STJ: Redução de pena que não traz benefício imediato ao réu não justifica deferimento de liminar

Por não verificar benefício imediato para a ré, nem ilegalidade evidente a ser corrigida, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz indeferiu liminar em habeas corpus requerida pela defesa de uma mulher que busca reduzir a pena-base no crime de homicídio.

Ela foi condenada a 28 anos e sete meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de homicídio qualificado, que teria sido cometido com mais duas pessoas.

A defesa recorreu, e o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena para 22 anos e seis meses. Mesmo assim, a defesa impetrou habeas corpus no STJ, sob a alegação de que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal de forma desproporcional e, além disso, não houve a consideração da confissão espontânea no cálculo da pena.

Requisito obrigatóri​​​o
Segundo a ministra Laurita Vaz, não há nos autos um dos requisitos obrigatórios para a concessão da liminar, que é o risco de dano irreparável em razão da demora do processo. Ela afirmou que, diante de uma pena superior a 22 anos, caberia à defesa demonstrar qual seria o benefício imediato que a ré poderia ter com a eventual redução da pena-base pela incidência da atenuante da confissão espontânea.

“Assim, a espécie em análise não se enquadra nas hipóteses excepcionais passíveis de deferimento do pedido em caráter de urgência, por não veicular situação configuradora de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade sanável no presente exame perfunctório. Reserva-se, portanto, ao colegiado, órgão competente para o julgamento do mandamus, a apreciação definitiva da matéria, depois de devidamente instruídos os autos”, concluiu a ministra ao indeferir a liminar.

O mérito do habeas corpus será julgado pela Sexta Turma.

Veja a decisão.
Processo n° 613499 – SP (2020/0240533-3)

STJ: Empresa em recuperação pode alegar abuso de cláusula contratual como defesa na impugnação de crédito

A empresa em recuperação judicial pode, como matéria de defesa em incidente de impugnação de crédito, pedir o exame de eventual abuso nas cláusulas do contrato que deu origem ao valor em discussão.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que, ao negar o recurso de uma empresa em recuperação, afirmou que o incidente de impugnação de crédito não seria o meio processual adequado para a revisão das cláusulas financeiras dos contratos que deram origem ao crédito.

Os ministros concluíram que, embora no incidente de impugnação de crédito só possam ser arguidas as matérias elencadas na Lei 11.1​​​​01/2005, não há restrição ao exercício do amplo direito de defesa – que apenas se admite em situações excepcionais expressamente previstas no ordenamento jurídico.

Conclusão equ​​ivocada
O relator do recurso da empresa, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que o incidente de impugnação de crédito – previsto no artigo 8º da Lei 11.101/2005 – pode ser apresentado por qualquer credor, pelo devedor ou por seus sócios, ou, ainda, pelo Ministério Público, para questionar a existência, a legitimidade, o valor ou a classificação do crédito relacionado.

Segundo o ministro, o incidente, autuado em separado, deve ser processado nos termos dos artigos 13 a 15 da Lei 11.101/2005, cuja redação “não autoriza a conclusão a que chegou o tribunal de origem, de que o questionamento da importância do crédito demandaria a existência de direito incontroverso e de que eventual abusividade deveria ser questionada em ação própria, em que houvesse amplo contraditório”.

“Desses enunciados normativos se extrai de forma clara que é possível, no incidente de impugnação de crédito, o exercício pleno do contraditório, incluindo a ampla produção de provas, além da possibilidade de realização de audiência de instrução e julgamento”, disse o relator.

Defesa sem ​​​restrição
Sanseverino ponderou que, na impugnação de crédito, só podem ser suscitadas as questões indicadas no artigo 8º da Lei 11.101/2005: ausência de crédito, legitimidade, importância ou classificação.

“No plano processual, porém, uma vez apresentada a impugnação acerca de matéria devidamente elencada como passível de ser discutida, o exercício do direito de defesa não encontra, em regra, qualquer restrição, podendo perfeitamente ser apresentada, como no presente caso, defesa material indireta”, afirmou.

