STF concede imunidade de taxas para regularização migratória de estrangeiro sem recursos

Segundo a decisão, as imunidades previstas na Constituição Federal aos hipossuficientes se aplicam à situação dos estrangeiros mesmo antes da vigência da atual Lei de Migração.


Por decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que estrangeiro com residência permanente no Brasil que demonstrar condição de hipossuficiência tem direito à imunidade das taxas cobradas para o processo de regularização migratória. Na sessão virtual finalizada em 10/11, a Corte reconheceu o direito à expedição dos documentos de registro de estrangeiro sem o pagamento das taxas de pedido de permanência, de registro de estrangeiro e de carteira de estrangeiro em primeira via.

O tema foi discutido Recurso Extraordinário (RE) 1018911, com repercussão geral reconhecida, interposto pela Defensoria Pública da União (DPU) contra decisão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas que negou a gratuidade das taxas a um pedreiro venezuelano. O fundamento foi o de que a isenção fiscal é ato discricionário do poder público, não cabendo ao Judiciário estender o benefício sem previsão legal.

Condição jurídica do estrangeiro

O relator do RE, ministro Luiz Fux, presidente do STF, assinalou que a atual Lei de Migração (Lei 13.3445/2017), posterior à decisão questionada no RE, considera a condição jurídica do estrangeiro a partir da disciplina humanitária contida na Constituição Federal de 1988 e garante ao migrante a isenção de taxas mediante declaração de hipossuficiência econômica, na forma de regulamento. O Decreto 9.199/2017, que regulamenta a lei, concede a isenção nos mesmos moldes, e o procedimento de avaliação da condição de hipossuficiência está disposto na Portaria 218/2018 do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Segundo Fux, embora a matéria tenha sido solucionada por meio nova legislação, não se pode esquecer das relações jurídicas anteriores, que devem ainda ser definidas no âmbito do julgamento do RE. No caso dos autos, a ação foi proposta na vigência do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980).

Exercício da cidadania

Em seu voto, Fux assinalou que o artigo 5º da Constituição Federal assegura a igualdade a brasileiros e estrangeiros residentes no país e prevê aos reconhecidamente pobres, em seus incisos LXXVI e LXXVII, a gratuidade do registro civil e dos atos necessários ao exercício da cidadania. Segundo Fux, normas legais e infralegais que não assegurem essa condição violam o texto constitucional.

Tratamento isonômico

Fux lembrou, ainda, que o Supremo já apreciou, por exemplo, a possibilidade de concessão de benefício assistencial a estrangeiro residente no Brasil, consignando a necessidade de garantir o tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros que moram no país (RE 587970). “A gratuidade de taxas para registro do estrangeiro residente que se discute nestes autos se coloca como questão prévia ao próprio requerimento de concessão do benefício assistencial, pois este último, assim como a fruição de uma série de direitos fundamentais e serviços públicos básicos, só pode ser requerido após a devida regularização migratória”, observou.

O ministro citou outras hipóteses previstas na Constituição com relação a imunidade aplicável a taxas, como o pagamento de custas judiciais para a propositura da ação popular (artigo 5º, inciso LXXIII) ou mesmo para a realização do matrimônio (artigo 226, parágrafo 1º). Lembrou, ainda, que, no tocante à desoneração tributária para o registro geral ou para a expedição da primeira via da cédula de identidade para os cidadãos nascidos no Brasil e os filhos de brasileiros nascidos no exterior, o STF já reconheceu, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4825, que se trata de verdadeira imunidade constitucional.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “É imune ao pagamento de taxas para registro da regularização migratória o estrangeiro que demonstre sua condição de hipossuficiente, nos termos da legislação de regência”.

Processo relacionado: RE 1018911

STJ: Associação para o tráfico não impede progressão mais benéfica para mães

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entendeu pela impossibilidade de extensão do conceito de organização criminosa e manteve a progressão especial de regime de pena concedida a uma condenada que tem filho menor de 12 anos. A relatoria foi do ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

O colegiado negou provimento a recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão que garantiu à mulher, condenada pelo crime de associação para o tráfico de drogas, o direito à prisão domiciliar com base na progressão especial prevista no artigo 112, parágrafo 3°, da Lei de Execução Penal (LEP).

