STJ: Para garantir sobrevivência de idoso, é possível limitar descontos em conta que recebe BPC

Embora a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha fixado a tese de que é lícito o desconto, em conta utilizada para o recebimento de salário, das prestações de empréstimo livremente pactuado (REsp 1.555.722), é preciso diferenciar o caso de conta em que é depositado o Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio que visa garantir ao idoso o mínimo existencial e pode ser protegido contra descontos excessivos.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que impediu uma instituição financeira, credora em dois contratos de empréstimo, de descontar mais do que 30% do BPC depositado na conta-corrente de um idoso – benefício equivalente a um salário mínimo mensal.

Em recurso especial, o banco alegou que o acórdão violou o artigo 1º da Lei 10.820/2003, já que o idoso teria autorizado o desconto das parcelas em sua conta. A instituição também defendeu a legalidade da cobrança de parcelas no valor acima de 30% da renda do devedor.

Natureza constitucional
A ministra Nancy Andrighi lembrou que, no julgamento do REsp 1.555.722, o debate na Segunda Seção dizia respeito à diferença entre a autorização de desconto de prestações em conta-corrente e a hipótese de desconto, em folha de pagamento, dos valores referentes à quitação de empréstimos, financiamentos, dívidas de cartões de crédito, entre outras obrigações.

Naquele julgamento, apontou a relatora, o entendimento foi que o limite para consignação em folha (de 35% da remuneração do trabalhador, de acordo com a Lei 10.820/2003) não poderia ser aplicado, por analogia, à hipótese de desconto de prestações de mútuo em conta-corrente usada para recebimento de salários, com a autorização do correntista.

Por outro lado, a ministra apontou que o BPC possui natureza constitucional. Segundo o artigo 203, inciso V, da Constituição, deve ser garantido o valor de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não ter meios de prover sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Autonomia reduzida
Nancy Andrighi afirmou que o BPC não é remuneração ou verba salarial, mas uma renda transferida pelo Estado ao beneficiário, de modo a lhe assegurar, com um mínimo de dignidade, condições de sobrevivência e enfretamento da miséria.

Como consequência, a relatora destacou que a autonomia de vontade do beneficiário na utilização do BPC é bastante reduzida. Segundo ela, enquanto o benefício é direcionado à satisfação de necessidades básicas vitais, as verbas salariais permitem ao indivíduo uma margem de utilização maior, podendo ser aplicadas em despesas como lazer, educação e vestuário.

Ao manter o acórdão do TJMG e confirmar a possibilidade de limitação dos descontos, a ministra ainda ressaltou que não há autorização legal para o desconto de prestações de empréstimos diretamente no BPC, concedido pela União e pago por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“Essa limitação dos descontos, na espécie, não decorre de analogia com a hipótese de consignação em folha de pagamento, mas com a necessária ponderação entre o princípio da autonomia da vontade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a não privar o recorrido de grande parcela do benefício que, já de início, era integralmente destinado à satisfação do mínimo existencial”, declarou.

Por fim, a relatora assinalou que, conforme as normas do Banco Central, a autorização para desconto de prestações em conta-corrente é revogável. “Assim, não há razoabilidade em se negar o pedido do correntista para a limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor recebido a título de BPC”, concluiu.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.834.231 – MG (2019/0254568-0)

TST mantém indenização a maquinista por condições degradantes em sistema de monocondução

Segundo a tese vencedora, ainda há muita resistência das empresas em cumprir a lei.


A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho manteve em R$ 100 mil o valor da indenização que a MRS Logística S. A., de Juiz de Fora (MG), terá de pagar a um maquinista. A companhia alegava que o valor fixado era “estratosférico”, mas prevaleceu o voto do relator, ministro José Roberto Pimenta, de que condenações inferiores não vinham surtindo efeitos práticos a ponto de alterar a postura ilícita dos empregadores.

“Homem morto”
O caso se refere às atividades desempenhadas por um maquinista no sistema de monocondução. A locomotiva é equipada com um dispositivo denominado “homem morto”, que tem de ser acionado a cada 45 segundos. Caso contrário, o freio automático de emergência é acionado para parar o trem. A situação impede que o empregado vá ao banheiro ou faça refeições.

Garrafas plásticas
Na reclamação trabalhista, ajuizada em setembro de 2011, o empregado disse que tinha que fazer suas necessidades fisiológicas com o trem em movimento, utilizando-se das janelas das locomotivas, de garrafas plásticas ou jornais forrados no assoalho.

O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido de indenização e condenou a MRS ao pagamento de R$ 60 mil ao empregado. Todavia, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) aumentou a importância para R$ 100 mil. O valor foi mantido pela Segunda Turma do TST, no julgamento de recurso da MRS, em dezembro de 2018.

Estratosférico
Nos embargos à SDI-1, a empresa insistiu que os danos provocados ao empregado não foram comprovados e que ele sempre havia trabalhado no regime de monocondução, sem apresentar qualquer queixa. A MRS argumentou, ainda, que, se tivesse de parar o trem, era só o empregado avisar o Centro de Controle Operacional. Pediu, alternativamente, a redução do valor de indenização, considerado “estratosférico” e muito superior aos aplicados por outras turmas em relação à mesma situação.

