TRT/SP: Justa causa aplicada a trabalhadora por prática de racismo recreativo

A 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região manteve a justa causa aplicada a uma trabalhadora que foi demitida por discriminação racial contra uma colega negra. Segundo constou do processo, decidido com base no protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para julgamento com perspectiva racial, e que tramita sob segredo de justiça, a colega era vítima de constantes brincadeiras e chamamentos racistas.

Para o relator do acórdão, desembargador João Batista Martins César, a conduta da trabalhadora “não pode ser relativizada como ‘brincadeira’, ‘irreverência comunicativa’, pois o racismo deve ser avaliado pelo impacto objetivo causado na vítima, valorizada sua perspectiva na caracterização da discriminação racial”.

O colegiado também ressaltou que “a irrelevância da intenção discriminatória constitui importante diretriz interpretativa, segundo a qual alegações de ausência de propósito ofensivo não descaracterizam o racismo, visto que práticas aparentemente neutras podem perpetuar estruturas históricas de opressão racial”. Nesse sentido, a valorização da perspectiva da vítima “é elemento central na caracterização da discriminação racial, pois é ela quem efetivamente experimenta os efeitos da conduta discriminatória e pode dimensionar sua gravidade no contexto de vivências historicamente subalternizadas”.

Nesse contexto, nem mesmo “o histórico profissional positivo, a ausência de ocorrências disciplinares anteriores, a alegada inexistência de hierarquia ou a proximidade entre colegas não afastam o caráter discriminatório da conduta, que compromete irremediavelmente a fidúcia necessária à continuidade do vínculo empregatício, autorizando a ruptura contratual imediata por justa causa, nos termos do artigo 482, alínea “j”, da CLT”, concluiu.

TST autorizada penhora dos salários de sócios de empregadoras executadas no limite de 50%

Decisão marca novo entendimento da 3ª Turma, que fixou parâmetros, mas deixa para TRT definir percentual.

Resumo:

  • Decisão da 3ª Turma permite penhorar até 50% dos salários de sócios de empresas com dívidas trabalhistas.
  • O Tribunal Regional do Trabalho será responsável por fixar o percentual exato da penhora.
  • Critérios estabelecidos pelo TST: limite máximo de penhora de 50% dos salários e vedação de reduzir os ganhos mensais dos sócios a valores inferiores ao salário mínimo.

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho autorizou a penhora de salários, no limite de 50%, de sócios de empresa executada para pagamento de dívida trabalhista. Contudo, decidiu que quem vai fixar o percentual da penhora será o Tribunal Regional, atendendo aos critérios estabelecidos pelo colegiado do TST, que, além de estabelecer o limite legal de 50%, também vedou reduzir os ganhos mensais dos executados a valores inferiores ao salário mínimo.

A decisão foi aplicada a dois processos em fase de execução, julgados no mesmo dia, de relatores diferentes. O resultado representa a construção de novo entendimento da Terceira Turma quanto à penhora de salário, fixando parâmetros para isso, mas deixando para o Tribunal Regional do Trabalho estabelecer percentual.

Processo do TRT da 2ª Região (SP)
No primeiro caso, cujo relator é o ministro Lelio Bentes Corrêa, autor da proposta para estabelecer esse novo entendimento na Terceira Turma, o recurso examinado é da trabalhadora. Ela havia pedido ao juízo de execução que fosse feita consulta ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) para informar o percebimento de salário pelos sócios executados da Body Store Indústria e Comércio de Roupas Ltda. e Ocean Tropical Criações Ltda., visando à possível penhora. Seu pedido, porém, foi indeferido.

Após agravo de petição, o TRT autorizou a consulta, considerando que, conforme o artigo 833, IV, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC), é permitida a penhora de salários e proventos de aposentadoria para o pagamento de prestações alimentícias “independentemente de sua origem” – como o crédito trabalhista.

Entretanto, o TRT entendeu ser necessário ressalvar o alcance de uma futura penhora de salários e proventos de aposentadoria de sócios da executada, estabelecendo que a penhora deveria limitar-se apenas ao montante excedente de cinco salários mínimos, respeitada a proporção máxima de 10% da remuneração ou proventos, dada, igualmente, a necessidade de preservar a subsistência do empresário, ora trabalhador ou aposentado.

No recurso ao TST, a trabalhadora sustentou que a decisão do Tribunal Regional violou o princípio da proteção. Salientou que o artigo 529, parágrafo 3º, do CPC permite a penhora de até 50% dos proventos percebidos pelo executado. Requereu que a penhora dos salários encontrados na pesquisa ao CAGED seja de no mínimo 30%, sem a limitação prevista no acórdão regional.

O relator do recurso de revista da trabalhadora (executante), ministro Lelio Bentes, destacou que o TST, por força da inovação trazida pelo artigo 833, inciso IV, parágrafo 2º, do CPC, escolheu o entendimento de ser possível a penhora parcial sobre salários, vencimentos e proventos de aposentadoria, desde que observado o limite de 50%, previsto no parágrafo 3º do artigo 529 do CPC/2015, para o pagamento de crédito de natureza salarial.

