O futuro da inteligência artificial no direito brasileiro

Escreveu:
Gustavo Rinaldi
Partner da empresa Acorn Advisory
https://acornad.com.br/


À medida em que inteligência artificial avança, o campo do Direito enfrenta uma transformação semelhante à disputa “Táxi x Uber”. Advogados que resistirem às novas tecnologias e tendências correm o risco de obsolescência, de forma que a adaptação é crucial para evitar ficar para trás no dinâmico ambiente jurídico atual.


A discussão sobre a Inteligência Artificial (IA) e os impactos que terá no cotidiano, é, atualmente, uma das pautas mais relevantes no que diz respeito ao futuro da sociedade. A ascensão do ChatGPT, por exemplo, sinaliza uma marcante era de mudanças, caracterizada pelo aumento da acessibilidade e democratização da informação.

Diversos setores sofrerão os impactos da nova tecnologia, principalmente no Brasil, que graças ao seu vasto mercado e ecossistema de inovação em desenvolvimento engloba as condições necessárias para se posicionar como uma potência em IA. Os efeitos da implementação desse mecanismo no setor jurídico evidencia as transformações provocadas pela tecnologia e suas implicações futuras no ambiente legal.

A análise a seguir abordará o uso da IA no ecossistema jurídico, explorando o desenvolvimento e as aplicações práticas dessas tecnologias no Brasil.

A IA como Ferramenta de Ampliação da Capacidade Analítica e Decisória.
Desde a criação da inteligência artificial, há uma crescente preocupação no debate público, com a potencial substituição dos seres humanos por máquinas. Este tema se estende por diversos setores, incluindo o campo do Direito, onde a IA promete transformar radicalmente as práticas e estruturas tradicionais. À medida em que a tecnologia evolui, ela oferece a capacidade de automatizar tarefas complexas e realizar análises de dados em uma escala que desafia a capacidade humana, suscitando tanto oportunidades quanto desafios significativos.

Um estudo realizado pelo Goldman Sachs em 2023 estima que a IA generativa poderá substituir, até um quarto dos empregos atuais, em uma escala global impactando cerca de 300 milhões de pessoas. Os setores mais afetados incluem trabalhos administrativos e de escritório, profissionais da área de Direito, arquitetura e engenharia.

Conforme descrito anteriormente, o relatório em questão destaca, por meio do gráfico abaixo a tendência observada nos dados analisados.

Percentagem de emprego na indústria exposta à automação por IA: USA

Fonte: Goldman Sachs

Os setores de “Office and Administrative Support” e “Legal” serão os mais afetados, apresentando índices significativamente mais altos que outros setores.

Com base no estudo do Goldman Sachs, os economistas apresentaram uma projeção específica para o Brasil: estima-se que 25% da força de trabalho brasileira poderia ser substituída por automações de IA, uma proporção que supera a média global. Esta tendência é acompanhada por países como China, Índia e México.

À medida em que inteligência artificial avança, o campo do Direito enfrenta uma transformação semelhante à disputa “Táxi x Uber”. Advogados que resistirem às novas tecnologias e tendências correm o risco de obsolescência, de forma que a adaptação é crucial para evitar ficar para trás no dinâmico ambiente jurídico atual.

O surgimento exponencial das empresas Tech jurídicas e a redefinição do panorama nacional
O Brasil se destaca como um dos principais mercados globais de empresas que desenvolvem serviços tecnológicos voltados para o mercado jurídico impulsionado pela alta demanda de advogados e pelo volume de processos judiciais em um sistema legal complexo. Desde 1995, o número de cursos de Direito aumentou de 235 para quase 1.900, um aumento de mais de 700%. Com mais de 1,3 milhões de advogados, o Brasil possui a maior proporção de advogados por habitante no mundo, com um advogado para cada 164 habitantes. A existência de mais de 80 milhões de processos judiciais em curso cria um ambiente propício para o treinamento de inteligência artificial, onde a abundância de dados contribui para a precisão dos algoritmos. Este cenário único posiciona o Brasil de forma vantajosa no panorama mundial de tecnologia jurídica.

A evolução tecnológica acelerada e o grande surgimento de empresas do setor levaram a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), uma associação sem fins lucrativos fundada em 2017, a realizar uma separação na classificação dessas empresas entre LawTechs e LegalTechs. As LawTechs são empresas que oferecem soluções para facilitar ações relacionadas ao universo das leis, criando produtos e serviços que abordam problemas específicos. Um exemplo são as empresas que oferecem análise e compilação de dados (analytics). As LegalTechs, por sua vez, se concentram nos operadores do Direito, buscando melhorar a produtividade de advogados, escritórios de advocacia e outros agentes envolvidos no sistema jurídico. Como exemplo, podemos citar empresas que agilizam a gestão e automatização de contratos e sistemas ERP (Enterprise Resource Planning ou sistemas de gestão integrado) para escritórios de advocacia.

As empresas que prestam serviços para o setor jurídico são projetadas para assegurar a privacidade dos dados utilizados, oferecendo uma segurança e especialização superiores em comparação com as Inteligências Artificiais Generativas, como o ChatGPT e o Gemini. Essas tecnologias são essenciais para atender necessidades específicas do mercado, como a criação de petições ou análise de documentos especializados, por exemplo.