Efeitos práticos
O relator dos embargos, ministro José Roberto Pimenta, lembrou que a Segunda Turma, da qual faz parte, em casos semelhantes e sobre a mesma controvérsia, fixava valores indenizatórios menores para compensar o dano, mas a medida não surtia efeitos práticos. Segundo ele, os empregadores vinham mantendo a postura ilícita em casos dessa natureza, “resilientes quanto a não seguir a orientação do TST sobre a matéria”.

Na avaliação do relator, a função pedagógica da indenização por danos morais, que é a de evitar a reiteração no ato ilícito, não estava sendo cumprida com montantes indenizatórios menores. Ele fez questão de frisar que a Segunda Turma não chegou ao valor atual “de uma hora para outra”, mas de forma gradual e consciente. “São casos reiterados, com as mesmas empresas ferroviárias, que mantêm uma postura renitente diante desse tipo de condenação”, concluiu.

O julgamento terminou em empate. Nesse caso, de acordo com o Regimento Interno do TST, prevalece a decisão da Segunda Turma.

Veja o acórdão.
Processo n° Ag-E-ED-RR-1395-27.2011.5.03.0036

TRT/MG reconhece danos morais e rescisão indireta de contrato de empregada discriminada por ser mulher

A Justiça do Trabalho determinou a rescisão indireta do contrato de trabalho e, ainda, o pagamento de indenização por danos morais à empregada de uma rede varejista e atacadista de alimentos que sofreu discriminação de gênero por ser mulher. A profissional alegou que, ao ser promovida ao cargo de assistente de hortifrúti, foi assediada, humilhada e ridicularizada pelos colegas de trabalho, que não aceitavam ser “mandados por mulher alguma”. A decisão é do juiz Rosério Firmo, na 2ª Vara do Trabalho de Varginha.

A trabalhadora pleiteou, em reclamação trabalhista, a indenização e o reconhecimento da rescisão indireta do pacto laboral, alegando falta grave do empregador diante da omissão empresarial quanto à discriminação de gênero sofrida. Para a profissional, os superiores foram coniventes com as condutas grosseiras e desrespeitosas dos subordinados.

Em depoimento, a assistente de hortifrúti contou que assumiu a função e passou a ser ofendida por um colega, que dizia, na frente dos demais trabalhadores e do público, que não aceitaria ordens de uma mulher e só cumpriria o determinado pelo encarregado. E que, por diversas vezes, pediu tarefas a ele, que nunca cumpriu.

Em sua defesa, a empregadora negou as acusações. Alegou ausência de falta grave ensejadora da ruptura contratual e dos requisitos para a caracterização da justa causa patronal. Mas testemunha ouvida no processo confirmou a versão da trabalhadora. Ela contou que tinha acesso a todos os setores da empresa e que via a assistente trabalhando no setor de hortifrúti.

“A reclamante me procurou certo dia, chorando muito, para pedir ajuda, dizendo que um colega do setor havia gritado com ela, e a teria desrespeitado, e que isso era constante; que a depoente disse que não podia ajudar e sugeriu que fosse contatar o gerente”, disse a testemunha no depoimento. A testemunha contou ainda ter presenciado a reclamante chamando empregados do setor para acompanhar a pesagem de caminhão e eles nunca iam.

Para o juiz, o teor desse depoimento, apesar de isolado, foi suficiente para o convencimento do juízo sobre a conduta omissiva da reclamada. “Isso no sentido de fechar os olhos à degradação do ambiente laboral no setor de trabalho da reclamante”, ressaltou o julgador.

Segundo o magistrado, havia na empresa um clima de resistência dos demais colaboradores em atender as orientações da autora, com intuito de desestabilizá-la no exercício da função. E, de acordo com o juiz, não se tem notícia de nenhuma providência empresarial para a correção de rumos das distorções apontadas.

Assim, o magistrado destacou que a empresa assistiu, inerte e apática, à implosão dos limites de uma convivência laboral pacífica e razoável. E concluiu que a realidade apurada é suficiente para configurar falta grave patronal, subsistindo incontrastável perturbação do ambiente laboral. “O quadro fático traduz-se em falta grave da empregadora, autorizando a rescisão indireta do contrato, por força do artigo 483 da CLT,” concluiu.

Dessa forma, diante da modalidade rescisória reconhecida, o julgador condenou a empregadora a proceder ao pagamento das verbas rescisórias devidas. Determinou ainda o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, levando em conta o bem jurídico tutelado, a extensão dos efeitos da ofensa, os reflexos sociais da conduta e a posição socioeconômica da ofensora e da ofendida. Houve recurso da decisão, mas julgadores da Décima Turma do TRT-3 mantiveram a justa causa patronal e a condenação ao pagamento da indenização por danos morais.

Processo n° 0010433-85.2020.5.03.0153

TRT/MG: Cozinheira submetida a jornadas exaustivas será indenizada por dano existencial

A Justiça do Trabalho de Minas Gerais condenou empresa de serviços a indenizar em R$ 8 mil uma cozinheira que foi submetida a jornadas exaustivas e degradantes. A decisão é dos julgadores da Terceira Turma do TRT-MG, que, por maioria de votos, reconheceram o chamado dano existencial, confirmando a sentença oriunda da 3ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas.

