STJ: Longo período de vínculo socioafetivo não impede desconstituição da paternidade fundada em erro induzido

A existência de um longo tempo de convivência socioafetiva no ambiente familiar não impede que, após informações sobre indução em erro no registro dos filhos, o suposto pai ajuize ação negatória de paternidade e, sendo confirmada a ausência de vínculo biológico por exame de DNA, o juiz acolha o pedido de desconstituição da filiação.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao declarar a desconstituição da paternidade em caso no qual um homem, após o resultado do exame genético, rompeu relações com as duas filhas registrais de forma permanente.

Segundo o autor da ação, ele havia registrado normalmente as crianças – que nasceram durante o casamento –, mas, depois, alertado por outras pessoas sobre possível infidelidade da esposa, questionou a paternidade.

Em primeiro grau, o juiz desconstituiu a paternidade apenas em relação a uma das meninas, por entender configurada a existência de vínculo socioafetivo com a outra, embora o exame de DNA tenha excluído a filiação biológica de ambas.

A sentença foi reformada pelo tribunal de segunda instância, para o qual, apesar do resultado da perícia, as duas meninas teriam mantido relação socioafetiva com o autor da ação por pelo menos dez anos. Ainda segundo o tribunal, o vínculo parental não poderia ser verificado apenas pela relação genética.

Ato ficcional
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, de acordo com o cenário traçado nos autos, é possível presumir que o autor da ação, enquanto ainda estava casado, acreditava plenamente que ambas as crianças eram fruto de seu relacionamento com a esposa.

A ministra também destacou que a instabilidade das relações conjugais na sociedade atual não pode impactar os vínculos de filiação que se constroem ao longo do tempo, independentemente da sua natureza biológica ou socioafetiva.

Entretanto – assinalou a relatora –, embora seja incontroverso no processo que houve um longo período de convivência e de relação socioafetiva entre o autor e as crianças, também é fato que, após o exame de DNA, em 2014, esses laços foram rompidos de forma abrupta e definitiva, situação que igualmente se mantém por bastante tempo (mais de seis anos).

“Diante desse cenário, a manutenção da paternidade registral com todos os seus consectários legais (alimentos, dever de cuidado, criação e educação, guarda, representação judicial ou extrajudicial etc.) seria, na hipótese, um ato unicamente ficcional diante da realidade que demonstra superveniente ausência de vínculo socioafetivo de parte a parte, consolidada por longo lapso temporal” – concluiu a ministra, ao julgar procedente a ação negativa de paternidade.

TJ/SP: Mãe não pagará energia de aparelhos necessários para tratamento doméstico de filho

Eletricidade da casa não poderá ser cortada.


A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Município de Diadema e companhia de energia custeiem a eletricidade gasta por aparelhos em residência que vive jovem que necessita dos aparatos por motivos de saúde. Além disso, a energia da casa não poderá ser cortada.

De acordo com os autos, o filho da autora da ação é acometido de neuropatia genética, desfagia e hipotonia congênita, necessitando de diversos aparelhos para se manter vivo. A mãe alegou não possuir condições financeiras para arcar com o custo da conta de luz, que é alto por conta do uso ininterrupto das máquinas.

O relator do recurso, desembargador Ricardo Dip, afirmou que a necessidade do custeio da energia elétrica “encontra amparo nas normas constitucionais que estabelecem o dever da administração pública de prestar efetiva assistência à saúde dos particulares”. Segundo o magistrado o Município é responsável pelo fornecimento dos aparelhos e, portanto, deve arcar com os custos de energia elétrica, “pois, o fornecimento dos aparelhos sem que se propiciem condições para seu uso equivale à falta de atuação administrativa na área da saúde”. “Por mais razoáveis se mostrem as diretrizes administrativas e a invocação de óbices orçamentários, não podem eles, à conta de reserva do possível, impor restrições à larga fundamentalização do bem da saúde pela Constituição federal brasileira de 1988”, destacou.

Participaram do julgamento, que teve votação unânime os desembargadores Jarbas Gomes e Oscild de Lima Júnior.

Processo nº 1016518-89.2019.8.26.0161

STJ: Participação nos lucros e resultados não deve ter reflexo automático no valor da pensão alimentícia

​Como verba de natureza indenizatória – sem caráter salarial, portanto –, a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) recebida pelo empregado não pode ser incluída no cálculo da pensão alimentícia de forma obrigatória e automática. Em vez disso, o juiz deve analisar se há circunstâncias específicas e excepcionais que justifiquem a incorporação d​a verba na definição do valor dos alimentos.

