Tombamento: Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à luz da Constituição Federal…

Tombamento: Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à Luz da Constituição Federal, Dec.-Lei n. 25 de 30/11/37 e Lei n. 3.924 de 20/07/61.

Fernanda Schimitt
Bacharela em Direito pela UFSM

Com o presente trabalho propõem-se breve análise sobre a restrição imposta à propriedade privada na forma de Tombamento.

Despertou-nos interesse o tema em razão de ser pouco difundido e muito temido, pois repercute diretamente no direito à propriedade privada, por conseqüência, é um tema que, não explorado, gera insegurança à sociedade.

Busca-se o aprofundamento do tema, sem a pretensão de esgotá-lo, através de uma perspectiva teórica, com base na doutrina e legislativa, calcado na Constituição Federal, Decreto-lei n.º 25, de 30/11/37 e Lei n.º 3.924, de 20/07/61.

Sabe-se que ao Estado compete a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, pois estes refletem a identidade da nação brasileira e, por conseqüência, devem ser preservados.

A Carta Maior de 1988, no art. art. 226 e incisos estabelece o que constitui o patrimônio cultural brasileiro.

Art. 226. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem;

I- as formas de expressão;

II- os modos de criar, fazer e viver;

III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Menciona ainda a Constituição Federal no §1º do art. acima transcrito, que compete ao Poder Público com o auxílio da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, bem como acautelamento e preservação.

Já o art. 1º do Decreto-lei n.º 25 estabelece o que constitui o patrimônio histórico e artístico nacional:

“Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

A partir desse intróito, passa-se ao desenvolvimento do tema proposto.

Precipuamente, cabe relatar que a expressão Tombamento e Livro de Tombo, segundo ensinamento de Hely Lopes Meirelles, provém do Direito Português, onde a palavra tombar significava inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do Reino, os quais eram guardados na Torre do Tombo.

O Estado de forma extraordinária pode intervir na propriedade regulando bens (coisas ou locais) particulares ou públicos em razão da supremacia do interesse público, por conter esses bens, inestimável valor histórico e cultural.

Por conseqüência do tombamento, têm-se bens privados integrando o patrimônio histórico e artístico da nação porquanto esses bens possuem inarredável valor para a sociedade, merecendo, por conseqüência, proteção do Estado.

Segundo Diogenes Gasparini o tombamento nada mais é do que uma servidão administrativa, porém, com outro nome, instituída sempre que o Poder Público deseja preservar determinado bem, seja público ou particular. Afirma ainda, o renomado doutrinador, que o assunto recebe tratamento diferenciado em razão de sua relevância, mas isso não significa qualquer nova espécie de intervenção na propriedade.

Considera-se patrimônio histórico e artístico nacional bens móveis ou imóveis cuja conservação seja de interesse social, por possuírem vinculação com fatos da história ou por excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou ambiental. Consoante art. 3º do Dec.-lei n.º25, as obras de origem estrangeiras estão excluídas do patrimônio histórico e artístico nacional.

O Tombamento pode ser definido como sendo a submissão de certo bem público ou particular a um regime especial de uso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.

Perfaz finalidade do tombamento a proteção a própria identidade nacional, logo, o Estado intervém na propriedade privada em prol da coletividade.

O órgão administrativo incumbido da atribuição de apontar bens passíveis de tombamento, proclama-os tombáveis, mas não está afastada a possibilidade de irresignação do proprietário que, visando o afastar do tombamento, socorre-se ao Poder Judiciário, valendo-se, para tanto, de meios periciais adequados, cabendo ao Juízo apreciar tão-somente a legalidade do ato administrativo, à luz da legislação pertinente.

Consoante à Constituição Federal cabe a todos os entes administrativos o dever de preservação dos bens de valor histórico e cultural.

Assim expressa o art.23, III, da Constituição Federal:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

III- proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

Com relação à competência legislativa, estabelece-se que esta é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, cabendo à União a edição de normas gerais, as quais os Estados e o Distrito Federal deverão observar. Quanto aos Municípios, a Constituição Federal não assegurou qualquer competência legislativa, cabendo-lhes apenas “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”.