Lelio Bentes Corrêa citou diversos precedentes nesse sentido e concluiu que o Tribunal Regional contrariou a jurisprudência pacífica do TST sobre o tema, ao restringir a penhora de salários e proventos ao máximo de 10% dos valores excedentes a cinco vezes o salário mínimo. Por outro lado, ressaltou que, conforme jurisprudência do TST, a penhora sobre salários ou proventos não pode reduzir os ganhos do devedor a valor inferior a um salário mínimo.

O relator, então, determinou o retorno dos autos ao juízo da execução, para que prossiga nos atos de expropriação patrimonial e na penhora dos salários ou proventos de aposentadoria dos executados, com vistas à satisfação do crédito devido. Decidiu, seguido pelo colegiado, que caberá ao juízo da execução a fixação do percentual a ser objeto de constrição, de acordo com o montante do crédito e a capacidade econômica dos devedores, respeitados o limite previsto no artigo 529, parágrafo 3º, do CPC e a vedação de se reduzir os ganhos mensais dos executados a valores inferiores ao salário mínimo.

Processo do TRT da 17ª Região (ES)
O outro recurso julgado sobre o mesmo assunto, de relatoria do ministro Alberto Balazeiro, refere-se a uma ação ajuizada também por uma trabalhadora e os executados são as empresas CCM – Central Capixaba de Manutenção e Montagens Ltda. e Mecânica e Autopeças Guil Ltda. e seus sócios.

Anteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES), ao tratar sobre bloqueio e penhora em conta salário de um dos sócios executados, indeferiu a penhora, ainda que parcial, sobre valores de natureza salarial recebidos pelo sócio. A trabalhadora exequente, então, recorreu ao TST para reformar a decisão.

No exame do recurso de revista da empregada, o ministro Alberto Balazeiro destacou que a impenhorabilidade dos vencimentos não se aplica aos casos em que a constrição seja para fins de pagamento de prestação alimentícia, como é o caso das verbas de natureza salarial devidas à empregada. Acrescentou que, conforme várias decisões, atualmente o TST admite a penhora parcial sobre salários, vencimentos e proventos de aposentadoria do executado, desde que observado o limite de 50% previsto no parágrafo 3º do artigo 529 do CPC.

Balazeiro destacou ainda que a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do TST (SDI-2) já consolidou o posicionamento de que, na ponderação entre o direito do trabalhador à satisfação de seu crédito e a subsistência do executado, impõe-se “a salvaguarda deste último, naquelas hipóteses em que a penhora levaria o executado a sobreviver com menos de um salário mínimo”. Nesse sentido, citou diversos julgados do TST.

Assim, o ministro Balazeiro, na mesma linha de entendimento do ministro Lelio, estabeleceu parâmetros para a penhora a ser fixada pelo TRT. Ele decidiu que, afastada a tese de impossibilidade de constrição sobre o salário do sócio devedor, devia ser determinado o retorno dos autos ao Tribunal Regional para que prossiga no exame da matéria, observado o limite estabelecido no parágrafo 3º do artigo 529 do CPC e a percepção de pelo menos um salário-mínimo em favor dos executados, nos termos da fundamentação.

Nos dois processos, a decisão foi unânime.

Veja o acórdão e o recurso de revista.
Processo: RR – 20100-04.2005.5.17.0001 (relator ABB)  e RR 0091300-67.1998.5.02.0055 (relator LBC) e

TST: Rede de ensino é absolvida em ação de dano moral coletivo por dispensa em massa sem negociação sindical

A ausência de negociação coletiva, por si só, não acarreta a condenação, destaca a decisão.


Resumo:

  • Uma rede de ensino dispensou, em dezembro de 2012, trinta professores.
  • O MPT pediu a condenação da rede por danos morais coletivos pela demissão em massa sem prévia negociação sindical.
  • A SDI-1 do TST acolheu o recurso da rede ao concluir que a ausência de negociação, por si só, não leva à condenação.

Uma rede de ensino de Campo Grande-MS não terá de pagar indenização por danos morais coletivos, porque dispensou trinta professores sem antes negociar com o sindicato. A decisão é da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, ao concluir que a ausência de negociação coletiva não acarreta a condenação por dano moral coletivo.

Para o MPT, que ajuizou a ação, houve arbitrariedade da empregadora
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC, por ter dispensado, em dezembro de 2012, trinta professores sem antes realizar negociação coletiva com o sindicato da categoria. O requisito, segundo o MPT, é o que torna válida a dispensa coletiva.

Na ação, o MPT pediu a observação da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em Repercussão Geral no Tema 638, segundo a qual “a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”.

A CNEC disse que teve de encerrar as atividades por falta de matrículas
Em defesa, o grupo de escolas argumentou que a dispensa coletiva ocorreu em razão da impossibilidade em manter as atividades, mas sustentou que houve completa observância à legislação trabalhista e que todas as demissões foram devidamente homologadas pelo sindicato dos professores, o qual não as impugnou ou levantou qualquer arbitrariedade.

O TRT entendeu devido o pagamento de indenização compensatória
No julgamento do caso pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), o colegiado condenou a CNEC ao pagamento de R$50 mil por danos morais coletivos e danos morais individuais em valor equivalente a seis salários para cada empregado dispensado.

A rede levou o caso ao TST, mas a decisão foi mantida pela 2ª Turma do tribunal. A empresa apontou divergência entre decisões e o processo foi julgado pela SDI-1.