Com a pacificação desse entendimento, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que, mantendo sentença de primeiro grau, concluiu que a PLR deveria fazer parte do montante a ser considerado no cálculo da pensão, especialmente quando o desconto fosse estipulado em percentual sobre a remuneração do alimentante.

Relatora do recurso especial do alimentante, a ministra Nancy Andrighi explicou que tanto o artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal quanto o artigo 3º da Lei 10.101/2000 desvinculam a PLR da remuneração recebida pelo trabalhador.

A ministra também apontou que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho considera que a PLR tem natureza indenizatória e, mesmo quando é paga em periodicidade diferente daquela estabelecida em lei, não se converte em salário ou remuneração – ressalvadas, segundo a relatora, as hipóteses de fraude, como no caso de ser usada para dissimular o pagamento de comissões.

“Dessa forma, em se tratando de parcela que não se relaciona com o salário ou com a remuneração percebida pelo alimentante, não há que se falar em incorporação automática dessa bonificação aos alimentos”, afirmou.

Duas etapas
De acordo com Nancy Andrighi, nos termos do artigo 1.694 do Código Civil, o juiz deve estabelecer inicialmente as necessidades vitais do credor da pensão (alimentação, saúde, educação etc.), fixando o valor ideal que lhe assegure sobrevivência digna.

Esclarecido o primeiro elemento do binômio necessidade-possibilidade – prosseguiu a relatora –, o magistrado deve partir para a segunda etapa: definir se o valor ideal se amolda às condições econômicas do alimentante.

Segundo a ministra, se o julgador considerar que as necessidades do alimentando poderão ser supridas integralmente pelo alimentante, a pensão deverá ser fixada no valor (ou percentual) que, originalmente, concluiu-se ser o ideal – sendo desnecessário, nesse caso, investigar a possibilidade de o alimentante suportar um valor maior.

Por outro lado – enfatizou a relatora –, se o juiz entender que o alimentante não pode pagar o valor ideal, os alimentos deverão ser reduzidos, sem prejuízo de futura ação revisional para discutir eventual modificação da situação econômica do devedor da pensão.

Como consequência desse modelo em duas etapas subsequentes, Nancy Andrighi concluiu que as variações positivas nos rendimentos do alimentante – como a PLR – não têm efeito automático no valor dos alimentos, mas podem afetá-lo nas hipóteses de haver redução proporcional da pensão para se ajustar à capacidade contributiva do alimentante ou alteração nas necessidades do alimentando – situações em que, para a relatora, as variações positivas nos rendimentos devem ser incorporadas no cálculo.

Sem justificativa
No caso dos autos, segundo a ministra, o TJDFT determinou a inclusão da PLR na base de cálculo do percentual de alimentos apenas por considerar que ela representa um ganho permanente de natureza remuneratória, sem apontar razão para o aumento da pensão.

“Diante desse cenário de inexistência de circunstâncias específicas ou excepcionais que justifiquem a efetiva necessidade de incorporação da participação nos lucros e resultados – verba eventual e atrelada ao sucesso da empresa em que labora o recorrente – aos alimentos prestados à recorrida, é de se concluir que a verba denominada PLR deve ser excluída da base de cálculo dos alimentos”, concluiu a ministra.

STJ admite tempo especial para vigilante após normas de 1995 e 1997, mas exige prova da periculosidade

​​​A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.031), admitiu “o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova, até 5 de março de 1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do segurado”.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao REsp 1.831.371, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – um dos recursos representativos da controvérsia –, no qual a autarquia previdenciária alegou que só seria possível o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante até o momento da edição da Lei 9.032/1995 e nos casos de comprovação do uso de arma de fogo, por ser este o fator que caracteriza a periculosidade.

Alterações legislativas

O relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, explicou que a aposentadoria especial – instituída pela Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3.807/1960) – prevê contagem diferenciada de tempo de serviço, a fim de compensar os prejuízos causados à saúde e à integridade física do trabalhador submetido a atividade insalubre ou perigosa.

Nesse período, a comprovação dessas circunstâncias estava disciplinada pelos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979, que elencavam as categorias profissionais sujeitas a condições nocivas de trabalho por presunção legal, as quais faziam jus à contagem majorada do tempo de serviço. Por equiparação à atividade de guarda, a de vigilante era considerada especial.