Por oportuno, transcreve-se os artigos referidos:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VII- proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

Art. 30. Compete aos Municípios:

II- suplementara legislação federal e estadual no que couber;

IX- promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Repisa-se que o tombamento efetiva-se na Constituição Federal à luz do §1º art.216.

Cabe ao Poder Público dispor sobre tombamento, coseqüentemente, qualquer entidade federada está autorizada através de órgão competente para fazer a declaração do bem, pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado ou público, como sendo patrimônio histórico-cultural, desde que respeitado o procedimento administrativo.

Na esfera federal o órgão responsável pelo tombo é o IPHAN- Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico Artístico Nacional que é uma autarquia federal que se vincula ao Ministério da Cultura. No âmbito estadual e municipal a atribuição será conferida a órgão criado para esse mister.

Compete à lei definir abstratamente o tombamento, mas é o ato administrativo que efetiva o tombo, o qual deve restrita obediência ao que prevê a norma nacional , expressa no Decreto-lei n.º 25, de 30/11/37.

Destarte, o tombamento é procedimento administrativo, vez que não se realiza em um só ato, mas em uma sucessão de atos preparatórios, essenciais à validade do ato final que somente se efetiva após o registro do objeto tombado no Livro do Tombo.

Quanto ao Livro do Tombo é significativo aludir que quatro são os Livros, sendo estes: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, Livro do Tombo Histórico, Livro do Tombo das Belas-Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas, os quais estão dispostos no Dec.-lei n.º 25, art. 4º.

O procedimento do tombo se encerra com o registro do bem no Livro de Tombo, entretanto, para que os efeitos do tombamento alcancem terceiros, bem como para que o Estado possa exercer o direito de preferência, em caso de alienação, é imprescindível a transcrição no Registro de Imóveis, averbando-se o tombamento ao lado da transcrição do domínio.

Com relação ao tombamento de bens móveis, afirma a Profª. Di Pietro que “embora a lei federal não contenha norma semelhante, deduz-se do §2º do mesmo dispositivo que a transcrição deve ser feita em registro público, no caso o Registro de Títulos e Documentos”.

Ressalta-se que a transcrição do tombamento no registro do imóvel não integra o procedimento administrativo, pois o tombo, por conseguinte, os seus efeitos, independem da averbação na matrícula do imóvel, sendo está necessária tão-somente para produzir efeitos a terceiros e para que o Poder Público possa exercer o direito de preferência sobre o bem tombado.

Em parecer da Consultoria Geral da República, aprovado por despacho presidenciável ficou decidido: “o eventual descumprimento pelo IPHAN, do dever de promover o registro dos bens particulares, definitivamente tombados, resulta em prejuízo de interesses das entidades públicas em exercer a preferência na aquisição deles e exonera o adquirente da obrigação de notificá-las. Mas, ainda assim, no plano do direito administrativo, o tombamento produzirá seus efeitos, facultando ao IPHAN praticar, nos limites de sua competência, os atos tendentes á vigilância e proteção dos bens “tombados”’ (in RDA120:406).

Afirma Gasparini que o fundamento da atribuição de tomar é tríplice, pois é político, na medida que compete ao Poder Público exercer o imperium sobre os administrados, vez que possui exercício sobre todos as coisas, bens e pessoas em seu território; é constitucional, por estar o tombamento previsto na Lei Maior e legal em razão de existir legislação própria a amparar o tombo.

Como do tombamento decorrem restrições ao direito de propriedade privada, o procedimento administrativo deverá oportunizar ao proprietário do bem o direito ao devido processo legal, com ampla defesa, na forma da lei, sendo que a desobediência as garantias previstas enseja à nulidade do procedimento a ser declarada pelo Poder Judiciário, em ação própria, na qual serão analisados, segundo expressa o Prof. Meirelles, “a legalidade dos motivos, bem como a regularidade do procedimento administrativo”.

O tombamento pode gerar restrições individuais ou gerais. São individuais as limitações quando atingem determinado bem, reduzindo o direito de propriedade ou impondo-lhe encargos. Já os efeitos gerais ocorrem quando as limitações impostas por decorrência do tombamento atingem toda a coletividade, obrigando-a a respeitar padrões urbanísticos ou arquitetônicos, a exemplo do tombamento de locais históricos.

