STF suspende norma que restringe nomeações para direção de estatais

A decisão do ministro Ricardo Lewandowski atende solicitação do PCdoB.


O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos de norma da Lei das Estatais que restringe indicações de conselheiros e diretores que sejam titulares de alguns cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura decisória de partido político ou na organização e na realização de campanha eleitoral. A decisão, a ser referendada pelo Plenário Virtual da Corte, foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7331, proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

A cautelar afasta a vedação referente à indicação de ministros de Estado, secretários estaduais e municipais, titulares de cargo de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública. Em relação à quarentena para as pessoas que atuaram na estrutura decisória de partido ou em campanha eleitoral, o ministro fixou interpretação no sentido da necessidade apenas do afastamento das atividades diretivas.

Exigências
De acordo com o ministro Lewandowski, houve uma sensível ampliação das exigências para a nomeação dos administradores dessas empresas, em comparação com as previstas na Lei das Sociedades Anônimas, à qual as estatais continuam submetidas. Na sua avaliação, a expansão dos requisitos visava assegurar que a administração das empresas públicas e sociedades de economia mista apresente o mais elevado grau de profissionalismo e eficiência.

Discriminações
No entanto, para o relator, apesar das louváveis intenções de evitar o suposto aparelhamento político das estatais, a exigência acabou criando discriminações desproporcionais contra pessoas que atuam na esfera governamental ou partidária, sem levar em conta nenhum parâmetro de natureza técnica ou profissional que garanta a boa gestão.

O ministro destacou que uma restrição de direitos dessa ordem somente poderia ser estabelecida pela própria Constituição, como ocorre com magistrados, membros do Ministério Público e militares. As vedações, segundo ele, também ofendem o direito à igualdade, consagrado na ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas, que somente admite os requisitos positivos de qualificação técnico-profissional compatíveis com o seu exercício.

Prazo de três anos
Lewandowski também considerou desarrazoado o prazo de três anos para a vedação de indicação de pessoa que tenha integrado a estrutura decisória de partido político ou participado de campanha eleitoral. Em seu entendimento, a medida não tem fundamentação, sobretudo quando se verifica que não há prazo semelhante para quem exerça cargo em organização sindical.

Histórico
O julgamento da matéria teve início em 10/3, em sessão virtual prevista para ser finalizada amanhã (17), mas foi suspenso no dia 11 por pedido de vista do ministro André Mendonça. O partido então apresentou pedido de tutela provisória incidental alegando perigo de lesão irreparável, diante da proximidade do prazo limite para as eleições dos administradores e conselheiros.

Veja a decisão.
Processo: ADI 7331

STJ: Titular de dados vazados deve comprovar dano efetivo ao buscar indenização

Apesar de ser uma falha indesejável no tratamento de informações pessoais, o vazamento de dados não tem a capacidade, por si só, de gerar dano moral indenizável. Assim, em eventual pedido de indenização, é necessário que o titular dos dados comprove o efetivo prejuízo gerado pela exposição dessas informações.

O entendimento foi estabelecido pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso especial da Eletropaulo e, por unanimidade, reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia condenado a concessionária a pagar indenização por danos morais de R$ 5 mil, em virtude do vazamento dos dados de uma cliente.

Na ação de reparação de danos, a cliente alegou que foram vazados dados pessoais como nome, data de nascimento, endereço e número do documento de identificação. Ainda segundo a consumidora, os dados foram acessados por terceiros e, posteriormente, compartilhados com outras pessoas mediante pagamento – situação que, para ela, gerava potencial perigo de fraude e de importunações.

O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o TJSP reformou a sentença por entender que o vazamento de dados reservados da consumidora configurou falha na prestação de serviços pela Eletropaulo.

Dados vazados são de natureza comum, não classificados como sensíveis
O ministro Francisco Falcão, relator do recurso da Eletropaulo, explicou que o artigo 5º, inciso II, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) traz um rol taxativo dos dados pessoais considerados sensíveis, os quais, segundo o artigo 11, exigem tratamento diferenciado.

Entre esses dados, apontou, estão informações sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou organização religiosa, assim como dados referentes à saúde sexual e outros de natureza íntima.

