TRF1: Registro de pessoa jurídica em conselho profissional só é obrigatório quando as atividades básicas estiverem relacionadas às disciplinadas pelos órgãos fiscalizadores

A 7ª Turma do TRF1 decidiu que a obrigatoriedade de registro de pessoa jurídica em conselho profissional só é válida quando a atividade básica exercida pela empresa estiver relacionada com as atividades disciplinadas pelos referidos conselhos.

Na hipótese, o Conselho Regional de Administração de Goiás (CRA/GO) apelou da sentença que julgou procedente o pedido de uma empresa para declarar inexigível a inscrição dela no CRA/GO. Sustentou o apelante que, conforme a alteração nona do contrato social, foi incluída a prestação de serviços de gestão de estacionamento de veículos, a qual é pertinente à atividade de administrador, o que justifica a necessidade de registro da apelada no respectivo Conselho Profissional.

Para o relator, desembargador federal Hercules Fajoses, verifica-se que a apelada tem como atividade principal a prestação de serviços de organização, produção e promoção de eventos; leilões; prestação de serviços na locação de automóveis; prestação de serviços no transporte rodoviário de cargas municipais e interestaduais; prestação de serviços de gestão de estacionamento de veículos automotores, próprios ou de terceiros. “Logo, por não prestar serviço próprio da função de administrador, elencadas na Lei nº 4.769/1965, não está sujeita à inscrição e à fiscalização do CRA”, destacou Hércules Fajoses.

“Não prospera a alegação de que a empresa atuava ilegalmente em área privativa de administrador especificamente nos campos de administração financeira, mercadológica, de materiais, organização e métodos, e assim deveria fazer o registro no Conselho em questão e consequentemente o pagamento da anuidade”, afirmou o magistrado.

Entretanto, o desembargador enfatizou que, após a inscrição voluntária da empresa no Conselho, o pagamento das anuidades até o pedido de cancelamento do registro é obrigatório, sendo inexigíveis apenas as anuidades posteriores à solicitação de cancelamento.

Nesses termos, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, deu parcial provimento à apelação do CRA/GO apenas para reconhecer a exigibilidade das anuidades anteriores ao pedido de cancelamento da inscrição.

Processo n° 1002418-06.2017.4.01.3500

TJ/SC: Município deve indenizar motociclista atingida em cruzamento com semáforo inoperante

O município de Florianópolis deverá indenizar uma motociclista em R$ 5,3 mil, a título de danos morais e materiais, em decorrência de um acidente de trânsito ocorrido em agosto de 2018. A sentença é do juiz Rodrigo Francisco Cozer, em ação que tramitou no Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital. De acordo com os autos, a condutora da moto foi atingida por um carro em um cruzamento no bairro Trindade, sendo que um dos semáforos do local apresentava defeito, com todas as suas luzes apagadas.

Como consequência da colisão, a vítima sofreu lesões e teve de ser submetida a procedimento cirúrgico. A motocicleta usada ficou avariada. Segundo relatado pelos agentes de trânsito no boletim de ocorrência, as luzes do semáforo na via principal estavam desligadas, enquanto o equipamento da outra rua funcionava normalmente, causando grande risco ao fluxo de veículos.

Ao julgar o caso, o magistrado apontou que é dever do município manter a segurança viária e a conservação das vias e logradouros públicos, bem como é sua a obrigação de colocar a sinalização indicativa de eventuais defeitos, a fim de evitar acidentes. Na situação analisada, prosseguiu o juiz, foi verificado que a conduta omissiva (específica) do município constituiu fator gerador da responsabilidade civil objetiva do ente público.

“Como se vê, a causa do acidente foi a omissão específica do ente público, que, por negligência, deixou o sinal daquele cruzamento por dias sem funcionamento, defeito do qual gerou o acidente”, escreveu Cozer. O valor indenizatório, que deverá ser reajustado com acréscimo de juros e correção monetária, foi fixado com base no abalo psicológico e sofrimento pessoal da vitima, além dos prejuízos relacionados à motocicleta e das despesas com transporte particular, fisioterapia e medicamentos. Cabe recurso da decisão.

Processo n° 0313216-13.2018.8.24.0023.