Diante disso, o ministro concluiu que devem ser examinadas todas as questões alegadas pela empresa em recuperação, como o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais relativas aos encargos moratórios que o impugnante busca acrescer ao seu crédito.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.799.932 – PR (2019/0046056-2)

TJ/MS: Recusa de desocupação de imóvel leiloado gera indenização

A justiça concedeu indenização por perdas e danos a arrematante de imóvel em leilão extrajudicial, cujo antigo proprietário se recusa a sair do bem. A decisão é da juíza da 16ª Vara Cível, que determinou igualmente a imissão na posse do adquirente. O comprador receberá valores equivalentes a alugueis pagos pelo antigo dono no período em que se negou a deixar o imóvel.

Segundo o processo, em abril de 2017, uma empresa comprou em leilão extrajudicial uma unidade de apartamento em edifício de luxo da Capital, vez que a proprietária não pagou as parcelas do financiamento do imóvel. No entanto, a arrematante foi impedida de usufruir do bem, pois a antiga possuidora recusa-se a desocupar o imóvel.

Assim, a empresa requereu ao judiciário a imissão na posse, com consequente desocupação do imóvel, e a condenação ao pagamento de indenização por perdas e danos, consubstanciada no pagamento de alugueis por cada mês de ocupação indevida do imóvel desde o dia em que a instituição financeira retirou o apartamento da propriedade da requerida e o incorporou ao seu patrimônio, mediante averbação na matrícula do imóvel.

Em contestação, a requerida buscou a nulidade do leilão que vendeu seu apartamento, alegando que não teria sido notificada de sua realização, o que lhe daria a oportunidade de quitar a dívida e manter-se na propriedade do bem. Subsidiariamente, sustentou que eventual pagamento de indenização pela ocupação do imóvel deve ter como termo inicial o dia da efetiva alienação do apartamento para a autora, não a data da consolidação.

Para a juíza Mariel Cavalin dos Santos, apesar da alegação de ausência de notificação prévia à realização do leilão, consta na matrícula do imóvel trazida aos autos a informação de que a requerida foi devidamente notificada e não quitou as parcelas em atraso, consolidando-se a propriedade em nome da instituição financeira.

“Como muito bem argumentado pela parte requerente, poderia a requerida interpor ação própria, a fim de desconstituir a propriedade do demandante e consequentemente pleitear a anulação do leilão extrajudicial”, destacou a juíza, entendendo ser devido o pagamento de indenização ao novo proprietário por ter sido impedido de usufruir do bem adquirido.

Nos dizeres da julgadora, “a requerida ao continuar a ocupar o imóvel, mesmo após a notificação extrajudicial, não só impediu o requerente de exercer seu legítimo direito como também tirar proveito com o uso do imóvel, o que gera enriquecimento sem causa, outro fundamento a autorizar a indenização pela taxa de fruição”.

Quanto ao termo inicial do pagamento dos alugueis, no entanto, a juíza considerou assistir razão à requerida, pois a Lei nº 9.514/97, vigente na época dos fatos, com redação anterior à alteração trazida pela Lei nº 13.465/2017, dispunha expressamente que a chamada taxa de ocupação somente seria devida após alienação do imóvel em leilão.

“Dessa forma, assiste ao requerente o direito de receber a título de indenização, pelo tempo em que a requerida ocupou o imóvel, no valor correspondente mensal de 1% do valor pago pelo imóvel, qual seja, R$ 886.000,00, com termo inicial desde a data da alienação (04.07.2017) e termo final com a data da desocupação”, estipulou.

TJ/AC: Município deve nomear candidata aprovada em 1º lugar em concurso expirado

Nomeação da candidata foi anulada sob alegação de que o prazo de vigência do concurso tinha terminado. Contudo, a Justiça verificou que a impetrante tinha direito a posse por estar classificada dentro do número de vagas.


O Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco determinou que autoridades municipais deem posse a candidata aprovada em 1º lugar em concurso público, que expirou vigência em junho deste ano.
A ordem judicial especifica que desde que a documentação apresentada pela impetrante esteja correta e de acordo com o que está previsto no edital do certame da área da Saúde, ela deve ser empossada.

Segundo os autos, a candidata foi aprovada em 1º lugar em concurso público de 2016, para atuar como técnica de enfermagem. O edital do certame previa uma vaga para o cargo e tinha sido prorrogado até dia 30 de junho de 2020. A classificada relatou que fez os exames admissionais, mas ao ir tomar posse descobriu que sua nomeação foi anulada, por conta da validade do certame.

