Ricardo Antunes, da Unicamp, fala no TST sobre as novas morfologias do trabalho

O sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, titular da Unicamp, vem cumprindo, nos últimos anos, junto a juízes do trabalho recém-chegados à magistratura, o papel de provocador. Autor de diversos livros de sociologia voltados para a análise da questão do trabalho, Antunes cunhou a expressão que acabou adotada pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) como uma de suas disciplinas: “Novas Morfologias do Trabalho”. Na condição de provocador, ele falou aos novos juízes sobre o panorama “rico, denso, complexo e qualificado, cheio de significados e ressignificados”, do mundo do trabalho em escala global. Sua proposta é que os magistrados pensem o trabalho não apenas sob o ponto de vista jurídico e legal, mas também por seu lado social. “Eu puxo o debate para um tema que não é comum nos cursos de Direito: a substância, a conformação social do cenário do trabalho hoje”, explicou ele ao participar de mesa-redonda para um grupo de 51 novos juízes, no dia 14, em Brasília.

Em sua exposição, Antunes fez um desenho comparativo entre o mundo produtivo nas primeiras décadas do século XX e nas últimas três décadas e meia, suscitando reflexões sobre as novas formas de trabalho e os desafios que trazem para a legislação social e o Direito do Trabalho e para a Justiça do Trabalho, nos julgamentos dos conflitos entre o capital e trabalho – do modelo taylorista-fordista aos “infoproletários”, passando pelas profundas mudanças na geopolítica e na economia mundiais, com a financeirização da economia e a mundialização dos capitais. “Nos anos 70, a China era um país de economia fechada que se recusava ao diálogo com o capitalismo. A mudança é de tal envergadura que hoje o mundo capitalista depende da China”, assinalou.
O modelo taylorista-fordista foi marcado por uma disjunção entre os gestores científicos – administradores e engenheiros que concebiam o fluxo produtivo – e a massa de trabalhadores manuais responsável pela execução – os “gorilas amestrados”, na definição de Frederick Taylor e pela produção em série e o trabalho fragmentado. “Esse modelo se expandiu para todo o mundo e penetrou, como diz Georg Lukács, a subjetividade mais profunda do trabalhador”, explica o sociólogo. Paralelamente, o trabalho nessas circunstâncias era razoavelmente regulamentado e provido de direitos – em decorrência das lutas da classe trabalhadora ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX.

Ricardo Antunes afirma que, ao contrário do que se previa há alguns anos, não ocorreu o “fim do trabalho”. A empresa moderna amplifica o parque industrial, mas reduz o trabalho vivo, que passa a ser polivalente, multifuncional. O trabalhador vive rotinas estressantes por ficar ligado e disponível o tempo todo. Esta nova configuração é tema do último livro de Antunes, “Infoproletários – Degradação Real do Trabalho Virtual”. Mesmo nos setores de tecnologia da informação, ele observa uma combinação paradoxal entre o maquinário altamente qualificado e condições intelectuais razoáveis, e condições de trabalho que remontam aos séculos XIX e XX: jornadas extenuantes, metas quase irrealizáveis, até mesmo controle de necessidades fisiológicas. “É por isso que vimos na semana passada a 24ª morte por suicídio na France Telecom em 18 meses. Não é o admirável mundo novo: é o abominável mundo novo do trabalho.”

Placas tectônicas
Apesar de manifestar certo desalento com o cenário atual, Ricardo Antunes se diz otimista quanto a possíveis saídas. “Há resistências, há lutas sociais”, afirma, citando movimentos na França, na China (“lá, uma microrrebelião numa empresa envolve milhares de trabalhadores”), na Bolívia, Venezuela e Equador. “As placas tectônicas se movimentam, e a Justiça do Trabalho não é uma expressão epifenomênica do que ocorre no mundo do trabalho: ela é expressão dessa própria tensão social.” Nesse cenário, o sociólogo entende que a Justiça do Trabalho tem de dizer “se é favorável ao mundo da empresa que destrói o trabalho ou ao mundo do trabalho que preserva a dimensão humana”. Para Antunes, “este é o imperativo do século XXI, que nos obriga – sociólogos, economistas, juízes – a olhar e ver que a corrosão social é profunda, e o que podemos fazer em relação a isso.”
(Carmem Feijó/Enamat)

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