Muitas pessoas acreditavam que o surgimento dessas empresas era uma ‘moda passageira’ e, que o advogado era insubstituível na tarefa. A pandemia nos mostrou justamente o contrário. Sem as Legaltechs e as Lawtechs, seria difícil manter o funcionamento eficiente da justiça brasileira, bem como dos escritórios de advocacia, departamentos jurídicos e tribunais. Essas tecnologias têm sido fundamentais para sustentar e melhorar as operações jurídicas no país. As empresas passaram a coexistir com os advogados e proporcionaram um aumento de produtividade e facilidade para todos os agentes da rede.

De acordo com a AB2L, o setor tem mostrado um crescimento robusto. Inicialmente, a organização contava com apenas 20 membros entre Lawtechs e Legaltechs, mas hoje reúne mais de 600 empresas, escritórios, departamentos jurídicos e profissionais autônomos.
Utilização da Inteligência Artificial no Setor Jurídico Global
No setor jurídico, as IAs podem ser utilizadas para análises rápidas, criando resumos e auxiliando na elaboração de documentos, petições e argumentos jurídicos. Esse processo não apenas economiza tempo, como também introduz uma precisão técnica que necessita de menor intervenção humana posteriormente. As ferramentas de IA são especialmente valorizadas por sua capacidade de oferecer sugestões baseadas em dados e direcionamentos específicos.

A IA tem sido amplamente utilizada pelos advogados através da jurimetria, que é a estatística aplicada ao direito. Essa ferramenta auxilia os profissionais a entenderem melhor as tendências e padrões em processos judiciais através da análise de dados, como, por exemplo, o histórico de decisões de um juiz sobre determinado assunto. A estatística aplicada à predição de sentenças possibilita a elaboração de petições mais assertivas e direcionadas, aumentando as chances de sucesso. Essas plataformas permitem que advogados e juristas obtenham “insights” valiosos sobre o tempo de espera de um processo judicial e outros aspectos processuais, melhorando a previsão de resultados e otimizando a gestão de casos.

A implementação de IA no Direito também envolve desafios significativos, especialmente em relação à confiabilidade e segurança dos dados. A integração de novas tecnologias exige uma infraestrutura robusta e um design cuidadoso para garantir que os dados sejam manuseados de forma segura e que as sugestões das IAs sejam precisas e úteis. Existe uma grande discussão sobre a aplicação de IA no Direito, em que muitas vezes inclui um debate sobre o equilíbrio entre inovação tecnológica e a necessidade de manter a integridade e a confidencialidade das informações jurídicas.

A IA está redefinindo o papel do profissional jurídico, assim como a estrutura do setor público legal. Com a automação de tarefas rotineiras e a introdução de sistemas que podem analisar e gerir dados de forma mais eficiente, tanto escritórios de advocacia quanto tribunais estão passando por uma transformação nos seus processos internos.

A execução das atividades jurídicas é mais rápida e uniforme, reduzindo o viés humano e melhorando a consistência das operações jurídicas. Esta evolução não só beneficia grandes escritórios com alto volume de trabalho, mas também estende suas vantagens aos pequenos escritórios, aumentando a eficiência do setor como um todo.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, falou a jornalistas em maio de 2024 que, atualmente, o STF utiliza a inteligência artificial para agrupar processos por temas para verificar se os recursos abordam questões que já foram consolidadas em tema de repercussão geral, e, portanto, não devem subir para a Corte.

Em entrevista, o ministro mencionou sua expectativa de, no futuro, aprofundar o uso de IA na identificação e no respeito a precedentes vinculantes no STF. Além disso, pretende utilizar os sistemas que resumem processos com qualidade, mas sempre sob a supervisão de um magistrado. Abaixo, uma passagem da sua conversa com os jornalistas sobre a sua visão da utilização da inteligência artificial:

“Em um futuro não muito distante, pelo menos a primeira minuta de uma decisão judicial será feita pela inteligência artificial. Até porque a inteligência artificial tem mais capacidade de processar informações. Ou seja, o faz em maior volume e em maior velocidade. E temos de nos beneficiar disso. Portanto, não devemos temer o progresso. Apenas ter certeza de que conseguimos canalizá-lo para uma trilha ética”, avaliou Barroso.

A REGULAMENTAÇÃO E O DESAFIO ÉTICO NO USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO

Atualmente, existem duas grandes abordagens em relação à regulamentação da IA: os Estados Unidos e a Inglaterra adotam uma postura mais pragmática, focando em normativas relacionadas à segurança nacional que possam mitigar danos ao país. Por outro lado, a União Europeia está desenvolvendo leis para regular a Inteligência Artificial com base em diferentes níveis de risco, o que implica em mais ou menos regulamentação conforme o potencial de impacto da tecnologia. O grande desafio da ampla regulamentação proposta pela UE, que está sendo discutida de forma semelhante em projetos de lei no Brasil, é conseguir abarcar a utilização de IA, uma vez que a tecnologia não está necessariamente embutida em um produto ou serviço específico.

