TRT/MT: Dispensado duas vezes por causa da idade, motorista é indenizado por discriminação

Um motorista de 70 anos, ex-empregado da Companhia Matogrossense de Mineração (Metamat), conquistou na Justiça do Trabalho o direito a indenização por dispensa discriminatória. O caso, julgado pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT), é o segundo movido pelo trabalhador contra a empresa pelo mesmo motivo. Em 2019, ele já havia processado a Metamat, sociedade de economia mista vinculada ao governo estadual, e foi reintegrado ao emprego após ganhar indenização.

O motorista contou que ingressou na Metamat em 1983 e, ao longo de 40 anos, realizou serviços em Cuiabá e viagens para cidades do interior e anualmente para outros estados em eventos e feiras. Em fevereiro de 2023, após completar 70 anos, foi novamente dispensado e ajuizou a segunda ação trabalhista.

A 3ª Vara do Trabalho de Cuiabá reconheceu a dispensa como discriminatória e condenou a empresa a pagar R$5 mil por danos morais. No entanto, o motorista recorreu ao TRT, pedindo também a indenização prevista na Lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias relacionadas à idade, raça, sexo, entre outras. A legislação prevê, nesses casos, que o trabalhador tem direito à reintegração ou ao pagamento em dobro da remuneração referente ao período de afastamento.

Ao analisar o recurso, a 1ª Turma do TRT, por unanimidade, deu razão ao trabalhador, ampliando a condenação da Metamat. Os desembargadores determinaram a inclusão do pagamento da indenização prevista na lei de 1995. Com isso, o motorista garantiu o recebimento do montante referente ao dobro da remuneração desde a data da dispensa até a decisão do Tribunal, dada em maio de 2024.

Esse segundo processo também foi encerrado após acordo, firmado em maio e integralmente cumprido até setembro de 2024, quando o caso foi arquivado.

Etarismo

O caso do motorista reflete uma tendência em ascensão: o número de processos por discriminação etária está crescendo na Justiça do Trabalho. As causas incluem o envelhecimento da população, o aumento da convivência entre diferentes gerações no ambiente profissional, além de uma maior conscientização sobre direitos.

Nesse cenário, o mercado de trabalho enfrenta um novo desafio: o preconceito etário, também conhecido como etarismo. O termo, relativamente recente, define práticas de desvalorização baseadas na idade, das quais os idosos são as principais vítimas. No âmbito trabalhista, o reconhecimento do etarismo tem levado à garantia de direitos de igualdade para os trabalhadores mais velhos, que, em casos de dispensa discriminatória, podem optar entre reintegração ou indenização.

O prolongamento da vida profissional e as mudanças nas regras de aposentadoria têm levado à presença de múltiplas gerações nas empresas, o que pode resultar em choques culturais e conflitos.

Em um dos primeiros casos julgados no TRT de Mato Grosso, no início dos anos 2000, uma trabalhadora de Cuiabá processou a empresa onde atuava por sofrer assédio relacionado à sua idade, sendo apelidada de “Museu” pelos colegas. Ela venceu a ação e recebeu uma indenização com base na Lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias no ambiente de trabalho, incluindo por idade.

A conscientização sobre a importância do respeito às diferenças e o combate ao etarismo ganham destaque, sobretudo em outubro, mês em que se celebra o Dia Internacional das Pessoas Idosas e o aniversário de 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa.

PJe 0000155-27.2023.5.23.0003

TRT/RO-AC: Planta de uma indústria de laticínios poderá ser arrendada para pagar dívidas trabalhistas

O edital público para que credores ou interessados possam assumir a administração da fábrica foi divulgado no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho.


O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Ji-Paraná (RO) abriu edital público para credores ou interessados em assumir a administração de um dos maiores laticínios da região. A medida foi tomada pelo juiz do Trabalho Titular Carlos Antônio Chagas Júnior, no sentido de garantir o pagamento de dívidas trabalhistas a cerca de 400 trabalhadores que atuaram na Canaã Indústria de Laticínios Ltda, conhecida como Laticínios Tradição. O edital, publicado no último dia 23 no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, abriu o prazo de 10 dias para o recebimento das propostas.

A decisão proferida pelo juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Ji-Paraná (RO), Carlos Antônio Chagas Júnior, indeferiu o pedido de dilação de novo prazo, após vários já concedidos sem a empresa CANAÃ/Laticínio Tradição ter apresentado uma proposta efetiva para solução e quitação dos débitos trabalhistas em várias unidades do TRT-14, envolvendo processos com créditos de natureza alimentar de cerca de 400 trabalhadores dos anos de 2022, 2023 e 2024. Considerando que em todos os pedidos de dilação de prazos não apresentaram uma proposta para avaliação por parte dos reclamantes, o novo pedido foi indeferido, consignando que caso tivesse uma proposta de acordo, seria devidamente analisada e levada ao conhecimento das partes, o que até o momento não foi apresentado pela empresa. Em decorrência do manifesto protelatório da empresa reclamada, o magistrado determinou a publicação do edital público, divulgado no último dia 23/10 no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho (DEJT), para que credores ou interessados possam assumir a administração da fábrica.