TJ/PR: Após desrespeitar a quarentena, homem que contraiu a doença é condenado a pagar R$ 15 mil de indenização por danos

Sentença destaca que o comportamento do réu colocou em risco toda a coletividade.


Na sexta-feira (18/9), a Justiça estadual condenou um morador de União da Vitória, cidade do sudeste do Paraná, a pagar R$ 15 mil de indenização por danos sociais após o réu ter desrespeitado as medidas de isolamento domiciliar. O valor deverá ser destinado ao Fundo Municipal de Saúde.

Segundo informações do processo, o homem estava ciente da necessidade de permanecer em quarentena por 10 dias devido à suspeita de contaminação pelo novo coronavírus. No entanto, três dias depois de assinar um “termo de consentimento livre e esclarecido” expedido pelo órgão de saúde local, o réu viajou para Curitiba. No trajeto, ele teve a companhia de dois colegas que desconheciam a suspeita de contaminação. O resultado do exame com a confirmação do contágio saiu durante o período em que o homem estava na capital do Estado.

Ao se manifestar na ação, o réu alegou não ter causado dano à sociedade e disse ser uma vítima contaminada pelo vírus. Além disso, ele afirmou que não poderia ser o único responsável pela transmissão da COVID-19 em União da Vitória ou nos demais lugares por onde passou.

Indiferença com a responsabilidade social

Na sentença, o Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de União da Vitória destacou que a indenização por danos sociais possui caráter punitivo e de prevenção geral, desestimulando a prática de atos similares. “O comportamento do réu demonstra indiferença com a responsabilidade social que deveria ser inerente a todos nós. Sua conduta colocou em risco toda a coletividade, incumbindo ao Poder Público a tomada de providências cabíveis de modo a inibir práticas dessa natureza”, observou o magistrado.

Em sua fundamentação, o Juiz destacou que o vírus não respeita fronteiras ou limites territoriais. Segundo ele, o atual cenário “exige esforços conjuntos de toda a sociedade para auxiliar na redução da propagação da moléstia, garantindo um achatamento da curva de infectados e maior fôlego ao sistema público de saúde”.

STF mantém obrigação de cota de veículos adaptados para pessoas com deficiência em locadoras

O dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência que exige um veículo adaptado a cada 20 foi julgado constitucional.


Em decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade de dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) que obrigam as locadoras a terem um veículo adaptado a cada conjunto de 20 automóveis da frota. Na sessão virtual encerrada em 21/9, os ministros julgaram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5452, em que a Confederação Nacional do Transporte (CNT) apontava ofensa aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da razoabilidade e da irretroatividade tributária.

O entendimento seguiu o voto da relatora da ação, ministra Cármen Lúcia. Ela destacou que o conjunto de regras constitucionais no Brasil, incluindo as normas editadas pelo constituinte originário e os preceitos supranacionais incorporados ao ordenamento jurídico com estatura constitucional, confere direitos e garantias às pessoas com deficiência baseados nos princípios da não discriminação e da participação na sociedade.

Livre iniciativa e direitos fundamentais

Para a ministra, o princípio da livre iniciativa, que a CNT apontou como violado pelo caput do artigo 52 do estatuto, por fixar a cota de 5% de veículos da frota adaptados para pessoas com deficiência, tem de ser ponderado com outros valores constitucionais, como a função social da propriedade, a defesa do consumidor, a proteção do meio ambiente e a redução das desigualdades sociais

Nesse sentido, explicou, o dispositivo questionado é disciplina legítima da ordem econômica que não contraria o princípio da livre iniciativa, “porque concretiza os direitos fundamentais de mobilidade pessoal e de acesso à tecnologia assistiva”. Segundo a ministra, a regra não inviabiliza a atividade econômica das locadoras nem impõe a elas ônus excessivo, atendendo, portanto, o princípio da proporcionalidade.

Adaptação do veículo

A CNT sustentava a necessidade de regulamentação do parágrafo único do artigo 52 da lei, segundo o qual o veículo adaptado deverá ter, pelo menos, câmbio automático, direção hidráulica, vidros elétricos e comandos manuais de freio e de embreagem. Segundo a confederação, há diferentes tipos de deficiência física que demandariam adaptações não previstas na norma.

