STJ: Ilicitude de revista íntima não contamina provas obtidas por outros meios durante busca e apreensão

Apesar de reconhecer grave violação de direitos no caso de uma mulher acusada de tráfico de drogas que foi submetida três vezes a revista íntima, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que essa ilegalidade não invalida as provas obtidas por outros meios durante a busca domiciliar.

Em investigação de tráfico de drogas, policiais civis foram à residência para cumprir mandado de busca e apreensão e encontraram entorpecentes, dinheiro e pesticidas. A acusada foi submetida a revista íntima por policiais femininas, mas nada ilícito foi achado com ela.

Na delegacia de polícia, foi realizada uma segunda revista íntima, novamente sem resultado algum. Por fim, a acusada foi submetida a uma terceira revista íntima no presídio, durante a qual também não foram encontrados objetos ilícitos.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) absolveu a ré, por entender que houve flagrante ilegalidade no cumprimento do mandado de busca e que isso invalidou todas as provas apreendidas durante a diligência. No recurso ao STJ, o Ministério Público sustentou que a ilicitude da busca pessoal não contaminaria as provas previamente apreendidas, por serem derivadas de fonte independente.

Revistas íntimas tiveram caráter degradante
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, reconheceu a ilicitude das revistas íntimas a que a acusada foi submetida, pois foram realizadas de forma desnecessária e injustificada. Conforme destacou, houve uma grave violação à dignidade da pessoa humana, causada por agentes do Estado, e o excesso das diligências assumiu um caráter degradante e humilhante.

Por outro lado, o ministro salientou que essa ilegalidade não torna inadmissíveis as provas colhidas durante a execução do mandado de busca domiciliar, tendo em vista que não há nexo de causalidade entre elas e as condutas ilícitas dos agentes.

Segundo Schietti, mesmo que as revistas íntimas não tivessem sido realizadas, as provas incriminatórias teriam sido produzidas, pois “foram encontradas no interior na residência (em decorrência da busca domiciliar), e não no corpo da acusada (em decorrência das revistas íntimas)”.

O relator lembrou que, de acordo com o artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP), é admitida a busca pessoal durante a realização de busca domiciliar, independentemente de mandado prévio. Contudo, salientou que “eventual ilegalidade na execução da busca pessoal incidental não acarreta, por derivação, a ilegalidade de toda a busca domiciliar”.

Ao dar provimento ao recurso para que a corte de segunda instância prossiga com o julgamento da apelação, afastada a questão da inadmissibilidade das provas, a Sexta Turma determinou também que os fatos relatados no processo sejam comunicados à Corregedoria da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, para a apuração de ilícitos funcionais – providência que se soma à comunicação dos mesmos fatos ao Ministério Público, já determinada pela Justiça gaúcha.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2159111

TST: Empregado que teve crise de pânico no dia da audiência tem pena de confissão afastada

Para o colegiado, houve motivo relevante para a ausência do empregado à audiência.


Resumo:

  • Empregado falta à audiência, porque teve uma crise de pânico.
  • A empresa pediu a pena de confissão.
  • Para o colegiado, houve motivo relevante para a ausência do empregado.

Por maioria, a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso da BR Comércio de Automóveis, de Curitiba-PR, que pretendia a aplicação da pena de confissão a um vendedor que teve uma crise de pânico no dia da audiência de instrução e faltou. Prevaleceu o entendimento de que, ante as características do transtorno de pânico, não havia como o empregado se locomover até o fórum no horário designado.

Confissão ficta
Uma das espécies de confissão judicial é a ficta, que pode ocorrer, entre outras formas, quando há a ausência da parte à audiência na qual deveria depor. Nesse caso, há a presunção de que os fatos alegados pela empregadora são verdadeiros.

A empresa questionou o horário descrito no atestado médico
No recurso ao TST, a BR questionou o atestado apresentado pelo empregado com horário de 19h42, “cinco horas depois do início da audiência”. O fato, segundo a empresa, comprova que o vendedor não estava em consulta médica ou privado de locomoção. Disse também não haver no atestado, de forma expressa, a impossibilidade de locomoção, o que justificaria a pena.

