TJ/SC: Sites de comércio eletrônico são proibidos de vender fitoterápicos sabidamente ilegais

Ao contrário das redes sociais, os sites de comércio eletrônico têm ampla capacidade técnica para implementar filtros que impeçam a comercialização de produtos proibidos por lei, e por isso não estão contemplados pelo artigo 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Também são, portanto, responsáveis pela comercialização de produtos sabidamente ilegais e devem retirar tais anúncios de suas plataformas.

Foi o que decidiu a 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), ao julgar apelos de duas grandes empresas de comércio eletrônico do país. No caso em questão, elas foram denunciadas pelo Ministério Público (MP) pela exposição à venda em seus canais dos chamados “falsos fitoterápicos”, produtos que contêm substâncias de uso controlado, tais como sibutramina, fluoxetina, clobenzorex, bupropiona e diazepam. Tal informação, no entanto, é sonegada nos rótulos de suas embalagens.

Na 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital, as duas empresas foram sentenciadas a implementar ferramentas para identificar de imediato a exposição à venda dos produtos elencados na ação do MP em 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, bem como obrigadas a remover qualquer conteúdo de publicidade e oferta de venda, atual e futura, dos produtos de todas as plataformas digitais por elas administradas, até 24 horas depois de submetidos a sua análise pelo usuário anunciante, sob pena de multa diária de R$ 100 mil para cada anúncio.

As empresas rés recorreram com a sustentação de que as determinações da sentença violam o artigo 19 do Marco Civil da Internet e os princípios da liberdade de expressão e do livre comércio.

O desembargador relator da matéria votou por conhecer e prover o apelo das rés, o que as desobrigaria de implementar as ferramentas para identificação da exposição à venda dos falsos fitoterápicos. O voto condicionou também que a obrigação de remover qualquer conteúdo de publicidade e oferta de venda dos produtos das plataformas digitais administradas pelas empresas ocorra somente quando a parte autora especificar o “Universal Resource Locator” (URL) referente ao anúncio contestado por via judicial – caso em que o não cumprimento da ordem em até 24 horas ensejaria a pena de multa de R$ 100 mil para cada anúncio.

Outro desembargador integrante da câmara pediu vista do processo. Em sessão subsequente, apresentou voto divergente no qual manteve a sentença. Ele salientou que a aplicação do artigo 19 do Marco Civil da Internet tem como objetivo regular a responsabilidade dos provedores de acesso à internet pelas postagens de conteúdo em sites nos quais há necessidade de proteger os direitos à intimidade e à honra, quando conflitados com o direito à liberdade de expressão.

Para o magistrado, porém, os casos em análise não têm correlação com o direito de liberdade de expressão (ou prévia censura) previsto no artigo 19 da Lei 12.965/14. Isso porque as postagens realizadas objetivam a venda de produtos ilícitos em site de comércio eletrônico e não são conteúdo em plataforma de relacionamento pessoal ou referente à liberdade de pensamento ou comunicação.

“Dito de forma direta: a presente lide não versa sobre o direito às liberdades individuais de manifestação do pensamento ou de expressão, mas, sim, diz respeito à comercialização, pela rede mundial de computadores, de produtos cuja composição pode acarretar sérios riscos à saúde pública, o que atrai comando jurídico diverso daquele tutelado pelo artigo 19 do Marco Civil. E mais, produtos ilícitos prévia e devidamente identificados pelo MPSC, não havendo dúvidas em relação a quais produtos converge a ação judicial e o respectivo comando judicial”, apontou.

Ainda de acordo com o voto divergente, é evidente que os marketplaces possuem condições técnicas para criar filtros capazes de impedir a comercialização de produtos proibidos por lei. Tais provedores auferem vultosas quantias com a comercialização online de bens e serviços, o que não é em absoluto ilegal, mas reforça a existência de responsabilidade subjetiva na comercialização de bens e serviços sabidamente defeituosos ou ilegais.

O voto divergente foi seguido por dois integrantes da 6ª Câmara Civil, enquanto a posição do relator originário acabou acompanhada por apenas outro membro do colegiado, em julgamento com quórum ampliado. Assim, foi negado provimento aos apelos das duas empresas condenadas, com a manutenção das determinações da decisão original. Cabe recurso aos tribunais superiores.

Processos n. 5008679-25.2019.8.24.0023 e 5008762-41.2019.8.24.0023

TJ/SP: Sabesp deve indenizar homem por barulho excessivo em obra noturna

Reparação fixada em R$ 10 mil.


