.2023.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/07/2025, Publicado no DJE 22/07/2025) – destaquei. Portanto, evidenciado o inadimplemento contratual por parte da apelada, é imperiosa a manutenção da sentença na integralidade de seus termos. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Considerando o resultado do julgamento, readequo os ônus sucumbenciais, a serem pagos na proporção de 60% (sessenta por cento) para a parte requerida/apelante e 40% (quarenta por cento) para a parte autora/apelada, observada a gratuidade de justiça. É como voto. Tatiane Colombo Juíza de Direito Convocada Data da sessão: Cuiabá-MT, 26/11/2025

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