Relator: o transtorno pode comprometer a locomoção durante todo o dia
Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Breno Medeiros para afastar a confissão ficta. Medeiros observou que, segundo o Código Internacional de Doenças (CID), o transtorno de pânico envolve episódios súbitos de medo e desconforto extremo. Nesse caso, o paciente fica afetado em sua capacidade de locomoção, que pode ficar comprometida durante todo o dia.

Para o colegiado, houve motivo relevante para a ausência do empregado
Ainda, segundo o ministro, a decisão atende à posição da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST de que não é necessária declaração expressa no atestado médico de impossibilidade de locomoção se configurado motivo relevante para a ausência à audiência.

Por fim, Medeiros acrescentou que acolher o pedido da empresa seria ignorar as características do transtorno de pânico e as dificuldades do sistema de saúde, como a demora no atendimento médico nas unidades, insuficiência de profissionais e a sobrecarga do sistema na área de saúde.

Ficou vencida a ministra Morgana Richa.

TST: Plano de saúde não é obrigado a cobrir tratamento de obesidade mórbida em clínica particular

Havia outras opções na rede credenciada, razão pela qual não ficou comprovado direito líquido e certo à escolha da unidade médica.


  • SDI-2 do TST julgou mandado de segurança improcedente por entender que um plano de saúde não era obrigado a cobrir tratamento de obesidade mórbida em clínica particular escolhida pela paciente.
  • A beneficiária possuía acesso a rede credenciada com estrutura adequada e não comprovou urgência ou exclusividade do tratamento solicitado.
  • A decisão considerou que não houve violação a direito líquido e certo, mantendo o indeferimento do custeio.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que negou a uma beneficiária da Associação Petrobras de Saúde (APS) o direito de realizar tratamento para obesidade mórbida em uma clínica particular de sua escolha. O colegiado concluiu que, embora a condição médica seja grave e reconhecida como doença crônica, não houve comprovação de direito líquido e certo ao tratamento em instituição específica, especialmente diante da existência de rede credenciada apta ao atendimento.

Condições clínicas reconhecidas, mas alternativas disponíveis
A paciente, diagnosticada com obesidade grau 3 associada a comorbidades como ansiedade e compulsão alimentar, buscava, por meio de mandado de segurança, a autorização para custeio integral de um programa intensivo em clínica privada, estimado em R$ 144 mil. Embora o TST reconheça que a obesidade mórbida exige cobertura assistencial, a relatora, ministra Liana Chaib, destacou que o plano já disponibiliza profissionais e instituições especializadas e que não havia impedimento de locomoção por parte da beneficiária, jovem de 25 anos.

Direito à saúde não implica liberdade irrestrita de escolha
Para a ministra, a concessão da tutela de urgência — que havia sido deferida em instância anterior — não se justificava. Segundo ela, o risco de dano irreparável não estava caracterizado, tampouco havia prova de que o tratamento pretendido fosse essencial ou insubstituível. “A existência de corpo clínico capacitado no plano de saúde afasta a alegação de urgência e exclusividade”, afirmou.

Precedentes não vinculantes
A ministra destacou que essa decisão se diferencia de outros casos analisados pela própria SDI-2 em que o tratamento foi autorizado em clínicas indicadas pelos reclamantes. A relatora ponderou que as peculiaridades do caso concreto impediam a concessão do direito, especialmente pela ausência de critérios objetivos que indicassem a insuficiência da rede credenciada.

Mandado de segurança improcedente
Com isso, foi negado provimento ao recurso da paciente, mantendo-se o entendimento de que não houve violação a direito líquido e certo da paciente.

TRF6 reconhece fraude e devolve imóvel ao patrimônio de herdeiros

A Justiça Federal de Minas Gerais deu provimento ao recurso de apelação interposto pelo espólio de Jubina de Carvalho (herdeiros da falecida) e anulou uma série de registros imobiliários relacionados à transferência de um imóvel situado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A decisão reconheceu que a propriedade foi retirada do patrimônio da falecida de forma fraudulenta. Proferido no dia 9 de abril de 2025, o acórdão determinou a devolução do bem ao espólio e apontou indícios de possível prática de crime por parte dos envolvidos. O voto, aprovado por unanimidade pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), é de autoria do juiz federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves.