Uma sugestão é a criação de regulamentações específicas a partir de problemas concretos, evitando, assim, a abrangência excessiva que pode dar margem a interpretações variadas.

Podemos tomar como exemplo o Rio de Janeiro, que já utiliza a inteligência artificial com reconhecimento facial na segurança pública, podendo servir de base para a criação de uma regulamentação nacional específica para identificação de pessoas com imagens utilizando IA.

No cenário global, a importância recai sobre os debates em torno dos marcos regulatórios da IA. O maior desafio desses marcos é permitir a evolução da tecnologia sem restringi-la com um excesso de normativas, como as de proteção de dados (LGPD).

O grande desafio ético na criação das Inteligências Artificiais, que emulam o comportamento humano e a capacidade de raciocínio, está em garantir que elas recebam uma quantidade significativa de dados, analisem esses dados, extraiam “inputs” e incorporem valores morais e éticos sem discriminação ou vieses. Os algoritmos precisam ser frequentemente revisados para evitar vícios e falhas que possam resultar em julgamentos errôneos. Será necessário criar uma forma de coexistência entre a tecnologia emergente e os direitos já consagrados em nosso sistema.

MOVIMENTOS RECENTES DE M&A DO SETOR

A integração da IA nas Lawtechs e Legaltechs que representam o domínio de transações, é um testemunho do potencial transformador da tecnologia no setor.

Empresas como a Vela Software e a Softplan, por exemplo, têm expandido suas operações através de aquisições estratégicas que não só ampliam seu alcance no mercado, mas também incorporam capacidades avançadas da IA que podem oferecer soluções mais eficientes para desafios legais. Estas movimentações indicam uma clara tendência de que a IA está se tornando uma parte integrante e crucial da infraestrutura tecnológica no ambiente legal.

Além disso, transações como a aquisição recente da Lexion pela Docusing nos Estados Unidos evidenciam uma tendência global de valorização da IA na gestão de contratos e na análise de grandes volumes de dados legais. Embora essa transação seja internacional, ela tem implicações para o mercado brasileiro, indicando como as práticas internacionais podem influenciar e acelerar a adoção da IA no Brasil.

Ao integrar a tecnologia de IA, as empresas não apenas buscam eficiência, mas também configuram uma nova era de prática jurídica caracterizada pela precisão e pela capacidade de responder dinamicamente às necessidades legais complexas.

Veja algumas das transações mais relevantes:

Transações majoritária no Brasil

As transações destacadas acima não apenas refletem a consolidação em curso no mercado, mas também revelam as estratégias das empresas líderes para expandir suas capacidades e alcançar novos mercados.

• 2024: Dura Software adquiriu a Promad/Publicações Online, conforme detalhado no site da Promad, marcando um avanço significativo na oferta de soluções digitais para advogados.

• 2022: Em uma transação notável, a LawFinder comprou a Future Law, com foco na expansão de serviços jurídicos no metaverso, como informado pela BizNews.

• 2022: A Vela Software adquiriu a LD Software, ampliando seu portfólio de soluções tecnológicas para o setor jurídico, detalhado no IT Forum.

• 2022: Softplan fortaleceu sua posição no mercado ao adquirir Projuris, visando expandir seu portfólio com a inclusão da Projuris, que é especializada em soluções jurídicas.

As movimentações de M&A no setor jurídico refletem um compromisso mais amplo com a inovação tecnológica e preparam o terreno para um futuro em que a IA será uma ferramenta fundamental no direito.

Conclusão
Em direção a um futuro em que a inteligência artificial se torna cada vez mais fundamental na esfera jurídica, não apenas como um instrumento facilitador, mas também como um elemento transformador, com capacidade de analisar dados em escala e otimizar processos, a IA tem o potencial de redefinir as normas e a prática legal. Contudo, essas mudanças trazem consigo desafios éticos e regulatórios significativos que exigem atenção cuidadosa para garantir que os benefícios da tecnologia sejam maximizados sem comprometer a equidade e a justiça.

Walter Longo, renomado estrategista e visionário no campo da comunicação e da tecnologia e Sócio-Diretor na Unimark Comunicação, em sua abordagem sobre a IA, sugere que a verdadeira sabedoria no uso da tecnologia não reside em substituir o humano, mas em complementar suas capacidades e suprir suas limitações. Isso é iminente no âmbito do direito, em que a precisão e a imparcialidade são fundamentais. Assim, ao incorporar IA no Direito, devemos nos esforçar para que ela funcione como um amplificador das qualidades humanas, e não como uma substituta.

Portanto, o caminho a seguir com a IA no Direito é marcado pela necessidade de uma governança ética e uma vigilância regulatória que alinhe a inovação tecnológica com os princípios fundamentais da justiça. Somente por meio de uma integração cuidadosa que considera tanto as capacidades tecnológicas quanto as implicações morais poderemos efetivamente lidar com os desafios da nova era jurídica.