Conforme escreveu o juiz de Direito Anastácio Menezes, na sentença publicada na edição n.°6.711 do Diário da Justiça Eletrônico, da sexta-feira, 6, a candidata tem direito líquido certo a nomeação, “por estar classificada (1º lugar) dentro do número de vagas ofertadas no edital do certame”.

O juiz de Direito explicou que a candidata deveria ser nomeada dentro da vigência do edital do concurso. “Estar classificado dentro do número de vagas previstas no edital do concurso garante a nomeação, mas não o momento em que ela vai ocorrer, detendo a Administração discricionariedade para escolher o melhor momento para concretizá-la, desde que dentro do prazo de validade do certame”.

Na sentença favorável a impetrante, o magistrado também discorreu sobre a importância de servidores concursados para garantir a moralidade, impessoalidade e eficiência do serviço público. “O concurso público é tido como o meio técnico democrático posto à disposição da Administração para obter moralidade, impessoalidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, ao tempo em que promove a igualdade no âmbito da administração direta e indireta, com base no critério meritocratico do concursando”.

STJ: Apenas situações excepcionais obrigam plano de saúde a reembolsar despesas fora da rede credenciada

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas por beneficiário de plano de saúde fora da rede credenciada é obrigatório somente em hipóteses excepcionais – tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento.

A decisão foi proferida em embargos de divergência opostos por um consumidor contra acórdão da Quarta Turma, que negou pedido de indenização por danos morais e materiais contra a operadora do plano após ela se negar a cobrir uma cirurgia feita por médico e em hospital não integrantes da rede credenciada.

Em primeiro grau, a ação de indenização do consumidor foi julgada improcedente porque não ficou comprovada situação de urgência nem a indisponibilidade do tratamento na rede credenciada. Mesmo reconhecendo essas circunstâncias, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo condenou a operadora a reembolsar parcialmente o beneficiário, apenas no montante que seria gasto por ela caso o procedimento fosse feito na rede credenciada.

Nos embargos de divergência, o consumidor alegou que a decisão da Quarta Turma divergiu de julgados da Terceira Turma do STJ que deram interpretação extensiva à Lei 9.656/1998 e determinaram o reembolso mesmo quando não caracterizada a situação de urgência ou emergência médica.

Previsão le​​gal
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou ser incontroverso nos autos que o tratamento não era de urgência ou emergência, bem como que a rede credenciada, embora em tese pudesse não ter o mesmo nível de excelência, era suficiente para prestar o atendimento necessário.

Segundo o ministro, no contrato de plano de assistência à saúde, os diferentes níveis de qualificação de profissionais, hospitais e laboratórios próprios ou credenciados postos à disposição do contratante estão devidamente especificados e são determinantes para definir o valor da contraprestação assumida pelo consumidor.

Bellizze mencionou o artigo 12, inciso VI, da Lei 9.656/1998, segundo o qual, “excepcionalmente, nos casos de urgência e emergência, em que não se afigurar possível a utilização dos serviços médicos próprios, credenciados ou conveniados, a empresa de plano de saúde, mediante reembolso, responsabiliza-se pelas despesas médicas expendidas pelo contratante em tais condições, limitada, no mínimo, aos preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto”.

Garantia ao c​​onsumidor
Os julgados paradigmas da Terceira Turma – destacou o relator – entenderam que as hipóteses previstas no citado dispositivo seriam um rol meramente exemplificativo, o que daria ao beneficiário o direito de ser reembolsado fora dos casos de urgência e emergência, os quais seriam apenas exemplos (e não requisitos) dessa segurança para os consumidores.

Para Bellizze, a limitação imposta pela lei é uma garantia conferida ao contratante de plano de assistência à saúde, a ser observada, inclusive, no plano-referência, de cobertura básica, “de modo que não se pode falar em ofensa ao princípio da proteção da confiança nas relações privadas, já que os beneficiários do plano estarão sempre amparados, seja pela rede credenciada, seja por outros serviços de saúde quando aquela se mostrar insuficiente ou se tratar de situação de urgência”.

Na hipótese dos autos, o ministro verificou que o procedimento realizado pelo beneficiário não se enquadrava nas situações de urgência ou emergência – como reconhecido pelas instâncias ordinárias –, razão pela qual não era o caso de se determinar o reembolso das despesas, por completa ausência de previsão legal e contratual.