O MPF alegou que o crime de associação para o tráfico seria equiparado ao de organização criminosa, só não incidindo a Lei 12.850/2013, mas a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), em razão do princípio da especialidade. Dessa forma, a condenada não teria direito ao benefício da progressão especial, que permite à mulher gestante, ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, a mudança de regime após o cumprimento de um oitavo da pena no regime anterior, desde que – entre outras condições – ela não tenha integrado organização criminosa.

O MPF invocou precedentes do STJ que equipararam a associação para o tráfico à organização criminosa, para fins de progressão do regime penal.

Respeito ao princípio da taxatividade
Em seu voto, o relator destacou que os crimes de organização criminosa e de associação para o tráfico têm definições legais diferentes, devendo-se respeitar o princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu (in malam partem).

Segundo o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 12.580/2013, organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informal, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Por sua vez, a associação para o tráfico de drogas, cuja tipificação se encontra no artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006, é a associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 da mesma lei.

O ministro ressaltou que, no caso em julgamento, a condenação foi pelo crime de associação para o tráfico – o que não impede, por si só, a concessão do benefício da progressão especial, já que o artigo 112, parágrafo 3º, inciso V, da LEP faz referência a “organização criminosa”. Para o magistrado, a interpretação desse dispositivo deve ser restritiva, de modo que só há organização criminosa na hipótese de condenação nos termos da Lei 12.850/2013.

Reynaldo Soares da Fonseca reconheceu que o STJ tem precedentes na linha defendida pelo MPF, mas essas decisões não têm sido confirmadas pelo STF, o qual, recentemente, no HC 200.630, declarou que o crime de organização criminosa tem definição autônoma e limites próprios, não sendo intercambiável com a associação para o tráfico nem com a associação criminosa descrita no artigo 288 do Código Penal – confirmando a tese da interpretação não ampliativa do termo “organização criminosa”.

Veja o acórdão.
Processo: HC 679715

STJ: Benefício fiscal para construtoras do Minha Casa Minha Vida dura até o fim da execução do contrato

Ao negar provimento a recurso especial interposto pela União, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que o benefício do pagamento unificado de tributos –previsto no artigo 2º da Lei 12.024/2009, com a redação dada pelo artigo 6º da Lei 13.097/2015 – é aplicável até a conclusão das obras nos contratos firmados até 31 de dezembro de 2018.

O dispositivo legal instituiu o Regime Especial de Tributação (RET), no qual a construtora de unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), uma vez observados os requisitos da norma, pode optar por fazer o pagamento unificado dos tributos IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Esse pagamento é equivalente a 1% da receita mensal auferida pelos contratos de construção.

No caso dos autos, uma construtora ajuizou ação contra a União e a Caixa Econômica Federal para manter seu recolhimento de tributos dentro do RET. Ela foi contratada pelo governo federal em setembro de 2018 para a construção, integral e por preço certo, de centenas de unidades do MCMV.

Lei posterior estendeu o benefício até a extinção do contrato
Apesar de a União sustentar que o benefício fiscal pleiteado terminaria em 31 de dezembro de 2018, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) considerou que a possibilidade do pagamento unificado permanece até o fim das obras contratadas, e não somente até aquela data.

Relator do recurso no STJ, o ministro Benedito Gonçalves registrou que essa compreensão é reforçada pela Lei 13.970/2019, na qual o legislador definiu a contratação da empresa ou o início das obras até 31 de dezembro de 2018 como requisito para o pagamento unificado de tributos até a extinção do contrato celebrado e, no caso de comercialização da unidade, até a quitação plena do preço do imóvel.

O benefício fiscal está ligado à duração do contrato
O magistrado afirmou que o artigo 6º da Lei 13.097/2015 tem interpretação questionável quanto à duração do RET e criou um benefício fiscal cujas condições cumulativas – como contratação de construtora, construção de unidades de até R$ 100 mil no MCMV e termo final até 31 de dezembro de 2018 – devem ser interpretadas de modo harmônico.

Segundo ele, a condicionante temporal contida na expressão “até 31 de dezembro de 2018” está “umbilicalmente” atrelada ao contrato firmado. Nesse sentido, ele destacou que, atendidos os requisitos estabelecidos, o texto da norma permite que a contratada efetue “o pagamento unificado de tributos equivalente a 1% da receita mensal auferida pelo contrato de construção”.