TRT/RS repudia ato de desrespeito do desembargador Luiz Alberto Vargas ao direito de preferência da advogada gestante

A Lei 13.363/2016 é cristalina ao determinar:

“São direitos da advogada:

I – gestante:
III – gestante, lactante, adotante ou que der à luz, preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição;”


O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região manifesta que o ato do presidente da 8ª Turma, ocorrido em sessão de julgamento em 27/06/2024, no qual indeferiu o pedido de preferência da advogada gestante, não representa o posicionamento institucional do Tribunal.

A Administração do TRT-4 destaca que o Tribunal é referência nacional em políticas de gênero, pioneiro na implementação de uma Política de Equidade e de ações afirmativas voltadas à inclusão das mulheres e à promoção da igualdade.

Reafirma seu compromisso com o combate à discriminação e prestígio aos direitos das mulheres e salienta que a preferência das gestantes na ordem das sustentações orais é direito legalmente previsto (art. 7-A, III, da Lei 8.906/1994), devendo ser sempre respeitado, além de observado enquanto política judiciária com perspectiva de gênero.

Esta é a política de gênero institucional do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: observância a todos os direitos previstos em lei voltados à advogada.

TJ/MG: Intimação de Sociedade de Advogados no PJe – pioneirismo e inovação

Nova funcionalidade amplia agilidade, eficiência e transparência na gestão de processos judiciais.


O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acaba de lançar, de maneira pioneira entre os tribunais no país, a funcionalidade no PJe, sistema de processo eletrônico mais utilizado no país, que permite a intimação de Sociedade de Advogados.

A previsão desse tipo de intimação consta da legislação desde 2015, com a edição no CPC. Em outubro de 2022, o TJMG já havia lançado o Sistema de Intimação para Sociedades de Advogados no JPe (Sistema de Processo Judicial Eletrônico da 2ª instância), tornando-se também o primeiro tribunal no Brasil a implementar tal solução. A iniciativa representou um marco para o Poder Judiciário nacional, trazendo inúmeros benefícios e melhorias na administração da justiça.

A previsão é de que a implantação desta solução no Processo Judicial Eletrônico (PJe) ocorra a partir de 1º de julho, ampliando ainda mais os benefícios já observados.

O presidente do TJMG, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, enfatizou os benefícios trazidos por mais esta inovação. “A intimação de sociedade de advogados em sistemas eletrônicos é uma pauta da advocacia e, portanto, da própria sociedade por ela representada. Isso é uma prova do nosso esforço contínuo para melhorar os serviços prestados e garantir uma justiça mais ágil e acessível para todos”, disse.

Agilidade

O novo sistema permite que advogados afiliados a um escritório ou sociedade de advocacia recebam intimações diretamente através do PJe, eliminando a necessidade de alterações nas procurações junto ao TJMG em casos de falecimento ou desligamento de profissionais. Isso resulta em maior agilidade, eficiência e transparência, proporcionando uma gestão mais fluida dos processos judiciais.

Para o superintendente de Tecnologia da Informação do TJMG, desembargador André Leite Praça, a iniciativa reflete os esforços para o desenvolvimento tecnológico contínuo no TJMG. “Trata-se de um pleito antigo, previsto pelo CPC de 2015, e que somente agora foi possível de ser implementado no PJe, graças ao esforço da equipe da Diretoria de Informática (Dirfor)”, afirmou.

O juiz auxiliar da Presidência, Rodrigo Martins Faria, ressalta a importância da transparência e da acessibilidade. “A nossa missão é garantir que todos os advogados, independentemente do porte de seus escritórios, tenham acesso facilitado às intimações. Este sistema representa um passo importante nesse sentido, promovendo maior igualdade e eficiência”, afirmou.

Com a iniciativa, segundo ele, o TJMG reafirma também seu compromisso com a inovação e a melhoria contínua dos serviços judiciais, solidificando sua posição como líder em tecnologia e eficiência no âmbito do Judiciário brasileiro.

TJ/MA: Empresa aérea que atrasou voo por causa de mau tempo não deve indenizar passageira

O Poder Judiciário julgou improcedente o pedido de indenização de uma passageira, que reclamou do atraso de um voo, o que teria resultado na perda de uma conexão. Na ação, a empresa aérea alegou que o voo atrasou por causa das condições climáticas desfavoráveis. Conforme os fatos narrados na ação judicial, que teve como parte demandada a Latam Linhas Aéreas, a autora sustentou que adquiriu passagem aérea junto à parte requerida, com origem em Belo Horizonte, com conexão no Aeroporto Internacional de São Paulo, em direção ao Aeroporto de São Luís, com horário de desembarque previsto para as 01h55min de 27 de outubro de 2023.

Todavia, ela alegou que o voo entre Belo Horizonte e São Paulo sofreu atraso de uma hora, razão pela qual perdeu a sua conexão. Diante disso, requereu na justiça uma indenização por danos morais e pelo desvio produtivo do consumidor. Em contestação, a empresa aérea ressaltou que o atraso no voo decorreu das condições climáticas desfavoráveis. Diante disso, requereu a improcedência da ação. O Judiciário realizou uma audiência de conciliação, mas as partes não chegaram a um acordo.