Relator: são necessários outros requisitos para a condenação
Ao examinar o recurso (embargos) da CNEC, o relator, ministro Alexandre Ramos, adotou o entendimento de que a ausência de negociação coletiva, por si só, não acarreta a condenação por dano moral. Segundo ele, é necessária a presença da responsabilidade civil do empregador, tendo havido dano aos empregados e existido nexo de causalidade. “Não houve comprovação efetiva de prejuízo patrimonial dos empregados”, reforçou Ramos.

Modulação dos efeitos em embargos de declaração
Desde 2009, a jurisprudência do TST era pela obrigatoriedade de negociação coletiva para a dispensa em massa. Em junho de 2023, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 999435, confirmou a jurisprudência do TST. Contudo, mais tarde, o Supremo modulou sua decisão para explicitar que a exigência de intervenção sindical prévia vincula apenas as demissões em massa ocorridas após setembro de 2022.

Dessa forma, segundo Ramos, diante da modulação de efeitos da decisão do STF no Tema 638, o caso analisado, ocorrido em 2012, não contempla a limitação temporal determinada pelo Supremo para a aplicação da necessidade de intervenção sindical prévia nas hipóteses de dispensa coletiva.

O voto do relator foi seguido por unanimidade.

Veja o acórdão.
Processo: TST-E-RR-201-32.2013.5.24.0005

TRT/MG: Vigilante que atuava em carro-forte sem ar-condicionado será indenizado por danos morais

Os julgadores da Sexta Turma do TRT-MG, por unanimidade, em decisão de relatoria do desembargador Anemar Pereira Amaral, condenaram uma empresa de segurança e transporte de valores a pagar indenização por danos morais de R$ 5 mil a um ex-empregado submetido a condições de trabalho inadequadas. Foi dado provimento ao recurso do reclamante, nesse aspecto, para modificar sentença oriunda da 6ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia negado o pedido de reparação.

O trabalhador exercia o cargo de vigilante e alegou que exercia suas atividades em carro-forte sem ar-condicionado, enfrentando calor excessivo, o que comprometia sua saúde e bem-estar. As afirmações do trabalhador foram confirmadas pelo depoimento de uma testemunha, que relatou a precariedade dos veículos utilizados pela empresa. Segundo o depoimento, a falta de manutenção dos carros-fortes resultava em temperaturas extremas, chegando a 50ºC dentro dos veículos, tornando a situação insuportável para os vigilantes, até porque eles faziam o uso de coletes e coturnos que agravavam a sensação de calor.

Na decisão, o relator considerou que os elementos caracterizadores da obrigação de reparação, como o dano, a culpa do empregador e o nexo causal, foram devidamente comprovados. O julgador observou que a falta de condições dignas de trabalho é suficiente para configurar a ofensa aos direitos de personalidade do trabalhador.

Para a definição do valor da indenização, levou-se em consideração o grau de culpabilidade da empresa, a gravidade do dano, o desestímulo da prática do ilícito, as condições econômicas da empresa e a função compensatória da indenização para o trabalhador. Os julgadores aplicaram ao caso os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Processo PJe: 0010142-45.2023.5.03.0100 (ROT)

TRT/SP: Empresa é condenada por discriminação racial após trabalhadora ser alvo de insinuação ofensiva sobre cotas

Decisão proferida na 1ª Vara do Trabalho de Suzano-SP condenou empresa do ramo alimentício a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 25 mil a atendente de loja vítima de racismo. De acordo com os autos, uma colega da trabalhadora alegava que a mulher teria sido admitida pela Seara Alimentos Ltda. em decorrência de cotas raciais, pois ela não teria capacidade nem competência para o cargo que ocupava. No processo, consta ainda que uma gerente perseguia a reclamante, atribuindo apenas a ela as tarefas mais pesadas, como receber e descarregar caminhões, além de organizar, sozinha, a câmara fria.

As testemunhas autorais e patronais relataram que era de amplo conhecimento na ré que a autora havia formalizado denúncia ao compliance da instituição por causa do tratamento discriminatório, porém a instituição permaneceu inerte.

Na sentença, a juíza Juliana Ranzani mencionou a previsão constitucional que proíbe quaisquer formas de discriminação. Citou também a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e a Convenção n° 111, da Organização Internacional do Trabalho, que visa combater a discriminação em matéria de emprego e profissão. Ao julgar, ela ressaltou que as obrigações antidiscriminatórias assumidas pelo Estado brasileiro no âmbito internacional alcançam também as relações jurídicas privadas.

A magistrada lembrou ainda que a sociedade brasileira, “profundamente marcada pelo racismo estrutural”, perpetua a discriminação por meio da naturalização de ações, falas e pensamentos que promovem a segregação ou o preconceito racial. E pontuou que condutas de desqualificação que tentam constranger ou rebaixar, como no caso da reclamante, “mulher negra retinta, não podem ser, de forma alguma, franqueadas pela empregadora, sendo inconcebíveis e intoleráveis no meio ambiente de trabalho”.

Na decisão, foi determinada expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Estadual para ciência dos fatos narrados e, se for o caso, adoção de providências devidas.

Pendente de análise de recurso.

TRT/RS: Copeiro vítima de homofobia recreativa deve receber indenização de R$ 30 mil por danos morais

Copeiro vítima de homofobia recreativa deve receber indenização de R$ 30 mil por danos morais.