O ministro destacou que a palavra “pelo”, nessa redação da lei, serve “para conectar o benefício fiscal ao contrato, ou seja, o benefício fiscal (recolhimento unificado) será gozado ‘pelo’ contrato”.

Benedito Gonçalves observou ainda que o contrato firmado é uma condição objetiva para o gozo do benefício fiscal, pois ele será usufruído durante a vigência do contrato. Para o magistrado, assim como compreenderam os juízos de primeiro e segundo graus, a melhor interpretação é a de que o benefício fiscal é devido pelo contrato.

Ao manter a decisão do TRF5, o relator afirmou que essa é a interpretação capaz de conectar os elementos normativos textuais do benefício fiscal. “Desse modo, enquanto o contrato não se exaurir, o benefício fiscal também não estará exaurido: o recolhimento unificado e a vida do contrato estão correlacionados normativamente”, concluiu.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.878.680 – AL (2020/0139110-7)

TJ/SP: Empresa que distribuiu combustível mais poluente para frota de ônibus coletivos deverá reparar danos ambientais

Condenação prevê plantio de árvores e pagamento de multa.


A 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública Central da Capital, que condenou distribuidora de combustível pelos danos ambientais causados pela utilização de substância tóxica em combustível da frota de ônibus da cidade. A ré deverá promover o plantio de 711 mudas de exemplares arbóreos, no prazo de seis meses, em local a ser indicado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, sob pena de multa diária de R$ 500; e pagar R$ 198.350,04 ao Município de São Paulo.

De acordo com os autos, a ré distribuiu às empresas de transporte coletivo de São Paulo 332 mil litros de diesel S-500 mesmo tendo a Resolução ANP nº 42 obrigado a empresa a fornecer, para ônibus urbanos da Região Metropolitana de São Paulo, apenas diesel S-50, menos poluente, com concentração de enxofre dez vezes menor. A estatal alegou que, devido ao estoque baixo do combustível à época, solicitou à Agência Nacional do Petróleo autorização para, durante 24 horas, fornecer o outro óleo diesel.

Para o desembargador Luis Fernando Nishi, relator do recurso, o dano ambiental foi causado única e exclusivamente por conta da ré, que não cumpriu o contrato com o município e optou por buscar solução menos prejudicial à sua margem de lucro, “assumindo voluntariamente e em contrapartida solução objetivamente mais gravosa ao meio ambiente”. “Tinha a empresa ré, o dever de observar a citada Resolução quando do fornecimento de combustível à frota de ônibus da cidade de São Paulo, fornecendo óleo diesel S-500, quando já vigia proibição para tanto desde dezembro de 2009, deixando de fornecer o adequado e contratado (do tipo S-50), de forma injustificada, na medida em que não dispunha em estoque do produto certo na ocasião, traduzida a falha na sua única e exclusiva incúria, não condizente com a expertise ostentada há anos, propalando uma responsabilidade ambiental na hipótese ignorada, com induvidoso dano ambiental atmosférico”, apontou, destacando que, ainda que o laudo pericial tenha dado especial ênfase à quantidade de emissão de dióxido de enxofre (SO2) na queima dos 332 mil litros de diesel inadequado, o dano certamente não se limitou a tais gases como causadores da poluição.

O magistrado destacou também que “a simples cientificação por parte de funcionário da ANP da comunicação feita pela empresa ré não traduz autorização para assim proceder, sequer investido de poder para afastar aplicação de Resolução da ANP”.

O julgamento teve a participação dos desembargadores Miguel Petroni Neto e Roberto Maia. A decisão foi unânime.

Processo nº 1053160-02.2016.8.26.0053

STJ: Fiador que não foi parte na ação renovatória pode ser incluído no cumprimento de sentença

Com base na jurisprudência da corte, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as fiadoras de um contrato de locação comercial que não participaram da fase de conhecimento da ação renovatória podem ser incluídas no polo passivo do cumprimento de sentença, respondendo por todas as obrigações fixadas no julgamento da demanda – inclusive pelo aluguel determinado judicialmente, e não apenas pelo valor que havia sido proposto pelo locatário na petição inicial.

A demanda teve origem em ação renovatória de locação comercial, na qual a empresa locatária propôs a redução de 30% no valor do aluguel – de R$ 17 mil para cerca de R$ 12 mil –, alegando o aumento da concorrência, a queda da lucratividade e o elevado custo de manutenção do ponto.