Na ação, a cozinheira alegou que trabalhava muito além da jornada contratada, o que teria colocado em risco sua saúde física e mental, privando-lhe do convívio familiar e social e gerando quadro de depressão e necessidade de se submeter a tratamento psiquiátrico e psicológico. Em defesa, a ex-empregadora negou que a trabalhadora tenha sido submetida a jornada exaustiva, apresentando controles de ponto. Sustentou que cumpriu todas as obrigações corretamente.

Ao examinar o caso, no entanto, o desembargador Marcus Moura Ferreira, relator do recurso, deu razão à trabalhadora. Pelas provas, o magistrado ficou convencido de que a profissional era submetida a jornadas exaustivas e degradantes, a ponto de ter direito a indenização. “Havendo nos autos prova contundente de que a reclamante fora submetida a jornadas exaustivas e degradantes, que lhe privaram do convívio social e familiar e do gozo de demais direitos sociais constitucionalmente assegurados, os quais se deduzem, em última instância, da própria dignidade da pessoa humana, princípio estruturante do Estado Democrático de Direito Brasileiro (artigo 1o, III, da CR), ficam demonstrados o ato ilícito, a lesão e o nexo de causalidade, devendo ser mantida, portanto, a decisão que deferiu o pedido de indenização por danos existenciais”, registrou.

De acordo com o relator, os cartões de ponto revelaram que, na escala 6×1 (seis dias de serviço por um dia de descanso), a jornada contratual de oito horas (que poderia ser das 6 às 14h, das 7 às 15h ou das 13 às 21h) era habitualmente prorrogada em cerca de uma hora por dia, com descanso semanal remunerado aos domingos. Havia também várias dobras de turnos, das 6h às 21h ou 22h. Por diversas vezes, a profissional trabalhou no turno das 6h às 14h20, retornava às 22h e somente saía do trabalho após as 14h do dia seguinte.

Em alguns meses, a cozinheira prestou serviços continuamente, sem usufruir repouso semanal e, em muitos outros, teve apenas um ou dois dias de repouso no mês, além de ter trabalhado também nos feriados. No trabalho na escala 12×36, a jornada contratual de 8h às 20h também era comumente prorrogada, iniciando-se entre 7:30/7:40h e terminando entre 20:15/20:30h. Em vários outros dias, estendia-se muito além desse limite, como, por exemplo, das 5:58 às 21:16h, 6h às 20:21h, 5:24 às 20:02h ou das 5:32 às 22:22h.

Como se não bastassem as extensas horas de trabalho, parte significativa do tempo diário era consumida com o deslocamento para o trabalho, no início e no fim da jornada. É que, como destacou o julgador, a trabalhadora reside em Sete Lagoas e trabalhava na Avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, percorrendo grande distância para chegar ao trabalho por meio de transporte coletivo.

Na decisão, o relator explicou que o dano existencial resulta, em sua conformação prática, do desequilíbrio entre trabalho e vida, com incontestável prejuízo para o desenvolvimento desta, do seu significado e sentido. “O trabalho não é um artefato que se possa apartar das demais dimensões da pessoa humana”, registrou, destacando que essa compreensão é fundamental quando se examina o problema concreto de o empregado submeter-se a exigências desmedidas, que, pela sua reiteração sistemática, afetam-lhe todo o processo de vida, do cotidiano ao espectro mais amplo da relação social.

O magistrado enfatizou que a Constituição brasileira repudia qualquer ato que atente contra os valores sociais e fundantes do trabalho, bem assim contrários à dignidade de quem o presta (artigos 1º, III e IV, 6º e 7, XXII, da CF). Na Justiça do Trabalho, segundo expôs, toda controvérsia jurídica sobre direitos deve ser analisada levando-se em conta os princípios constitucionais. A centralidade do trabalho impõe salvaguardas e limites, que, existindo nos princípios e regras, não podem ser esquecidos na relação de trabalho.

Ainda de acordo com o desembargador que formulou o voto condutor, não é incomum que empresas façam exigências e imposições a seus empregados, como prática instituída, que ultrapassam em muito os padrões mínimos de aceitabilidade, contrariando abertamente o sistema de proteção jurídica. Tal violação, muitas vezes sistemática, incide diretamente sobre todo o processo de vida, desde o cotidiano ao espectro mais amplo da relação social. Isso geralmente ocorre por obra da carga horária extrema e ilimitada, algo que se vai repetindo diariamente, em ordem a subtrair por inteiro a possibilidade de o trabalhador fruir, de um modo desejável, os demais direitos e, notadamente, tomar parte na vida de relação.

Nesse cenário, o relator destacou que “o empregado vai se tornando refém do emprego, consome-se nele, nas jornadas continuadamente exaustivas; daí, perdendo vigor, ofusca-se, não experimenta outras vivências, ressente-se de um qualquer projeto pessoal; em verdade, para além de suas tarefas laborais, talvez gire no vazio, porque o trabalho lhe arrebata o tempo quase todo, não considerando o inevitável deslocamento diário, que pode consumir de fração a horas. A jornada do trabalhador faz do seu dia um círculo vicioso e esgotante, e o que resta fora dela, além da entrada e da saída tardia no cartão de ponto, é algo como um perímetro reduzido e apertado; aliena-o da própria temporalidade, em suma”, registrou, completando que: “Finda a carga diária, retorna à casa, se longe não estiver, vê a família, alimenta-se e dorme para manter-se de pé. A folga, nem sempre concedida em semelhante condição, não será bastante para quebrar-se o ciclo de exaustão, a um tempo físico, psíquico e emocional”.