Posteriormente, destacou o relator, a matéria passou a ser regulada pela Lei 8.213/1991, que foi alterada pela Lei 9.032/1995, a qual exigiu a comprovação da efetiva nocividade da atividade realizada de forma permanente para a concessão da aposentadoria especial.

Dessa forma, a partir das alterações legislativas, o ministro verificou que, até 28 de abril de 1995 (data da Lei 9.032), é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos; já a partir de 29 de abril de 1995, não é mais possível o enquadramento pela categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova.

Proteção ao trabalhador

Por fim, o relator observou que o Decreto 2.172/1997 se diferenciou dos anteriores por não mais enumerar ocupações, mas sim os agentes considerados nocivos ao trabalhador, sendo considerados apenas aqueles classificados como químicos, físicos ou biológicos.

Apesar de não haver menção à periculosidade e ao uso de arma de fogo nos Decretos 2.172/1997 e 3.048/1999 – que regulam a previdência social –, o ministro ressaltou que o artigo 57 da Lei 8.213/1991 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, em harmonia com o texto dos artigos 201, parágrafo 1°, e 202, inciso II, da Constituição Federal.

“O fato de os decretos não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que não seja mais possível o reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico hierarquicamente superior traz a garantia de proteção à integridade física do trabalhador”, disse Napoleão Nunes Maia Filho.

Citando precedentes, o relator lembrou que ambas as turmas de direito público do STJ têm afirmado a possibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior a 5 de março de 1997, desde que laudo técnico (ou elemento material equivalente) comprove a permanente exposição a atividade nociva que coloque em risco a integridade física do segurado.

TJ/RN: Bradesco deve indenizar consumidora analfabeta em razão de fraude contratual

A Primeira Câmara Cível do TJRN manteve condenação contra o banco Bradesco, que declarou a inexistência de uma dívida atribuída a uma cliente e determinou o pagamento de R$ 3.000,00 de indenização pelos danos morais causados a ela.

Consta no processo, originado na 12ª Vara Cível de Natal, em 2017, que a demandante teve descontos em seu benefício previdenciário, referente a um empréstimo que ela alega não ter realizado. O processo aponta também que a cliente não é alfabetizada e por isso o contrato teria sido assinado por meio de digital, e com assinatura de duas testemunhas. Entretanto, a cliente demandante informou que “desconhece as testemunhas que assinaram o contrato, não há identificação do agente de crédito intermediário da realização do contrato e inexiste comprovante de pagamento”.

Ao analisar o processo o desembargador Dilermano Mota, relator do acórdão, destacou inicialmente que “aplica-se ao caso a legislação consumerista”, sendo possível, portanto, a chamada “inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII do CDC”.

Em razão disso, o magistrado ressaltou que foi determinado ao banco que disponibilizasse o “comprovante da ordem de depósito do empréstimo ora questionado” e informasse o endereço das testemunhas capazes de esclarecer os fatos, bem como a “realização de perícia grafotécnica no contrato juntado pelo banco”. Contudo, o demandado se manteve inerte e não atendeu a essas solicitações.

Em seguida, o magistrado esclareceu que o banco não teve êxito em comprovar que o contrato foi de fato realizado com a demandante. E por tratar-se de participação de pessoa não alfabetizada o banco “deveria ter acostado a cópia da procuração pública, o que de fato, não encontra-se nos autos”, conforme exigem o Código Civil e a Lei de Registros Públicos.

Em relação aos danos morais, o relator frisou que “são incontroversos os dissabores experimentados pela demandante, que se viu ceifada de parte de seus rendimentos previdenciários”. Tudo em razão de um contrato de empréstimo realizado “por terceiro junto ao banco apelado, mediante fraude”.

Por fim, o magistrado concluiu que o banco demandado “não tomou os cuidados necessários” ao exercer sua atividade, tendo deixado de juntar no processo documentos como “a assinatura a rogo e procuração pública, o que constitui falha na prestação do serviço”.

Processo nº 0802109-61.2017.8.20.5001.

