Cláusula Pétrea e Menoridade Penal

Por Abrão Razuk

O §4º do artigo 60 da Constituição Federal de 1988 reza que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”. Esses dispositivos constituem as denominadas cláusulas pétreas.

Interpretando a norma constitucional sob o enfoque sistemático onde estaria o fundamento albergado pela sua excelência, o Ministro da Justiça – Doutor José Eduardo Cardozo, quando afirma que a alteração do artigo 27 do Código Penal, reduzindo a idade de 18 para 16 anos, violaria as cláusulas pétreas. Data vênia, ousamos discordar de sua excelência, para afirmar que se trata dum procedimento legislativo comum, bastando derrogar o artigo 27 do CP.

O artigo 27 do Código Penal brasileiro reza que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

Essa lei penal é fruto do Dec. Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Mais adiante, o artigo 361 desse codex estatui que “este Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1942”.

Portanto, essa lei penal tem 71 anos de regência.

Percebe-se que o artigo 27 do Código Penal é fruto do Dec. Lei 2.848/40, logo, sua elaboração foi produto da Ditadura do Poder Executivo, em razão que não existia medida provisória e o Congresso Nacional foi desativado.

Mas esse artigo 27 foi inspirado não por Vargas e sim, pelo gênio de eminentes juristas penais, tais como Nelson Hungria, Costa e Silva, Roberto Lyra etc.

É claro que, atualmente, surgiram outras figuras típicas de crime, mercê da evolução do mundo contemporâneo, que, à época, não existiam como, por exemplo, crime contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, crime de improbidade administrativa, licitação fraudulenta, crime contra o sistema de saúde etc. A realidade atual exige mudanças do código penal.

Qual é a natureza jurídica desse artigo 27 do Código Penal? Simplesmente é uma lei penal que não aniquila o próprio ordenamento constitucional na expressão científica do grande constitucionalista J.J.GOMES CANOTILHO p.825, em sua obra “Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª Ed. Da Editora Almedina”.

A cláusula pétrea só vedaria, se a emenda ocasionasse ruptura e eliminação do próprio ordenamento constitucional, que não é caso vertente, se o constituinte derivado diminuísse a imputabilidade penal para 16 anos. Essa é a nossa posição.

Por exclusão dos itens I, II e III do artigo 60, §4º da Constituição Federal de 1988 pois é impossível fazer qualquer raciocínio jurídico calcado nesses itens, com escopo de direcionar em termos de cláusulas pétreas, vez que refoge do tema proposto, então só restaria o item IV do artigo 60 da CF°1988, elencado como: “os direitos e garantias constitucionais”.

Se a elaboração da lei que viesse derrogar o artigo 27 do CP vigente, em que violaria “os direitos e garantias individuais”?

Essa mudança é possível, além de necessária e com permissivo constitucional.

A redução imputabilidade penal é um imperativo categórico e a sociedade exige ante onda alarmante pela violência e a criminalidade por parte de menores de 18 anos.

No Brasil, ficou em patamar insuportável a impunidade de menores bandidos, menores de 18 anos e cujo procedimento é de regência do ECA, ou seja, internação socioeducativa no máximo de 3 anos. Como conciliar o jus puniendi com a realidade falida do sistema carcerário brasileiro? A pena no Brasil não intimida, não reeduca, enfim ela é um nada jurídico.

A cadeia no Brasil é uma escola de crime.

É mister vontade política para aparelhar o Estado com sistema prisional compatível com os países civilizados.

O que adianta a sentença penal condenatória, se ela não tem utilidade, pois a pena é uma quimera, daí a frustração do juiz criminal.

Violaria o item IV do §4º do artigo 60 da CF/88, por exemplo, se elaborasse uma lei abolindo o “habeas corpus” e “o mandado de segurança” ou os denominados remédios constitucionais.

Para melhor iluminar o presente artigo, citaremos JORGE MIRANDA, em sua obra’ “MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL”, TOMO II , 6ª EDIÇÃO – COIMBRA EDITORA –p.211:

“nos séculos XX e XXI, multiplicam-se as referências a princípios ou limites que, em revisão constitucional, devem ser observados ou são considerados intangíveis e que, por isso, também se designam por cláusulas pétreas”. Alguns exemplos de cláusula pétrea, na Alemanha, a forma republicana, a unidade e a integridade territorial do Estado e os princípios democráticos, nos Camarões, a igualdade dos cidadãos, na Grécia, a república, Turquia, a forma federativa, Romênia, os direitos e liberdades, na Ucrânia, os princípios fundamentais.

A Constituição Portuguêsa de 1976, ao contemplar no art.290 é a que foi mais longe na enumeração de limites”. p.213.

Todavia, a elaboração de texto legal pelo Congresso Nacional cuja proposta legislativa poderia ser assim definida: “os menores de 16 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”

Troca pura e simples de 18 para 16 anos, deixando a redação da forma concebida pelo legislador pátrio.

Arremata o tema, o mestre enfocado, por detrás destas divergências, o sentido fundamental revela-se, contudo, o mesmo: garantir, em revisão, a intangibilidade de certos princípios – porque é de princípios que se trata, não preceitos avulsos (os preceitos poderão ser eventualmente modificados, até para clarificação ou reforço de princípios, o contrário seria absurdo, nessa esteira, Pierfrancesco Gorssi, Klaus Ster, Marcelo Rebelo de Souza, Gustavo Zagrebelsky, J.JGomes Canotilho, Vital Moreira, Nelson de Souza Sampaio, Gustavo Just da Costa e Silva, Miguel Nogueira de Brito e Vieira de Andrade.

Consequentemente, a matéria objeto de revisão da redução da maioridade penal constitucionalmente seria de preceito e não de princípio. Logo, o argumento sustentado pelo eminente Ministro da Justiça a quem temos o maior respeito e sem a quebra de reverência não tem fundamento constitucional e padece de qualquer razoabilidade e sustentação jurídico-constitucional.

Abrão Razuk – Advogado Militante em MS.

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