Na decisão, foi determinada a anulação das operações que resultaram na alienação do bem, desde a primeira venda irregular até a constituição de garantia fiduciária em favor da Caixa Econômica Federal.

Com a sentença, o imóvel deverá retornar ao espólio de Jubina de Carvalho, “livre de quaisquer encargos que não foram devidamente instituídos, na mesma condição em que se encontrava antes da prática do golpe ora desmantelado”, conforme escreveu o magistrado.

Fraude reconhecida

A decisão considerou nulos os atos jurídicos que levaram à transferência da propriedade para o réu Arthur Ferreira, posteriormente repassada a Lucas Keoma Faria. O magistrado também declarou inválida a instituição de propriedade fiduciária em favor da Caixa Econômica Federal, concluindo que houve vícios insanáveis nas operações, em prejuízo do espólio.

Além de anular as escrituras públicas de compra e venda, o juiz determinou o cancelamento de todos os registros correspondentes na matrícula do imóvel (nº 37.104), incluindo a emissão de cédula de crédito imobiliário relacionada ao financiamento fraudulento.

Responsabilização e envio ao Ministério Público

Pelos danos processuais causados, Arthur Ferreira e Lucas Keoma Faria foram condenados, solidariamente, ao pagamento de 70% das custas e honorários advocatícios. A Caixa Econômica Federal, embora reconhecida como tendo uma participação menor nos atos ilícitos, deverá arcar com os 30% restantes.

Diante dos indícios de crime, o juiz determinou a expedição de ofícios ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para apuração de possíveis ilícitos penais, especialmente crimes contra empresa pública federal.

Vitória do espólio

O recurso foi apresentado após sentença anterior extinguir parte das pretensões do espólio sem julgamento de mérito, ao entender que a Justiça Federal não teria competência para analisar os pedidos de indenização. Com a nova decisão, essas alegações foram superadas e o mérito da causa foi enfim reconhecido.

A decisão representa um marco importante no combate à grilagem urbana e à fraude documental no interior de Minas Gerais.

Apelação Cível nº 0009096-86.2015.4.01.3803/MG

TJ/SC mantém condenação por dano a lavoura causado por eucaliptos plantados na divisa

A 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a condenação de um proprietário rural a reparar os prejuízos causados à lavoura de soja do vizinho devido ao plantio de eucaliptos em área muito próxima à divisa entre os imóveis. O sombreamento provocado pelas árvores foi apontado como responsável por perdas nas safras de 2019 e 2020, além de dificultar o manejo do solo e comprometer uma cerca divisória.

Na origem, o juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Canoinhas já havia reconhecido a responsabilidade do réu e fixado a indenização em R$ 5.775, além da obrigação de retirar as raízes das árvores, manter distância mínima de 11 metros para novos plantios e reconstruir a cerca destruída. “A prova testemunhal corroborou o laudo apresentado, indicando que, de fato, as árvores causaram prejuízo à lavoura da parte autora”, registrou o magistrado na sentença.

Em apelação, o requerido alegou que o sombreamento era natural, que suas árvores estavam a três metros da divisa — em conformidade com o Código Civil — e que a cerca já estava deteriorada pelo tempo. Defendeu ainda que a indenização era arbitrária e baseada apenas em estimativas.

No entanto, a relatora do acórdão rejeitou a tese e sustentou que a definição da distância mínima entre os plantios é consequência natural da procedência do pedido. “Por decorrência lógica da procedência do pedido, torna-se necessária a delimitação da distância (entre as plantações), o que não configura julgamento ultra petita (sic), ao revés, é medida benéfica ao réu pois impede que o limite de espaçamento seja definido pelo autor de forma arbitrária”, anotou a desembargadora.

A magistrada também reconheceu que ficou comprovado o prejuízo causado pela sombra e pelas raízes dos eucaliptos na produção agrícola do vizinho. “A prova produzida no processo é suficiente para comprovar que as árvores existentes no terreno do réu causaram prejuízos à lavoura da parte autora”, concluiu.