TRT/MG reconhece que impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública e não sofre efeitos da preclusão

“Consoante o entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência, a impenhorabilidade do bem de família constitui matéria de ordem pública e pode ser arguida a qualquer tempo, até se exaurir a execução.” Assim se manifestaram os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG, em decisão de relatoria do desembargador Lucas Vanucci Lins, ao dar provimento parcial ao recurso do devedor num processo de execução trabalhista, que pretendia a desconstituição da penhora, ao argumento de que se tratava de bem de família.

O devedor invocou a Lei 8.009/90, que proíbe a penhora do bem de família, assim considerado o imóvel utilizado como moradia pelo casal ou entidade familiar, nos termos dos artigos 1º ao 5 º da Lei citada. Mas as alegações do devedor não chegaram a ser apreciadas pelo juízo da 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, responsável pela execução do crédito trabalhista, que não conheceu dos embargos à execução opostos pelo devedor. O entendimento do juízo da execução foi de que a questão havia sido atingida pela preclusão temporal, uma vez que a penhora do imóvel havia ocorrido há quase três anos.

Ao apreciar o recurso, o relator observou que os embargos à execução haviam sido apresentados pelo devedor antes da arrematação do imóvel e que a impenhorabilidade do bem de família, por ser questão de ordem pública, não sofre os efeitos da preclusão, podendo ser alegada pelo interessado em qualquer tempo e grau de jurisdição, até a arrematação.

Por unanimidade de seus membros, a 2ª Turma regional acompanhou o entendimento do relator e, para evitar a supressão de instância, deu provimento parcial ao recurso do devedor, para determinar o retorno do processo ao juízo de origem, a fim de que nova decisão fosse proferida, com exame do pedido formulado nos embargos à execução sobre a ilegalidade da penhora, por se tratar de bem de família.

Processo n° 0130800-89.2005.5.03.0113

STF decide que é inválida a apreensão de entorpecentes por guardas municipais

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que deve ser reconhecida inválida a apreensão de entorpecentes por guardas municipais, em típica atividade de investigação sobre a prática do crime de tráfico de drogas, pois fora das suas atribuições. A decisão (RE 1.281.774/SP) teve como relator o ministro Marco Aurélio:

Veja a Ementa

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA FÁTICA – INVIABILIDADE – SEGUIMENTO – NEGATIVA.

1. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, alterando o entendimento do Juízo, absolveu o réu, considerada a nulidade das provas produzidas. No extraordinário, o recorrente aponta violados os artigos 5º, inciso LXI, e 144, § 8º, da Constituição Federal. Alude à autorização constitucional de prisão em flagrante por parte de qualquer pessoa, inclusive agentes públicos sem autoridade policial, independentemente de ordem judicial. Discorrendo sobre a situação fática, afirma não terem os guardas municipais realizado ato de investigação, e sim diligência para constatação da ocorrência de flagrante de crime permanente.

2. A recorribilidade extraordinária é distinta daquela revelada por simples revisão do que decidido, na maioria das vezes procedida mediante o recurso por excelência. Atua-se em sede excepcional à luz da moldura fática delineada soberanamente pelo Tribunal de origem, considerando-se as premissas constantes do acórdão impugnado. A jurisprudência sedimentada é pacífica a respeito, devendo-se ter presente o verbete nº 279 da Súmula do Supremo: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. Colho o seguinte trecho do acórdão recorrido: Não se ignora que, nos termos do art. 301 do Código de Processo de Penal, qualquer do povo está autorizado a realizar prisão em flagrante. Diversa, todavia, a situação em exame, típica de atividade investigatória. Conforme admitiram os guardas, só apreenderam o tóxico porque deliberaram apurar denúncia anônima. Encontraram o apelante sentado em escada, distante do local de apreensão do tóxico. Nada levava de ilícito. Ainda assim, se deslocaram para o imóvel noticiado, onde recolheram porções de maconha em quintal de casa com aspecto de abandonada, em meio a matagal e lixo. Ora, o art. 144, § 8º, da Constituição Federal atribui aos guardas municipais a proteção dos bens, serviços e instalações municipais. Atividades de investigação e policiamento ostensivo, conforme expresso nos demais parágrafos do mesmo artigo, constituem função das polícias civil e militar. No caso, portanto, ao receber notícias de tráfico, competia aos guardas acionar os referidos órgãos policiais. Não havia qualquer motivo para que, em vez disso, tomassem a iniciativa da abordagem e apreensão de drogas. […] Nesse cenário, forçoso reconhecer que, jungidos à legalidade estrita, que só permite ao agente público fazer o que estiver expressamente previsto em lei, os guardas municipais não estavam autorizados a abordar o réu, tampouco seguir até imóvel noticiado e proceder revista no local, mormente se considerado que não observada ação típica de mercancia ilícita e nada se encontrou de ilícito com o apelante. Logo, inválida a apreensão dos entorpecentes, não pode subsistir a condenação por tráfico. A hipótese não é de anulação, já que ilícitos os elementos de convicção colhidos, inexistindo outros a embasar a inculpação. As razões do extraordinário partem de pressupostos fáticos estranhos à decisão atacada, buscando-se, em última análise, o reexame dos elementos probatórios para, com fundamento em quadro diverso, assentar a viabilidade do recurso.