Ao afastar a argumentação, a relatora explicou que o dispositivo descreve elementos tecnológicos para composição mínima do automóvel. “Não poderia o legislador cuidar de todas as hipóteses de adaptações veiculares, sendo razoável que se ativesse às necessidades mais comuns, nada impedindo que locadoras atendam às demais demandas do mercado”, afirmou.

TST: Ação de viúva e filho não impede o ajuizamento de novo pedido pelos pais de trabalhador falecido

A ação fora rejeitada em instâncias inferiores.


A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade dos pais de um eletricista da SJC Bioenergia, de Quirinópolis (GO), para pleitear indenização por danos morais. A ação fora rejeitada em instâncias inferiores por ter sido ajuizada após ação idêntica do filho e esposa do falecido, vítima de acidente de trânsito no exercício de suas funções.

Ricochete
Na reclamação trabalhista, os pais do trabalhador pediam o reconhecimento do chamado dano moral “por ricochete”, sofrido pela família pela morte de um ente próximo por acidente de trabalho. Contudo, o juízo da Vara do Trabalho de Quirinópolis indeferiu o pedido.

Embora reconhecendo a legitimidade dos genitores, o juiz considerou que a esposa e o filho do trabalhador já haviam ajuizado ação de indenização, e o fato de os pais não terem postulado o direito na mesma ação inviabilizaria o deferimento de nova indenização. Ressaltou também que o ajuizamento da segunda ação ocorrera dois anos depois do falecimento, quando o pedido já não refletiria com a mesma intensidade a compensação pelo dano moral.

O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) manteve a sentença, com fundamento no risco à segurança jurídica, pois a empregadora, “certa de que já reparou o dano, se encontra novamente no polo passivo de uma demanda”.

Direito personalíssimo
O relator do recurso de revista, ministro Dezena da Silva, explicou que não há impedimento processual para que parentes postulem, em ações distintas, indenização por danos morais, ainda que com base no mesmo fato gerador. “O alegado abalo moral é direito personalíssimo, devendo ser pleiteado em nome próprio e examinado à luz das peculiaridades ínsitas ao ofendido”, assinalou.

Com a decisão unânime, a Turma determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que analise o mérito da controvérsia.

Veja o acórdão.
Processo n° RR-10277-31.2015.5.18.0129

TRT/MG rejeita cobrança de honorários advocatícios em ação ajuizada antes da reforma trabalhista

A juíza Sandra Carla Simamoto da Cunha, em sua atuação na 3ª Vara do Trabalho de Uberlândia, decidiu que os honorários advocatícios não são devidos nas ações ajuizadas antes da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17).

Ao decidir os pedidos formulados por um motorista em face da ex-empregadora, uma transportadora, a magistrada considerou que parte deles era procedente e condenou a reclamada e outros integrantes do mesmo grupo econômico a pagarem as verbas. Como as pretensões do trabalhador não foram todas atendidas, ele deveria, pela lei da reforma, arcar com parte do valor dos honorários devidos ao advogado da empresa. Mas a julgadora repudiou essa possibilidade, por se tratar de reclamação ajuizada antes da entrada em vigor da lei.

A decisão adotou o entendimento retratado no Enunciado nº 98 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, que assim prevê: “HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM CURSO. Em razão da natureza híbrida das normas que regem honorários advocatícios (material e processual), a condenação à verba sucumbencial só pode ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, haja vista a garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação”.

A juíza apontou que os honorários advocatícios são devidos na Justiça do Trabalho quando atendidos os pressupostos necessários, quais sejam, estar o autor assistido por advogado credenciado pela entidade sindical e ser beneficiária da justiça gratuita, não bastando a mera sucumbência da parte contrária para autorizar o deferimento do pedido (Súmulas 219 e 329 do TST e artigo 14 da Lei º 5584/70).

Ela rejeitou a aplicação dos artigos 389, 395, 402, do Código Civil, e artigo 85 do CPC, pontuando que a aplicação subsidiária desses diplomas legais é autorizada no caso de omissão legislativa, o que não se ajusta à Justiça do Trabalho, pois a matéria tem regramento específico. Salientou ainda que o chamado jus postulandi, que permite à parte ingressar em juízo sem ser representada por advogado, subsiste na Justiça do Trabalho. “Compete à parte autora arcar com o pagamento de honorários contratados com profissional de sua escolha”, concluiu.