De acordo com o ministro, o TJSP entendeu que os dados vazados da cliente deveriam ser classificados como sensíveis, porém foram indicados apenas dados de natureza comum, não de índole íntima.

“Desse modo, conforme consignado na sentença reformada, revela-se que os dados objeto da lide são aqueles que se fornece em qualquer cadastro, inclusive nos sites consultados no dia a dia, não sendo, portanto, acobertados por sigilo, e o conhecimento por terceiro em nada violaria o direito de personalidade da recorrida”, esclareceu o relator.

Dano moral pelo vazamento de dados não é presumido
Em seu voto, Francisco Falcão também afirmou que, no caso dos autos, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados demonstre ter havido efetivo dano com o vazamento e o acesso de terceiros.

“Diferente seria se, de fato, estivéssemos diante de vazamento de dados sensíveis, que dizem respeito à intimidade da pessoa natural. No presente caso, trata-se de inconveniente exposição de dados pessoais comuns, desacompanhados de comprovação do dano”, concluiu o ministro ao acolher o recurso da Eletropaulo e restabelecer a sentença.

Veja o acórdão.
Processo: AREsp 2130619

TJ/SP: Lei que obriga uso de energia solar fotovoltaica em edifícios públicos é inconstitucional

Norma institui subordinação indevida para o Poder Executivo.


O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou inconstitucional a Lei Municipal nº 4.590/22, da Comarca de Mirassol, que obriga o uso de energia fotovoltaica em todas as edificações públicas. A votação foi unânime e ocorreu em sessão realizada no dia 8 de março.

A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada pela Prefeitura de Mirassol. Segundo os autos, o dispositivo impugnado determina que os prédios pertencentes à Administração Pública Municipal, direta ou indireta, devem ser equipados com coletores ou painéis solares para produção de energia elétrica fotovoltaica, no prazo máximo dez anos, a partir da publicação da lei.

No entendimento do colegiado, embora não haja vício de iniciativa por parte do Câmara Municipal, tampouco violação à separação de poderes, o dispositivo interfere em critérios de conveniência e oportunidade ao impor ao Executivo a forma de execução de uma política pública. “Em outras palavras, a lei impugnada supera o caráter autorizativo para instituir indevida subordinação do alcaide, o que, por si só, permite concluir pela sua inconstitucionalidade”, registrou o relator do acórdão, desembargador Tasso Duarte de Melo.

Adin nº 2177990-75.2022.8.26.0000

TJ/SP: Rescisão de aluguel não pode ser condicionada a reparos no imóvel

Recusa de recebimento de chaves não tem amparo legal.


A 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da juíza Daniela Mie Murata, da 4ª Vara Cível de Piracicaba, determinando que a existência de eventuais pendências em imóvel alugado não impede a rescisão contratual e também não justifica a recusa dos proprietários em recebimento das chaves.

Trata-se de ação para a declaração de rescisão de contrato de aluguel e consignação das chaves do imóvel movida pelos inquilinos contra os proprietários que se recusaram a encerrar o contrato pela suposta necessidade de realização de reformas no local, sendo que o prazo locatício estava na fase de tempo indeterminado, com os autores realizando a notificação prévia de 30 dias. Os requerentes também cobravam o ressarcimento de despesas extraordinárias de obras realizadas no condomínio.

O relator do recurso, desembargador Flávio Abramovici, apontou em seu voto que os autores comprovaram todos os requisitos previstos na lei e que foi “descabida a recusa dos Requeridos ao recebimento das chaves, pois inexiste previsão legal de manutenção da relação contratual após o pedido de rescisão por parte do locatário”, fazendo com que o pedido de consignação das chaves seja legitimo. O julgador também destacou que “a eventual necessidade de realização de reparos no imóvel não altera o deslinde do feito, pois não é lícito ao locador exigir a permanência do vínculo locatício até a realização dos reparos no imóvel”. O magistrado considerou a data de encerramento do contrato o dia da consignação das chaves, sendo que não é cabível qualquer cobrança após o feito, além de considerar válida a restituição de valores cobrados a título do fundo de obras.