A locadora não se opôs à renovação do contrato, mas requereu o aumento do aluguel. O valor foi fixado pelo juiz em R$ 31 mil por mês, com base no laudo pericial. Encerrado o processo, a locadora deu início ao cumprimento de sentença contra a locatária e suas fiadoras para receber as diferenças de aluguel e os honorários advocatícios.

Recorrentes alegaram que a fiança se limita ao valor proposto
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que a declaração das fiadoras concordando com a renovação do contrato, juntada à ação renovatória, foi suficiente para permitir sua posterior inclusão no polo passivo do cumprimento de sentença, ainda que não tenham participado da fase de conhecimento.

Ao STJ, as fiadoras alegaram que a declaração dada na renovatória gera uma obrigação de fiança limitada ao valor sugerido na petição inicial, de modo que não poderiam ser responsabilizadas pelo aluguel muito mais alto fixado judicialmente.

Lei exige declaração do fiador para o início da renovatória
A relatoria do recurso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que o artigo 513, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) impossibilita a inclusão do fiador na fase de cumprimento de sentença quando ele não tiver participado da fase de conhecimento.

“Nos termos do disposto na legislação processual civil, não é possível a modificação do polo passivo com a inclusão, na fase de cumprimento de sentença, daquele que esteve ausente à ação de conhecimento, sem que ocorra a violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório”, complementou a magistrada ao também citar a Súmula 268 do STJ.

Porém, a relatora destacou que o caso analisado é peculiar por se tratar de ação renovatória de locação comercial. Nessa situação, apontou, a Lei do Inquilinato estabelece documentos específicos que devem instruir o processo, entre eles a indicação do fiador – ou de quem o substituir na renovação – de que aceita os encargos da fiança.

“Tal especificidade é determinante para a solução da controvérsia em questão, pois tal declaração atesta a anuência dos fiadores com a renovação do contrato, de forma que se deve admitir que sejam incluídos no cumprimento de sentença, ainda que não tenham participado do processo na fase de conhecimento”, afirmou a ministra.

Anuência do fiador diz respeito à obrigação que será fixada na sentença
Quanto ao fato de ter sido estabelecido valor locatício superior ao pleiteado na ação renovatória, Nancy Andrighi observou que a manifestação do fiador que acompanha a petição inicial busca garantir, na verdade, a obrigação que surgirá após o julgamento da demanda.

Ao negar provimento ao recurso, a relatora, citando precedente da Sexta Turma do STJ, salientou que “o encargo que o fiador assume não é o valor objeto da pretensão inicial, mas sim o novo aluguel que será arbitrado judicialmente”.

Veja o acórdão.
Processo n° 1911617 – SP (2020/0146569-5)

TRT/MT fixa entendimento sobre responsabilidade do Estado nos contratos de gestão em hospitais

Com a decisão, o Estado de Mato Grosso pode ser responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento das verbas trabalhistas não quitadas pelas entidades privadas, quando ficar demonstrada sua omissão em fiscalizar o contrato de gestão


O Tribunal Pleno do TRT de Mato Grosso fixou tese jurídica de que “Aos contratos de gestão celebrados pela administração pública, com ente da sociedade civil para gerenciamento de hospitais públicos, aplica-se, por interpretação analógica, a súmula nº 331 do TST”.

A decisão foi tomada por unanimidade no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), na sessão do Pleno realizada em outubro.

Suscitado por um trabalhador que pretendia ver pacificada controvérsia existente entre as turmas do TRT mato-grossense, o incidente foi admitido em agosto de 2020. Na ocasião, o Pleno reconheceu a repetitividade de casos, número superior a 80 processos à época, bem assim a existência de posicionamentos antagônicos entre as duas turmas do Tribunal, essencialmente, no que se refere à aplicação da súmula 331 do TST aos contratos de gestão.

Conforme destacado pela relatora do IRDR, desembargadora Eliney Veloso, na 2ª Turma o entendimento era de que cabia a responsabilidade subsidiária ao ente público, com base nas premissas jurídicas da súmula 331, atribuindo culpa in vigilando sempre que não fosse comprovada a fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas, a cargo da organização social. Seguindo a linha de entendimento do TST, a 2ª Turma equiparava o contrato de gestão aos contratos de terceirização de serviços.