TRF1: Comércio em cidades próximas de rodovias urbanas pode vender bebida alcoólica

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou, por unanimidade, a sentença que autorizou a continuidade da venda de bebidas alcoólicas em comércio próximo de rodovias urbanas. A decisão suspendeu definitivamente os efeitos dos autos de infração e de notificação aplicados pela União a uma empresa que, prejudicada em sua atividade comercial, ajuizou ação junto à Justiça Federal. O entendimento do primeiro grau foi o de que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não foram observados pelo ente público.

Na apelação ao TRF1, a União sustentou que a ideia de proporcionalidade não é suficiente para desfazer sua atuação fiscalizadora.

Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Emmanuel Mascena de Medeiros, ressaltou que foi bem analisada na 1ª instância a Medida Provisória nº 415. A norma objetiva evitar o comércio e o consumo de bebidas alcoólicas às margens das rodovias federais para reduzir o índice de acidentes envolvendo pessoas alcoolizadas. Entretanto, essa louvável iniciativa não pode proibir o comércio de bebidas dentro das cidades às margens das rodovias. “Por essa razão, a aplicação da Medida Provisória deverá ser aplicada sob a orientação do princípio da razoabilidade devido ao risco de se cometerem graves injustiças”, ponderou.

O magistrado destacou a jurisprudência do TRF1 no sentido de que a proibição de venda varejista ou oferta de bebida alcoólica às margens de rodovia, contida no artigo 2º da Lei nº 11.705/2008, atinge apenas as localizadas em área rural, não as em zonas urbanas. “A impetrante está situada dentro da área urbana, razão porque não deve incidir sobre ela a proibição prevista no art. 2º da Lei 11.705/2008”, finalizou o relator.

Processo nº 0005136-96.2008.4.01.3600

TJ/PB: Resultado falso positivo para HIV não gera dano moral

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba entendeu que exame falso positivo para HIV não possui a força geradora do dever de indenizar ante a inocorrência de resultado lesivo, mormente, quando se seguiu todos os protocolos recomendados. A decisão ocorreu no julgamento da Apelação Cível nº 0000650-83.2016.8.15.1201, que teve a relatoria do juiz convocado Inácio Jário Queiroz de Albuquerque.

A ação foi movida contra o Estado da Paraíba na 5ª Vara Mista da Comarca de Guarabira. A parte autora alega que, no dia 20/05/2016, foi para o hospital local iniciar seu trabalho de parto, tendo sido realizado o procedimento normal de exames para verificar a existência de patologias na gestante. Na ocasião, foi constatado que a autora era portadora do vírus HIV e, em ato contínuo, realizado novo teste, que confirmou o diagnóstico anterior. Dado o resultado a requerente, esta foi encaminhada para a Maternidade Frei Damião, onde se submeteu a novo teste, obtendo, no dia 31/05/2016, o resultado que comprovou que a requerente não possui o vírus mencionado.

Na Primeira Instância, a juíza entendeu não ter havido nenhum ato ilícito que enseje a condenação no dever de indenizar, tendo em vista que foram tomadas todas as precauções e seguidos os procedimentos devidos na situação em tela.

Na análise do caso, o relator do processo destacou que a jurisprudência tem entendido que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, em situações como essa, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão.

“Nesse diapasão, não restam dúvidas quanto à impossibilidade de reconhecimento da reparação pecuniária correspondente ao suposto abalo psíquico suportado pela promovente, tão bem fundamentado pelo julgador a quo”, ressaltou.

Da decisão cabe recurso.

Veja o acórdão.
Processo n° 0000650-83.2016.8.15.1201

TJ/GO aplica depoimento especial para mulher adulta que foi vítima de estupro

O juiz Rodrigo Foureaux Soares, da comarca de Cavalcante, aplicou o depoimento especial para uma mulher adulta que foi vítima de estupro mediante ameaça de morte, enquanto o agente apontava uma faca para ela. Até então, o depoimento especial somente é aplicado para crianças e adolescentes.

Segundo o magistrado, a Lei Maria da Penha (11.340/06) em seu artigo 4º, garante o direito à integridade moral, mental e, especificamente, à proteção perante o tribunal competente contra atos que violem seus direitos. Já o artigo 7º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, traz diversos deveres dos Estados, dentre eles, o de agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher e o dever de estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada à violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos.