Ao analisar o processo, o juiz Licar Pereira verificou que o caso deve ser resolvido à luz do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a parte autora e a requerida enquadram-se, respectivamente, aos conceitos de consumidor e fornecedor. “Pela profunda análise dos fatos, nota-se que houve um atraso no voo de Belo Horizonte a São Paulo (…) Contudo, a demandada conseguiu demonstrar justo motivo para o atraso no voo inicial, haja vista que anexou à contestação boletins técnicos, pertinentes e ilustrativos das condições climáticas do dia do voo”, pontuou o juiz na sentença, frisando que ficou comprovado que o clima encontrava-se fortemente nublado.

“Nesta hipótese, a parte requerida cumpriu o seu dever de responsabilidade e permitiu a decolagem apenas quando as condições o indicavam, sobretudo em face do risco atinente ao transporte aéreo de múltiplas pessoas (…) Além disso, a empresa requerida realocou a parte autora em outro voo, ainda que fora do horário desejado, além de ter oferecido ‘vouchers’ para alimentação, o que demonstra a devida prestação de assistência ao consumidor”, finalizou, decidindo pela improcedência dos pedidos.

STJ revisa tese sobre tarifa de água e esgoto em condomínios com hidrômetro único

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revisou a tese fixada em 2010 no Tema 414 dos recursos repetitivos, relativa à forma de cálculo da tarifa de água e esgoto em condomínios com hidrômetro único.

Foram estabelecidas as seguintes teses:

1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.

2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).

3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.

Tese anterior não estabilizou relação entre concessionárias e condomínios
Em 2010, ao julgar o Tema 414, o STJ definiu que não seria lícita a cobrança de tarifa no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, devendo a cobrança ser feita pelo consumo real aferido. O relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, comentou que essa tese não foi suficiente para estabilizar as relações entre as concessionárias e os condomínios, o que motivou o tribunal a revisar o assunto, inclusive convocando uma audiência pública.

Leia também: Entidades debatem tarifa de água em condomínios com hidrômetro único à luz da revisão do Tema 414

Segundo o ministro, o modelo de prestação do serviço foi legalmente estruturado para que a tarifa tenha uma parcela fixa, concebida como uma franquia de consumo e que remunera a prestadora pelo serviço essencial colocado à disposição do consumidor; e uma parcela variável, cobrada de acordo com o consumo real aferido pelo medidor que exceda à franquia legalmente estabelecida.

Para Paulo Sérgio Domingues, a metodologia do consumo real global – na qual o condomínio é considerado uma única unidade de consumo – e a do consumo real fracionado – modelo híbrido – não atendem aos fatores e às diretrizes de estruturação da tarifa previstos nos artigos 29 e 30 da Lei 11.445/2007, criando assimetrias no modelo legal de regulação da prestação dos serviços.

Na avaliação do ministro, devem ser superados os fundamentos anteriormente adotados no Tema 414, contrários à metodologia do consumo individual franqueado, a qual encontra forte amparo legal.

“Esse modelo de tarifação coloca em plano de igualdade todos os usuários dos serviços de saneamento, sejam eles consumidores individuais, condomínios dotados de múltiplos medidores de consumo, ou condomínios equipados com um único hidrômetro, cobrando-se de todos, pelos custos de disponibilização dos serviços, uma mesma contraprestação (a parcela fixa da tarifa, equivalente a uma franquia de consumo), a fim de assegurar às prestadoras receitas recorrentes necessárias aos ganhos de qualidade e eficiência que, ao fim e ao cabo, repercutirão em termos de menores acréscimos tarifários para todos os usuários”, concluiu.

Modulação dos efeitos da decisão
O colegiado acompanhou a modulação dos efeitos do julgamento proposta pelo relator, de modo a considerar lícito às concessionárias modificar o método de cálculo da tarifa nos casos em que, por conta de ação revisional ajuizada por condomínio, esteja sendo adotado o “modelo híbrido”. No entanto, não poderão ser cobradas dos condomínios quaisquer diferenças decorrentes da adoção do “modelo híbrido”.

O relator observou que, nos casos em que a prestadora tenha calculado a tarifa devida pelos condomínios com medidor único tomando-os como um único usuário (uma economia apenas), há o dever de modificar o método de cálculo da tarifa. Para o ministro, entretanto, mantém-se o direito de o condomínio ser ressarcido pelos valores pagos a mais, podendo essa restituição ser feita por meio de compensação nas parcelas vincendas da própria tarifa devida.

Nessa hipótese, ponderou Domingues, deve ser afastado o pagamento em dobro previsto no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em razão da dinâmica da evolução jurisprudencial.

Veja o acórdão.
Processos: REsp 1937887; REsp 1166561 e REsp 1937891

TRF4: Motorista que teve veículo removido indevidamente obtém ressarcimento e indenização por danos morais

A 1ª Vara Federal de Erechim (RS) condenou a União à restituição de R$ 811,37 e mais R$ 5 mil por danos morais a um morador de Palmeira das Missões (RS) que teve seu automóvel indevidamente retido pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). A sentença, publicada em 21/06, é do juiz Joel Luis Borsuk.