A 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 1ª Vara Cível de Assis, proferida pelo juiz Luciano Antonio de Andrade, que condenou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) ao pagamento de indenização por danos morais a um homem, em decorrência de barulho excessivo de obras realizadas no período noturno. A reparação foi fixada em R$ 10 mil.

A concessionária efetuou reparos na tubulação de esgoto em local próximo à residência do autor. As atividades aconteciam, principalmente, no período noturno, prejudicando o repouso do autor durante sete meses.

O relator do recurso, Martin Vargas, apontou a existência do nexo causal entre o dano e a conduta da concessionária, reiterando que o excesso de barulho foi comprovado, incluindo relatos de vizinhos. “O conjunto probatório dos autos demonstra que os dissabores pelos quais passou o autor, convivendo por longos meses com ruídos excessivos que perturbaram não apenas suas atividades diárias, bem como seu adequado repouso noturno, sem conseguir qualquer atendimento telefônico e tendo que se deslocar à sede da concessionária para tentar, sem sucesso, resolver a questão extrajudicialmente, ultrapassa a mera contrariedade ou aborrecimento, repercutindo em sua paz de espírito”, escreveu o magistrado em seu voto.

Os desembargadores Paulo Galizia e Teresa Ramos Marques completaram a turma de julgamento. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1007303-72.2021.8.26.0047

TRF3: Pessoa com visão monocular obtém isenção do IPI na aquisição de veículo

No julgamento, o TRF3 observou os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.


A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão que autorizou uma mulher com visão monocular a adquirir um veículo sem recolher o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Segundo a relatora da ação, desembargadora federal Consuelo Yoshida, a norma foi instituída com o fim de criar facilidades de locomoção para os indivíduos com necessidades especiais.

“Em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade”, enfatizou.

A lei nº 8.989/1995 prevê a isenção do tributo às pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental e às com transtorno do espectro autista.

A autora acionou o Judiciário solicitando isenção do IPI porque teve o pedido negado na esfera administrativa.

Após a 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP atender à solicitação, a União recorreu ao TRF3. O ente federal argumentou que o caso não se enquadra nas hipóteses previstas em lei.

A relatora considerou laudo elaborado por clínica credenciada pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran). O documento atestou que a autora enxerga somente com um dos olhos.

“Com o advento da Lei nº 14.126/2021, restou reconhecida a visão monocular como deficiência visual para todos os efeitos legais”, observou a relatora.

A magistrada acrescentou que a vedação contida na lei do IPI refere-se à alienação voluntária e à conduta de utilizar a legislação tributária para fins de enriquecimento indevido. “Situação esta que não se coaduna com a deparada nestes autos”, concluiu.

Assim, a Terceira Turma, por unanimidade, negou o recurso da União.

Apelação Cível 5002751-18.2021.4.03.6110

TJ/SP: Homem deve pagar dividendos à ex-esposa enquanto estiver na condição de sócio

Quotas se enquadram em obrigações de trato sucessivo.


A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento a agravo de instrumento e reconheceu que ex-esposa tem direito a 50% dos dividendos pagos por sociedade ao ex-cônjuge, enquanto ele estiver na condição de sócio. As quotas, de titularidade do réu, foram objeto de partilha em ação de divórcio.

Na decisão, o relator do recurso, desembargador Cesar Ciampolini, destacou que, uma vez que dividendos são prestações sucessivas devidas pela sociedade aos sócios, embora nem sempre periódicas, deve-se aplicar o artigo 323 do Código de Processo Civil, que determina o pagamento da dívida enquanto durar a obrigação. O magistrado ainda citou precedente do TJSP ao explicar que, embora somente o sócio tenha legitimidade para exercer a representação perante a sociedade, o cônjuge que se separou pode reivindicar seu direito ao recebimento.
“O que se observa, portanto, é que a agravante tem direito não apenas aos dividendos pelo período de 2018 a 2021, ainda que, é verdade, tais marcos temporais tenham sido mencionados expressamente no dispositivo da sentença. Cabe-lhe assegurar metade dos dividendos pagos ao agravado enquanto este mantiver a condição de sócio”, afirmou o relator.

Participaram do julgamento, que foi unânime, os desembargadores Alexandre Lazzarini e Fortes Barbosa.