Faz-se necessário breve manifestação quanto aos efeitos individuais, pois muito embora diretamente atinjam somente o proprietário do bem, reflexivamente terceiros também são atingidos, pois sofrem limitações indiretas, a exemplo de não poder construir de modo a sobrepor o bem tombado ou mesmo quando possuem o dever de preservá-lo.

Ressalta-se que o tombamento não é instrumento adequado à proteção da fauna e da flora, do que decorre o entendimento de que se utilizado tal procedimento este será indevido, pois para a proteção da fauna e da flora existem legislações próprias que são, respectivamente, o Código Florestal e o Código de Caça.

O ato administrativo que declara e registra o tombamento pode ser feito de ofício, voluntário ou compulsoriamente.

O tombo será de ofício quando o bem declarado de valor histórico- cultural for público, decorrendo os efeitos do tombo a partir da notificação à entidade a que o bem pertence. Será voluntário quando o proprietário do bem solicita a declaração de tombamento do bem, sendo necessário que este possua os requisitos para a declaração de interesse social, a juízo do órgão competente ou que o proprietário no momento em que for notificado pelo órgão competente a respeito do tombamento expressar anuência, por escrito, ao procedimento e por fim, será compulsório quando o tombo é realizado por iniciativa do Poder Público ainda que não corresponda a vontade do proprietário (Salienta-se que o procedimento para o tombamento compulsório está estipulado no art. 9º do Dec.-lei n.º 25).

De extrema relevância é a verificação da natureza jurídica do tombamento.

Muito embora exista posicionamento em contrário, o tombamento é ato discricionário, pois apesar de estar previsto na Constituição Federal quais os bens que constituem patrimônio histórico-cultural passíveis de tombamento, ao executivo foi facultado a análise do caso concreto, podendo afastar a incidência do tombo.

Destarte, tem-se hipótese em que o bem perfaz as exigências contidas na lei maior e na própria legislação infraconstitucional, porém, o Poder Público, de forma motivada, afasta-o do tombo, sob o fundamento de prevalência do interesse público. Nota-se então a existência de interesses públicos conflitantes, conferindo-se ao executivo a possibilidade de escolha.

Ao encontro do que se menciona, bem expressa Di Pietro:

“Ocorre que o patrimônio cultural não é o único bem que compete ao Estado proteger. Entre dois valores em conflito, a Administração terá que zelar pela conservação daquele que de forma mais intensa afete os interesses da coletividade. Essa apreciação terá que ser feita no momento da decisão, diante do caso concreto; evidentemente, se nenhuma razão de interesse público obstar o tombamento, este deve ser feito; por isso mesmo, a recusa em fazê-lo há de ser motivada, sob pena de transformar-se a discricionariedade em arbítrio que afronta a própria Constituição, na parte em que proteje os bens de interesse público”.

Quanto ao tombamento constituir servidão administrativa ou limitação administrativa à propriedade, há expressiva divergência doutrinária, sendo que Di Pietro prefere considerar o tombamento como categoria própria, pois muito embora o tombo possua semelhança com a limitação administrativa pelo fato de que é imposta ao proprietário em benefício do interesse público, dela se afasta por que no tombo há a individualização do imóvel. No comparativo com a servidão o tombo se aproxima pelo fato de que em ambos o bem é individualizado, contudo, afasta-se por que falta no tombo a principal característica existente na servidão, qual seja: coisa dominante.

Como já referido o tombamento decorre de um procedimento administrativo, passemos, pois, a analisá-lo:

A abertura do procedimento de tombamento decorre exclusivamente de deliberação do órgão competente, sendo que, desde o momento da declaração do tombo, com a devida notificação do proprietário, até a decisão final, o bem estará protegido, ficando sustada qualquer modificação ou destruição do mesmo.

A decisão definitiva sobre o tombamento compete ao órgão que declarou a necessidade de preservação do bem, que deve, necessariamente, proferir decisão em sessenta dias.

A sustação de alteração do bem, decorrência da declaração do tombo é o que se chama de tombamento provisório, “cujos efeitos são equiparados aos do tombamento definitivo”, à exceção do registro no cartório imobiliário e ao direito de preferência reservado ao Poder Público, que decorrem exclusivamente da fase final do procedimento em que o bem é definitivamente tombado com a inclusão no Livro de Tombo.