>> Confira aqui o Edital

Na sua decisão pela publicação do Edital, o magistrado rejeitou o pedido da empresa de receber mais um prazo. “O processo seguirá seu curso regular, e caso seja apresentada uma proposta de acordo, fundamentada e por escrito, ela será devidamente analisada após consulta às partes credoras. Nosso objetivo é garantir que a planta industrial possa ser utilizada para a quitação dos débitos trabalhistas de forma eficiente e justa,” afirmou o juiz em seu despacho.

Inspeção judicial

O juiz Titular, acompanhado por oficiais de justiça da Vara, realizou no último dia 18 uma inspeção judicial no local da planta industrial, onde constatou que as dependências permanecem intactas e prontas para uma possível retomada da produção. Além disso, foi verificado que o imóvel é de grandes dimensões e inclui, além da planta fabril, residências de alto padrão e uma área rural chamada “Chácara”, com outras residências e um salão de festas. As partes podem ser desmembradas e vendidas separadamente da planta industrial.

Diante dessas constatações, o juiz determinou a realização de diligências para identificar empresas de auditoria ou profissionais qualificados que possam fazer uma avaliação completa da planta penhorada, levando em conta sua capacidade produtiva.

Edital público

A convocação pública foi publicada no Diário Oficial da Justiça do Trabalho da 14ª Região, estabelecendo um prazo de 10 dias para a apresentação de propostas de arrendamento da planta industrial da Laticínios Tradição. O objetivo, de acordo com a decisão do juiz, é utilizar o arrendamento como forma de quitação das dívidas trabalhistas. A decisão permite ainda que os credores formem um consórcio para administrar a empresa, caso tenham interesse.

Processo nº 0000113-17.2024.5.14.0092

TJ/AC mantém condenação de 10 anos e 8 meses a uma mulher por estelionato e furto qualificado contra idoso

Denunciada teria enganado a vítima, ao pedir para usar sua conta bancária para depositar valores. O que ela fez, no entanto, foi realizar diversos empréstimos no nome do idoso.


A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre decidiu rejeitar a apelação criminal de uma mulher condenada por cometer estelionato e furto qualificado de maneira continuada contra um idoso, mantendo, dessa maneira, pena privativa de liberdade de 10 anos e 8 meses, em regime inicial fechado.

A decisão, publicada na edição nº 7.652 do Diário da Justiça eletrônico (DJe), desta quarta-feira, 30, teve como relatora a desembargadora Denise Bonfim, que rejeitou as alegações da defesa no sentido de que fosse declarada a nulidade da sentença por suposta falta de provas, ou, de maneira alternativa, a redução da pena.

Entenda o caso

De acordo com os autos, a ré foi condenada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco pelas práticas de furto qualificado, mediante abuso de confiança e fraude, cometido continuadas vezes (20 vezes), bem como por estelionato contra pessoa idosa.

A denúncia do Ministério Público do Acre (MPAC) sustenta que ré e vítima eram vizinhos e que, utilizando-se da relação de confiança de vários anos, perguntou ao idoso se poderia utilizar sua conta bancária para depositar alguns valores, no que foi atendida. Depois pediu à vítima que comparecesse à agência, juntamente com ela, para que ambos realizassem o saque da quantia supostamente depositada pela ré, sendo que, na verdade, o que a denunciada fez foi realizar diversos empréstimos em posse do cartão bancário da vítima.

O juiz de Direito sentenciante registrou na sentença a comprovação da materialidade e da autoria dos crimes, a presença das agravantes de: reincidência, delito cometido contra pessoa idoso e em ocasião de calamidade pública. Na fixação da pena, a ré foi condenada a uma pena total de 10 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Inconformada, a defesa da representada ingressou com apelação criminal junto à CCrim do TJAC, a fim de anular a sentença por suposta falta de provas ou, alternativamente, a redução da pena privativa de liberdade.

Decisão

A desembargadora relatora, Denise Bonfim, ao analisar o caso, entendeu que as alegações da defesa não se sustentam, impondo-se a rejeição do recurso contra a sentença condenatória lançada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco.

Dessa forma, a relatora rejeitou o pedido de nulidade da sentença por suposta falta de provas, uma vez que “a fundamentação utilizada pelo magistrado de 1º Grau para reconhecer a materialidade e autoria, ainda que de forma sucinta, mostra-se suficientemente idônea e apta” a justificar o decreto condenatório.