A corrente oposta, adotada na 1ª Turma, concluía que o regime jurídico peculiar dos contratos de gestão não permitia a incidência da súmula 331, inexistindo obrigação para fiscalização de direitos trabalhistas. O entendimento era o de que, ao ente estatal, competiria somente avaliar a qualidade e a quantidade dos serviços públicos prestados, bem como verificar a aplicação dos recursos públicos repassados à entidade privada. Para a 1ª Turma, pouco importava a (in) existência de provas sobre a fiscalização das verbas trabalhistas, por não se cogitar, à época, pela aplicação da súmula do TST.

No entanto, ao julgar o IRDR, o Pleno reconheceu que os contratos de gestão não se confundem com os contratos de terceirização de mão de obra, sendo, porém, possível compatibilizar os diferentes modelos contratuais à sistemática de responsabilização civil.

Nessa linha, os desembargadores convergiram ao entendimento de que, embora de forma menos intensa em comparação ao observado nos contratos de terceirização de mão de obra, também há, nos contratos de gestão, dever legal para que a Administração Pública acompanhe o cumprimento o cumprimento das obrigações trabalhistas a cargo da entidade contratada, com vistas a prevenir/corrigir distorções que possam causar prejuízo aos empregados envolvidos, “pois o controle dos serviços públicos transferidos passa também pela avaliação da conformidade geral sob a perspectiva da legislação trabalhista, porquanto não se mostra coerente com os princípios da moralidade e da legalidade que o patrimônio público seja repassado a uma entidade privada que não cumpre as normas aplicáveis.”

Cinco Conclusões

Para pacificação da controvérsia, a relatora do incidente condensou suas análises em cinco pontos principais, para posterior fixação da tese que resolveu o IRDR:

I – O contrato de gestão previsto na Lei Federal nº 9.637/1998 e Lei nº 9.790/99 e, regulamentado no âmbito do Estado de Mato Grosso pela Lei Complementar estadual nº 150/2004, não se equipara ao contrato administrativo de terceirização de serviços albergado pela Lei nº 8.666 /93, pois inserido em um microssistema de desestatização e de fomento à iniciativa privada não lucrativa, em que a entidade particular desempenha serviços sociais não exclusivos do Estado mediante a transferência de recursos públicos, com direitos, deveres, garantias e penalidades próprios, definidos em legislação específica;

II – Há compatibilidade entre o regime do contrato de gestão e dos contratos administrativos em geral, no que se refere à possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público, pelas obrigações trabalhistas inerentes aos contratos dos empregados vinculados à execução das atividades transferidas à organização social;

III – O Estado de Mato Grosso tem obrigação de fiscalizar a execução dos contratos de gestão, de modo a evitar/sanear o inadimplemento das obrigações trabalhistas, não podendo exercer suas prerrogativas contratuais (intervenção, ocupação temporária etc), com excesso de poder ou desvio de finalidade, lesando o hipossuficiente vinculado a essa relação jurídica especial;

IV – É possível a aplicação analógica da súmula nº 331 do TST (“ubi aos contratos de gestão, de modo que a Administração Pública eadem ratio, ibi idem jus”) pode vir a ser responsabilizada pelos débitos trabalhistas quando, no caso concreto, ficar evidenciado nexo causal entre ato omissivo de natureza culposa do ente público ou de seu agente administrativo, relativo à falta de fiscalização do contrato (culpa in vigilando), nos moldes previstos pela Lei Complementar Estadual nº 150/2004, quando demonstrado que os trabalhadores vinculados a essa relação jurídica especial foram lesados em seus direitos fundamentais;

V – É viável a responsabilização subsidiária do Poder Público mesmo durante o período de intervenção estatal, quando evidenciada a culpa in vigilando do agente público na fiscalização dos haveres trabalhistas dos empregados que se ativam na execução dos objetivos do contrato de gestão.

Assim, o Tribunal Pleno fixou a Tese 01 – “Aos contratos de gestão celebrados pela administração pública, com ente da sociedade civil para gerenciamento de hospitais públicos, aplica-se, por interpretação analógica, a súmula nº 331 do TST”, que tem força obrigatória conforme estabelece o artigo 927, III, do CPC.