Provas – De acordo com a decisão, o cenário capaz de gerar indenização deve ser provado, não bastando a mera presunção “O detrimento de que se trata, embora em escala de ascendência, certamente não é ainda massivo a ponto de tornar-se regra de conduta totalizante no campo do vínculo de emprego formalmente estabelecido – o que não é muito, devo dizer, pois, notoriamente, a precariedade e o déficit de adequada proteção já se mostram largamente presentes no trabalho informal ou dado como tal, para cumprimento de cujas atividades a jornada, com frequência preocupante, constitui realidade dramática”, ponderou o julgador.

Para ele, ficou evidente, pelas provas, que as condições de trabalho a que se submetia a autora comprometiam seus direitos fundamentais ao lazer e ao descanso (artigo 6º da Constituição), praticamente impossibilitando que estabelecesse relações sociais e familiares ou se dedicasse a outro projeto de vida que não o trabalho, o que se deve assegurar a todo ser humano, propiciando-lhe a chance de satisfazer seus interesses pessoais e de desfrutar, efetivamente, uma vida privada.

Foi observado no acórdão que, ao impor tais restrições à sua empregada, o empregador extrapolou os limites de atuação do seu poder diretivo e atingiu esses direitos fundamentais, os quais, na verdade, são espectros de manifestação da própria dignidade dessa trabalhadora, princípio estruturante do Estado Democrático de Direito brasileiro (artigo 1º, III, da CR), ao lado dos valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV, da CR) e do próprio exercício amplo da cidadania (artigo 1º, II), que também são pilares em torno dos quais toda a atuação, pública ou privada, deve se alicerçar.

Para ele, a situação fática narrada já configura, por si mesma, a lesão, não sendo o pagamento das horas extras trabalhadas capaz de afastar o dano existencial sofrido pela autora, o qual, no caso, possivelmente contribuiu para o quadro depressivo que a acometeu, como noticiado pelos atestados médicos apresentados.

Na decisão, foi citado acórdão da 3ª Turma do TST, de relatoria do ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, nos autos do RR n. 11849-57.2016.5.18.0009 (data de publicação: 4/10/2019), bem como jurisprudência do TRT de Minas, a exemplo do acórdão proferido no RO 0011644-60.2017.5.03.0025, de 11/03/2020, relatado pela desembargadora Maria Cecília Alves Pinto.

Por fim, o relator considerou razoável o valor de R$ 8 mil fixado para a indenização em primeiro grau, levando-se em conta a extensão do dano e a duração do contrato de trabalho (de 25/9/2014 a 1/8/2017), rejeitando a necessidade de redução almejada pela ré e a majoração pretendida pela autora. O colegiado, por maioria de votos, negou provimento a ambos os recursos. Durante a fase de execução do processo, as partes firmaram acordo.

Processo n° 0011194-79.2017.5.03.0167

TJ/MG: Compradores de sêmen de gado serão indenizados por não receberem o material

Pai e filho não receberam doses de um dos lotes adquiridos e tiveram prejuízos


Dois homens, pai e filho, devem receber, juntos, de dois fornecedores de sêmen de gado, R$ 336 mil por danos materiais, referentes a lucros cessantes — prejuízos causados pela interrupção de uma atividade. O prejuízo ocorreu em razão da não entrega de um dos quatro lotes de sêmen de boi da raça senepol, adquiridos em um leilão por pai e filho em 22 de março de 2014. A decisão é do juiz Luís Eusébio Camuci, da 5ª Vara Cível de Uberlândia.

O juiz determinou, ainda, a devolução do valor do lote pago e não entregue, corrigido monetariamente.

Segundo os autores, quase um mês depois da entrega dos três lotes é que os vendedores afirmaram que o outro não estava disponível. Disseram que os fornecedores chegaram a oferecer duas doses de um outro touro, raríssimo, morto há muitos anos, como forma de compensação, mas não aceitaram.

Os réus se defenderam, alegando terem adquirido e pagado aos criatórios vendedores mais de mil doses de sêmen, incluindo as doses de genética rara arrematadas. No entanto, quando chegaram os botijões de armazenamento, a dose adquirida não estava presente.

Segundo o juiz, esse é um risco próprio da atividade dos réus, não sendo admissível a atribuição de responsabilidade a outro fornecedor. Ele citou o art. 186 do Código Civil, para tratar do ilícito. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Sobre a proposta de compensação, disse que os autores não eram obrigados a aceitar a substituição do produto que compraram por outro, ainda que tal produto fosse mais valioso.

Para ele, restou incontroverso que os réus não entregaram os produtos e, diante da recusa da proposta, entendeu que os réus se tornaram inadimplentes com a sua obrigação contratual, violando direito dos autores.

Quanto ao pedido de dano moral, afirmou inexistir qualquer comprovação de que pai e filho tenham chegado a vivenciar verdadeiro abalo de ordem moral, “ou seja, que fosse capaz de afetar o seu equilíbrio ou integridade emocional, a sua integridade intelectual ou física, a sua reputação, a sua imagem ou o seu amor próprio, circunstâncias que, aí sim, poderiam dar origem ao dano moral suscitado”.

Processo n° 5021417-17.2020.8.13.0702

TJ/MG: Azul deve indenizar crianças por cancelamento de voo

Os menores aguardaram mais de 10 horas para embarcar em outro avião.