O desrespeito ao prazo de sessenta dias para conclusão definitiva do procedimento administrativo de tombamento, seja por omissão do órgão competente ou por retardamento, configura abuso de poder, sanável por intermédio do Poder Judiciário.

Caso seja deferido o tombamento pelo órgão responsável- IPHAN, em âmbito federal, deverá ocorrer necessariamente a homologação pelo Ministro da Cultura.

Da decisão pelo tombamento definitivo caberá recurso ao Presidente da República, com previsão no Dec.-lei 3.866/41, visando o recorrente o cancelamento do registro do bem no Livro de Tombo, sendo que poderá o Presidente, de ofício, cancelar o registro do bem tombado, sob a alegação de atender aos motivos de interesse público.

Esta via recursal é muito criticada doutrinariamente, vez que é flagrante a discricionariedade concedida ao chefe do executivo nacional, pois em matéria histórica e artística seu juízo particular se sobrepõe a decisão do órgão competente.

Di Pietro não comunga da crítica acima expressa, manifestando-se contrária pelos seguintes fundamentos:

“Não nos parece procedente a crítica, tendo em vista que o dispositivo só autoriza o cancelamento “por motivos de interesse público”, o que exige motivação, constrastável perante o Judiciário, por parte do Presidente da República. Se é verdade que a proteção do patrimônio cultural é dever do Estado precisamente pelo seu interesse público, não é menos verdade que esse interesse pode, em determinado momento, conflitar com outros, também relevantes e merecedores de proteção; um deles terá que ser sacrificado, a critério da autoridade a quem a lei conferiu o poder de decisão”.

Ressalta-se que o recurso ao Presidente da República só é cabível quando o órgão administrativo que decretou o tombamento for órgão federal, no caso, o IPHAN, pois se a declaração de tombamento emanar de órgão estadual ou municipal, só caberá recurso se previsto em legislação própria, sendo que será interposto perante o chefe do executivo local, governador ou prefeito.

Os efeitos produzidos ao proprietário do bem inscrito no Livro do Tombo, como também aos bens sujeitos ao tombamento provisório são expressivos, pois, embora o bem permaneça no domínio e posse do proprietário, este não poderá em caso algum demolir, destruir ou mutilar, pintar ou reparar o bem, sem prévia autorização do Poder Público, sob pena de multa de 50 % do dano causado.

No mesmo sentido restritivo ao direito de propriedade está o fato de que nula será a alienação de bens tombados que se fizer sem comunicação ao Poder Público, decorrência do direito de preferência.

Igualmente limita-se a saída de bens tombados do país, condicionando-a à prévia autorização da União, Estado ou Município.

As limitações ao bem tombado, como já aludido, estendem-se à vizinhança, pois esta não poderá construir de modo a impedir a visibilidade do bem tombado. A interpretação do alcance da expressão “redução de visibilidade”, está, com precisão, definida na obra do Prof. Meirelles: “redução de visibilidade é muito ampla, pois abrange não só a tirada da vista da coisa tombada como a modificação do ambiente ou da paisagem adjacente, a diferença de estilo arquitetônico e tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, tirando o valor histórico ou a beleza original da obra ou do sítio protegido”.

Expressa o art. 18 do Dec.-lei 25, quanto as restrições aos imóveis vizinhos:

Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do objeto”.

Aduz a Profª. Di Pietro que as restrições aos imóveis vizinhos consistem “servidão administrativa em que dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos. É servidão que resulta automaticamente do ato do tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios; a esse encargo não corresponde qualquer indenização”.

A Profª. menciona ainda que o art. 18, acima transcrito, muito embora institua uma servidão não delimita o seu campo de incidência, deixando ao critério subjetivo de determinado órgão a decisão quanto ao alcance da restrição em cada caso, gerando, em decorrência disso, flagrante insegurança, pois os vizinhos do prédio tombado não possuem certeza quanto ao alcance da limitação que surge em sua propriedade.

É relevante salientar que pela existência de interesse local a competência para autorização de construções é municipal, já tendo ocorrido situações em que, “aprovada pela Prefeitura, vem depois a construção a ser impugnada pelo IPHAN (cf. parecer in RDA 93:379).