Processo n° 0011664-11.2017.5.03.0103

TJ/PR: Lei que obrigava a Administração Pública a reconhecer diplomas de mestrado e doutorado obtidos no Mercosul e em Portugal é inconstitucional

Norma estadual violou competências privativas do Governador e da União.


Na segunda-feira (21/9), o Órgão Especial (OE) do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por unanimidade de votos, declarou a inconstitucionalidade da Lei estadual nº 19.829/2019, que “dispõe sobre a admissão e reconhecimento, no Estado do Paraná, de diplomas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) originários de cursos ofertados de forma integral presencial nos países do Mercado Comum do Sul e em Portugal”. A norma possibilitava a concessão de progressão funcional, gratificação e benefícios decorrentes da obtenção dos títulos a servidores públicos.

Segundo o Desembargador relator do feito, a lei (criada por iniciativa parlamentar) feriu competência privativa do Governador do Estado ao legislar sobre tema relacionado ao regime jurídico dos funcionários públicos, que possui reflexos no orçamento do Poder Executivo paranaense. Além disso, ao regular tema relativo à educação, a norma estadual invadiu competência legislativa privativa da União e contrariou disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

De acordo com a LDB:
“Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular. (…)
§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior”.

Para o Ministério Público (MPPR), autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Lei nº 19.829/2019 obrigava “a Administração Pública Estadual a reconhecer diplomas de mestrado e doutorado independentemente da validação ou revalidação por universidades brasileiras”.

Processo n° 0010770-36.2020.8.16.0000

STJ: Mensagem para e-mail corporativo pode ser usada como prova sem autorização judicial

​​​​Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não é preciso autorização judicial para a obtenção de provas a partir do registro de mensagens de WhatsApp enviadas para e-mail corporativo em computador de trabalho, de propriedade da empresa.

O colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que condenou um casal por crimes contra o patrimônio e furto qualificado. Segundo a corte local, conversas entre marido e mulher encontradas no servidor da empresa, vítima de desvio de valores de suas contas, podem ser usadas como prova sem que isso viole o direito à intimidade ou à privacidade dos funcionários ou de outras pessoas que não trabalhem ali.

Segundo os autos, a mulher enviou os diálogos incriminadores para o seu e-mail corporativo, e tais conversas – após serem recuperadas na lixeira do e-mail utilizado por ela – foram disponibilizadas ao empregador.

No recurso especial, os réus pediram a anulação do processo ao argumento de nulidade absoluta e cerceamento de defesa, em razão da utilização de provas que seriam ilícitas, obtidas pela empresa sem autorização judicial.

Ferramenta de tr​​abalho
O relator, ministro Nefi Cordeiro, observou que a jurisprudência do STJ, com base no artigo 157 do Código de Processo Penal, considera ilícita a devassa de dados – inclusive das conversas de WhatsApp – feita diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.

No entanto, segundo o ministro, no caso em julgamento, o arquivo contendo as mensagens de WhatsApp foi localizado no servidor do sistema utilizado pela empresa, depois de ter sido encaminhado por uma das corrés para o seu e-mail coorporativo.

Dessa forma, segundo Nefi Cordeiro, como o arquivo com o registro das mensagens encontrava-se no computador da empresa, seria perfeitamente possível que o empregador tivesse acesso a essas e outras informações ali existentes, sem a necessidade de autorização judicial.

Para o ministro, o e-mail corporativo “não se equipara às correspondências pessoais, não havendo falar em violação à intimidade quando o empregador acessa arquivo de mensagens que se encontrava em computador utilizado como ferramenta de trabalho e de propriedade da empresa”.

Nulid​​ade
Ao negar provimento ao recurso especial, Nefi Cordeiro afirmou não ter observado no processo nulidade absoluta nem prejuízo à defesa, o que confirma que foi acertada a decisão tomada pelo TJPR.