Agravo de Instrumento nº 2137967-19.2024.8.26.0000

TJ/MA: Juizado não pode julgar ação de autor que reside fora da área de abrangência

Não é lícito o autor de uma ação escolher o juiz que julgará a sua causa, em razão do princípio constitucional do juiz natural. Da mesma maneira, deve se sujeitar ao critério da área de abrangência da unidade judicial. Foi dessa forma que a juíza Maria José França, titular do 7º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís, justificou a extinção de um processo sem resolvê-lo, citando, ainda, a Resolução 10/04, substituída pelas Resoluções 35/07 e RESOL-GP – 612013, na qual o Tribunal de Justiça do Maranhão especificou a distribuição de processos através do critério da abrangência territorial do Juizado, levando em conta o endereço da parte autora.

O caso em questão tratava de ação de um homem contra a TAM Linhas Aéreas S.A. Entretanto, o autor mora no bairro da Cohama, localidade fora da área de abrangência do 7º JECRC, que fica no bairro do Renascença. “O exame detalhado dos elementos apresentados no processo indica que, ao propor a ação neste juizado, o autor infringiu o princípio do juiz natural (…) Com efeito, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em atendimento ao disposto no artigo 93 da Lei 9.099/95, promoveu a organização do sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais deste Estado, através do Código de Divisão e Organização Judiciárias”, pontuou a magistrada.

E citou o Código: “Nas comarcas onde existe mais de um juizado com a mesma competência, o Tribunal fixará, por resolução, as respectivas áreas territoriais (…) Atente-se para o fato de que o referido dispositivo não atribuiu ao Tribunal o poder de legislar por resolução em matéria de competência, mas sim de fixar critérios para a distribuição dos processos entre Juizados de uma mesma Comarca, que possuam igual competência, o que significa que todos os Juizados Cíveis e das Relações de Consumo de São Luís possuem exatamente a mesma competência”.

TJ/MG: Donos de égua terão que indenizar criança que levou coice no rosto e perdeu a visão após o acidente

A 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve sentença da Comarca de Pitangui/MG, região Central de Minas, que condenou os proprietários de uma égua a indenizar uma criança que perdeu a visão após ser atingida por um coice do animal no rosto. A vítima vai receber R$ 355 por danos materiais, R$ 20 mil por danos morais e pensão, dos 14 aos 75 anos, equivalente a 30% do salário-mínimo.

Em março de 2016, a criança, à época com 3 anos, brincava na praça do povoado de Moinhos quando uma égua lhe desferiu um coice no rosto, atingindo o olho esquerdo e afetando a visão da criança. A vítima, representada pelo pai, ajuizou ação contra os proprietários do animal em dezembro do mesmo ano.

Os dois proprietários da égua alegaram que a praça era conhecida na cidade como área de pasto e de trato de animais, e que a criança estava sob a responsabilidade da avó, sendo dela a culpa pelo acidente.

Esses argumentos não convenceram a juíza da 1ª Vara Cível, Criminal, e da Infância e da Juventude da Comarca de Pitangui, que fixou o valor das indenizações pelos gastos com medicamentos e pelo dano moral. Diante dessa decisão, os proprietários do animal recorreram.

O relator, desembargador Baeta Neves, manteve a decisão de 1ª Instância. O magistrado se baseou em provas testemunhais, que relataram que a égua estava arisca e já havia desferido coices contra o tratador. Ele ressaltou que, apesar de a avó estar zelando pela criança, isso não evitaria o incidente naquelas circunstâncias.

Para o desembargador Baeta Neves, o fato de a vítima estar acompanhada “evidentemente não a tornava a salvo de investidas inopinadas de animais, como infelizmente aconteceu, e tampouco elide a culpa” dos envolvidos, que deixaram um animal de grande porte, uma égua recém-parida, solto em praça pública. Ainda conforme o relator, o espaço era de fácil acesso e havia risco de um ataque a qualquer pessoa que eventualmente passasse por lá, por isso, os proprietários deveriam responder pelo dano que o animal causou.

A desembargadora Aparecida Grossi e o desembargador Evandro Lopes da Costa Teixeira votaram de acordo com o relator.

STJ: Motorista de aplicativo pode ser suspenso imediatamente por ato grave, mas plataforma deve garantir defesa posterior

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não existe impedimento para que a plataforma de aplicativo de transporte individual suspenda imediatamente a conta de motorista em razão de ato considerado grave, ainda que a empresa deva oferecer a possibilidade de posterior exercício de defesa visando ao recredenciamento do profissional.