3. Nego seguimento ao extraordinário.

4. Publiquem. Brasília, 14 de agosto de 2020. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (RE 1281774; Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento: 14/08/2020; Publicação: 18/08/2020).

 

STJ anula cessão de cotas sociais a menores representados por apenas um dos pais

Em razão da paridade entre os cônjuges no exercício do poder familiar, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou nula uma cessão de cotas sociais de empresa feita a menores impúberes, que foram representados no negócio exclusivamente pelo pai, sem a anuência ou a ciência da mãe.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia considerado válida a transferência das cotas por entender que, no caso, o pai não precisava da aquiescência da mãe para representar os interesses dos filhos.

Ao STJ, os filhos alegaram que o negócio foi nulo, uma vez que, na condição de menores impúberes, estariam impedidos de participar de sociedade comercial, além de não terem sido devidamente representados, pois o pai não detinha a sua guarda. Afirmaram ainda que o pai teria utilizado a sociedade na prática de crimes.

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que o fato de o genitor não visitar os filhos menores e não participar, na prática, da administração de seus bens, por si só, não interfere no poder de representá-los.

No caso, o ministro verificou que a cessão das cotas sociais ocorreu em 1993. Na época – destacou –, o Supremo Tribunal Federal já possibilitava a participação de menores em sociedade por cotas de responsabilidade limitada, desde que o capital estivesse integralizado, e o menor não tivesse poderes de gerência e administração.

Paridade
Sanseverino destacou que o artigo 380 do Código Civil de 1916, em sua redação original, determinava que, durante o casamento, o poder familiar era exercido pelo marido, como chefe de família, e – apenas na sua falta ou no seu impedimento – pela mulher.

Contudo, esse modelo paternalista já não existe. Segundo o relator, a Constituição de 1988 garantiu à mulher uma completa paridade em relação ao homem, estabelecendo, em seu artigo 5º, I, a igualdade jurídica entre os gêneros, além de afirmar, no parágrafo 5º do artigo 226, que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal devem ser exercidos de forma igualitária.

“Assim, a Constituição Federal, parâmetro de filtragem de todo o ordenamento jurídico, tornou inviável qualquer interpretação do artigo 380 do Código Civil de 1916 que pudesse ensejar uma posição hierarquicamente inferior da mulher em relação ao homem no ambiente familiar”, disse. O ministro lembrou que o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente também dispõe no sentido da igualdade entre os pais no exercício do poder familiar.

Representação conjunta
Para o relator, havia, na época dos fatos, inegável paridade entre os cônjuges na administração da sociedade conjugal e no exercício do poder familiar – o que não implica a possibilidade de representação dos filhos menores exclusivamente por um ou por outro.

“Ambos devem estar não apenas cientes, mas devem formalmente representá-los nos negócios jurídicos em que eles eventualmente figurem como partes – sendo irrelevante, para tanto, o fato de os pais estarem casados, separados ou divorciados”, destacou Sanseverino.

O ministro ressaltou que a nulidade do negócio não decorre do fato de terem os filhos sido representados pelo pai, mas sim do fato de terem sido representados apenas pelo pai, quando a expressa concordância da mãe se fazia imprescindível.

Veja o acórdão.
Processo nº 1.816.742 – SP (2017/0253287-1)

TJ/PB: Bradesco deve indenizar cliente por cobrança indevida da cesta de serviços em conta salário

“Consoante o artigo 2º, I, da Resolução nº 3.402/2006, do Banco Central do Brasil, é vedado às instituições financeiras cobrar tarifas a qualquer título no caso de conta-salário”. Com esse entendimento, a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba negou provimento à Apelação Cível nº 0800339-23.2020.815.0521 interposta pelo Banco Bradesco S/A, que, na Comarca de Alagoinha, foi condenado a pagar indenização a uma correntista, por danos morais, no valor de R$ 5.500,00, como também cancelar a taxa de serviço e restituir os valores cobrados pelos últimos cinco anos anteriores à propositura da ação, em dobro.

