Falta de lei – Escola de artes marciais não precisa de registro

As escolas de artes marciais não são obrigadas a se submeter à fiscalização do Conselho Regional de Educação Física (Cref). O entendimento é do juiz Carlos Alberto da Costa Dias, da 2ª Vara da Justiça Federal em Florianópolis, que concedeu liminar ao Centro de Lutas Marciais Chute Boxe, de Balneário Camboriú.

Segundo o juiz, restrições ao exercício profissional só podem ser feitas por meio de lei e não existe na legislação norma que regulamente o ensino de artes marciais. “Logo, a atividade pode ser praticada livremente, independentemente de fiscalização do Cref, (…) haja vista a inexistência de lei que estabeleça os limites dessa atividade ou a exigência de qualificações profissionais”, afirmou o juiz no pedido de liminar em Mandado de Segurança.

A liminar dispensa a inscrição no Conselho, impede a cobrança de anuidades e desobriga os instrutores de artes marciais de fazerem cursos. O Cref pode recorrer.

Leia a decisão

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2008.72.00.011988-4/SC

IMPETRANTE: CENTRO DE LUTAS MARCIAIS CHUTE BOXE LTDA/ ME

ADVOGADO: GUSTAVO SOARES BOSCARDIN

IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE EDUCACAO FISICA – CREF

DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)

1. Trata-se de mandado de segurança com pedido de ordem liminar, inaudita altera parte, para que seja determinado à autoridade impetrada que “se abstenha de qualquer interferência nas atividades desenvolvidas pela impetrante, determinando também a desnecessidade de registro de funcionamento junto ao CREF3/SC, a desnecessidade de Responsável Técnico registrado junto ao CREF3/SC acompanhando as aulas ministradas, a desnecessidade de freqüência em curso de nivelamento e de filiação dos professores de artes marciais da impetrante junto ao CREF3/SC e a impossibilidade de aplicar sanção de qualquer natureza à impetrante” (folha 14). Em provimento final, a impetrante pede a confirmação da ordem liminar.

2. A impetrante alega que se dedicaria ao ensino de artes marciais, que teriam a natureza de “técnicas de defesa pessoal” (folha 5) e não de atividades concernentes à profissão de Educação Física, razão pela qual não estaria sujeita à fiscalização exercida pelo Conselho Regional de Educação Física de Santa Catarina. Assim, as exigências de inscrição da impetrante no referido Conselho, de pagamento de anuidades, de contratação de Responsável Técnico e de submissão de seus funcionários a cursos de nivelamento seriam ilegítimas, por ausência de previsão legal e conseqüente violação ao princípio do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Junta procuração e documentos, às folhas 16 a 28. Comprova o recolhimento das custas processuais, à folha 18.

Decido.

3. Estão presentes os requisitos necessários para a concessão da ordem liminar sem a oitiva da parte contrária.

4. A Constituição Federal garante o livre exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, no artigo 5º., inciso XIII.

5. A República Federativa do Brasil tem como fundamento a livre iniciativa e o valor social do trabalho. O artigo 1°., inciso IV, da Constituição Federal, assim dispõe:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(omissis)

IV – valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

6. Quanto aos limites da atividade exercida pelos autores, é certo que a lei pode regulamentá-los. O parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal estabelece que:

É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

7. A regulamentação estatal das atividades econômicas, no entanto, deve estar de acordo com o interesse público. O artigo 174 da Constituição dispõe que a fiscalização da atividade profissional tem o sentido de incentivo e planejamento do exercício da atividade econômica privada, de forma “indicativa”. Assim dispõe o artigo referido:

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (grifei)

8. Assim, exige-se a edição de lei para a regulamentação de qualquer trabalho, ofício ou profissão, nos termos do artigo 5º., inciso XII, e do artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal, razão pela qual a atividade exercida pela impetrante não pode sofrer limitação por meio de resolução do Conselho Regional de Educação Física.

9. Inexiste no ordenamento jurídico pátrio lei que regulamente a atividade de ensino de artes marciais. A Lei 9.696, de 1º. de setembro de 1998, não disciplina a atividade, e sim a profissão de Educação Física.

10. Logo, a atividade de ensino de artes marciais pode ser praticada livremente, independentemente de fiscalização do Conselho Regional de Educação Física, de registro da impetrante nesse órgão, de pagamento de anuidades, de submissão dos seus funcionários instrutores de artes marciais a cursos de nivelamento ou de contratação de Responsáveis Técnicos, haja vista a inexistência de lei que estabeleça os limites dessa atividade ou a exigência de qualificações profissionais. Nesse sentido, leiam-se as seguintes ementas:

ADMINISTRATIVO. PROFESSOR DE JUDÔ. EXIGÊNCIA DE CURSO DE NIVELAMENTO E POSTERIOR INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA (RESOLUÇÃO 45/2002). CONDIÇÃO PARA EXERCER PROFISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO LIVRE EXERCÍCIO PROFISSIONAL.