Esse foi o entendimento do colegiado ao negar recurso de motorista excluído da plataforma de transporte por aplicativo 99 por suposto descumprimento do código de conduta da empresa. De acordo com os autos, o profissional teria encerrado corridas em locais totalmente diferentes daqueles solicitados pelos passageiros, sem qualquer justificativa.

Após ter sua ação julgada improcedente em primeiro e segundo graus, o motorista recorreu ao STJ e argumentou que o rompimento do vínculo entre as partes foi feito de forma abrupta, sem notificação prévia e sem respeito ao direito do contraditório e da ampla defesa.

Mais de 1,5 milhão de brasileiros trabalham por meio de aplicativos
A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que a hipótese dos autos não envolve relação entre a plataforma e o usuário do aplicativo, motivo pelo qual não é aplicável o Código de Defesa do Consumidor.

Ainda segundo a ministra, até o momento, não foi reconhecida a existência de vínculo empregatício entre os profissionais prestadores de serviços e as plataformas, de modo que a Terceira Turma reconhece essa relação como civil e comercial, prevalecendo a autonomia da vontade e a independência na atuação de cada parte (REsp 2.018.788).

Por outro lado, a relatora lembrou que, atualmente, mais de 1,5 milhão de pessoas trabalham por meio de aplicativos de serviço (dados de 2022 do IBGE), exigindo atenção do Judiciário sobre a possibilidade de um profissional ter sua atividade interrompida por uma decisão sumária, sem ter a chance de se defender ou mesmo saber do que está sendo acusado. Ela também lembrou que, embora as plataformas de transporte individual sejam pessoas jurídicas de direito privado, seu objeto social (o transporte) é de interesse público.

Análise automática de dados de prestadores de serviços está sujeita à LGPD
Nancy Andrighi comentou que as análises de perfil realizadas pelas plataformas digitais decorrem, muitas vezes, de decisões automatizadas, tendo em vista que a inteligência artificial tem ganhado espaço no processamento de dados, inclusive os pessoais.

Nesse sentido, a ministra comentou que o conjunto de informações analisadas no processo de descredenciamento do perfil profissional do motorista de aplicativo se configura como dado pessoal – atraindo, portanto, a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“Nesses termos, o titular dos dados pessoais, que pode ser o motorista de aplicativo, possui o direito de exigir a revisão de decisões automatizadas que definam seu perfil profissional”, apontou.

Plataforma pode ser responsabilizada por ato grave praticado por prestadores de serviço
Em relação à notificação prévia do motorista, a relatora destacou que, a depender da situação, a plataforma pode ser responsabilizada por eventuais danos causados ou sofridos por seus usuários, cabendo a ela examinar os riscos que envolvem manter ativo determinado prestador de serviço.

Por isso, para a ministra, sendo o ato cometido pelo motorista suficientemente grave, trazendo riscos ao funcionamento da plataforma ou a seus usuários, não há impedimento para a imediata suspensão do perfil, com possibilidade de posterior exercício de defesa para buscar o recredenciamento.

No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que, após o cometimento do suposto ato grave, o motorista foi informado sobre as razões de sua exclusão da plataforma e pôde, na medida do possível, exercer a sua defesa, ainda que a decisão lhe tenha sido desfavorável.

“Com efeito, não se vislumbra ilegalidade ou abusividade na conduta da recorrida (99 Tecnologia Ltda.) que, a partir de uma análise de alocação de riscos, considerando o dever que possui de zelar pela segurança de seus usuários, e após ouvir a argumentação do recorrente, decidiu que era adequado o descredenciamento permanente do perfil profissional do motorista”, concluiu a ministra.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2135783

TJ/SP: Criança tem direito a pensão por morte da avó

ECA prevalece à norma previdenciária.


A 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 2ª Vara Cível de Araras, proferida pelo juiz Matheus Romero Martins, que determinou o pagamento de pensão para criança em razão do falecimento da avó, servidora municipal, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O pagamento inicial deve corresponder à data do óbito, com o termo final da pensão a ser pago quando a autora completar 18 anos.

O Serviço de Previdência Social do Município de Araras alegou que lei complementar municipal exige a comprovação de Termo de Tutela para equiparar o dependente a filho do segurado, defendendo o afastamento do ECA. Para a turma julgadora, no entanto, restou comprovado nos autos que a servidora tinha a guarda definitiva da neta. Para o relator do recurso, Jayme de Oliveira, tal fato torna inegável a condição de dependente da autora em relação à avó. O magistrado destacou o artigo 33 do Estatuto, que confere à criança ou ao adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários, e também citou Tema Repetitivo nº 732, do Superior Tribunal de Justiça, que aborda a questão.