O processo penal, para o juiz, enquanto instrumento de busca da justiça criminal, deve respeitar os direitos fundamentais do réu, o que é inegável, contudo não se pode esquecer dos direitos fundamentais da vítima. Segundo ele, um não exclui o outro, sendo necessário que o processo penal seja humanizado para todas as partes.

“Infelizmente, o machismo estrutural propicia ambientes penosos para as mulheres vítimas de crimes contra a dignidade sexual, e não raras vezes, há a tentativa de transferir a culpa do crime para a vítima, como se o seu comportamento anterior ao crime, em uma visão preconceituosa e machista, justificasse a violência sexual por parte do agente infrator, o que é inadmissível. Jamais se pode admitir qualquer tipo de violência. A culpa nunca será da mulher”, frisou.

Sendo assim, Rodrigo Foureaux destacou que em um contexto de proteção à mulher e com o fim de se evitar a revitimização, ficam, desde já, indeferidas todas perguntas que tenham por finalidade explorar a experiência sexual anterior da vítima, além de seu modo de falar, se vestir, ser e comportar-se socialmente, pois são circunstâncias que, neste caso, não interessam ao processo, em nada influencia em eventual sanção penal e somente causam danos para a vítima.

“É extremamente desagradável e desconfortável para qualquer vítima de crime decorrente de violência sexual relembrar os fatos. É necessário que sejam empregadas técnicas, quando da oitiva da vítima, que causem o menor desconforto possível, haja o máximo respeito e a vítima sinta-se acolhida e protegida pelo Estado. O formato em que três pessoas, sobretudo se não houver técnica, realizam perguntas para a vítima em audiência, e, por vezes, três homens, é danoso para a mulher que na esperança de se sentir acolhida acaba sendo revitimizada e ocorre a prática de violência institucional˜, salientou.

O magistrado frisou que os crimes decorrentes de violência sexual causam abalos profundos na vítima e necessitam de um especial tratamento em juízo, de forma que haja máxima proteção e respeito à dignidade da pessoa humana. “A aplicação do depoimento especial para as mulheres vítimas de violência sexual, independentemente da idade, humaniza o processo penal e não causa nenhum prejuízo para o Ministério Público e para a defesa, que poderão realizar todas as perguntas por intermédio de um profissional capacitado, assim como ocorre no depoimento especial de crianças e adolescentes”, enfatizou.

STF mantém validade de norma da CVM sobre rotatividade de auditores independentes

Para a maioria dos ministros, restrição da norma visa assegurar os princípios que regem a ordem econômica e insere-se na competência da CVM.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade de norma da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que veda a prestação de serviços dos auditores independentes – pessoa física ou jurídica – por prazo superior a cinco anos consecutivos para um mesmo cliente, com a exigência de um intervalo mínimo de três anos para a sua recontratação. Por maioria dos votos, na sessão virtual encerrada em 10/11, os ministros julgaram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3033, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), por entender que a rotatividade dos auditores independentes não inviabiliza o exercício profissional, mas o regula com base em decisão técnica.

A confederação alegou, entre outros pontos, que o artigo 31 da Instrução 308/1999 da CVM atenta contra os princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e da liberdade de exercício de qualquer profissão ou atividade econômica. A CVM, por sua vez, argumentou que a regra está embasada em lei que lhe confere competência para o exercício do poder de polícia no âmbito do mercado de valores mobiliários e levou em conta o fato de que a prestação de serviços de auditoria para um mesmo cliente, por prazo longo, pode comprometer a qualidade do serviço ou mesmo a independência do auditor na visão do público externo.

Em fevereiro, o relator, ministro Gilmar Mendes, julgou prejudicada a ação, diante da nova redação dada pela Instrução 611/2019. A CNC, então, interpôs recurso argumentando que a alteração apenas modificou a redação originária do texto, mantendo a regra questionada e a alegada inconstitucionalidade. Em 22/9, o ministro reconsiderou a decisão monocrática e manteve o curso da ADI.

Viabilidade do exercício profissional

Segundo o relator, ministro Gilmar Mendes, a rotatividade dos auditores independentes visa assegurar os princípios constitucionais que regem a ordem econômica (artigo 170) e insere-se no âmbito de competência da CVM para regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários. Ele também observou que a CVM tem poder de polícia em relação às atividades dos auditores independentes no mercado de valores mobiliários, competência concedida pela Lei 6.385/1976, que versa sobre o mercado de valores mobiliários e cria a CVM.