Resumo:

  • Um copeiro sofreu ataques homofóbicos no ambiente de trabalho, sendo constantemente alvo de apelidos depreciativos por parte de colegas e superiores, tais como “bicha” e “gay da noite”.
  • A empregadora foi omissa diante das denúncias, não adotando medidas para coibir os abusos.
  • A juíza Rachel Albuquerque de Medeiros Mello enquadrou o caso como homofobia institucional e condenou o hospital empregador a pagar indenização por danos morais, fixada em R$ 30 mil.

Um copeiro que prestava serviços em um hospital de Porto Alegre e era alvo de ataques homofóbicos por parte de colegas de trabalho deve receber uma reparação pelos danos morais sofridos. A indenização foi fixada em R$ 30 mil pela juíza Rachel Albuquerque de Medeiros Mello, da 16ª Vara do Trabalho da Capital.

O empregado alegou que era tratado constantemente pela expressão “bicha”, utilizada pelas colegas e superiores em tom de “brincadeira”. As ofensas eram proferidas em público e em alto tom de voz. Ele refere ter reportado os episódios ao setor de Recursos Humanos da empresa que o contratou em mais de uma oportunidade, sem que qualquer medida tivesse sido adotada para coibir tais condutas. Nessa linha, o trabalhador argumentou ter sofrido homofobia recreativa.

A testemunha trazida pelo empregado relatou ter presenciado as piadas e expressões depreciativas dirigidas a ele. Ela afirmou que, nas trocas de plantão, as técnicas de enfermagem se referiam ao copeiro como “bicha” e “gay da noite”, e não pelo seu nome. Os apelidos ofensivos eram utilizados quando o copeiro não estava presente.

Diante dos relatos apresentados, a magistrada concluiu que o trabalhador sofreu tratamento discriminatório em razão de sua identidade afetiva e sexual, configurando assédio moral e discriminação no ambiente de trabalho. Para Rachel, a sistematicidade da conduta discriminatória ficou comprovada pela atribuição de apelidos para o trabalhador, evidenciando que as ofensas não se limitavam a comentários isolados.

A magistrada destacou a menção feita pelo empregado à “homofobia recreativa”. Segundo ela, trata-se de uma estratégia utilizada para normalizar comportamentos discriminatórios, ferindo a dignidade da pessoa e criando um ambiente de trabalho tóxico. Nesse contexto, segundo Rachel, a vítima se sente impotente, desvalorizada e marginalizada.

A sentença também apontou a ausência de ações concretas da empregadora para garantir um ambiente de trabalho respeitoso e livre de discriminação. Para a magistrada, a empresa falhou quanto à obrigação de proteger a integridade emocional e psicológica dos seus empregados.

A sentença destacou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e no Mandado de Injunção (MI) nº 4.733, que conferiu à prática de homofobia e transfobia o mesmo enquadramento jurídico do crime de racismo, até que sobrevenha legislação específica. “Essa decisão reafirma que a discriminação motivada por identidade afetiva e sexual constitui grave ofensa à dignidade da pessoa humana, e deve ser combatida com a mesma severidade atribuída ao racismo, dada sua natureza estrutural e difusa”, afirmou Rachel.

Nesse cenário, a magistrada ressaltou os Princípios de Yogyakarta, que delineiam a aplicação dos direitos humanos no contexto da identidade afetiva e sexual e identidade de gênero. Tais princípios reafirmam que todas as pessoas, independentemente de sua identidade afetiva e sexual, têm direito ao pleno exercício dos direitos fundamentais em condições de igualdade e dignidade, inclusive no ambiente laboral. “Eles impõem aos Estados — e, por extensão, a todos os entes obrigados à proteção de direitos — o dever de adotar medidas eficazes para prevenir e punir práticas discriminatórias e violências motivadas por identidade afetiva e sexual ou de gênero”, explicou a magistrada.

Aplicando também ao caso o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a juíza enfatizou que a conduta deve ser analisada com atenção à dimensão estrutural da discriminação, que não se limita ao gênero no sentido binário, mas se estende às expressões da sexualidade e identidade de gênero. Segundo a magistrada, o Protocolo explicita que a heteronormatividade — ou seja, a imposição da heterossexualidade como norma social — constitui uma das principais fontes de opressão contra pessoas LGBTQIAPN+.

Segundo Rachel, a negligência da empregadora configura o que o Protocolo denomina homofobia institucional, ou seja, uma estrutura de tolerância e inação que legitima e perpetua a violência simbólica e subjetiva contra trabalhadores LGBTQIAPN+. “O caso evidencia que o empregado, por ser homoafetivo, foi submetido a uma forma de discriminação sistemática e institucional, reforçada pela omissão da empresa em adotar qualquer medida concreta de prevenção, correção ou apuração das condutas relatadas. A negligência da reclamada demonstra uma falha grave no cumprimento do dever de proteção do empregador, resultando em verdadeira homofobia institucional”, concluiu a magistrada.

A julgadora afirmou que a análise do conjunto probatório seguiu as orientações delineadas pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. O documento preconiza que, em casos de assédio, deve-se reconhecer a dificuldade de obtenção de provas diretas, sendo necessário valorizar os depoimentos coerentes das vítimas e das testemunhas que corroboram a existência do ambiente hostil.