Também participaram da decisão os desembargadores Mourão Neto e Gilson Delgado Miranda. A decisão foi unânime.

Processo nº 1018506-17.2020.8.26.0451

TRT/AM-RR: Vendedora tratada com rigor excessivo obtém rescisão indireta e indenização

A Terceira Turma do TRT-11 confirmou sentença da 4ª Vara do Trabalho de Manaus.


Por unanimidade, a Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) manteve sentença que declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho de uma vendedora do comércio varejista de calçados em Manaus (AM) e determinou o pagamento de indenização por danos morais. Testemunhas confirmaram que a trabalhadora era tratada aos gritos pelo gerente, que agia reiteradamente de forma agressiva na frente dos funcionários e dos clientes.

Conforme a decisão que não pode mais ser modificada, foram comprovados o rigor excessivo do superior hierárquico e o descumprimento das obrigações contratuais da empregadora. O colegiado rejeitou o recurso das empresas que compõem um grupo econômico, as quais buscavam ser absolvidas da condenação de 1º grau.

As recorrentes alegaram inexistência de ilegalidade a justificar o reconhecimento da rescisão indireta. Argumentaram, ainda, que não tinham ciência do comportamento de seu gerente, destacando que a própria reclamante havia admitido que o rigor era dispensado a todos seus colegas, não sendo exclusivo a ela. De acordo com a relatora do processo, desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, além dos depoimentos das testemunhas, o alegado “desconhecimento dos fatos pela parte ré apenas corrobora para a rescisão indireta do contrato”, por não fiscalizar o ambiente de trabalho e descumprir com suas obrigações contratuais.

Dano moral

Ao analisar o cabimento do dano moral, a relatora lembrou que tal responsabilidade tem fundamento nos artigos 5º, incisos V e X, da Constituição Federal e 186 do Código Civil, emergindo da violação a direitos gerais de personalidade. “Vale lembrar que o dano moral é qualquer sofrimento humano, abrangendo todo atentado à intimidade, à segurança, à tranquilidade, à integridade, dentre outros, que não estejam enquadrados na definição de dano material”, explicou.

Com base na prova testemunhal, que confirmou as alegações da empregada, a desembargadora salientou que a atitude do superior hierárquico violou direitos da personalidade da empregada que estava sob sua liderança, dentre eles, o direito à integridade, intimidade e autoestima. Presente o dano moral, foi mantido o dever de indenizar.

Justa causa do empregador

Por meio da ação trabalhista ajuizada em abril de 2022, a trabalhadora postulou a rescisão indireta do contrato de trabalho, também conhecida como “justa causa do empregador”. Na data em que deu entrada na ação, ela contava com seis meses de serviço. O pedido de extinção unilateral do contrato foi fundamentado no artigo 483, alínea “b”, da CLT. De acordo com esse dispositivo legal, o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo.

A sentença foi proferida pelo juiz titular da 4ª Vara do Trabalho de Manaus, Gerfran Moreira Carneiro. Ao julgar parcialmente procedentes os pedidos, ele declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho e determinou a baixa da carteira de trabalho. De forma solidária, condenou as empresas que compõem o grupo econômico ao pagamento de verbas rescisórias decorrentes da ruptura contratual e de indenização por danos morais (R$ 2.510,00).

Processo n. 0000321-26.2022.5.11.0004

TRF3: Militar transgênero da Marinha pode usar cabelos e uniforme femininos e nome social na identificação

Decisão também determinou indenização de R$ 80 mil pelo constrangimento sofrido.


A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou provimento a recurso da União e manteve decisão que assegurou a uma militar transgênero da Marinha do Brasil o direito de usar cabelos e uniforme nos moldes feminino e o nome social na identificação. O colegiado também determinou o pagamento de R$ 80 mil de indenização pelos danos morais sofridos na atividade.

Os magistrados consideraram o direito constitucional à igualdade e a proteção contra discriminação por diferenças de origem, raça, sexualidade e idade.

Após o julgamento da apelação, a União entrou com novo recurso, sustentando a nulidade da decisão da Primeira Turma por ausência de fundamentação.

Ao analisar o pedido, o desembargador federal Nelton dos Santos, relator do processo, explicou que a questão foi examinada de forma clara, nos limites da controvérsia, sem apresentar vício a ser sanado.