O voto foi acompanhado pelos demais membros da 2ª Câmara de Direito Civil do TJSC

Apelação n. 5006674-83.2021.8.24.0015/SC

TJ/SP concede usucapião extraordinária de veículo doado por falecido

Sobrinho exerce posse do bem desde 2017.


A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou pedido de usucapião extraordinária e reconheceu o domínio de homem sobre veículo doado verbalmente pelo tio falecido em 2018. De acordo com os autos, desde 2017 o apelante tem a posse do veículo, arcando com os custos de manutenção, tributos e demais encargos.

Em seu voto, o relator do recurso, Marcello do Amaral Perino, destacou que foram preenchidos os requisitos exigidos para o reconhecimento do pedido, sobretudo porque se fundamenta no decurso do tempo e na posse ininterrupta. “A análise do contexto fático-probatório demonstra que o apelante exerceu aposse sobre o veículo de forma exclusiva, com todos os atos típicos de proprietário, como a manutenção do bem e o pagamento dos tributos O fato de ter recebido o veículo por doação não altera a natureza da posse que, como estabelecido pelo Código Civil, pode resultar em usucapião extraordinária após o prazo de cinco anos”, afirmou.

Ele salientou, ainda, que a possibilidade de pedido pela via administrativa não impede que a regularização se dê judicialmente. “Cabe destacar, por fim, que já houve tentativa de regularização da propriedade do veículo por meio de outro procedimento, com pedido de expedição de alvará judicial (…) Essa tentativa frustrada reforça a necessidade de recorrer à usucapião extraordinária”, concluiu.
Participaram do julgamento, de votação unânime, os magistrados Lucilia Alcione Prata e Vito Guglielmi.

Apelação nº 1001311-64.2022.8.26.0575

TRT/SP: Trabalhadora de empresa que explora jogos de azar não consegue vínculo empregatício

Decisão proferida na 7ª Vara do Trabalho da Zona Leste de São Paulo-SP concluiu que operadora de caixa manteve relação empregatícia com ré, mas considerou o vínculo jurídico nulo de pleno direito porque a empresa explorava atividade de bingo, além de outros jogos de azar, como o “tigrinho”.

Na decisão, a juíza Priscila Basilio Minikoski Aldinucci citou a Lei das Contravenções Penais no Brasil (Decreto-Lei nº 3.688/1941), a qual prevê que “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público caracteriza contravenção penal”. A magistrada mencionou ainda o entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 199 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho e julgados prolatados no TRT da 2ª Região que declararam inválidos contratos de trabalho para atividades do jogo do bicho, não gerando direitos trabalhistas.

“Nessa linha, tendo em vista que a reclamante desempenhava a atividade de operadora de caixa, essencial para a atividade-fim da reclamada, que era ilícita, tenho que o contrato de trabalho havido entre as partes é nulo, ante a ilicitude de seu objeto, razão pela qual não subsiste nenhuma repercussão jurídica dele, já que não obedecido um dos requisitos de validade do contrato, conforme artigo 104, II, do Código Civil”, finalizou.

O processo pende de julgamento de recurso ordinário.

Processo nº 1001812-66.2024.5.02.0607

TJ/SC nega penhora de bens de ex-cônjuge por dívida contraída durante o casamento

Relator destacou que comunhão parcial não gera responsabilidade automática por débitos.


A Terceira Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) decidiu, por unanimidade, manter decisão que negou o pedido de penhora de valores depositados em conta bancária da ex-esposa de um devedor. O colegiado reafirmou o entendimento de que o regime de comunhão parcial de bens não implica, por si só, responsabilidade solidária pelas dívidas do outro cônjuge.

No caso, um posto de combustíveis buscava executar dívida contraída em 2023, durante o casamento do executado. A tentativa de penhora visava a conta bancária de sua ex-esposa, com o argumento de que os frutos da sociedade conjugal beneficiaram ambos e, portanto, a obrigação deveria recair sobre o patrimônio comum do casal.

A Terceira Câmara, no entanto, entendeu que o fato de a dívida ter sido contraída durante o casamento não autoriza, de forma automática, o bloqueio de valores em nome de terceiro não participante do processo de execução. Segundo o desembargador relator, não se admite a penhora de ativos financeiros da conta bancária pessoal de terceiro não integrante da relação processual em que se formou o título executivo, só pelo fato de ser casado com a parte executada sob o regime da comunhão parcial de bens.