Veja a decisão.
Processo n° 0000204-82.2020.5.23.0000

TRT/GO: Empresa é condenada por anotar número de processo trabalhista na CTPS do trabalhador

O TRT-18 manteve a condenação de uma empresa de ônibus que registrou na CTPS do trabalhador o número do processo trabalhista em que figurou como parte ré. A empresa terá que pagar R$5.000,00 ao ex-motorista por anotação desabonadora, conforme decisão da Segunda Turma. Carteira de trabalho com contrato ao lado sendo carimbado

A empresa alegou no recurso que atendendo à determinação do juízo de primeiro grau fez a reintegração do empregado e que, na anotação da CTPS, fez referência ao processo com o intuito de justificar a baixa e posterior admissão do motorista na mesma empresa. Embora haja a alegação de que não houve intenção de prejudicar o trabalhador, a relatora do processo, desembargadora Kathia Bomtempo, entendeu que o registro foi desnecessário e abusivo.

Para a relatora, esse tipo de conduta constitui ato desabonador e implica lesão ao patrimônio moral do empregado, podendo resultar em prejuízos claros como a restrição de oportunidades de empregos futuros. A decisão destacou o art. 29 da CLT que veda ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta dos empregados em suas carteiras de trabalho.

A desembargadora frisou que a vida profissional do empregado fica maculada com esse tipo de registro na CTPS e os transtornos decorrentes são de natureza íntima. Destacou que, por tratar-se de dano decorrente do próprio fato, não há necessidade de prova de prejuízo concreto. “A tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Desse modo, é procedente o pedido de indenização por danos morais”, afirmou.

A relatora relacionou ainda decisões recentes do TST que evidenciam o prejuízo ao trabalhador com registros similares na CTPS. Além do registro claro do número do processo, como na decisão em questão, anotações como as que expressam que o registro é em decorrência de decisão judicial ou que registram atestados médicos na carteira de trabalho, por exemplo, também têm gerado condenações às empresas nos processos trabalhistas.

Processo n° 0010895-90.2020.5.18.0002

TJ/DFT nega indenização a consumidores que foram previamente alertados sobre golpe

O prestador de serviço que cumpre o dever de alertar e informar sobre fraude não pode ser responsabilizado por eventual golpe sofrido por consumidores. O entendimento é da 3ª Turma Cível do TJDFT, ao julgar improcedente o pedido de indenização de mãe e filho que foram vítimas de golpes por meio de ligação telefônica para custeio de tratamento médico.

Consta nos autos que a autora foi internada no Hospital Santa Helena e que, dois dias depois, o filho recebeu ligação de pessoa que se passava por médico do hospital. Ele informava que a paciente precisava ser submetida a exame que não era custeado pelo plano de saúde, o que fez com que realizasse dois depósitos, totalizando a quantia de R$ 11.800,00. Ao receber nova ligação do suposto médico, o autor desconfiou que se tratava de um golpe, o que foi confirmado pelo hospital, porém já havia realizado o pagamento indevido. Mãe e filho defendem que houve culpa do hospital por conta do vazamento de dados e pedem para ser indenizados.

Em primeira instância, o hospital foi condenado a restituir o valor do depósito feito a terceiro golpista e a pagar R$ 5 mil a título de danos morais. O réu recorreu sob o argumento de que não pode ser responsabilizado pelo golpe sofrido pelos autores, uma vez que cumpriu o dever de informação e transparência. Assevera ainda que não houve vício na prestação do serviço.

Ao analisar o recurso, a Turma observou que não se pode atribuir ao hospital os danos sofridos pelos autores. O Colegiado destacou que houve recomendação prévia sobre eventual fraude e que a paciente assinou documento intitulado “informativo de golpe”.

“A despeito de ser abominável que terceiros fraudadores se utilizem do espírito já fragilizado de pessoas que se encontram em desgastante situação pessoal causada por doença e internação, não se pode atribuir a responsabilidade acerca de tal fato ao hospital que, gerenciando o fornecimento de serviço, agiu de forma adequada e previdente no dever de informação ao expressamente alertar e desestimular qualquer tipo de providência no sentido de realizar transações bancárias desse tipo com terceiros estranhos aos seus quadros, sendo estes últimos os verdadeiros e únicos responsáveis pela fraude”, registrou.

O Colegiado destacou ainda que as provas dos autos mostram que as duas transferências realizadas pelos autores foram para contas de titularidade de pessoas físicas. O fato, de acordo com a Turma, “deveria consubstanciar estranheza aos apelados, seja porque não realizadas à conta de vínculo direito ao hospital pessoa jurídica, seja porque em nome de pessoas diversas dos próprios terceiros fraudadores responsáveis pelas ligações”.