Mais de 10 horas de espera. Esse foi o tempo que duas crianças tiveram que aguardar até a saída efetiva do voo que as levaria de Porto Seguro para Belo Horizonte. A fim de buscar reparação por danos morais, o pai ingressou com um processo judicial que resultou na condenação da Azul Linhas Aéreas. Conforme a decisão do juiz João Luiz Nascimento de Oliveira, da 27ª Vara Cível de Belo Horizonte, cada uma deve receber R$ 4 mil da empresa.

Segundo os autos, o atraso ocorreu no voo de retorno, que deveria partir às 6h do dia 3 de julho de 2017, mas isso só ocorreu às 16h10.

De acordo com o pai das crianças, o voo da volta foi cancelado, sem explicações. Ele contou que chegaram ao aeroporto com duas horas de antecedência e esperaram na sala de embarque por um longo tempo até serem informados sobre o cancelamento. Disse que foram realocados em um voo previsto para as 15h, que efetivamente decolou às 16h10min.

A empresa alegou que o cancelamento do voo se deu por força maior, decorrente da reparação não programada da aeronave, que necessitou de reparos. A Azul acrescentou que prestou assistência aos autores, realocando-os no voo mais próximo e fornecendo vouchers para alimentação.

Mas, segundo o juiz, não obstante as providências adotadas pela companhia, a reparação não programada de aeronave constitui caso fortuito interno, que pode consolidar falha no serviço ofertado, resultando no dever de indenizar. O juiz ressaltou que o fornecedor responde pela reparação de danos causados aos consumidores, independentemente da existência de culpa.

Para ele, “as condições do caso concreto sinalizam, com razoável segurança, para a existência de dano moral, pois não se deve considerar mero aborrecimento o tempo que os autores, menores impúberes, tiveram de aguardar o próximo voo”, sintetizou.

Processo n° 5054988-78.2017.8.13.0024

TRT/MG não constata culpa de empregador em caso de educadora social agredida por interna em instituição de acolhimento de adolescentes

Julgadores da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas modificaram sentença para excluir indenização por danos morais de R$ 3 mil que havia sido deferida à educadora social agredida por interna no local de trabalho. Ao apreciar o recurso da ex-empregadora, o desembargador Ricardo Antônio Mohallem – que atuou como relator e cujo voto foi adotado à unanimidade pelos demais julgadores – concluiu que não houve culpa da reclamada no ocorrido, o que exclui o dever de reparação.

“O Direito Civil condiciona a reparabilidade do dano à culpa (lato sensu) do agente. Significa dizer que a obrigação de ressarcir provém de ato comissivo ou omissivo praticado com culpa (lato sensu). Sem esta, a responsabilidade civil se esvai“, registrou o relator.

Entenda o caso – A reclamante foi contratada para trabalhar em instituição de acolhimento de adolescentes – Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais Sudeste Brasileira –, para a função de educadora social. Em 2016, foi agredida no local de trabalho por uma das internas, que lhe desferiu um chute e lhe pressionou contra o portão, com o objetivo de que ela não o fechasse. A educadora pretendia receber da ex-empregadora indenização por danos morais, no valor de R$ 30 mil, alegando que, apesar de ter dado a ela ciência do fato, não recebeu qualquer proteção.

O pedido da trabalhadora foi parcialmente acolhido pelo juízo da 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte e a ex-empregadora foi condenada a lhe pagar indenização de R$ 3 mil. Mas, ao analisar as provas, inclusive testemunhal, o relator concluiu que a ex-empregadora não cometeu ilícito e, dessa forma, não pode ser responsabilizada pelo ocorrido. Nesse quadro, deu provimento ao recurso da reclamada, para afastar a indenização por danos morais deferida na sentença.

Prova testemunhal – A prova testemunhal e os depoimentos pessoais das partes envolvidas revelaram que as educadoras recebiam treinamento específico para lidar com os menores, em sua maioria, vindos de ambientes agressivos e do tráfico de drogas. Segundo os relatos, os treinamentos eram fornecidos pela Prefeitura de BH e pela própria reclamada. No caso de agressões, o fato era comunicado à coordenadora e a polícia era acionada, o que ocorreu quando a autora foi agredida pela interna.

A maioria das adolescentes fazia uso de medicamento e tinha acompanhamento psicológico e psiquiátrico, inclusive a interna que agrediu a autora. Pelo plano de ação adotado pela Prefeitura, não era possível a contratação de seguranças na instituição, sendo prevista a possibilidade de acionar a polícia ou a Guarda Municipal no caso de agressão.

Nesses casos, a situação era levada ao juiz da Vara da Infância e Juventude, que decidiria se a acolhida sofreria ou não uma medida, o que, inclusive, já havia ocorrido com a interna que agrediu a autora. A equipe, formada por uma psicóloga e uma assistente social, determinava a medida a ser adotada, que poderia ser proibição de saída, proibição de acesso a televisão e não participação em eventos programados.

Na decisão, o relator pontuou que a natureza especial da função exercida pela autora a expunha, assim como as demais educadoras, a ameaças e agressões. Para tanto, as educadoras eram treinadas e capacitadas para o enfrentamento das situações de crise, como provaram os depoimentos.