Para o magistrado, a negativa do reconhecimento de identidade das pessoas transgêneros violou direitos fundamentais.

“O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”, ponderou.

O relator considerou descabido o argumento do ente federal de que a militar estaria burlando o certame, pois foi aprovada em processo seletivo público para vagas do sexo masculino.

“A União entende que a autora não pode ocupar as vagas reservadas aos militares do gênero masculino por ser uma mulher transgênero, mas, no momento em que prestou o concurso, dificilmente seria aceita no quadro de militares do gênero feminino porque ainda possuía ‘aparência masculina’, e tampouco estaria apta às referidas vagas na data atual em vista da ausência de mudança do nome do registro civil”, concluiu.

O desembargador federal acrescentou que o dano moral ficou configurado em virtude da humilhação sofrida no exercício da atividade militar.

“Há nexo causal entre a atitude da Marinha do Brasil e o alegado abalo na dignidade da autora. Com relação ao valor arbitrado, entendo que o montante fixado é adequado para cumprir a sua função compensatória, em vista da extensão do dano sofrido, bem como a sua função pedagógica, para desestimular à reiteração da conduta danosa praticada”.

Assim, a Primeira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração e determinou à União o pagamento de R$ 80 mil por danos morais. Além disso, assegurou o direito de uso de uniformes e cabelos femininos do padrão da Marinha e do nome social na plaqueta de identificação e documentos administrativos.

TJ/SC: Empresários são condenados à prisão por adicionar água ao leite

Dois empresários, Clóvis da Silva e Silverio Tomazi, foram condenados por adicionar água a leite para disfarçar seu estado impróprio para o consumo e, assim, prosseguir com a comercialização do produto. Os réus são proprietários de um laticínio em funcionamento no município de Princesa/SC., no Extremo Oeste. Um deles foi condenado a seis anos, 11 meses e 10 dias de detenção. O outro recebeu a sentença de seis anos e oito meses de detenção. Ambos em regime inicial semiaberto. A decisão partiu da juíza Jéssica Evelyn Campos Figueredo Neves, da Vara Única da comarca de São José do Cedro.

Ao todo foram sete amostras encontradas com adulteração, a primeira em 2012 e as demais em 2014. O mesmo delito foi praticado em dias distintos, mas nas mesmas condições de tempo e lugar. De acordo com a denúncia, “a acidez estava extremamente elevada (leite azedo), com densidade abaixo do preconizado na legislação e extremamente seco, sendo que a amostra estava alterada a ponto de o equipamento que mensura a quantidade de água eventualmente adicionada ao leite (crioscópio) nem sequer conseguir levar a análise a termo, além do teor de lactose estar abaixo do mínimo exigido, estando, portanto, em evidente desacordo com as normas regulamentares de distribuição e apresentação”.

O índice de acidez aceito pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento varia entre 0,14 e 0,18. Algumas amostras apresentaram 0,36, numa demonstração de que o leite estava quase fermentando no tanque; em outras havia grande quantidade de coalho. Já o nível de lactose – que é o açúcar natural do leite – estava em 3,3, quando o mínimo permitido é 4. Frações de antibiótico também foram encontradas, o que indica que as vacas foram tratadas com o medicamento pelos produtores rurais fornecedores, o que também é proibido.

Mesmo após passar por análise na empresa, o produto seguiu para indústria no Rio Grande do Sul. A condição do leite estava imprópria porque o produto ultrapassava o prazo máximo de 48 horas acondicionado em caminhão resfriador, necessário para evitar contaminação. A sentença é resultado da operação Leite Adulterado III, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado – Gaeco.

Processo n. 0900011-04.2016.8.24.0065

TRT/SP: Auxiliar de limpeza proibida de dar “bom dia” a profissionais do SBT será indenizada

Em votação unânime, a 7ª Turma do TRT-2 manteve sentença que condenou empresa terceirizada a indenizar em R$10 mil auxiliar de limpeza impedida de interagir com profissionais do SBT, onde prestava serviço. A Justiça do Trabalho também condenou a emissora de forma subsidiária.

