'Justiça trabalhista tem de fazer valer autoridade de suas decisões.'

Paulo Mont’Alverne Frota *

O juiz do trabalho prolatou sentença favorável ao empregado. Superados os eventuais recursos, parte-se para a fase de liquidação da sentença, apurando-se o montante devido ao trabalhador. É quando o juiz, homologando essa conta, inicia a chamada execução da sentença.

A execução é a fase do processo em que o empregador é convocado a pagar a sua dívida. Se ele paga, tudo fica resolvido. Ocorre que, na grande maioria dos casos, o empregador não quita o seu débito. Prefere ver os seus bens penhorados. Então, cabe a pergunta: por que ele prefere ter os bens penhorados?

É preciso registrar que ter um bem penhorado raramente importa em perder a posse desse bem. Em regra, o oficial de justiça apenas o relaciona em uma folha de papel, avaliando-o (lavra o auto de penhora e avaliação). O devedor continua na posse do bem apresado. Por conseguinte, a penhora, na maioria dos casos, não passa de uma formalidade, já que o devedor, como dito, continuará a usufruir plenamente do bem penhorado. Só raramente ele é, de fato, tirado das mãos do devedor.

Mas, para que isso ocorra, é necessário que a Justiça, ou o empregado, disponha de um lugar (depósito) onde possa guardar o bem capturado. Como a existência de depósito é exceção, a regra é o bem ficar mesmo com o devedor, até que se encerrem os atos de expropriação.

Ora, falar de atos finais de expropriação é o mesmo que falar em praça e leilão. Como o empregador não pagou a sua dívida trabalhista, resta ao juiz oferecer o bem ao público, visando encontrar alguém que o queira arrematar. Se aparecer interessado na arrematação, o produto dessa “venda” servirá para pagamento ou amortização do débito patronal.

Acontece também de o próprio empregado aceitar receber o bem penhorado como pagamento (adjudicação). E ainda é facultado ao devedor quitar totalmente a dívida (diz-se remir a execução), caso não queira se sujeitar a perder o bem para um arrematante ou mesmo para o empregado adjudicante. Entretanto, só muito excepcionalmente ocorre adjudicação ou remição.

Como pouca gente se interessa em “adquirir” o bem praceado, empregado e juiz terminam encarando realidade desoladora: todo o esforço empreendido no sentido de dar efetividade à sentença resultou em nada. O empregado, embora com uma sentença a seu favor, nada recebeu. Direito efetivo, que é bom, “necas”.

Dito assim, de forma resumida, o leitor nem se apercebe da dimensão da via-crúcis percorrida pelo empregado até chegar a esse resultado negativo. Digo-lhes, entristecido, que a execução normalmente demora muito. E o que é pior: não raro o resultado é uma sentença sem eficácia. O empregado ganha mas não leva, já que não se apura nada no leilão.

Com efeito, essa realidade está a exigir dos juízes do trabalho uma postura mais severa, efetiva, audaciosa e de fato eficaz em respeito às suas próprias decisões. Refiro-me à possibilidade de decretação da prisão civil do empregador que se recusa a quitar o seu débito trabalhista.

Sobre o assunto, Manoel Carlos Toledo Filho e Jorge Luiz Souto Maior, juízes do trabalho e professores da PUC de São Paulo, igualmente reconhecem que o processo e a Justiça do Trabalho há muito tempo enfrentam uma séria crise de efetividade.

Segundo eles, além de problemas de índole estrutural (poucos juízes, poucos funcionários, pouco material), também existe — e tal é o ponto crucial — “um problema de mentalidade, de conservadorismo, de timidez, de receio da utilização pelo julgador de preceitos que, sim, já existem, e que consubstanciam virtuais fontes de aceleração e de eficiência na outorga da tutela jurisdicional”.

Em verdade, Toledo Filho e Souto Maior também concordam que o instituto da prisão civil por dívidas de cunho alimentar, embora previsto na Constituição, tem sido completamente esquecido no âmbito da Justiça do Trabalho. Argumentam que a dívida trabalhista, na sua essência, principalmente os salários e as verbas rescisórias, tem índole alimentar.

E chamam a nossa atenção para um detalhe importante: “o legislador deu tratamento praticamente isonômico à pensão de alimentos e à dívida trabalhista. Cabe verificar, com efeito, neste sentido, a similitude entre o rito preconizado pela Lei 5.478/68, que dispõe sobre a ação de alimentos, e o rito da CLT. A semelhança é tanta, que se poderia dizer estarmos diante de dois diplomas germanos”.

Ainda apregoando a licitude da prisão civil do empregador recalcitrante, os citados juristas lembram que o próprio Ministro Ronaldo Lopes Leal, ninguém menos que o atual corregedor do Tribunal Superior do Trabalho, em entrevista recente, afirmou entender cabível a prisão por dívida trabalhista, além de condenar aquilo que, a seu ver, “seria um espantoso conservadorismo dos juízes do trabalho, que estariam sendo processualistas ao extremo e esquecendo-se de que são destinatários de normas constitucionais”.

Assim, parece-me inevitável a conclusão a que chegaram Souto Maior e Toledo Filho: “Não é possível, obviamente, que o ordenamento jurídico, pondo em confronto, de um lado, a proteção da vida e, de outro, a preservação da liberdade, privilegie esta em detrimento daquela”.

Ora, a Constituição Federal de 1988 considerou crime a retenção dolosa de salários (art. 7º, inciso X) e estabeleceu que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Não há razão, portanto, para se supor que o legislador constituinte desejou se referir somente a dívidas decorrentes de pensão alimentícia.

Nada chancela essa interpretação restringente, ainda mais quando se vê que o valor social do trabalho e a proteção da dignidade humana foram erigidos a princípios fundamentais da República (art. 1º, incisos III e IV) e estes princípios terminam violados quando dívidas trabalhistas de natureza tipicamente alimentar não são pagas por ato voluntário e inescusável.

Portanto, exige-se do Judiciário do Trabalho uma postura mais efetiva no sentido de fazer valer a autoridade de suas decisões. Por haver faltado ação mais severa contra os que, caprichosamente, relutam em quitar suas dívidas é que essa Justiça se encontra hoje, de certo modo, desacreditada.

Ao meu ver, a decretação da prisão civil do empregador que se mostra desdenhoso no pagamento de seus débitos tem respaldo constitucional, sendo, na feliz dicção de Souto Maior, “o sopro de esperança que resta aos cidadãos trabalhadores de verem resgatada a sua dignidade, além de constituir para o Judiciário um modo concreto de recuperar um pouco a confiança perdida ao longo de anos de proteção daqueles que descumprem, deliberada e agressivamente, a ordem jurídica”.

Mas, embora convicto da viabilidade legal da prisão civil do empregador, reitero que só deve ser decretada como medida extrema. Ou seja, apenas quando ficar evidenciado que ele protela a quitação de sua dívida por mero capricho. Sobressaindo motivo ponderoso para o inadimplemento do débito( por exemplo, o empregador de fato não tem como pagar ), a prisão civil não terá cabimento.

Enfim, se o menoscabo à atividade jurisdicional, decorrente de uma execução que há muito se revela ineficaz, atormentava e desestimulava os juízes do trabalho, é alentador saber que vozes de peso se alevantam apregoando o cabimento da prisão civil do empregador que, desavergonhada e irresponsavelmente, reluta em cumprir a sentença.

Paulo Mont’Alverne Frota é juiz do Trabalho da 16ª Região (MA), titular da Vara do Trabalho de Pinheiro e professor da Escola Superior da Magistratura do Trabalho (Esmatra).

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