O homem ingressou com ação contra a União narrando estar trafegando com sua família na BR-386, em agosto de 2023, quando foi abordado por policiais no município de Sarandi (RS). Ele foi autuado por estar com o licenciamento de seu veículo vencido. Narrou ter tido o seu automóvel removido, mesmo tendo efetuado o pagamento do licenciamento minutos após a abordagem, o que gerou despesas com guincho e estadia no pátio do depósito do Detran/RS. O autor requereu o reembolso das despesas contraídas e mais R$ 20 mil como indenização por danos morais.

A União contestou, argumentando que não houve atividade ilícita por parte da PRF, e, portanto, a inexistência de danos materiais e morais.

Ao analisar o caso, o juiz observou que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece que a remoção de veículo é uma medida administrativa que não pode ser tomada caso a irregularidade seja resolvida no local da infração. Dessa forma, Borsuk verificou que o motorista realizou o pagamento do licenciamento logo após a abordagem, o que deveria ter impedido a retenção de seu carro. Segundo documentos anexados ao processo, a autuação ocorreu às 11h12 da manhã de uma sexta-feira. Seis minutos depois, às 11h18, o pagamento do licenciamento foi confirmado.

“Da narrativa dos fatos e pelos documentos e provas coligidos aos autos, é possível concluir que a irregularidade constatada no momento da abordagem (veículo sem licenciamento) foi efetivamente sanada antes mesmo de o veículo ser removido para o depósito. Portanto, não foi observada a norma extraída do Código de Trânsito Brasileiro e também da legislação do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez que, mesmo sanada a irregularidade, a medida administrativa de remoção foi aplicada”, destacou.

Em seu depoimento, o motorista afirmou que houve um intervalo de 40 minutos entre a abordagem e a entrega das chaves do carro, porque o demandante se ausentou da unidade da PRF para chamar por transporte para a sua família – ele estava em companhia de sua esposa e de dois filhos menores.

Considerando todo o contexto do episódio, o juiz concluiu que o dano moral causado ao autor extrapola os “incômodos e aborrecimentos próprios do cotidiano, plenamente superáveis pelo ser humano”, uma vez que causou constrangimento à família do autor e que teve seu veículo indevidamente removido para outro município, sem poder utilizá-lo por três dias. Por outro lado, o tratamento hostil dos policiais da abordagem que o autor mencionou ter recebido não foram comprovados.

Borsuk julgou procedente os pedidos condenando a União ao reembolso dos custos relacionados à remoção do veículo – avaliados em R$ 811,37 – e mais R$ 5 mil como indenização por danos morais. Cabe recurso ao TRF4.

TJ/RN: Servidora municipal garante 60 dias a mais de licença-maternidade

À unanimidade de votos, os desembargadores da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça mantiveram sentença da 4ª Vara da Fazenda Pública de Natal que concedeu Mandado de Segurança impetrado por uma servidora municipal contra suposto ato cometido pela Secretária Municipal de Saúde, determinando que esta assegure a prorrogação da licença maternidade pelo prazo de 60 dias.

Na ação judicial, a servidora denunciou suposta violação ao direito líquido e certo levado a efeito por meio de indeferimento da Secretária Municipal de Saúde de um requerimento administrativo para prorrogar o período de licença-maternidade por mais 60 dias, além dos 120 dias já assegurados.

Ela contou ser servidora pública municipal, no cargo de nutricionista, e após o nascimento do seu filho, solicitou licença-maternidade por 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, mas o pedido foi indeferido, sob alegação de que deve ser feito no primeiro mês após o nascimento do filho. Disse que não existe prazo específico e vai de acordo com a necessidade biológica de cada pessoa.

A relatora do processo na segunda instância, a juíza convocada Martha Danyelle Barbosa, observou que a servidora pública municipal, durante o usufruto da licença maternidade em decorrência do nascimento do seu filho (no início de junho de 2023), protocolou requerimento administrativo, em um dia após o parto, pedindo pela necessidade de renovação do benefício por mais 60 dias, com respaldo na declaração médica anexada naqueles autos.

Todavia, a magistrada verificou que o pleito da servidora foi negado pela Administração Pública Municipal tão somente com fundamento em óbice temporal, sob a alegação de que o requerimento foi realizado intempestivamente.

Direito consagrado na Constituição
Entretanto, ela verificou que “não se trata de um prazo peremptório que poderia justificar a rejeição do pedido, mas sim de uma simples irregularidade, conforme bem observado pelo julgador sentenciante, que não deve prevalecer sobre o direito – consagrado constitucionalmente – da gestante e de seus filhos de conviverem em tempo integral para garantir a saúde física e mental de ambos”.

Além disso, a juíza salientou que a Constituição Federal assegura a proteção à maternidade e à infância como direitos sociais fundamentais e a prioridade absoluta dos direitos das crianças, destacando-se, neste caso, o direito à vida e à convivência familiar, estabelecendo um regime especial para proteger esses direitos.

“Portanto, se não houver prejuízo ao serviço público, que, ressalte-se, não foi alegado no processo administrativo, a sentença deve ser confirmada em reexame necessário”, decidiu Martha Danyelle, garantindo o direito da servidora de ter mais 60 dias de licença-maternidade que foi inicialmente negada pela Administração Pública.