Na ação, a mulher afirma ter sofrido perseguições por parte de uma funcionária do próprio SBT, que a proibiu de dar “bom dia” aos seguranças do canal e chegou a afirmar que “só sossegaria quando visse a reclamante fora daquele local”. Embora negados pela empresa, os fatos foram confirmados por testemunha ouvida pelo juízo, a qual relatou que tal limitação era aplicável somente aos funcionários da limpeza.

De acordo com o desembargador-relator José Roberto Carolino, para recebimento de indenização, é necessária a presença de dano, antijuridicidade da conduta e responsabilidade contra quem se formula a pretensão. “Aliás, necessária a sequela latente que, embora lentamente cicatrizada com o tempo, não tem apagado da memória o seu registro”, afirma.

Nesse sentido, considerando a falta de contraprova da reclamada e privilegiando o princípio da imediação do juiz, concluiu-se pela condenação para ressarcimento do dano moral.

Processo nº 1001104-51.2020.5.02.0382

TRT/GO: Higienização veicular interna é compatível com atividade de motorista profissional

Compatível com a condição pessoal do motorista profissional, ainda que não prevista expressamente no contrato de trabalho, a realização da tarefa de limpeza interna do veículo como condição de manutenção do seu asseio não caracteriza acúmulo de funções. Esse foi o entendimento da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) ao julgar o recurso ordinário de uma transportadora que questionou condenação ao pagamento de diferenças salariais decorrentes de acúmulo de função para um empregado, motorista da empresa.

No recurso, a transportadora alegou que o funcionário jamais foi obrigado a lavar veículos. Todavia, enquanto na função de motorista, deveria verificar a higiene interna dos mesmos. Caso houvesse a necessidade de higienização, a empresa explicou que o motorista, no máximo, realizava a limpeza interna do veículo por ele conduzido. A transportadora disse que a atividade seria acessória e relacionada com a função para a qual o empregado foi contratado.

A desembargadora Kathia Albuquerque, relatora do recurso, explicou que o acúmulo de funções ocorre quando o empregado passa a desempenhar, com a função para a qual foi contratado, outra totalmente diversa. A magistrada destacou que o parágrafo único do artigo 456 da CLT autoriza a empresa exigir do trabalhador qualquer atividade lícita dentro da jornada normal que não seja incompatível com a natureza do trabalho contratado, de modo a adequar a prestação de serviço às necessidades do empreendimento.

A desembargadora salientou que, apesar da norma trabalhista objetivar a proteção do empregado contra atos abusivos do empregador, não haveria no caso um acúmulo de função. Albuquerque analisou o contrato de trabalho e observou não haver cláusula específica descrevendo as tarefas desenvolvidas pelo empregado, destacando-se apenas o exercício da função de motorista.

A relatora observou que a atividade de higienização ocorria quando o motorista verificava o asseio dos veículos e constatava a necessidade de limpeza. Para a magistrada, neste caso, havia a realização de uma tarefa, rápida, não havendo propriamente um acúmulo de função de limpeza de veículos, mas o mero cumprimento de uma garantia de asseio do veículo. Por isso, a relatora deu provimento ao recurso e excluiu a condenação pelo pagamento de acúmulo de funções.

Processo: 0010162-62.2022.5.18.0291

STJ: Juiz pode condenar o réu ainda que o MP peça absolvição em alegações finais

Por maioria de votos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é possível ao juiz condenar o réu ainda que o Ministério Público (MP) peça absolvição nas alegações finais. De acordo com o colegiado, essa disposição – prevista expressamente no artigo 385 do Código de Processo Penal (CPP) – não foi tacitamente derrogada pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

Com base nesse entendimento, a turma negou provimento ao recurso especial interposto por um promotor e manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) que o condenou pelo crime de concussão.

Na origem do caso, a suposta conduta criminosa foi analisada em processo disciplinar conduzido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no qual houve indicação para condenação no âmbito administrativo. As provas apresentadas no processo administrativo – prints de conversas com a possível vítima por aplicativo de mensagens, fornecidos pelo próprio acusado – foram corroboradas por outras, produzidas na fase judicial, o que levou o TJPA a condenar o agente público.