O relator considerou que a rotatividade não inviabiliza o exercício profissional, mas o regula, com base em decisão técnica adequada à atividade econômica por ela regulamentada. Para Mendes, a norma é medida adequada para resguardar a idoneidade do auditor, “resguardando a imparcialidade do trabalho de auditoria e protegendo os interesses dos investidores, do mercado de capitais e da ordem econômica”.

Ele lembrou, ainda, que o Supremo, ao julgar caso análogo, no Recurso Extraordinário (RE) 902261, sob a sistemática da repercussão geral, considerou constitucionais restrições impostas aos auditores independentes por outros dispositivos da Instrução 308. O voto do relator foi acompanhado pela maioria, vencido o ministro Marco Aurélio.

STJ: Serviço parcial só não representa inadimplemento total quando atende à finalidade do contrato

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a prestação deficitária ou incompleta só representa cumprimento parcial da obrigação quando atende à necessidade do credor; do contrário, estará configurado inadimplemento total. Para o colegiado, a distinção entre cumprimento parcial e inadimplemento total de um contrato deve levar em conta a intenção das partes no momento da contratação.

O tema foi debatido no julgamento do recurso de uma indústria de autopeças contra empresa de software contratada para desenvolver um sistema de gestão integrada.

A contratante afirmou que, até 2009, utilizava programas de computação desenvolvidos por ela mesma, mas, necessitando de um sistema que promovesse a integração de seus diversos setores, contratou a empresa especializada. Segundo ela, porém, a contratada entregou um sistema que nunca chegou a funcionar e ainda prestou de forma deficitária muitos dos serviços correlatos.

A empresa de informática, por sua vez, asseverou que os sistemas foram efetivamente entregues, customizados e implantados, tanto que houve confissão de dívida pela contratante.

Intenção d​​​as partes
Em primeiro grau, ao julgar improcedente a ação de resolução de contrato ajuizada pela fabricante de autopeças, o juiz entendeu que a empresa de software não deixou de cumprir suas obrigações, porque o sistema só não teria sido posto totalmente em operação devido às muitas modificações que a cliente requereu.

O tribunal estadual manteve a sentença sob o fundamento de que houve adimplemento substancial do contrato, circunstância reconhecida na assinatura da confissão de dívida.

Para o ministro relator do caso, Moura Ribeiro, o fato de as instâncias ordinárias terem afirmado, com base nas provas, que o software foi desenvolvido e implementado parcialmente não significa, necessariamente, que houve adimplemento parcial da obrigação.

O magistrado explicou que, para distinguir o cumprimento parcial do inadimplemento total, é preciso levar em conta a finalidade das partes no momento da contratação e a efetividade, para o credor, do produto ou serviço entregue.

Prestação t​​ardia
O ministro salientou que o atraso no cumprimento de uma obrigação somente se constitui verdadeiramente em mora – caracterizando o cumprimento parcial, mas em atraso – quando ainda há interesse jurídico do contratante no cumprimento intempestivo daquilo que falta. Caso contrário, tem-se a hipótese de inadimplemento.

“Se a prestação realizada sem proveito para o credor em razão do momento em que verificada configura descumprimento da obrigação – isto é, verdadeiro inadimplemento –, da mesma forma, aquela realizada igualmente sem proveito para o credor em razão do modo como executada deve ser também considerada inadimplemento”, entendeu o relator.

Moura Ribeiro apontou que, conforme o acórdão do tribunal de origem, a perícia apurou que o novo sistema não funcionou direito ou, pelo menos, não funcionou da maneira esperada. Assim, segundo o relator, os serviços prestados pela empresa de software não atingiram o objetivo precípuo da contratação: a elaboração de um sistema eletrônico integrado de gestão empresarial que otimizasse o funcionamento dos diversos setores da contratante.

“De certa forma, quem se compromete a desenvolver um sistema de computador para fomentar a atividade empresarial de determinada sociedade assume uma obrigação de resultado, pois, conquanto não esteja obrigado a propiciar efetivamente resultados financeiros positivos, está sim obrigado a entregar uma ferramenta que atenda às especificações técnicas previstas no contrato.”

Acompanhando o relator, a Terceira Turma determinou a resolução do contrato, a devolução do valor pago e a extinção da execução movida pela contratada com base na confissão de dívida.

Veja o acórdão.
Processo n° 1731193 – SP (2018/0064957-2)


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