Com relação ao papel do Poder Judiciário no tema da violência de gênero no ambiente de trabalho, a julgadora defendeu que o juiz deve exercer um papel pedagógico e reparador. Nessa linha, à luz do Protocolo, o primeiro passo do julgador consiste em “contar até seis” — metodologia que busca identificar, desde o início do processo, até seis camadas de vulnerabilidade que podem atravessar a parte envolvida: identidade de gênero, raça ou etnia, orientação sexual, classe social, condição de pessoa com deficiência e idade.

“No presente caso, são evidentes os marcadores interseccionais: o empregado é homoafetivo (identidade afetiva e sexual), subordinado em ambiente hospitalar (classe social), e houve omissão da empregadora em coibir os abusos (condição de invisibilização estrutural). A presença desses fatores demanda do julgador uma escuta atenta, empática e descolonizada, que compreenda a vivência do autor em sua complexidade”, argumentou a magistrada.

Nesse cenário, a juíza considerou que as violações cometidas contra o empregado são de natureza grave, fixando a indenização em R$ 30 mil. De acordo com a julgadora, “o dever de reparação moral transcende o caráter compensatório, assumindo uma dimensão política e simbólica de afirmação de direitos”. Segundo Rachel, a responsabilização da empresa e o consequente deferimento da reparação por danos morais constituem medida de Justiça, coerente com os fundamentos constitucionais da República, com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e com o compromisso da Justiça do Trabalho com a promoção de uma sociedade livre de opressões, violências e silenciamentos.

Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

TST: Empresa de telefonia é condenada por transfobia contra empregada transexual

Entre as condutas consideradas discriminatórias está a não aceitação do nome social da empregada.


Resumo:

  • Uma operadora de telemarketing transexual pediu indenização por danos morais, porque não era reconhecida pelo nome social.
  • A empresa alegou que a certidão de nascimento com o nome social foi expedida após a demissão.
  • O colegiado concluiu que houve violação dos direitos da empregada.

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Datamétrica Teleatendimento, de Salvador (BA), a indenizar em R$10 mil uma empregada transexual por conduta discriminatória. Situações como não ser reconhecida pelo nome social e restrição ao uso do banheiro feminino levaram o colegiado à conclusão de transfobia pela empresa.

Ela disse que procurou a direção da empresa para relatar a situação
A empregada disse, na ação trabalhista, que foi admitida em maio de 2021 como operadora de telemarketing e que nunca teve seu nome social respeitado pela empresa, mesmo todos sabendo que ela era uma mulher transexual. Sofrendo com os preconceitos, ela disse que chegou a procurar a direção para relatar as condutas discriminatórias, sendo até bem recebida, mas, poucos dias depois, foi demitida.

Em agosto de 2023, a primeira instância condenou a Datamétrica a indenizar a trabalhadora em R$ 10 mil por conduta de transfobia no ambiente de trabalho e dispensa discriminatória. Em sequência, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA).

Diante da decisão, a empresa tentou a análise do caso pelo TST.

Para a empresa, a operadora não comprovou as alegações de transfobia
No recurso, a Datamétrica declarou que sempre procedeu de maneira correta ao propiciar um ambiente de trabalho saudável e inclusivo para todos. Acrescentou que, apesar de a empregada ter apresentado, na contratação, documentos pessoais com nome de batismo e ter sua certidão de nascimento expedida após o fim do contrato, sempre esteve aberta a lhe dar o tratamento requerido, ou seja, o nome social.

A empregadora alegou questões de segurança em relação ao uso do nome social
Ainda no recurso, a Datamétrica observou que a empregada prestava serviços em uma instituição bancária, com rígidas regras de segurança e informação. Por isso, o nome social apenas poderia ser incluído em tais documentos caso ela realizasse a mudança do seu nome em registro. A empregadora lembrou que o nome social da empregada fazia parte dos canais internos da empresa e no crachá utilizado por ela.

Quanto ao uso do banheiro, a Datamétrica informou que estes eram utilizados conforme a identidade de gênero, sem qualquer restrição. A empresa também rechaçou a alegação de demissão discriminatória, lembrou que nada foi provado e que a Datamétrica sempre prezou pela diversidade.

Para a 2ª Turma, houve violação grave dos direitos da empregada
Ao analisar o caso, a 2ª Turma do TST considerou correta a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais. Segunda a relatora do processo, ministra Maria Helena Mallmann, os fatos narrados evidenciaram violação grave aos direitos da empregada, gerando angústia e constrangimento incompatíveis com o dever de respeito à dignidade humana.

Segundo a decisão, empresas públicas e privadas devem reconhecer o nome social
De acordo com a ministra, assim como órgãos públicos, empresas privadas devem respeitar o nome social dos funcionários e dos clientes. “O nome social é a forma pela qual a pessoa trans se identifica e quer ser reconhecida socialmente nas diferentes instituições”, observou Mallmann.

A ministra observou que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADO 26 e do MI 4.733, reconheceu a transfobia como espécie de racismo, vedando práticas discriminatórias contra pessoas transgênero. “A recusa em utilizar o nome social configura afronta à dignidade humana e gera danos morais”, frisou a relatora.