TJ/RN: Justiça determina que Estado compre e forneça insulina para paciente com Diabetes Mellitus

A juíza Aline Daniele Lucas, da 1ª Vara da Comarca de Assú, determinou que o Estado do Rio Grande do Norte realize, no prazo de cinco dias úteis, a compra e o fornecimento do medicamento Insulina Glargina (Basaglar), bem como os insumos necessários à sua aplicação, na quantidade prescrita pelo médico, a uma paciente com Diabetes Mellitus.

Conforme exposto nos autos do processo, a paciente, representada por sua mãe, é portadora de Diabetes Mellitus tipo 1 insulinodependente (CID 10 E-13), e possui sintomas como excesso de urina (poliúria), desnutrição e descontrole da glicemia.

Nesse sentido, conforme prescrição médica apresentada pela autora, para controlar a doença e evitar maiores danos à saúde, é necessário o uso dos medicamentos insulina Basaglat e Fiasp, bem como insumos para a aplicação, que são de alto custo. A autora relata também, que a medicação referida não é fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de maneira regular.

Além disso, requereu, no processo, que lhe fosse fornecido o sensor de monitoramento contínuo da glicose, alegando que contribuiria na prevenção de crises de hipoglicemia e hiperglicemia constantes que sofre a paciente, prejudicada diariamente, e evitaria furar dos dedos da criança no mínimo dez vezes ao dia.

Decisão
O caso foi analisado sob a Constituição Federal, em seu artigo 196, o qual diz que a saúde é “o direito de todos e dever do Estado que deverá ser garantido através de políticas públicas que possibilitem o acesso universal e igualitário às ações e serviços”.

De acordo com a juíza Aline Daniele Lucas, os motivos apresentados pela autora são considerados, em uma primeira análise, convincentes e são representados de forma documental, conforme laudo médico e declaração que atestam a ausência do medicamento na rede pública de saúde.

A magistrada ressalta, ainda, que “figura-se plausível em face da concreta situação real pela qual passa a autora, cuja demora na compra do medicamento pode acarretar-lhe graves prejuízos à sua saúde ou custar-lhe a própria vida”. E nos dizeres do profissional médico, a doença pode evoluir para cirrose hepática.

STF cassa decisão de juiz que condenou União a indenizar ex-deputado por bloqueio de redes sociais

Ministro Alexandre de Moraes verificou que houve invasão da competência do Supremo e interferência nos trabalhos da Corte no Inquérito 4781.


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou decisão do juiz José Jácomo Gimenes, da 1ª Vara Federal de Maringá (PR), que havia condenado a União a indenizar o ex-deputado estadual Homero Marchese em R$ 20 mil em razão do bloqueio de suas contas nas redes sociais determinado pelo Supremo no inquérito das Fake News (INQ 4781).

Em decisão proferida na Reclamação (RCL) 69263, apresentada pela União, o ministro Alexandre frisou que o juiz invadiu a competência do STF ao processar e julgar um pedido que pode interferir na condução da investigação na Corte. O inquérito apura difusão de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e falsas comunicações de crime contra a integridade, a segurança e a honorabilidade do Supremo.

Segundo o ministro, ao qualificar e julgar deliberações que competem exclusivamente ao STF, no âmbito de inquérito em curso, o juízo de primeira instância “desafia, não só a competência deste Tribunal, como também o modo de condução de processo que tramita na Corte”. Essa circunstância “acarreta, inclusive, inequívoco prejuízo às investigações em curso”.

Além de cassar a decisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou a extinção do processo e o envio dos autos para o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, para adoção de providências cabíveis contra o juiz de primeira instância.

Veja a decisão.
RECLAMAÇÃO 69.263 PR

TST: Carregadores autônomos da Ceagesp devem ser enquadrados como trabalhadores avulsos não portuários

Como a decisão afeta 3.500 trabalhadores e envolve questões estruturais, a 2ª Turma decidiu que haverá um regime de transição para o cumprimento integral da lei.


A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho tomou uma decisão paradigmática sobre a situação dos carregadores autônomos na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Segundo o colegiado, os movimentadores de carga contratados nos entrepostos da Ceagesp (conhecidos como “chapas”) devem ser classificados como trabalhadores avulsos urbanos não portuários e, com isso, passarão a ter organização, formalização e proteção trabalhista e previdenciária.

Contudo, por se tratar de um problema que afeta cerca de 3.500 trabalhadores, a medida deve se dar segundo a lógica de um processo estrutural, mediante um regime de transição flexível, a ser definido em cooperação entre as partes envolvidas e o Judiciário.

MPT apontou irregularidades nas condições de trabalho
Em 2015, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou uma ação civil pública contra a Ceagesp e o Sindicato dos Carregadores Autônomos de Hortifrutigranjeiros e Pescados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo (Sindicar) para que os trabalhadores fossem enquadrados na Lei 12.023/2009, que trata das atividades de movimentação de mercadorias e sobre o trabalho avulso fora das áreas portuárias.

