André Augusto Lins da Costa Almeida*
A Internet chegou no Brasil em 1988, sendo inicialmente restrita a universidades e centros de pesquisas, até que a Portaria de nº 295 de 20/07/95 possibilitou às empresas denominadas “provedores de acesso” comercializar o acesso à Internet (1). A partir daí, o número de internautas vem se multiplicando a cada dia, estimando-se, em julho de 2002, que já existiam no Brasil 14 milhões de cidadãos com acesso à Internet em residências (2).
Assim, a Internet tornou-se um importante meio de interação entre as pessoas, que hoje podem comunicar-se instantaneamente a partir de qualquer lugar do planeta.
Nesse contexto, surgiu um nova plataforma “e-leitoral”, onde a facilidade para transmitir informações e o baixo custo têm conquistado um grande número de candidatos que desejam utilizar a Internet para se promover e suprir o resumido espaço de tempo que lhes é destinado no rádio e na televisão.
Hoje, a maioria dos partidos políticos possui “home pages”, através das quais divulgam seus programas de governo, dados dos candidatos, fotos, músicas da campanha, agenda de compromissos e notícias sobre o pleito.
Ao se referir sobre a importância da Internet nas eleições, a estudiosa Carla Dazzi afirmou:
“(…) no que depender de marqueteiros e coordenadores de campanha, a Internet também pode virar estrela este ano. Nem de longe a novata tem intenção de concorrer ou arranhar o prestígio da tevê. Os estrategistas de campanha têm plena consciência que a eleição não se ganha na Web. Mas ela pode ajudar.” (3)
Regulamentação
No intuito de combater abusos eleitorais na Internet, o deputado federal Nelson Proença, apresentou o projeto de lei nº 2.358, de 2000, que altera a Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 30/11/97), regulamentando a propaganda eleitoral na Internet.
Segundo a proposição, seria concedido à Internet o mesmo tratamento atribuído à propaganda eleitoral no rádio, jornal e televisão. Dessa forma, também seria proibida na rede mundial de computadores a veiculação de programa eleitoral que desse tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação, como também a transmissão de entrevistas, imagens ou textos que identificassem determinado candidato ou em que houvesse manipulação de dados, prevendo também o direito de resposta e o pagamento de multa caso haja infração a essas normas.
Aduz o referido deputado federal que “qualquer mensagem que de forma direta, indireta, dissimulada ou mesmo subliminar ligando partido político, coligação, agremiação, entidade de classe a candidato ou pré-candidato será considerada propaganda eleitoral quando veiculada pela Internet.” (4) Infelizmente, o citado projeto de lei encontra-se parado há dois anos (5).
Diante da inexistência de legislação específica para a propaganda eleitoral na Internet, o Tribunal Superior Eleitoral, desde as eleições municipais do ano de 2006, regulamentou, para “sites” de candidatos, o uso do domínio “www.nome_do_candidato_número_do_candidato.can.br”, como forma de organizar a propaganda na Internet. Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral elaborou uma “home page” orientando sobre o registro desse domínio especial.
Para as eleições de 2002, o TSE elaborou a resolução n° 20.988, de 21/02/2002, segundo a qual o candidato que quiser publicar sua “home page” na Internet deverá providenciar seu registro com a nomenclatura http://www.nomedocandidatonumerodocandidatouf.can.br, sendo proibida qualquer propaganda eleitoral através de páginas de provedores de serviços de acesso à Internet, em qualquer período.
Outro problema enfrentando pelo TSE são as propagandas realizadas fora do tempo permitido pela lei. Com a finalidade de evitar a propaganda extemporânea, nas eleições de 2000, foi publicada a Instrução do TSE de nº 46 e, nas eleições de 2002, a Instrução do TSE de nº 57, que determina que “a propaganda eleitoral somente será permitida a partir de 6 de julho de 2002.”
Inclusive, a citada resolução prevê que, havendo violação a essa norma, o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário, poderá ser penalizado à multa no valor de R$ 21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais) a R$ 53.205,00 (cinqüenta e três mil duzentos e cinco reais) ou equivalente ao custo da propaganda, se este for maior (Lei n° 9.504/97, art. 36, § 3°).
