Consequências das inconstitucionalidades de tributos são discutidas em livro

O livro Argumentando pelas consequências no direito tributário é resultado da tese de doutorado de Tathiane Piscitelli, defendida na Faculdade de Direito da USP sob a orientação do Professor Paulo de Barros Carvalho, e trata da possibilidade de os magistrados utilizarem-se de argumentos consequencialistas na justificação de julgados.

A relevância do tema está no fato de que muitas das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal têm levado em consideração as consequências negativas que a inconstitucionalidade de tributos pode trazer para a Fazenda Pública.Nesse aspecto, prevalecem argumentos sensíveis aos níveis de arrecadação tributária e à necessidade de garantir receitas para determinadas áreas, como a Previdência Pública.

A pergunta enfrentada pelo livro é: argumentos como estes podem ser qualificados de argumentos jurídicos, tendo-se em conta a teoria da argumentação? Ou seja, são razões válidas no processo de justificação de uma decisão judicial ou tratam-se, apenas, de considerações políticas e econômicas que deveriam ficar de fora do debate judicial?

Para responder às questões, a autora estabelece, a partir de uma determinada concepção de direito tributário, que argumentos como os mencionados acima, em prol da Fazenda e que se baseiam na necessidade de manutenção dos níveis de receita pública, seriam, sim, argumentos jurídicos passíveis de serem suscitados no contexto da justificação das decisões judiciais e, notadamente, das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Para chegar a essa conclusão, Piscitelli estabelece uma concepção particular de direito tributário, que contraria o senso comum presente na doutrina. Nesse sentido, coloca-se como uma crítica severa dos autores que defendem uma separação absoluta entre direito tributário e direito financeiro. Partindo da hipótese de que ambas as disciplinas são dois lados da mesma moeda, a tese reconstrói a trajetória de formação do direito tributário e é capaz de demonstrar que o direito tributário nasce, exatamente, da necessidade de financiamento do Estado e, assim, como braço do direito financeiro.

O argumento que permeia tal raciocínio é o de que os tributos são necessários à existência do Estado e, em última análise, dos próprios direitos e garantias individuais, já que referidos direitos e garantias são suportados por instituições inerentes ao Estado e, portanto, dependentes de receitas públicas provindas do pagamento de tributos pelos cidadãos. Desse modo, o direito tributário seria pressuposto do Estado tal como ele se apresenta, não havendo que se falar em um direito à propriedade antes da tributação; o direito à propriedade depende do financiamento estatal que, por sua vez, é propiciada pelo direito tributário vigente.

A partir dessas considerações e de uma crítica ferrenha à separação radical entre direito tributário e direito financeiro, cujo início se deu na década de 60, com a publicação tanto do Código Tributário Nacional quanto do clássico “Teoria Geral do Direito Tributário”, de Alfredo Augusto Becker, a autora estabelece uma concepção mais abrangente de direito tributário, que considera não apenas elementos de defesa e garantia dos contribuintes mas, também, questões relacionadas à necessidade de manutenção do Estado e, assim, de arrecadação das receitas públicas.

Daí, portanto, afirmar que os argumentos consequencialistas podem abranger tanto consequências negativas aos contribuintes, porque ofensivas de direitos constitucionalmente garantidos, quanto consequências indesejadas à Administração, porque atentatórias à manutenção do Estado e, em um sentido mais lato, à garantia mesma dos direitos dos contribuintes.

Importante dizer que isso não implica a prevalência absoluta da tese favorável à Fazenda Pública. Ao contrário, a autora reconhece que cada decisão é única e as razões para o julgamento devem ser sopesadas no ato de julgar. No entanto, a relevância do reconhecimento desses argumentos em prol da arrecadação como “jurídicos”, e não simplesmente “econômicos ou políticos”, está no fato de que,dessa forma, referidas questões relacionadas à arrecadação tributária — frequentemente suscitadas pela Fazenda Pública — para que prevaleçam, devem ser devidamente justificadas pelo juiz.

Desse modo, o argumento estará mais visível aos olhos dos contribuintes, que poderá enfrentá-lo diretamente. Isso porque, nos moldes como a questão é enfrentada hoje nos Tribunais, o que se tem é a consideração de que tais argumentos são políticos e, assim, aparte do processo de decisão. Contudo, uma vez que a tese da autora legitima tais argumentos como jurídicos, o processo de decisão torna-se mais transparente, já que os contribuintes poderão enfrentar diretamente as questões levantadas pela Fazenda e exigir dos juízes que se manifestem claramente nesse sentido.

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