“É incontestável que a agressão física ocorreu, retratada em boletim de ocorrência, em livro de ocorrência da primeira reclamada e também nos depoimentos”, frisou o relator. Ele notou que uma testemunha que trabalhava no local revelou que, embora ela mesma nunca tivesse sido agredida, a interna que agrediu a autora também já havia agredido outras educadoras.

“Mesmo quem pouco conhece desses ambientes de acolhida para pessoas desamparadas ou desajustadas do seio familiar, social, psicológico, marginalizadas pela sociedade, dependentes de medicação e acompanhamento psicológico/psiquiátrico, sabe como é dura a vida nessas condições. O ambiente torna-se ‘carregado’ para todos, tanto para os acolhidos como para os educadores”, registrou o desembargador relator. Ele ponderou que, entretanto, não houve omissão da empregadora, tanto que a polícia era acionada quando as agressões ocorriam.

Para o relator, seguido pelos demais julgadores, a conduta agressiva da interna, ainda que tenha ocorrido no local de trabalho e contra a autora no cumprimento da sua função, não pode ser atribuída ou imputada à reclamada, até porque a prova testemunhal confirmou que ameaças e agressões ocorriam, mas não eram “uma constante”. “Não houve conduta ilícita da primeira reclamada, tampouco de forma habitual, que pudesse ter contribuído para esse fato”, frisou o julgador.

O desembargador ponderou não vislumbrar qual seria a medida que a ré poderia ter implementado para evitar agressões físicas às educadoras sociais e pontuou que somente existe responsabilidade civil do empregador (artigo 7º, XXVIII da Constituição) se este “incorrer em dolo ou culpa”, considerando que a responsabilidade objetiva é exceção, conforme decidiu o STF ao apreciar o Tema 932.

“Poucas são as atividades sem risco para os direitos de outrem. É certo que a função da reclamante se reveste de um certo grau de risco, na medida em que trabalha com adolescentes com problemas de socialização, mas também é certo que essa condição não foi omitida às educadoras, treinadas e amparadas pela presença da polícia, quando necessário”, destacou Mohallem.

O relator frisou que o Direito Civil condiciona a reparabilidade do dano à culpa do agente, o que significa dizer que a obrigação de ressarcir provém de ato comissivo ou omissivo praticado com culpa, sem a qual a responsabilidade civil se esvai.

“Na ótica do Direito do Trabalho interessa o dano e sua incidência na relação contratual trabalhista. Não se trata de transferir ao empregado os riscos da atividade econômica, mas de aplicar a norma civil (artigo 186 do CC/2002), com respaldo constitucional, segundo a qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, II CF/1988) ou a reparar o dano para o qual não deu causa”, pontuou o desembargador. E concluiu: “A primeira reclamada não contribuiu para a agressão sofrida pela reclamante, que foi desferida por uma interna com histórico problemático”.

Por não vislumbrar nenhuma ação ou omissão empresária que tenha concorrido para a agressão sofrida pela educadora social, tendo em vista que não foi demonstrada a culpa nem a prática de ato ilícito atribuível à empregadora, foi afastada a indenização por danos morais deferida na sentença.

Processo n° 0010116-03.2017.5.03.0021

TJ/MG: Empresa de marmitas deverá pagar multa ao estado por falha no fornecimento

Acondicionamento não foi feito em caixas térmicas, como exigia contrato


A Prudente Refeições Ltda. foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a pagar multa ao Estado de Minas Gerais por não manter aquecidas marmitas fornecidas para estabelecimentos prisionais. O valor da penalidade, no entanto, ainda será apurado.

A empresa entrou na Justiça por discordar do valor da multa e do método do cálculo utilizado para punir as irregularidades que o Estado de Minas Gerais alega terem sido cometidas. A multa estipulada foi de R$ 73.679.

De acordo com a empresa, o valor foi calculado levando-se em conta todo o período de 125 dias entre duas fiscalizações, feitas em setembro de 2014 e janeiro de 2015, mas deveriam ter sido consideradas somente as duas datas de fiscalização. A Prudente Refeições afirmou, ainda, que a punição foi calculada sobre o valor global do contrato, não sobre o custo diário do serviço, e com percentual acima do previsto.

O Poder Executivo argumentou que o armazenamento e o transporte das marmitas não ocorreu em caixas térmicas, conforme cláusula contratual. Isso comprometeu a qualidade dos alimentos, favorecendo o azedamento e a proliferação de micro-organismos nocivos à saúde. O estado pediu a manutenção da multa.

Em primeira instância, foi negado o pedido de anular a punição administrativa ou substituí-la por penalidade mais branda, como uma advertência. A decisão foi da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias de Belo Horizonte. A empresa recorreu.

A 4ª Câmara Cível do TJMG manteve a sentença. A relatora, desembargadora Ana Paula Caixeta, destacou que o setor de nutrição do governo estadual pediu a troca das caixas plásticas vazadas pelas térmicas em janeiro de 2014, porém isso não ocorreu. Além disso, a obrigação de transporte das refeições em recipientes que mantêm a temperatura já constava do contrato firmado entre as partes.

A relatora apenas alterou a forma como a penalidade seria calculada. Pela decisão, a multa deve incidir sobre o custo diário do serviço e não sobre o valor total do contrato. Quanto ao percentual, deve ser aplicado o que ficou estipulado em contrato: 0,3% por dia, nos trinta primeiros dias, e 20% por dia nos dias que se seguiram.