A ministra defendeu o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero
Por fim, quanto à restrição ao uso do banheiro feminino, a ministra ressaltou que o direito ao uso do banheiro condizente com a identidade de gênero resulta da proteção à igualdade e à dignidade, sendo a restrição a esse direito uma forma de discriminação direta. “Promover a diversidade de gênero é um passo essencial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva”, concluiu a relatora.

Cabe recurso da decisão.

Veja o acórdão.
Processo: 0000416-46.2022.5.05.0029

TST: Aceitação de uso de EPI quebrado não afasta indenização a trabalhador que cortou o pé com facão

É de responsabilidade da empresa o fornecimento,a manutenção e a reposição de equipamentos de proteção, além da fiscalização do uso adequado e eficiente dos EPI’s, o que não ficou comprovado neste processo.


Resumo

  • A Quinta Turma condenou a Usina Bazan S.A. a pagar pensão mensal vitalícia e R$ 35 mil de indenização por danos morais a um cortador de cana que se feriu no pé com um facão.
  • Um EPI danificado contribuiu para que o trabalhador perdesse 5% da flexão do pé esquerdo.
  • A decisão se baseou na responsabilidade da empresa em fornecer, manter e fiscalizar o uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPIs), o que não foi comprovado no caso.

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Usina Bazan S.A., de Pontal (SP), a pagar pensão mensal vitalícia e indenização por danos morais de R$ 35 mil a um cortador de cana-de-açúcar. O motivo é que um EPI estragado contribuiu para que ele se machucasse com facão e, assim, perdesse 5% da flexão do pé esquerdo. De acordo com os ministros, é de responsabilidade da empresa o fornecimento, a manutenção e a reposição de equipamentos de proteção, além da fiscalização do uso adequado e eficiente dos EPI’s, o que não ficou comprovado neste processo.

EPI quebrado
O posicionamento do TST supera a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região sobre o caso. O TRT tinha afastado as indenizações que tinham sido deferidas pelo juízo de primeiro grau, pois entendeu que o acidente foi de culpa exclusiva do empregado. Segundo o Regional, o infortúnio ocorreu em razão de um ato inseguro praticado pelo próprio cortador, que, considerado um trabalhador experiente, não poderia atuar com EPI estragado (pederneira), como confessado em depoimento.

Acidente de trabalho
Houve recurso de revista ao TST, e o relator na Quinta Turma, ministro Douglas Alencar Rodrigues, votou no sentido de restabelecer a sentença que condenou a empresa ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais. O ministro explicou que, na relação de emprego, o trabalhador tem direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal). Além disso, é obrigação do empregador cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho (artigo 157, inciso I, da CLT), de modo a garantir um ambiente de trabalho hígido, saudável e seguro.

Responsabilidade da empresa
Nesse cenário, é de responsabilidade da empresa, não apenas o fornecimento, a manutenção e a reposição dos equipamentos de proteção, nos termos do item 6.6.1 da NR-6 do Ministério do Trabalho, mas, também, a fiscalização do uso adequado e eficiente dos EPI’s, “o que não restou comprovado no caso dos autos”, disse o ministro.

Com esse contexto, o ministro Douglas Alencar Rodrigues afirmou que o Tribunal Regional, ao atribuir a culpa exclusiva do acidente ao cortador, em razão do uso de equipamento de proteção danificado, violou o disposto no artigo 157, inciso I, da CLT.

Por unanimidade, a Quinta Turma acompanhou o voto do relator.

Veja o acórdão.
Processo: RR-10440-07.2015.5.15.0125

TRT/AM-RR: Trabalhadora vítima de assédio durante gravidez recebe indenização

Além de reconhecer a rescisão indireta, decisão da 4ª Vara do Trabalho de Manaus também garante estabilidade e verbas rescisórias à funcionária grávida.


Resumo:

• Justiça do Trabalho reconhece rescisão indireta de funcionária grávida, vítima de assédio e discriminação, e condena empresa a pagar R$ 39 mil.
• A decisão também garantiu a estabilidade provisória da gestante até cinco meses após o parto, com direito aos salários, FGTS, 13º salário e férias proporcionais.
• O juiz destacou que a conduta da empresa caracteriza penalidade pela maternidade e reforçou a importância da proteção à mulher no ambiente de trabalho.


Em decisão proferida no último dia 24 de abril, a 4ª Vara do Trabalho de Manaus reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho de uma funcionária grávida que sofreu assédio moral e tratamento discriminatório por parte da empregadora após comunicar sua gestação. A sentença, proferida pelo juiz do Trabalho Diego Enrique Linares Troncoso, condenou a empresa a pagar R$ 39 mil à trabalhadora grávida, incluindo as verbas rescisórias e a indenização por danos morais.

Contratada em agosto de 2022 para trabalhar das 5h às 13h como atendente de caixa, a empregada iniciava seu trabalho às 5h, porém a jornada se estendia até às 15h, sem intervalo intrajornada adequado. Na petição inicial ela alega que também exercia atividades de repositora e atendente de padaria, trabalhando de domingo a domingo, incluindo feriados, com direito a uma folga a cada 15 dias.