Sugere a Profª. Di Pietro que “para assegurar a um só tempo, o respeito ao artigo 18 do Decreto-lei n.º 25 e a boa-fé de terceiros, necessária seria a adoção das seguintes medidas: fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação da área dentro da qual qualquer construção ficaria dependendo de aprovação do IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis da área onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença para construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados na construção”.

E, por fim, conclui a Profª. com inarredável propriedade: ‘na ausência dessas medidas, incumbe àquele órgão exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, cabendo responsabilidade por perdas e danos quando, por culpa sua, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas, embora devidamente aprovadas pela Prefeitura”.

Ainda como decorrência dos efeitos do tombo, estão os deveres imputados ao IPHAN, sendo dever deste órgão executar obras de conservação do bem, quando o proprietário não puder fazê-lo ou tomar as providências cabíveis ao desapropriamento do bem (não adotando as medidas que lhe compete poderá o proprietário do bem requer o cancelamento do tombo); vigiar e inspecionar permanentemente as coisas tombadas e providenciar a inscrição do tombamento na matrícula do bem imóvel tombado (do descumprimento desse dever está a perda do direito de preferência do Poder Público na hipótese de alienação do bem).

É oportuno mencionar que a legislação federal, visando proteger os bens tombados prevê aos infratores, além de sanções administrativas, sanções penais, elencadas no art. 165 do Código Penal.

A respeito dos efeitos produzidos pelo tombamento, é conclusivo o ensinamento expresso por Odete Medauar, elencando-os com sendo os que seguem: imodificabilidade do bem tombado, limites à alienabilidade, fiscalização do Poder Público, insuscetibilidade de desapropriação e restrições aos imóveis vizinhos.

Observa-se que os monumentos arqueológicos e pré-históricos também estão sob a égide protetiva do Poder Público, consoante Lei n.º 3.924/61. Esta lei segundo manifestação do Prof. Meirelles “além de conceituar o que seja monumento arqueológico ou pré-histórico, sujeita as escavações para fins de pesquisa em terras públicas ou particulares à permissão do Governo Federal, preserva as descobertas fortuitas e proíbe a remessa para o Exterior de objetos de interesse arqueológico, pré-histórico, numismático ou artístico sem licença expressa do órgão competente, punindo os infratores por crime contra o patrimônio nacional”.

Salienta ainda o aludido Prof. que “os bens tombados só podem ser desapropriados para manter-se o tombamento, jamais para outra finalidade”.

As restrições que incidem sobre o bem após a inscrição no Livro do Tombo são reflexos de que o bem tombado seja móvel ou imóvel, material ou imaterial, público ou privado passa a ser bem de interesse público.

Como o bem tombado permanece no domínio e na posse do proprietário, este, em regra, não terá direito à indenização, a menos que a limitação da propriedade provoque “interdição” do uso ou que o direito à indenização decorra dos efetivos prejuízos advindos com o tombo. Ressalta-se, pois, que o imóvel tombado não é adquirido pelo Poder Público.

Afirma Di Pietro que o tombamento é sempre restrição parcial, não impedindo o particular o exercício dos direitos inerentes ao domínio.

Com extrema propriedade aduz Di Pietro que os direitos sobre o bem tombado não podem ser na totalidade retirados do proprietário, por que isso fugiria a própria previsão legal, constituindo verdadeira desapropriação indireta. Por esclarecedor transcreve-se manifestação da mencionada doutrinadora:

“Diante do § 1º do artigo 216, o tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional. O dispositivo prevê ainda a desapropriação, que será utilizada quando a restrição afeta integralmente o direito do proprietário; o tombamento é sempre restrição parcial, conforme se verifica pela legislação que o disciplina; se acarretar a impossibilidade total de exercício dos poderes inerentes ao domínio, será ilegal e implicará desapropriação indireta, dando direito à indenização integral dos prejuízos sofridos”.

Neste sentido, sempre que ocorrer prejuízo ao proprietário do bem e este for economicamente avaliável, lhe assistirá direito à indenização, podendo ser, inclusive, sobre o valor total do bem, na hipótese de que o tombamento provoque o esvaziamento do valor econômico da propriedade.

É irrefutável que o tombamento encerra verdadeira restrição à propriedade privada, mas não configura confisco, pois visa à preservação de interesses coletivos.