“Convém ressaltar que as nulidades em processo penal observam o princípio pas de nullité sans grief, inscrito no artigo 563 do Código de Processo Penal, segundo o qual não será declarada a nulidade do ato sem a efetiva comprovação do prejuízo experimentado pela parte – o que, como se observa, não ocorreu na espécie”, concluiu.

JF/SP autoriza doação de óvulos entre irmãs para reprodução assistida e fertilização “in vitro”

Duas irmãs conseguiram na 1a Vara Federal de Caraguatatuba/SP uma autorização para que sejam realizados os procedimentos médico-hospitalares necessários à reprodução assistida e fertilização in vitro, relativos à doação de óvulos entre ambas. A decisão, do dia 19/9, é do juiz federal Gustavo Catunda Mendes.

As irmãs (autoras da ação) pediram o afastamento do ato normativo constante das Resoluções nº 2.121/2015 e 2.168/2017, do Conselho Federal de Medicina, cujo item IV, número 2, dispõe sobre a necessidade de anonimato entre o doador e o receptor de gametas: “os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa”, diz o ato.

Uma das irmãs (37 anos de idade) argumentou que possui problemas de fertilidade relacionados à idade e à endometriose. Demonstrou, em relatório médico, que se submeteu, em 2014, a uma laparoscopia com ressecção de endometriose intestinal e, em consequência desse procedimento, não pode mais engravidar pelos meios naturais. Disse que já se submeteu a duas tentativas de fertilização in vitro sem sucesso, diagnosticando-se falência ovariana irreversível associada à endometriose pélvica e aos múltiplos tratamentos cirúrgicos.

Nesse contexto, sua irmã de 32 anos de idade relatou que está na faixa etária compatível para a doação de óvulos, encontra-se em bom estado de saúde e está disposta a passar pelo procedimento em benefício da irmã.

Um pedido de liminar havia sido negado pela 1a Vara Federal de Caraguatatuba, tendo a parte autora recorrido ao Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3), mas sem obter sucesso. Houve nova manifestação das autoras para reanálise do pedido no 1o Grau, desta vez com informações complementares, principalmente referentes aos dados e consentimento da irmã doadora.

“No presente caso, a atuação e o controle do Poder Judiciário se legitima para fins do reconhecimento da parcial procedência do pedido, ante o patente risco de a norma do Conselho Federal de Medicina preterir o direito à vida e o direito à saúde estampados na Constituição Federal de 1988, o que não se deve admitir ante flagrante ilegalidade”, afirma o juiz na decisão.

Gustavo Mendes ressalta que, apesar do zelo e da cautela constantes na Resolução CFM nº 2121/2015, sucedida pela Resolução CFM nº 2.168/2017, verifica-se no caso “planejamento de reprodução familiar assistida, através da doação de óvulos entre membros da mesma família (duas irmãs), com consentimento recíproco entre todas as pessoas envolvidas, inclusive com o amparo em laudos médico e psicológico”.

Segundo o magistrado, nesse caso impõe-se a priorização e preservação do inviolável direito à vida (CF, art. 5º, caput e inciso X) e do direito à saúde (CF, art. 196), bem como do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). “Tratando-se de irmãs, com comprovado histórico médico de impossibilidade de geração de filhos por meios exclusivamente próprios, não deve prevalecer a aplicação da norma para utilização das técnicas de reprodução assistida, hipótese em que a preservação de sigilo entre doador e receptor estaria sendo priorizada em detrimento do direito à vida que se pretende exercer a partir da reprodução assistida através da doação de óvulos entre irmãs, o que não se deve admitir ante a interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro”.

Para Gustavo Mendes, restou comprovado nos autos que em razão da idade e das limitações de saúde da autora, a doação de óvulos se encontra recomendada por atestado médico e também por parecer psicológico, de maneira que a norma acessória não deve preponderar sobre a norma principal (direito à vida) insculpida na Constituição Federal.

“Ademais, não se sustenta a invocada garantia do anonimato no sentido de evitarem-se complicações futuras nos aspectos legais e psicológicos […]. Certamente representa querer prevalecer ditames de convenção e sob duvidosa invocação da ética e da moral, em notável negação do amor e da fraternidade que envolve a doação de órgãos (óvulos) entre irmãs, para, em última análise, se imperar o direito à vida e a efetividade do planejamento familiar”, afirma o juiz.