O voto destacou ainda que o regime de bens adotado pelo casal não torna o cônjuge solidariamente responsável de forma automática por todas as obrigações contraídas pelo parceiro, e que impor a penhora a um terceiro que não participou do processo de conhecimento viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

A decisão se alinha ao entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Conforme precedentes citados, “a ausência de indícios de que a dívida foi contraída para atender aos encargos da família, despesas de administração ou decorrentes de imposição legal torna incabível a penhora de bens pertencentes ao cônjuge do executado”.

A turma reforçou que, para viabilizar a constrição de valores, seria necessário comprovar que a conta da ex-esposa era usada pelo devedor para movimentações financeiras ou ocultação de patrimônio — o que não foi demonstrado nos autos.

Ao final, o relator concluiu: “In casu, embora a parte agravante alegue que as dívidas foram contraídas durante a constância do casamento, firmado sob o regime da comunhão parcial de bens, a então esposa não figura como demandada nos autos do cumprimento de sentença originário”

Processo n. 5083697-48.2024.8.24.0000

TRT/RS: Operador de supermercado deve receber indenização por ofensas racistas de colega de trabalho

Resumo:

  • Um operador de supermercado sofreu ofensas racistas de uma colega de trabalho, que o chamava de “nego” de forma pejorativa e dizia que ele não trabalhava bem.
  • O empregado apresentou uma denúncia ao gerente, mas nenhuma atitude foi tomada pelo supermercado, e, posteriormente, a colega foi promovida a superior do operador.
  • A decisão da 4ª Turma do TRT-RS considerou que a empresa foi negligente ao não promover um ambiente de trabalho livre de discriminação.
  • A decisão unânime do colegiado manteve a sentença e condenou a empregadora a indenizar o trabalhador, fixando a reparação em R$ 20 mil.

Um operador de perecíveis de uma rede de supermercados, vítima de ofensas racistas feitas por uma colega que posteriormente foi promovida para ser sua chefe, deve receber indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), que confirmou a sentença da juíza Amanda Brazaca Boff, da 1ª Vara do Trabalho de Canoas.

O colegiado baseou sua decisão no Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na Convenção Interamericana contra o Racismo e nos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos.

De acordo com o relato das testemunhas ouvidas no processo, o trabalhador era chamado de “nego” de forma pejorativa pela colega, que dizia que ele não trabalhava bem. Os insultos ocorreram mais de uma vez. O trabalhador efetuou uma denúncia ao gerente, que apenas ouviu a versão da colega e não tomou nenhuma atitude. O empregado também registrou uma ocorrência policial sobre os fatos. Posteriormente, a colega ofensora recebeu uma promoção e passou a ser chefe do operador.

A juíza de primeira instância concluiu que as alegações do trabalhador estavam comprovadas. Ela destacou que a empregadora tinha pleno conhecimento das práticas discriminatórias, mas não adotou medidas adequadas para coibi-las.

“Friso que, em se tratando de discriminação racial, a punição da ofensa deve ser exemplar e acompanhada de ação preventiva consistente, uma vez que a prática antirracista representa, antes de tudo, um dever coletivo. Em outras palavras, a omissão da empregadora, na posição de garantidora da higidez do meio ambiente do trabalho, representa ação deveras gravosa, tão ou mais opressora quanto a própria ofensa em si considerada”, apontou a juíza. Nessa linha, a sentença julgou procedente o pedido.

Tanto o supermercado quanto o trabalhador recorreram da decisão ao TRT-RS. A desembargadora Beatriz Renck, relatora do caso, ressaltou que o trabalhador foi exposto a episódios de clara discriminação racial e que a empresa falhou em oferecer um ambiente inclusivo e livre de preconceito.

“Como se vê, a prova revela a existência de prática racista contra o autor sem qualquer atitude da reclamada. Na verdade, a impressão que fica é que a colega assediadora foi premiada com uma promoção, passando a superior hierárquica do autor, o qual foi posteriormente despedido”, pontuou a magistrada.