Segundo o MPT, os cerca de 3.500 carregadores autônomos são regidos por uma norma interna da Ceagesp, que prevê, mesmo sem haver exigência de filiação ao sindicato, realização de cadastro e pagamento mensal de R$ 20 por trabalhador e de R$ 20 anuais para a companhia. Do contrário, não poderiam trabalhar.

A contratação é feita diretamente pelos compradores das mercadorias, sem a intermediação do sindicato. “Tal qual no trabalho escravo, os carregadores são obrigados a pagar pela utilização dos instrumentos de trabalho e a suportar o trabalho informal e inseguro, sem os registros exigidos por lei, sem divisão isonômica da demanda de serviços, sem meio ambiente sadio e sem seguridade social”, sustentou.

Ceagesp e sindicato negam responsabilidade
Em sua defesa, a Ceagesp sustentou que a Lei 12.023/2009 não incluiria os chapas, e, na falta de lei específica, a atividade era regulada por normativo interno. Argumentou, ainda, que não tinha responsabilidade por esses trabalhadores, pois não era a tomadora de serviço nem o sindicato da categoria.

No mesmo sentido, o Sindicar alegou que os carregadores atuavam de forma autônoma, “exercendo o direito à livre concorrência, forma de trabalho que optaram por entenderem ser a mais benéfica”, e que não é responsável pela contratação dos movimentadores nem por suas condições de trabalho.

Lei garantiu proteção
O Juízo da 7ª Vara do Trabalho de São Paulo entendeu que a Lei 12.023/2009 era aplicável aos “chapas” da Ceagesp. De acordo com a sentença, a norma foi um marco para a categoria, que até então trabalhava sem nenhuma formalidade, retirando-a da marginalidade e da desproteção social, pois o trabalho avulso era regulamentado apenas no âmbito dos portos. Para o juiz, as condições em que o trabalho era desenvolvido – em ambiente com exposição à saúde e à integridade física do trabalhador e riscos permanentes, com relatos de acidentes e mortes, inclusive por carregamento de peso excessivo – tornam a formalização e a proteção legal ainda mais necessária.

Com isso, a Ceagesp e o Sindicar foram condenados a cumprir uma série de obrigações baseadas na lei, sob pena de multa em caso de descumprimento, e a pagar R$ 300 mil a título de dano moral coletivo.

Para TRT , lei não se aplica ao caso
Contudo, ao julgar recurso da Ceagesp, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) afastou a aplicação da Lei 12.023/2009. Para marcar a diferença entre avulsos e autônomos, o TRT enfatizou que os carregadores autônomos não atuam apenas na movimentação de mercadorias, mas também na venda de mercadorias, na cobrança e em pagamentos. Ainda segundo a decisão, eles não teriam interesse na prestação de serviços como avulsos, pois passariam a receber apenas pela carga e descarga de mercadorias.

Atividades têm a mesma essência
A relatora do recurso de revista do MPT, ministra Maria Helena Mallmann, observou que, até a edição da Lei 12.023/2009, apenas os trabalhadores avulsos que atuavam em portos contavam com a proteção da lei (no caso, a Lei 8.630/1993, antiga Lei dos Portos). A nova norma buscou proteger trabalhadores sem vínculo empregatício e sem proteção trabalhista que atuam na movimentação de mercadorias fora da área portuária.

Para ela, o fato de os carregadores autônomos da Ceagesp também participarem da comercialização de mercadorias não altera a essência de suas funções. “O eventual exercício – em concomitância – de atividade de venda de produtos em favor de permissionários dos entrepostos não desnatura a atividade de movimentação de mercadorias. Na verdade, apenas indica que esses carregadores podem pactuar contratos anexos à atividade de movimentação”, assinalou. Por isso, eles devem receber o mesmo tratamento dos trabalhadores avulsos urbanos não portuários.

Questão estrutural exige solução dinâmica
Em seu voto, a ministra destacou que a ação trata de um problema estrutural no tratamento jurídico dos carregadores autônomos da Ceagesp que afeta cerca de 3.500 trabalhadores. Essa situação de desconformidade estrutural, segundo ela, exige uma solução ajustada e dinâmica, que não pode ser alcançada com uma única decisão judicial que simplesmente reconheça direitos e imponha obrigações.

Para a ministra, uma atuação judicial efetiva requer uma reestruturação sistêmica que trate da raiz do problema. Isso significa que a plena aplicação da Lei 12.023/2009 aos carregadores autônomos da Ceagesp deve ser alcançada por meio de um processo flexível, negociado entre os atores sociais e o Judiciário, com um regime de transição e atenção às consequências das decisões tomadas.

Seguindo o voto da relatora, a Segunda Turma restabeleceu a sentença, incluindo as obrigações definidas para corrigir a situação de desconformidade. No entanto, a mudança deve seguir um regime de transição flexível para a aplicação plena da lei, a ser definido em colaboração entre as partes envolvidas e o juiz. A condenação solidária ao pagamento de indenização por dano moral coletivo também foi restabelecida.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: RRAg-1142-17.2015.5.02.0007


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