Sendo o anonimato uma das principais características da Internet, será um grande desafio distinguir se o candidato possuía conhecimento antecipado da realização da propaganda eleitoral extemporânea ou se alguém, munido de má-fé, realizou a propaganda com o intuito de que o candidato fosse atingido pela multa prevista na resolução no. 57 do TSE.
A propaganda eleitoral através dos dispositivos de comunicação via Internet
Enquanto se aguarda por uma legislação que se aplique à propaganda eleitoral na Internet, o Tribunal Superior Eleitoral tem proferido julgados pioneiros sobre o tema. Vejamos como nossa Corte Eleitoral se posiciona acerca da propaganda eleitoral realizada através dos principais dispositivos de comunicação pela Internet:
a- “Home pages”
As “home pages” constituem uma das mais poderosas ferramentas de comunicação via Internet. Através delas, o candidato pode disponibilizar por vinte e quatro horas diárias todo material que entender ser interessante aos eleitores: textos, fotos, sons etc. Os custos com a criação e inclusão de sítios (“sites”) na Internet são previstos como gastos eleitorais pelo inciso XV do art. 26 da Lei nº 9,504/97 (Lei das Eleições).
No que se refere à proibição de propaganda extemporânea, o TSE decidiu que não caracteriza propaganda eleitoral a manutenção de “home page” na Internet, mesmo quando nela haja pedido de voto, eis que o acesso à eventual mensagem que nela contenha não se impõe por si só, mas depende de ato de vontade do internauta. Entende o TSE que:
“(…) para que o sujeito receba as informações e os dados que constam da Internet, há a necessidade de um ato de vontade do eleitor, qual seja, acessar a home page.” “(…) O contato depende da vontade do interessado. O candidato apenas fica à disposição.” (…) “Logo, não se está impondo ao cidadão o conhecimento de algo que ele não queira, porque ele decidiu fazê-lo.” (7)
Por outro lado, o TSE decidiu que a resolução que proíbe a propaganda eleitoral via Internet é aplicável ao uso de “banners”, que são propagandas automáticas que aparecem inopinadamente quando um internauta encontra-se navegando na rede mundial de computadores. Nesses casos, o eleitor, ao acessar um “site”, é surpreendido por uma mensagem que não solicitou e que lhe foi imposta, caracterizando, portanto, a propaganda irregular. (8)
b- Bate-papo (“chat”)
Os programas de bate-papo (“chat”) permitem que duas ou mais pessoas encontrem-se eletronicamente e dialoguem. Sobre essa ferramenta de comunicação, concluiu o TSE que a presença de candidato em sala de “bate-papo” mantida por provedor de acesso à Internet para responder perguntas de internautas, não caracteriza propaganda eleitoral e, por isso, impede a aplicação da sanção prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504, de 1997.
É o que se verifica através da leitura do voto do Ministro Fernando Neves:
“Equiparo, no que é possível, o bate-papo pela Internet a um comparecimento em um veículo de comunicação, só que de forma virtual. Com uma dificuldade maior, ao invés de simplesmente ligar a televisão ou o rádio, ou adquirir um exemplar de jornal, é necessário primeiro acessar a página do provedor e, depois, buscar os caminhos para a sala de bate-papo virtual. Assim, o contato depende da vontade do interessado. O candidato fica apenas à disposição para responder as perguntas que lhe forem dirigidas.” (9)
Assim, conclui-se que o TSE aplica aos programas de bate-papo as mesmas regras destinadas às home pages: não se caracteriza propaganda eleitoral irregular quando é o próprio internauta que se desdobra para acessar o conteúdo do bate-papo (chat).
c- Correio Eletrônico (e-mail)
O modo mais eficaz de chegar aos eleitores é através do correio eletrônico, que é um dos serviços mais populares da Internet. Até mesmo quem não possui acesso à rede em casa ou no trabalho, pode ter uma caixa postal eletrônica gratuita.
Consequentemente, presume-se que milhares de mensagens eletrônicas (e-mails) indesejadas são distribuídos pelos candidatos no período eleitoral, conduta que é denominada de “spam”.
Tal prática não é inconveniente apenas para o usuário final que, ao ser atingido pelo “spam”, leva mais tempo para receber sua correspondência eletrônica e aumenta a sua conta de telefone ou conexão. Também causa problemas para empresas, que precisam investir em ferramentas de proteção aos seus sistemas, e para os provedores, que têm parte do tráfego ocupado por esse tipo de entulho digital.