I – Embora a Lei nº. 9696/98, em seu art. 2º., inciso III, disponha que serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os profissionais que, “até a data do início da vigência desta lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física”, o referido Conselho não explicitou “as atividades próprias dos Profissionais de Educação Física”, limitando-se, apenas, a editar a Resolução nº. 13/99 e, posteriormente, a Resolução 45/2002, exigindo dos professores de artes marciais, que não cursaram a faculdade de Educação Física, a freqüência em curso de nivelamento, como requisito indispensável para a inscrição definitiva em seus quadros e para o exercício da profissão. Ao assim proceder, o referido Conselho violou o princípio da legalidade, porquanto criou uma obrigação através de norma infralegal, desconsiderando o livre exercício profissional, insculpido no art. 5º., XIII, da Carta Política de 1988.

II – As artes marciais, embora naturalmente envolvam movimentação corporal, não são atividades próprias do profissional de educação física, sendo certo que o professor de artes marciais deve transmitir conhecimentos teóricos e padrões de comportamento, os quais não são oferecidos no curso superior de Educação Física. Tal curso não prepara professores de artes marciais, não estando os graduados naquele curso aptos a lecionar qualquer modalidade de artes marciais.

III – A exigência, por parte do Conselho Federal em questão, de que o impetrante se inscreva no Conselho Regional de Educação Física para poder exercer seu ofício ofende o direito de liberdade laboral previsto constitucionalmente.

IV – Apelação e remessa improvidas.

(Acórdão do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Apelação em Mandado de Segurança 2002.51.01.005940-0/RJ, Quinta Turma Especializada, Desembargador Federal Antônio Cruz Neto, julgado por unanimidade, em 28 de fevereiro de 2007, publicado no DJ, de 12 de março de 2007, p. 260)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO INTEMPESTIVA. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. RESOLUÇÃO Nº. 46/2002 DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. PODER REGULAMENTAR. EXCESSO. ATIVIDADES PROFISSIONAIS.

[…]

A Resolução nº. 46/2002, do Conselho Federal de Educação Física, mero ato regulamentar, excedeu suas atribuições, ao dizer mais que a lei.

A educação física compreende o ato de educar, ou seja, ensinar, transmitir conhecimentos através de um processo de instrução. Assim, somente aquelas atividades que envolvam a educação do corpo como atividade-fim é que estão abrangidas pela Lei nº. 9.696/98.

Se a lei não incluiu em sua disciplina jurídica os profissionais de dança, ioga, artes marciais e capoeira, como assentado, estas atividades, ministradas em qualquer que seja o local, não se submetem ao regime estatuído.

[…]

(Acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Apelação Cível 2003.70.00.003788-9/PR, Terceira Turma, Relatora Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, julgado por unanimidade, em 8 de maio de 2007, publicado no DE, de 30 de maio de 2007)

11. Está presente, portanto, o fumus boni iuris.

12. O periculum in mora, por seu turno, decorre dos prejuízos que podem vir a ser causados à impetrante até a prolação da sentença, caso não sejam prontamente afastadas as exigências apontadas no relatório de visita, à folha 24.

13. Em face do exposto, concedo a ordem liminar para determinar à autoridade impetrada que se abstenha de autuar ou praticar atos de fiscalização no estabelecimento da impetrante em virtude das atividades de ensino de artes marciais, bem como atos tendentes a coagir a impetrante a inscrever-se no Conselho Regional de Educação Física de Santa Catarina, a pagar as respectivas anuidades, a submeter seus funcionários instrutores de artes marciais a cursos de nivelamento e a inscrição no referido Conselho ou a contratar profissionais de Educação Física para exercer a responsabilidade técnica por seu estabelecimento.

Retifique-se a autuação, a fim de que conste a correta qualificação da autoridade impetrada, qual seja, “Presidente do Conselho Regional de Educação Física de Santa Catarina”, conforme indicado na petição inicial, à folha 3.

Após, notifique-se a autoridade impetrada para prestar informações, no prazo legal. Ato contínuo, dê-se vista ao Ministério Público Federal para parecer. Por fim, tragam-me os autos conclusos para sentença.

Intimem-se.

Florianópolis, 27 de outubro de 2008.

Carlos Alberto da Costa Dias

Juiz Federal

Revista Consultor Jurídico

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