“Apesar dos esforços argumentativos do apelante, não há falar em afastamento da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente por causa de previsão previdenciária municipal, pois, na verdade, a relação é invertida, ou seja, ECA é a lei especial em relação à norma previdenciária, como assentado pelo STJ”, afirmou o magistrado.

Também participaram do julgamento, que teve votação unânime, os desembargadores Maurício Fiorito e Ricardo Feitosa.

TRT/GO: Município é obrigado a cancelar autorizações de feirantes que utilizem trabalho infantil

Por unanimidade, a Segunda Turma do TRT-GO manteve sentença que obrigou o município de Goiânia a somente autorizar ou renovar a autorização para a atividade de feirante quando o autorizado não utilizar mão de obra de crianças e/ou adolescentes nas feiras livres de Goiânia. O acórdão também determina ao município cancelar as autorizações emitidas caso constatado o trabalho infantil, sob pena de multa de R$10 mil por autorização, renovação ou não cancelamento, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A Turma analisou recurso do município de Goiânia pedindo a reforma da sentença do juízo da 11ª Vara do Trabalho de Goiânia em ação civil pública (ACP) promovida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-GO). Na ação, o MPT-GO pediu a condenação do município de Goiânia a implementar políticas públicas de combate e prevenção do trabalho infantil.

Uma dessas políticas seria somente autorizar ou renovar a autorização para a atividade de feirante quando o autorizado não utilizar mão de obra de crianças e/ou adolescentes nas feiras livres de Goiânia, sob pena da não emissão da autorização ou o cancelamento da autorização emitida. Esse pedido foi aceito pelo juízo de primeiro grau.

Para o MPT-GO, o município deveria ainda assegurar que as crianças e/ou adolescentes encontrados em trabalho irregular nas feiras fossem encaminhadas, no prazo de 48 horas, para a rede de proteção social. O município deveria garantir que, no prazo sucessivo de 10 dias, o menor encontrado em situação irregular fosse efetivamente matriculado, com a concordância dos pais ou responsáveis, na rede de ensino, prioritariamente de tempo integral.

Em caso de não haver vagas disponíveis em escolas de tempo integral, a matrícula poderia ser feita em outras unidades de ensino e que a criança ou adolescente deveria ser incluída, junto de sua família, em programas sociais. O MPT-GO requereu, por fim, que os adolescentes com 14 anos ou mais trabalhando em feiras fossem contratados como aprendizes, diretamente pelo município e/ou por empresas e entidades conveniadas. Esse segundo item do pedido do MPT-GO, no entanto, foi indeferido na sentença.

Defesa
No recurso apresentado à Turma, o município questionou a competência da Justiça do Trabalho para analisar a causa e sustentou não haver lei que estabeleça a obrigação de o município editar uma norma jurídica que proíba o trabalho infantil em feiras livres. “Se não há obrigação, é certo que a elaboração de minuta de decreto, por parte do município, prevendo tal vedação, sob pena de não concessão de autorização ao feirante, tratou-se de mera liberalidade (…)”.

A parte condenada destacou haver minuta de decreto municipal proibindo o trabalho infantil nas feiras e que o documento foi submetido diversas vezes à análise da Administração Pública, pois a minuta não prevê apenas a vedação mencionada, mas também diversas alterações na atual norma regulamentadora da matéria, referente a feiras. Acrescentou que a matéria deveria ser analisada pela Administração municipal com cautela, a fim de propiciar o devido tratamento do assunto, e que isso não caberia ao Poder Judiciário.

O município argumentou ser a ação civil pública proposta pelo MPT-GO incabível para exigir tal obrigação, uma vez que o tipo de ação a ser proposta seria uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) na Justiça Estadual.

Por fim, o município sustentou que o Poder Público não possui prazo para regulamentar a matéria, não podendo o Ministério Público forçar a implementação de norma legal que proíbe o trabalho infantil, até mesmo porque o MPT-GO, segundo a defesa, não trouxe aos autos qualquer situação específica de criança que tenha sido prejudicada pela suposta omissão do município.