Há muitas maneiras de se evitar o recebimento desse tipo de material. Com alguns truques, programas e ferramentas, é possível evitar o “spam”.
A defesa mais comum é utilizar os filtros encontrados nos programas de correio eletrônico mais conhecidos: o Outlook e o Netscape. Caso eles não solucionem o problema, podem-se utilizar programas de computador que filtram o material ainda no servidor e que podem ser obtidos na rede gratuitamente.
Outra forma de se evitar o “spam” eleitoral é através da denúncia. Atualmente, a maioria dos TRE’s recebem denúncias via Internet10, bem como disponibilizam consultas sobre o andamento das reclamações.
Apesar de no Brasil não existirem leis que proíbam o envio de mensagens eletrônicas indesejadas e de que nossos tribunais eleitorais ainda não tenham se posicionado sobre a propaganda irregular realizada mediante “spam”, pode-se prever que, a esses casos, será aplicada a teoria da vontade do internauta, que é a mesma utilizada no caso de propaganda através de “home pages” e “bate-papo”, segundo a qual só pode ser considerada propaganda irregular aquela que é imposta ao eleitor, sem o seu consentimento. Tendo em vista que a natureza do “spam” é a mesma do “banner”, ou seja, propaganda desautorizada, é plenamente aplicável a multa prevista na resolução de nº 57 do TSE.
Conclusão
Face ao exposto, torna-se inconteste que a propaganda eleitoral já alcançou os principais mecanismos de comunicação via Internet, impulsionando a justiça eleitoral a proferir decisões sobre o uso de propaganda eleitoral através dessa nova mídia, mesmo que à míngua de legislação específica sobre o tema, conforme asseverou o ministro Edson Vidigal:
“(…) estamos a inaugurar na Justiça Eleitoral apreciações jurisdicionais a respeito deste fato novo neste fim de milênio, a Internet, já se admitindo discussões de que ela seria um veículo de comunicação, portanto, passível de uso de propaganda eleitoral.” (11)
Apesar da dificuldade em regular a propaganda eleitoral na Internet, cabe ao candidato usar o bom senso para se promover através da Internet. O abuso da rede mundial de computadores para persuadir seus eleitores pode gerar aborrecimentos que podem resultar na diminuição do prestígio do candidato diante da comunidade, conforme preleciona o cientista político Gaudêncio Torquato:
“a possibilidade de o partido ter contato de “lá para cá”, ou seja, por iniciativa do eleitor, é um importante atributo ao uso da Internet nas eleições, mas destaca que o partido precisa saber usar a ferramenta para não perder o eleitor com e-mails sem resposta, linguagem equivocada ou sites desatualizados. É uma oportunidade e um risco”. (12)
Notas de rodapé:
(1) COSTA ALMEIDA, André Augusto Lins da. “A Internet e o Direito”, in Revista Consulex, ano II, nº 24, p. 52-53, dezembro/1998.
(2) Fonte: www.ibope.com.br – Pesquisa realizada em julho de 2002 – Visualizado em 23/08/2002.
(3) http://www.businessstandard.com.br/bs/metricas/2002/06/0001. Visualizado em 07/08/2002.
(4) http://www.depnelsonproenca.com.br/ftrableg.htm – Visualizado em 26 de agosto de 2002.
(5) http://www.jt.estadao.com.br/editorias/2002/07/28/pol011.html. Visualizado em 26 de Agosto de 2002.
(6) Resolução nº 20.684, de 7 de julho de 2000.
(7) TSE – REE nº 15.815-SP.
(8) TSE – REE nº 28.815-SP. Pág. 20.
(9) TSE – Acórdão 2.715-SP.
(10) http://www.tse.gov.br/sp/denuncia.htm.
(11) TSE – Representação nº 45 – Classe 30ª – Distrito Federal – DJ – 26/02/2002.
(12) http://www.businessstandard.com.br/bs/metricas/2002/06/0001. Capturado em 07/08/2002.
Revista Consultor Jurídico
André Augusto Lins da Costa Almeida é assistente jurídico, pós-graduado em Direito Processual Civil e ex-aluno da ESMAF (Escola Superior da Magistratura Des. Almir Carneiro da Fonseca – PB).