Dessa forma, a Turma concluiu que houve culpa exclusiva de terceiro, o que é causa de excludente de responsabilidade, e reformou a sentença para julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais.

Processo n° 0702107-57.2021.8.07.0005

STJ: Procuração para venda de imóvel de valor maior que 30 salários mínimos deve ser por instrumento público

​Em atenção ao princípio da simetria das formas (Código Civil, artigo 657), os atos que visem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo do país exigem procuração por instrumento público.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que anulou uma transferência de imóvel posterior ao falecimento da proprietária, em razão de ter sido realizada por meio de procuração particular.

O recurso teve origem em ação ajuizada pelos sobrinhos da proprietária para anular a venda do imóvel, feita por outro sobrinho a terceiros. Os autores da ação sustentaram a nulidade da procuração particular em causa própria, outorgada seis meses antes do falecimento da dona do imóvel, de 82 anos, argumentando que teria havido uma fraude contra os demais herdeiros.

O TJDFT considerou a transferência do imóvel inválida, uma vez que não foi realizada por meio de procuração pública. No entanto, entendeu que os compradores agiram de boa-fé, motivo pelo qual manteve a venda e determinou que a questão fosse resolvida por perdas e danos.

Validade do negócio com imóvel de mais de 30 salários mínimos
A autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Isabel Gallotti, lembrou que o artigo 108 do Código Civil estabelece que, “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no país”.

A magistrada destacou que, para o TJDFT, “tendo havido apenas uma procuração particular, sem qualquer registro, antes do falecimento da proprietária, a qual não possui o condão de transferir a propriedade do bem, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, não há como prevalecer o negócio jurídico objeto dos autos”.

Princípio da simetria das formas
Na avaliação de Gallotti, o TJDFT acertou ao estabelecer que a procuração deveria se revestir da forma pública, nos termos do artigo 108 do Código Civil – o qual prestigia a segurança nas relações jurídicas. Ao citar a doutrina sobre o assunto, a ministra ressaltou que não é válida a procuração redigida em instrumento particular mediante a qual se pretende realizar negócio que exija instrumento público (CC, artigo 657).

“Em atenção ao princípio da simetria das formas, a procuração para a transferência do imóvel ora em litígio – ato cuja exigência de instrumento público é essencial para a sua validade – deve ter necessariamente a mesma forma pública para ele exigida, sob pena de não atingir os fins aos quais se presta, notadamente porque é nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei, nos termos do artigo 166, IV, do Código Civil”, disse.

Para a ministra, se a regra do artigo 108 do Código Civil vale para os instrumentos de mandato em geral destinados à celebração de negócios jurídicos dependentes de escritura pública, os quais podem ser revogados unilateralmente pelo outorgante, com maior razão ainda deverá ser seguida no caso de procuração em causa própria (Código Civil, artigo 685).

“Isso porque tal tipo de mandato é irrevogável, não se extingue pela morte de qualquer das partes, sendo isento o mandatário de prestar contas, podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais”, explicou.

 

TRF1: Afronta o livre exercício da profissão de advogado a recusa injustificada da polícia penal em protocolar e encaminhar petições em estabelecimento prisional

Ao julgar recurso de remessa oficial em mandado de segurança coletivo, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou a sentença que determinou ao Secretário de Justiça e de Cidadania do Estado de Roraima o recebimento, protocolo, registro e encaminhamento, pela polícia penal, das petições protocoladas pelos membros da Advocacia, por meio físico ou eletrônico, e seja garantido o acesso a relatórios e documentos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC).

A remessa oficial é instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo ao tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

Relator do processo, o desembargador federal Souza Prudente destacou ser “ilegítima a recusa, obstrução, dificuldade ou embaraços ao recebimento de petições de membros da Advocacia que conduzam aos direitos de seus clientes, sob pena de subversão do direito fundamental de peticionar administrativamente ao Poder Público; bem como o encaminhamento de medicamentos aos internos com o intuito de garantir-lhes a saúde”.

Ressaltou o magistrado que opor obstáculo ao livre exercício da profissão configura ofensa às prerrogativas inerentes do advogado, asseguradas pela Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia).

O colegiado acompanhou o voto do relator por unanimidade.

Processo n° 1000252- 93.2021.4.01.4200


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