Os desembargadores Renato Dresch e Kildare Carvalho seguiram a relatora.

Veja a decisão.
Processo n° 1.0000.18.011525-5/002

TRT/MG reconhece vínculo de emprego de motorista com a Uber

A Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil. A decisão é dos julgadores da 11ª Turma do TRT-MG, que, por maioria, acompanharam o voto do desembargador relator Antônio Gomes de Vasconcelos, determinando o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para que se proceda a novo julgamento dos pedidos decorrentes da relação de emprego reconhecida no segundo grau.

O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte havia negado o pedido do trabalhador, que interpôs recurso, sustentando que o vínculo empregatício deveria ser reconhecido por estarem presentes na relação fática os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT. Aduziu, ainda, que a prestação de serviços como motorista era realizada de forma subordinada, havendo a utilização de meios telemáticos de comando, controle e supervisão.

Insistiu também que não havia autonomia na prestação de serviços, argumentando que a Uber definia o tipo de veículo a ser utilizado, cliente a ser atendido, fixação de preço e rota de atendimento. Afirmou que o pagamento efetuado se caracteriza como salário. E sustentou, por último, que o trabalho era prestado de forma não eventual, “sendo falaciosa a alegação de que poderia escolher dias e horários para trabalhar, na medida em que poderia sofrer bloqueios temporários em caso de não atendimento das demandas do aplicativo ou não participação de promoções”.

Acordo às vésperas do julgamento – Questão de ordem: Mas, um dia antes da sessão de julgamento do recurso, em 17/11/2020, as partes apresentaram petição de acordo, requerendo a retirada do processo de pauta de julgamento para a homologação do ajuste. Porém, segundo o relator, apresentada a petição depois de incluído o processo na pauta e, na véspera da sessão de julgamento, não poderia mais ser afastada a apreciação e decisão da demanda, até porque a questão subjacente ao pedido não é simples. Para ele, envolve análise mais detida, com base nas premissas que orientam as políticas de administração de justiça em curso no Poder Judiciário brasileiro e, em especial, na Justiça do Trabalho.

Na visão do julgador, o acordo celebrado oculta grave vício de consentimento determinante de renúncia quanto aos fatos e quanto aos direitos deles decorrentes, pelo que ficou desfigurado, por completo, o caráter transacional indispensável à validade do acordo. “A estratégia da reclamada, portanto, confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhista, reforçada pela aparente uniformidade da jurisprudência, dissimulada a existência de dissidência jurisprudencial quanto à matéria que, de modo ainda mais danoso, aparenta que a jurisprudência se unifica também no sentido de admitir, a priori, que os fatos também se configuram exatamente de modo uniforme em todos os processos”, pontuou o relator.

Para o desembargador Antônio Gomes, a política adotada pela reclamada, além de dificultar a realização da justiça ao equiparar a renúncia e transação, compromete a eficiência, a racionalidade e a economicidade dos atos processuais, que são princípios constitucionais basilares que regem a administração pública.

Dessa forma, o desembargador indeferiu o pedido de retirada do processo de pauta, prosseguindo no julgamento do feito. Ele ressaltou o parecer emitido pelo Ministério Público do Trabalho, que pediu para que o acordo não fosse homologado.

Para o MPT, “o que está a ocorrer é que a empresa estava manipulando o resultado da distribuição de processos em segundo grau, ou seja, dependendo do entendimento jurídico predominante que era anteriormente conhecido por todos, através dos acórdãos anteriores, assim a empresa tenta impedir o julgamento através de celebrações de acordos”.

Decisão – Ao examinar o recurso, o relator reconheceu que o profissional, pessoa física, prestou serviços de motorista em prol da empresa reclamada, mediante cadastro individualizado na plataforma da Uber, caracterizando a pessoalidade. Segundo o julgador, a atividade era remunerada pela reclamada, que efetuava os repasses pelas viagens realizadas.

“Cumpre destacar que a fixação do preço do serviço era feita pela Uber, o que afasta a suposta autonomia do motorista. A prova documental demonstrou, ainda, que a empresa adota a política de pagamento de prêmios aos motoristas que se destacam”, ressaltou o julgador. Tais fatos, segundo ele, revelaram o requisito da onerosidade.

Quanto à não eventualidade, o desembargador explicou que foi provada, pelo histórico de viagens do motorista, a continuidade na prestação dos serviços, que se inseriam na atividade econômica da reclamada. Já a subordinação, elemento primordial da caracterização da relação de emprego, foi evidenciada, segundo o relator, pelo conjunto probatório.

A documentação demonstrou que a Uber tinha o controle da prestação de serviços, exercendo poder diretivo e atuando muito além de mera locadora de plataforma virtual. Pela “Política de Desativação” da empresa, consta uma extensa lista de ações não permitidas pela Uber, tais como: ficar on-line sem disponibilidade imediata, compartilhar seu cadastro e aceitar viagem e ter uma taxa de cancelamento maior do que a taxa de referência da cidade. E, em caso de descumprimento das regras impostas, o motorista sujeita-se à rescisão contratual, perdendo acesso ao aplicativo de motorista.

Na visão do julgador, tais regras tornam evidente o trabalho subordinado. “A Uber exercia plenamente seu poder diretivo ao expedir normas relativas ao comportamento e às condições de trabalho do motorista”.