Gustavo Mendes acrescenta, ainda, que o procedimento envolve pessoas maiores e capazes, e não menores relativamente capazes ou em idade avançada e que poderiam gerar suscitações diversas. “Cumpre ao Estado proporcionar meios que amparem tal pretensão familiar, e não oferecer óbices ou dificuldades à consecução dos procedimentos médicos, sobretudo quando recomendados por atestado médico e sob amparo em parecer psicológico”.

Por fim, o juiz afastou a aplicação do item IV, número 2, das Resoluções CFM nº 2.121/2015 e 2.168/2017, e concedeu autorização para que sejam realizados os procedimentos médico-hospitalares necessários à reprodução assistida e fertilização in vitro, relativos à doação de óvulos entre as irmãs. Além disso, condenou o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) à obrigação de não-fazer, para se absterem de adotar eventuais medidas ético-disciplinares ou incursão dos profissionais médicos e de saúde envolvidos no tratamento de reprodução assistida e fertilização in vitro entre as irmãs, sob pena de multa diária em caso de descumprimento. (RAN)

Processo n° 5000757-45.2019.4.03.6135

TJ/MG declara legitimidade de Ministério Público em ação que consumidora idosa teve cartão trocado

“O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.” Com esse entendimento, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) cassou sentença da Comarca de Uberlândia que havia extinto um processo sem julgamento do mérito.

O Judiciário, em grau de recurso, considerou que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pode ajuizar ação civil pública em favor de uma pessoa lesada. Assim, a ação terá seguimento na primeira instância.

O MPMG ajuizou ação civil pública em face do Banco do Brasil em nome de uma idosa que teve seu cartão trocado em um supermercado. A cliente só se deu conta do golpe dois dias depois. Ela precisou pedir empréstimo para quitar necessidades básicas, como o pagamento de contas de luz, água e condomínio. Os lançamentos chegaram a R$ 2.924,35.

O Ministério Público destacou que a vítima não forneceu senha nem autorizou os saques, frisando que vários consumidores foram lesados de forma semelhante, sem que o banco tomasse providências e prestasse informação sobre a segurança das transações bancárias. Além disso, alegou, a violação de direitos do consumidor tem reflexo imediato em direitos sociais como moradia, alimentação e lazer.

Para o órgão, o risco é inerente à atividade da empresa, que se dispõe a administrar valores dos clientes, portanto ela não pode se escusar de assumir danos que decorram de usos indevidos ou delitos cometidos por terceiros. A finalidade da ação judicial, portanto, era efetivar a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores, em virtude de falhas na prestação de serviços bancários que não foram sanadas a contento.

Em primeira instância, o magistrado entendeu que esse tipo de procedimento não cabia ao MPMG, por falta de legitimidade do órgão ministerial, e extinguiu o processo. Na análise do recurso do Ministério Público ao Tribunal, a relatora, desembargadora Evangelina Castilho Duarte, cassou a sentença, declarando a legitimidade da instituição para defender direitos coletivos homogêneos e individuais.

A magistrada explicou que o pedido era que o Banco do Brasil se responsabilizasse pelos prejuízos suportados pelos consumidores; se abstivesse de omitir informações e de negligenciar a conferência das contas bancárias utilizadas indevidamente em prejuízo dos consumidores e futuros clientes afetados por essa prática; e respondesse objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Ela entendeu que a pretensão do Ministério Público, ao pleitear a adequação dos serviços disponibilizados pela instituição financeira, se justifica pela necessidade de proteger o princípio da dignidade da pessoa humana e cumprir o Código de Defesa do Consumidor.

A desembargadora, no voto, ressalta que o MPMG busca o interesse da coletividade: “A espécie, portanto, não revela mera soma de interesses ordinários e vinculados a consumidores supostamente afligidos pela fraude, mas sim a tutela de interesses coletivos que devem merecer a necessária defesa no âmbito da sociedade”.

Os desembargadores Cláudia Maia e Estevão Lucchesi votaram de acordo com a relatora.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.0000.19.006931-0/001


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