Voto
Em seu voto, a desembargadora relatora, Kathia Albuquerque, citou julgado do Tribunal Superior do Trabalho reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria e citou posição do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual a omissão da Justiça do Trabalho poderá implicar inclusive a responsabilização internacional do Estado brasileiro, conforme precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca da proteção a crianças.

Ela ressaltou que o MPT tem buscado junto ao município de Goiânia, desde o ano de 2017, a implementação de política pública para coibir o trabalho de crianças e adolescentes em feiras da capital, na questão relacionada à autorização dos feirantes. Pontuou que nada foi feito nesse sentido pelo município.

Albuquerque afirmou que causa severo desconforto tamanha resistência do município de Goiânia em não atender a pedido administrativo do MPT-GO ou mesmo negar-se a pactuar termo de ajustamento de conduta no sentido de desincentivar a utilização de trabalho de crianças e adolescentes nas feiras. Para ela, esses são locais de trabalho desaconselháveis para adultos e ainda mais para crianças e adolescentes, inclusive na situação de aprendiz. Ela citou a exposição às intempéries climáticas e as condições de higiene, segurança e o impedimento dos menores ao direito de brincar e estudar.

Por fim, a desembargadora Kathia Albuquerque manteve a sentença condenando o município de Goiânia a somente autorizar ou renovar a autorização para a atividade de feirante quando o autorizado não utilizar mão de obra de crianças e/ou adolescentes. O município ainda terá de cancelar autorizações emitidas caso constatado o trabalho infantil, sob a pena de multa de R$10 mil por autorização, renovação ou não cancelamento, reversível ao FAT.

Processo: ROT-0011147-61.2023.5.18.0011

TJ/SC: Palavra da vítima tem especial valor probatório em crimes de roubo

Farto conjunto probatório inviabiliza aplicação do ‘in dubio pro reo’.


Em crimes de roubo, a palavra da vítima possui especial valor probatório, especialmente quando descreve o fato delituoso com firmeza e riqueza de detalhes, de modo que, uma vez conquistada a certeza da responsabilidade penal diante de um conjunto probatório robusto, torna-se inviável aplicar o princípio in dubio pro reo. Esse é o entendimento da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e também do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O caso em questão ocorreu em uma lanchonete de Itajaí em 2016, por volta das 22 horas. De acordo com os autos, o réu entrou no estabelecimento e abordou o proprietário. Entre a porta e a rua, tolhido sob a mira de uma arma de fogo, a vítima solicitou à sua esposa, que estava na companhia da sua filha de 6 anos, que trouxesse o dinheiro. O assaltante subtraiu R$ 60 e um aparelho celular e fugiu.

Após a instrução processual, o magistrado julgou procedente o pedido contido na denúncia para condenar o réu à pena de seis anos e 18 dias de reclusão, em regime fechado. Irresignado, ele interpôs recurso de apelação e pleiteou a absolvição diante da suposta falta de provas para manter a condenação, e com base no princípio de que a dúvida o favorece. Subsidiariamente, postulou o afastamento da circunstância judicial da consequência do crime.

Em seu voto, o desembargador relator elencou as provas da autoria e pontuou que, além do relato coeso nas duas fases da persecução penal, a vítima reconheceu o insurgente na fase indiciária logo após o crime e, ao ser inquirida dois anos depois, o reconheceu novamente entre as imagens de dois outros indivíduos, conforme o termo de reconhecimento fotográfico.

O desembargador destacou que o STJ entende que, no crime de roubo, a palavra da vítima tem especial valor probatório, sobretudo quando descreve com firmeza e riqueza de detalhes o fato delituoso. “Dessa forma”, concluiu o relator, “verifico que o conjunto probatório reunido é suficiente para atribuir a autoria ao reclamante”. Ele citou ainda entendimento do próprio TJSC. “A dúvida que propende à absolvição é aquela inexpugnável; conquistada a certeza da responsabilidade penal diante de farto conjunto probatório, é inviável falar na aplicação do princípio in dubio pro reo”.

Por fim, o relator acolheu o pedido da defesa para afastar a circunstância judicial da consequência do crime e readequou a pena, estabelecendo-a em cinco anos e quatro meses. Seu voto foi seguido de forma unânime pelos demais integrantes da 3ª Câmara Criminal do TJSC (Apelação Criminal n. 0012493-08.2016.8.24.0033/SC).

Essa decisão foi destaque na edição n. 140 do Informativo da Jurisprudência Catarinense – TJSC.


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