Já o contrato firmado entre as partes evidencia, mais uma vez, que o motorista é obrigado a cumprir regras previamente estipuladas pela reclamada, tais como: manter avaliação média dada pelos usuários que exceda a avaliação média mínima aceitável pela Uber para o território, sob pena de desativação do serviço.

Para o relator, ainda que o reclamante tenha declarado em seu depoimento pessoal que “é o próprio depoente quem escolhe os dias e horários em que quer trabalhar e que não era advertido pela reclamada se ficasse algum dia sem trabalhar”, isso não constitui obstáculo ao reconhecimento da relação de emprego. Segundo ele, isso ocorre porque a subordinação, nesse novo contexto de organização da forma de trabalho, apresenta-se de maneira diferenciada.

Segundo o voto prevalecente, parece certo que o serviço de motorista executado sob demanda, como no caso, recebe a ingerência da empresa, que adota controle por programação ou algoritmo, visando ao padrão de qualidade para a realização do trabalho e, por consequência, à lucratividade. O magistrado fez questão de ressaltar que o parágrafo único do artigo 6º da CLT equipara os meios telemáticos e informatizados de supervisão aos meios pessoais e diretos de comando.

Na visão do desembargador, o fato de ser do autor a iniciativa de cadastro na plataforma gerenciada pela Uber não torna impossível o exame da natureza jurídica da relação de trabalho. Do mesmo modo, o fato de ter tido ciência prévia de normas e condições de trabalho é outro argumento que não se sustenta ante o princípio da realidade que rege o direito laboral. “Tal fato não é obstáculo sequer ao exame dessas próprias normas à luz dos critérios tipificadores da relação empregatícia”, disse.

Segundo o julgador, o ingresso do trabalhador na atividade da tomadora de serviços é elemento suficiente para o reconhecimento de seu ingresso na estrutura produtiva da empresa, não sendo indispensável a existência de qualquer ato formal de admissão do tomador, quando é suficiente o mero ingresso do prestador na organização empresarial da reclamada.

Já no tocante ao argumento de que o reclamante assumiu os riscos do negócio, o desembargador destacou que assumir risco implica ter o benefício completo dos resultados. Situação que, segundo ele, não ocorreu no presente caso, em que o autor somente arcou com os custos que, de modo algum, descaracterizam o vínculo de emprego.

Assim, diante do acervo probatório dos autos, o relator reconheceu que é definitivamente inaceitável o argumento de que foi celebrado contrato de aluguel da plataforma utilizada na aproximação com seus clientes. “A atividade da reclamada não se limita, de modo algum, a apenas disponibilizar a plataforma digital de sua propriedade mediante pagamento de taxa. É ela quem dita as condições em que os serviços devem ser prestados, o preço do serviço, além de manter rígido e eficiente o controle eletrônico da atividade laboral do autor”, concluiu o desembargador, reconhecendo o vínculo empregatício do autor com a reclamada.

Processo n° 0010258-59.2020.5.03.0002

TJ/MG: Homem preso indevidamente será indenizado

Processo de execução de alimentos contra ele havia sido extinto, mas mandado de prisão não foi recolhido.


Um morador de Belo Horizonte que foi preso ilegalmente em junho de 2016 teve sua indenização por danos morais elevada de R$ 10 mil para R$ 35 mil. O valor deverá ser pago pelo Estado de Minas Gerais.

A prisão ocorreu porque ele era réu em um processo de execução de alimentos que foi extinto em 2012, sem resolução do mérito, por terem as partes deixado de promover os atos necessários ao seu regular andamento. O mandado de prisão referente a esse processo, no entanto, não foi recolhido.

O estado e o cidadão ajuizaram recursos contra a decisão de primeira instância, e a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) atendeu ao pedido do homem, determinando o aumento da indenização. A decisão dos desembargadores não foi unânime.

O estado alegou que o TJMG e o Superior Tribunal de Justiça, em situações semelhantes, estabeleciam quantias bem menores que a fixada pela 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte.

O homem, por sua vez, argumentou que o valor deveria ser maior, porque ele sofreu humilhação pública. Ele foi preso diante de quase uma centena de pessoas quando buscava retirar uma certidão na Unidade de Atendimento Integrado, do Shopping Norte.

Além disso, depois de ficar na cadeia por quase sete dias, ele teve de deixar o presídio em São Joaquim de Bicas no início da madrugada e ir a pé por quilômetros até chegar a sua residência na região de Venda Nova, em Belo Horizonte.

A relatora dos dois pedidos, desembargadora Ana Paula Caixeta, avaliou que o próprio Poder Executivo estadual reconheceu sua responsabilidade pela prisão indevida e solicitou apenas a redução da indenização.

Para a magistrada, ficaram evidentes o ato ilícito do poder público e os danos morais. Segundo ela, a prisão ilegal provoca abalo psíquico e emocional, “especialmente quando consideradas as condições em que, infelizmente, se encontram as unidades prisionais brasileiras”.

Quanto à indenização, a relatora avaliou que o valor para a reparação dos prejuízos de natureza moral poderia ser maior, levando em conta as peculiaridades do caso.

Os desembargadores Renato Dresch e Moreira Diniz votaram pela quantia estipulada em primeiro grau, R$ 10 mil. Prevaleceu a indenização de R$ 35 mil, proposta pela relatora, que foi seguida pelos desembargadores Kildare Carvalho e Dárcio Lopardi Mendes.


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