Consta no processo trabalhista que, após informar à empresa que estava grávida, a trabalhadora passou a ser alvo de xingamentos e humilhações, inclusive diante de colegas e clientes. Uma das testemunhas ouvidas pelo juiz confirmou as agressões verbais, relatando que a gestante era chamada de “inútil”, “preguiçosa” e acusada de “fazer corpo mole”. A dona da empresa afirmava que ela “usava a gravidez como desculpa” para não trabalhar.

Aos seis meses de gravidez, em janeiro de 2025, ela recorreu à Justiça do Trabalho da 11ª Região, pedindo a rescisão indireta do contrato de trabalho e o pagamento de todas as verbas rescisórias, além de indenização por danos morais e estabilidade gravídica. O valor da causa ultrapassava R$ 80 mil.

Assédio moral

Para o magistrado responsável pela decisão, ficou evidenciado o assédio moral praticado pela empregadora e a violação dos direitos fundamentais da trabalhadora. O juiz Diego Troncoso classificou a conduta patronal como “grave, humilhante e discriminatória”.

Em trecho da decisão, o magistrado destacou que a atitude da empresa configura o chamado motherhood penalty — ou penalidade pela maternidade, um conjunto de práticas discriminatórias contra mulheres grávidas, lactantes ou mães no ambiente de trabalho. A fundamentação mencionou o protocolo do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva na Justiça do Trabalho.

Estabilidade gravídica

A decisão também reconheceu o direito à estabilidade provisória garantida constitucionalmente à empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Foi determinando o pagamento dos salários correspondentes ao período de estabilidade (até outubro de 2025), além de aviso prévio indenizado, 13º salário proporcional, férias proporcionais com o terço constitucional e depósitos do FGTS com a multa de 40%.

Além disso, a empresa foi condenada a providenciar, após o trânsito em julgado, a anotação correta na carteira de trabalho da empregada, fornecer as guias do FGTS e do seguro-desemprego, e pagar multa diária em caso de descumprimento dessas obrigações. Ainda cabe recurso da decisão.

Proferida após três meses do início do processo, a decisão reforça o compromisso da Justiça do Trabalho com a celeridade e com o respeito às garantias legais da trabalhadora grávida. Fortalece, também, a promoção da equidade de gênero no ambiente de trabalho, com a proteção integral à maternidade, valores especialmente celebrados neste mês em que se comemora o Dia das Mães.

TRT/MG: Trabalhadora é indenizada por agressões e mudança de função após comunicação da gravidez

Uma trabalhadora que sofreu assédio no trabalho durante a gravidez teve reconhecido o direito à indenização no valor de R$ 10 mil por danos morais. A empregada também obteve a rescisão indireta do contrato de trabalho, além de indenização pelo período de estabilidade gestacional.

A decisão é dos julgadores da Sexta Turma do TRT-MG, que mantiveram, por unanimidade, a sentença do juízo da 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre/MG, modificando-a somente para aumentar o valor da indenização por danos morais.

O desembargador Anemar Pereira Amaral, relator dos recursos interpostos pelas partes, registrou: “A discriminação contra a mulher, ainda mais gestante, é odiosa e merece ser veementemente repudiada por representar um retrocesso na luta das mulheres pela conquista de seu espaço no mundo do trabalho”. Ele ressaltou que o empregador tem a obrigação de zelar pela saúde física e mental de seus empregados, devendo, para tanto, respeitar as normas básicas de higiene e saúde para garantir um ambiente sadio, inclusive sob o ponto de vista ético e moral.

No caso, testemunha relatou que a autora atuava como alimentadora de calhas, o que consistia em pegar biscoitos que ficavam em caixas e colocar sobre a máquina para colocação de chocolate. As caixas não eram muito pesadas, sendo retiradas do palete e colocadas na bancada. Entretanto, a situação se modificou após a trabalhadora informar a gravidez à empregadora. A partir daí, ela passou a trabalhar abrindo “perdas”, tendo que agachar para exercer o trabalho.

Outra testemunha confirmou a alteração de função após a comunicação da gravidez. A própria representante da ré, em depoimento pessoal tomado, admitiu a mudança de atribuições que exigiam o trabalho de agachamento. A preposta disse que, para trabalhar sentada em cadeira, a autora deveria inclinar o tronco para abrir as caixas no solo.

As provas também evidenciaram a ocorrência de agressões verbais. Testemunha afirmou ter presenciado o chefe gritar com a autora e com outra colega de trabalho que também estava grávida. “Ele dizia que ambas faziam corpo mole, que gravidez não era doença, de uma forma hostil, e na frente de outros empregados”. Embora a empregada tenha comunicado os fatos ao chefe, nada foi feito.

Nesse contexto, o desembargador não teve dúvida de que a empregadora agiu com abuso de poder diretivo, ao alterar as funções, passando a exigir da trabalhadora esforço físico incompatível com a condição de grávida. Para o magistrado, a conduta teve o propósito de causar desconforto extremo à empregada, certamente visando que ela se demitisse do trabalho.

A decisão destacou que a ausência de previsão legal expressa de proibição do trabalho em condições mais gravosas que cientificamente já estão reconhecidas como prejudiciais à gestante não autoriza sua adoção. Conforme ressaltou, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta, entre outros fatores de riscos, o trabalho que exija esforços físicos, inclusive permanecer de pé durante períodos prolongados, recomendando a sua proibição.