No recurso, a instituição financeira alegou não haver nenhuma irregularidade na cobrança da cesta básica de serviços. Consignou que a parte autora livremente aderiu com os serviços bancários e que as movimentações bancárias que ocorrem em sua conta ultrapassam os limites estabelecidos com o de gratuidade pelo Banco Central. Acrescenta que se trata de conta corrente sujeita à cobrança de tarifas conforme resoluções do Banco Central, de modo que inexiste ilegalidade, e sim exercício regular de direito. Aduziu, ainda, não existir respaldo para a condenação em danos morais, tendo em vista que a recorrente não foi exposta a qualquer constrangimento.

A relatoria do processo foi do desembargador Oswaldo Trigueiro do Valle Filho. Segundo ele, a instituição não trouxe aos autos qualquer comprovação de que a autora teria contratado a abertura de conta corrente. O que restou claro nos autos foi que a abertura de conta pela promovente objetivava apenas o recebimento de seus proventos. “É inclusive o que se observa do extrato colacionado aos autos, já que não há movimentações que descaracterizem a abertura de conta-salário”, frisou.

O relator observou que não agindo a empresa com a cautela necessária, no momento da abertura de conta que previa cobrança de serviços não solicitados pelo consumidor, sua conduta não pode ser enquadrada como erro justificável, o que enseja a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados. Já quanto ao valor da indenização, ele destacou que o montante foi fixado com a devida observância aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade. “O valor de R$ 5.500,00 fixado pelo juiz sentenciante, mostra-se razoável e proporcional a hipótese em comento, não havendo, pois, que se falar em sua redução”, pontuou.

Veja o acórdão.
Processo n° 0800339-23.2020.815.0521.

TJ/SC: Pais não podem pagar por teimosia de adolescente que opta por ter filhos e não estudar

A 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em matéria sob a relatoria do desembargador Marcus Túlio Sartorato, entendeu que não houve dolo ou culpa dos pais de um jovem que abandonou os estudos aos 15 anos, para eximi-los de condenação imposta pelo juízo de 1º grau por descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. O casal, de parcos recursos, ficou isento do pagamento de multa, que podia variar de três a 20 salários mínimos.

Em apelação ao TJ, os pais demonstraram que não pouparam esforços no sentido de manter o rapaz no ambiente escolar, com a realização da respectiva matrícula e incentivo formal para sua assiduidade, esforços contudo que resultaram infrutíferos. Inicialmente, o jovem alegou sofrer bullying no colégio. Na sequência, já aos 16 anos, juntou-se à namorada e com ela já teve seu primeiro filho.

A partir desse momento, segundo os autos, ele precisou assumir responsabilidades e trocou os estudos pelo trabalho, já obtida a maioridade civil. “Na espécie, em que pese ser incontroversa a evasão escolar por parte dos filhos dos apelantes, não se vislumbra adequada a imposição de sanção pelo descumprimento do dever previsto no artigo 1.634 do Código Civil. Isso porque, tanto antes quanto após o ajuizamento da presente representação, o abandono dos estudos (…) ocorreu a despeito dos esforços dos seus genitores para seu retorno à escola”, anotou o relator.

Ele destacou que o próprio adolescente, em seu depoimento, admitiu que sua conduta não refletia a orientação de seus pais, pois realmente não nutria interesse pela vida escolar. Sartorato citou jurisprudência e doutrina para amparar seu voto, seguido de forma unânime pelos demais integrantes da câmara. “Inclina-se a jurisprudência em não apenar os genitores que não conseguem obrigar os filhos, já adolescentes, a frequentar a escola. Como é proibido castigar os filhos, pelo advento da chamada Lei da Palmada (n. 13.010/14), torna-se difícil aos pais cumprirem tal obrigação. Assim, em vez de punir o genitor, é dever do Estado intervir de forma mais efetiva, disponibilizando acompanhamento psicológico a quem se nega a estudar”, pontuou a jurista Maria Berenice Dias em seu Manual de Direito das Famílias, em excerto transcrito no acórdão.


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