Diante disso, salienta-se que se o particular for “sacrificado” em benefício dos demais será cabível indenização com o intuito de reparar o prejuízo ocasionado pelo tombo.

Destarte, conclui-se, pois, que, ordinariamente o tombo não gera ao Poder Público o dever de indenizar, entretanto, se houver imposição ao proprietário de despesas extras para a conservação do bem ou quando do tombamento resultar à interdição do uso do bem ou prejudicar sua normal utilização, florescerá ao proprietário o direito à indenização.

A indenização, restrita as hipóteses acima, poderá ser amigável ou efetivada mediante desapropriação que decorrerá por intermédio da própria entidade pública que realizar o tombo, pois é está que irá considerar a hipótese de utilidade pública do bem pela necessidade de “preservação e conservação dos monumentos histórico e artísticos”, como pelo fundamento da necessidade da “ proteção de paisagens e locais particulares dotados pela Natureza”.

Em decorrência da omissão do Poder Público em proceder ao tombamento poderá intervir tanto o órgão ministerial, através da ação civil pública, como o cidadão, por meio da ação popular.

Questiona a Profª. Di Pietro quanto ao cabimento da ação civil pública ou ação popular em relação a bens não tombados, pois consoante dispõe o §1º art. 1º do Dec.-lei n.º 25, a possibilidade de propositura dessas ações só seriam cabíveis após a inscrição do bem no Livro do Tombo. Porém, adverte a Profª. pela possibilidade de ajuizamento dessas ações anteriormente ao tombo do bem, em consonância com o que reflete o art. 216 da Constituição Federal quando prevê a possibilidade da existência de outras formas de acautelamento e preservação dos bens de interesse público. A este respeito conclui de forma categórica:

“Além do mais, a ação popular e a ação civil pública são mais úteis, como formas de proteção, precisamente em relação aos bens não tombados, porque, em relação a estes, as restrições e a fiscalização a que se sujeitam já têm por objetivo dar-lhes adequada cautela”.

Nestas hipóteses caberá ao Judiciário determinar que o Executivo proceda devida proteção ao bem que se pretende declarar como de patrimônio público.

Poderá ainda intervir o Poder Judiciário, anulando procedimento de tombo, quando houver omissão durante a instauração do procedimento administrativo, hipótese em que ocorre flagrante desrespeito aos princípios administrativos, como também sensível prejuízo ao interesse individual.

Da sucinta análise do tema, decorre o entendimento de que mudança sensível houve no correr dos tempos em se tratando de propriedade, pois a propriedade privada ou pública, de intocável passou a sofrer limitações em prevalência do interesse social, tendo o Poder Público, seja pela legalidade conferida pela Carta Maior ou através da legitimação outorgada pelos cidadãos, sido incumbido de intervir e limitar a propriedade quando esta encerra valor social relevante, por que traduz a história, os valores e o sentimento do povo brasileiro.

Evolui o homem ao estabelecer a intervenção do Estado na propriedade como forma de preservação da cultura do seu povo, dando-nos esperanças de que uma sociedade capitalista e extremamente materialista, ao relegar ao ente público a faculdade de preservar a sua identidade, está buscando resgatar o orgulho pela sua origem, pela sua cultura, pelo seu povo, enfim, pela sua história.

E, um país que respeita e preserva os seus valores deixa de ser apenas uma nação, passando a ser “a nação”, àquela em que se tem orgulho de pertencer.

BIBLIOGRAFIA

MEIRELLES, Hely Lopes- Direito Administrativo Brasileiro- 26ª edição- Editora Malheiros, 2001;

GASPARINI, Diogenes- Direito Administrativo- 6ª edição- Editora Saraiva, 2001;

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella – Direito Administrativo- 10ª edição- Editora Atlas, 1999;

MEDAUAR, Odete- Direito Administrativo- 3ª edição- Revista dos Tribunais, 1999;

JURIS SÍNTESE n.º 24- JUL /AGO de 2000;

IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- Disponível em: http://www.iphan.gov.br; Acesso em 25/08/02;

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 05/10/88;

DECRETO-LEI n.º 25 de 30/11/37;

LEI n.º 3.924, de 26/07/61.

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