Nessa linha, a Turma concluiu que o supermercado foi negligente ao não promover um ambiente de trabalho livre de discriminação e não ter tomado medidas efetivas para prevenir e combater atos de racismo.

“Destaco que o racismo, especificamente no ambiente de trabalho, representa uma violação direta à dignidade da pessoa humana e um obstáculo à igualdade e à justiça social, afetando, nesse sentido, negativamente a saúde mental, o bem-estar e o desempenho dos indivíduos de grupos racializados”, fundamentou a desembargadora.

A decisão foi unânime, com a Turma mantendo o valor da indenização. O acórdão ainda pode ser objeto de recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O julgamento contou também com a participação da desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira e do desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal.

TJ/MT garante direito de posse a compradora enganada por vendedor que fingiu ser viúvo

A Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) decidiu, por unanimidade, manter a posse de um imóvel com a compradora que adquiriu o bem de boa-fé, mesmo sem a autorização da ex-companheira do vendedor. A decisão, proferida em 25 de março de 2025, reforça a importância da boa-fé nas relações contratuais e a segurança jurídica nas transações imobiliárias.

O imóvel, localizado em Rondonópolis (MT), foi adquirido pela compradora por meio de contrato de compra e venda e posteriormente financiado. No entanto, a transação foi questionada após a ex-companheira do vendedor ajuizar ação de reconhecimento e dissolução de união estável, alegando que a venda foi realizada sem sua autorização – o que tornaria o negócio nulo, segundo o artigo 1.647 do Código Civil.

No processo, a compradora apresentou uma série de documentos que demonstraram sua boa-fé: o contrato assinado com o vendedor, que se declarou viúvo, a procuração para tratar do financiamento habitacional, fatura de energia em seu nome e comprovantes de pagamento das parcelas.

“O vendedor declarou-se viúvo em todos os documentos apresentados à compradora, inclusive na matrícula do imóvel, não havendo qualquer elemento indicativo de má-fé da embargante”, destacou o relator do processo, desembargador Sebastião de Arruda Almeida.

A ex-companheira do vendedor, por sua vez, alegou que o imóvel teria sido adquirido durante a união estável e que a venda, sem sua ciência, violava o regime de bens e deveria ser anulada. Contudo, o colegiado entendeu que o pedido de anulação não poderia ter sido feito como pedido contraposto em contestação, mas sim por reconvenção ou ação própria, conforme o artigo 343 do Código de Processo Civil.

“A pretensão de anulação do contrato de compra e venda se mostra inadequada na via utilizada, devendo ser manejada por reconvenção ou ação própria”, afirma o acórdão.

Outro ponto decisivo foi a inexistência de qualquer registro formal da união estável à época da venda. A decisão cita a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que, na ausência de publicidade do vínculo, a boa-fé do adquirente deve prevalecer.

“É válida a aquisição de imóvel realizada por terceiro de boa-fé que ignora a existência de união estável sem publicidade, ainda que ausente a outorga uxória, quando o alienante se declara viúvo e inexiste qualquer anotação ou registro que evidencie o vínculo”, diz a tese fixada no julgamento.

A sentença de origem, mantida integralmente, havia reconhecido a posse justa da compradora com base nos artigos 1.196, 1.200 e 1.201 do Código Civil, além da Súmula 84 do STJ, que admite a defesa da posse por meio de embargos de terceiro, mesmo sem o registro do contrato de compra e venda.

O colegiado também esclareceu que a sentença da ação de dissolução de união estável tratou apenas da partilha dos valores pagos no financiamento, sem mencionar ou invalidar o contrato de venda celebrado com a compradora.

“A sentença nos autos da ação de reconhecimento e dissolução da união estável limitou-se à partilha das parcelas pagas do financiamento, sem qualquer pronunciamento acerca da posse exercida por terceiro ou da validade do contrato de compra e venda”, conclui o acórdão.

Com a decisão, a compradora permanece na posse do imóvel, enquanto a ex-companheira do vendedor poderá buscar eventual reparação em ação própria contra o antigo companheiro, que omitiu o relacionamento na documentação oficial da transação.


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