Também foi registrado que a ciência ou não da gravidez pelo empregador no momento da contratação da trabalhadora é irrelevante, quando cabalmente comprovada conduta discriminatória praticada no curso do contrato de trabalho. “Não basta garantir o acesso da gestante ao emprego, cabendo ao empregador oferecer um ambiente de trabalho saudável para que a empregada desenvolva plenamente o seu trabalho, sem sofrer retaliações pela condição que confere à mulher especial proteção legal”, assinalou o relator no voto.

De acordo com o julgador, o supervisor tratava as empregadas grávidas de forma hostil, com expressões pejorativas e ameaças de punição, na frente de outros empregados. A conduta foi reconhecida como assédio moral, por expor a empregada a situações vexatórias e humilhantes. O relator chamou a atenção para o fato de a testemunha indicada pela trabalhadora ter sido bem explícita sobre a forma de agir do supervisor, que já era rude com os empregados, sendo ainda mais grosseiro com as empregadas grávidas. “Diferenciação de tratamento que evidencia a conduta discriminatória”, registrou no voto.

A questão também foi analisada sob as lentes do gênero. Com base no Protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o relator considerou a conduta da ré ainda mais reprovável, em virtude da tentativa de naturalizar os atos de violência de gênero. É que, como exposto na decisão, a ré tentou atribuir à atitude agressiva do líder uma condição própria de sua personalidade, pretendendo indicar, assim, a maior afetação da autora por seu estado gravídico, já que outras pessoas poderiam suportar melhor as grosserias do supervisor.

“À toda evidência, o tratamento grosseiro dispensado a empregados é incompatível com o ambiente laborativo, em qualquer circunstância, olvidando-se a reclamada de que cabe ao empregador garantir um ambiente de trabalho saudável e equilibrado, o que não se verificou no caso”, concluiu o relator. Reconheceu, assim, que a autora foi vítima de perseguições, humilhações e ameaças, que evidenciaram o tratamento discriminatório dispensado à gestante, caracterizando-se o assédio moral.

Por considerar que foram exigidos da autora serviços superiores às suas forças e constituindo o assédio moral ofensa à honra do trabalhador, o magistrado enquadrou as condutas praticadas pela empregadora nos casos de rescisão indireta previstos no artigo 483, “a” e “e”, da CLT. A decisão confirmou o pagamento das verbas daí decorrentes, equivalentes às devidas na dispensa sem justa causa.

Foi garantida à trabalhadora também a indenização substitutiva da estabilidade provisória, com pagamento dos salários e demais vantagens desde a data seguinte, com início no dia seguinte à extinção do contrato de trabalho (28/5/2023) até cinco meses após o parto, incluindo-se as férias + 1/3, 13º salários e FGTS + 40% relativos a esse período.

Por fim, o relator manteve a indenização por assédio moral decorrente da afronta aos valores referentes à honra e à dignidade do trabalhador, bens constitucionalmente protegidos (artigos 1º, III, 5º, X, da CR/1988). O valor da indenização foi aumentado de R$ 8 mil para R$ 10 mil, tendo em vista os motivos que ensejaram o ato ilícito, o grau de culpabilidade da empresa, a gravidade e extensão do dano, a intensidade do dolo ou grau de culpa, as condições econômicas e sociais do ofensor, o desestímulo da prática de ato ilícito, a remuneração média recebida pela autora e os valores que vêm sendo praticados pela Turma para casos semelhantes.

Após a decisão, as partes celebraram acordo. O processo já foi arquivado definitivamente.

Dia das Mães
O Dia das Mães, celebrado no próximo domingo, é uma oportunidade não apenas para homenagear as mães, mas também para refletir sobre os desafios que elas enfrentam no mundo do trabalho. A maternidade, embora seja uma experiência enriquecedora, muitas vezes traz consigo dificuldades relacionadas à conciliação entre vida profissional e familiar, além de desigualdades de gênero que ainda persistem no mercado de trabalho.

No âmbito do Direito do Trabalho, diversas normas buscam proteger e garantir os direitos das mães trabalhadoras. Entre elas, destacam-se a licença-maternidade, que assegura um período de afastamento remunerado para que as mães possam cuidar de seus recém-nascidos, e a estabilidade no emprego, que protege a gestante contra dispensas arbitrárias desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Apesar dessas garantias, muitas mães ainda enfrentam barreiras, como discriminação no ambiente de trabalho e dificuldades para acessar creches ou serviços de apoio. O Dia das Mães, nesse contexto, é um momento para reforçar a importância de políticas públicas e empresariais que promovam a equidade de gênero e valorizem a maternidade sem comprometer o desenvolvimento profissional das mulheres.

A data também nos convida a repensar o papel das empresas na criação de ambientes mais inclusivos. Programas como o Empresa Cidadã, que estende a licença-maternidade para 180 dias, são exemplos de iniciativas que beneficiam tanto as mães quanto as organizações, ao promoverem maior qualidade de vida e produtividade.

O Dia das Mães, portanto, vai além das celebrações familiares. Ele é um chamado para que a sociedade reconheça e valorize o papel das mães no mercado de trabalho, garantindo que seus direitos sejam respeitados e que elas tenham condições de equilibrar suas responsabilidades profissionais e familiares de forma digna.

Processo PJe: 0010631-92.2023.5.03.0129 (ROT)


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