A decisão da corte estadual, no entanto, não acolheu o pedido de absolvição feito em alegações finais pelo MP, que apontou possível ilicitude das provas.

No recurso ao STJ, o promotor requereu a anulação do julgamento, alegando que as provas utilizadas eram ilegais e que o pedido de absolvição do MP deveria ser acolhido, pois o Pacote Anticrime teria derrogado tacitamente a disposição do CPP que permite ao juiz condenar o réu mesmo contra a posição do órgão ministerial.

Mensagens comprometedoras foram apresentadas pelo réu
O ministro Rogerio Schietti Cruz, cujo voto prevaleceu no julgamento, considerou que os registros de mensagens comprometedoras são provas lícitas, pois foram apresentados pelo próprio réu. O magistrado lembrou que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo, mas nada impede o acusado de se autoincriminar voluntariamente.

“Não há falar em violação do artigo 157 do CPP e, por consequência, em ilicitude dos prints de WhatsApp usados na fundamentação do acórdão, uma vez que foram apresentados pelo próprio réu – assistido por defesa técnica constituída”, declarou o ministro.

Schietti acrescentou que o tribunal de origem apresentou elementos suficientes para a caracterização da concussão, incluindo vasta prova oral, que foi produzida ao longo do processo.

Pretensão acusatória permanece mesmo se o MP mudar posicionamento
Ao analisar o artigo 385 do CPP, que dispõe sobre a possibilidade de o juiz condenar o réu mesmo quando o MP pede a absolvição, o ministro afirmou que esse dispositivo “está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei 13.964/2019, que introduziu o artigo 3º-A no Código de Processo Penal”.

Schietti salientou que, “ao contrário de outros sistemas – em que o Ministério Público dispõe da ação penal por critérios de discricionariedade –, no processo penal brasileiro o promotor de Justiça não pode abrir mão do dever de conduzir a actio penalis até seu desfecho, quer para a realização da pretensão punitiva, quer para, se for o caso, postular a absolvição do acusado, hipótese que não obriga o juiz natural da causa, consoante disposto no artigo 385 do CPP, a atender ao pleito ministerial”.

Para o ministro, a posição dos representantes do MP no curso do processo não elimina o conflito permanente entre o interesse punitivo do Estado e o interesse de proteção à liberdade do acusado: “Mesmo que o órgão ministerial, em alegações finais, não haja pedido a condenação do acusado, ainda assim remanesce presente a pretensão acusatória formulada no início da persecução penal”, concluiu.

Juiz não deve ser mero homologador das pretensões do MP
O ministro observou que o julgador, por força do princípio da correlação, deve se vincular aos fatos narrados na denúncia, mas não precisa se comprometer com a fundamentação invocada pelas partes. Para Schietti, o juiz deve analisar o mérito da causa, “sem que lhe seja imposto o papel de mero homologador do que lhe foi proposto pelo Parquet”.

No mesmo sentido, o ministro explicou que a submissão do magistrado à manifestação do MP, sob o pretexto de supostamente concretizar o princípio acusatório, implicaria, na verdade, a sua subversão, “solapando, além da independência funcional da magistratura, duas das basilares características da jurisdição: a indeclinabilidade e a indelegabilidade”.

Schietti ressaltou também que a adesão irrestrita à posição do MP comprometeria a fiscalização de seus atos, pois não haveria nenhuma hipótese de controle sobre erros ou eventuais desvios éticos de seu representante, diante da falta de interesse em recorrer da decisão judicial que acolhesse o pedido absolutório – “cenário afrontoso aos princípios fundantes de qualquer Estado Democrático de Direito”.

Por fim, o ministro ponderou que o pedido absolutório do MP em alegações finais eleva o ônus argumentativo do juiz, pois, “uma vez formulado pedido de absolvição pelo dominus litis, caberá ao julgador, na sentença, apresentar os motivos fáticos e jurídicos pelos quais entende ser cabível a condenação e refutar não apenas os fundamentos suscitados pela defesa, mas também aqueles invocados pelo Parquet em suas alegações finais, a fim de demonstrar o equívoco da manifestação ministerial”.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2022413


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento
Init code Huggy.chat