Nesse sentido, a desembargadora relatora assinalou, em seu voto, que a obtenção de vantagem indevida em detrimento do prejuízo alheio restou comprovada, tendo-se por configurados tanto o crime de furto quanto o de estelionato.

Na mesma linha, a relatora também rejeitou o pedido alternativo formulado pela defesa, frente às provas produzidas nos autos, “formando conjunto sólido e conferindo segurança ao juízo para a condenação” da ré.

Os demais desembargadores que compõem a CCrim do Tribunal de Justiça do Acre acompanharam, de maneira unânime, o voto da relatora, restando, assim, conhecida, mas rejeitada a apelação.

Autos da Apelação Criminal: 0003681-05.2022.8.01.0001

TRT/SP: Veículo em nome de terceiro pode ser penhorado quando posse é exercida pelo executado

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região confirmou a penhora de um carro cuja posse e domínio eram exercidos pela parte executada no processo, mas que estava registrado no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) em nome de uma terceira.

O veículo foi penhorado após ser localizado, por oficial de justiça, na garagem do prédio onde mora a executada. Diante do ato, a pessoa em cujo nome o objeto estava registrado ajuizou embargos de terceiro. Em defesa, alegou que tinha cedido o carro para a executada, por não ter condições de pagar a garagem que o abrigava. Pelo suposto acordo, a devedora trabalhista arcaria com despesas de combustível, impostos e manutenção. Os embargos, no entanto, foram indeferidos no juízo de origem.

Ao julgar o agravo de petição, a desembargadora-relatora Eliane Aparecida da Silva Pedroso ressaltou que o fato de um veículo estar registrado em nome de uma pessoa não garante que o bem lhe pertença, já que o domínio dos bens móveis se dá com a tradição, ou seja, com a entrega efetiva do objeto à outra pessoa. E, de acordo com os autos, a devedora na ação já exercia a posse do veículo havia cerca de um ano.

Segundo a magistrada, “é possível a penhora de bem registrado em nome de terceiro, desde que comprovado que o executado exerce a posse e tem a efetiva propriedade”. A julgadora acrescenta ainda que o registro no Detran tem efeito meramente declaratório, “sendo consequência do negócio jurídico entabulado entre as partes, que se deu por acabado quando da entrega do veículo para a executada”.

Processo nº 1000752-61.2023.5.02.0391

STJ: Mesmo com previsão no edital, arrematante não responde por dívida tributária anterior à alienação do imóvel

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, “diante do disposto no artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

Devido à mudança na jurisprudência do tribunal, o colegiado acompanhou a proposta do relator do Tema 1.134, ministro Teodoro Silva Santos, para modular os efeitos da decisão, determinando que a tese fixada só valerá para os leilões cujos editais sejam divulgados após a publicação da ata de julgamento do repetitivo, ressalvados pedidos administrativos e ações judiciais pendentes de apreciação, para os quais a tese se aplica de imediato.

Segundo o ministro, ainda que o parágrafo único do artigo 130 do CTN diga que, na alienação em hasta pública, o crédito tributário se sub-roga no preço, tornou-se praxe nos leilões realizados pelo Poder Judiciário a previsão editalícia atribuindo ao arrematante o ônus pela quitação das dívidas fiscais pendentes.

CTN diz que o arrematante recebe o imóvel livre de ônus
O ministro lembrou que a disciplina das normas gerais em matéria tributária está condensada no CTN, que foi recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei complementar. O código, explicou, estabelece normas que estruturam todo o sistema tributário nacional.

De acordo com o relator, nos casos de alienação comum, o artigo 130 do CTN prevê que o terceiro que adquire imóvel passa a ter responsabilidade pelo pagamento dos impostos, taxas ou contribuições de melhorias cujos fatos geradores tenham ocorrido antes da transmissão da propriedade. Contudo, o parágrafo único desse dispositivo excepciona a arrematação em hasta pública, hipótese em que a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

“Significa dizer que, quando a aquisição do imóvel ocorrer mediante alienação judicial, a sub-rogação se operará sobre o preço ofertado, e não sobre o arrematante, que receberá o bem livre de quaisquer ônus. Nesse específico caso, a aquisição da propriedade dar-se-á na sua forma originária, visto que não há relação de causalidade entre o antigo proprietário do bem e o seu adquirente”, afirmou.

Teodoro Silva Santos destacou que essa circunstância não deixa a dívida fiscal sem proteção, pois o crédito poderá ser satisfeito com o valor depositado em juízo pelo arrematante (sub-rogação da dívida no preço). Nessa situação, ressaltou o relator, o ente público concorrerá com outros credores, inclusive com titulares de créditos trabalhistas, que terão preferência. Na impossibilidade de satisfação integral da dívida, a Fazenda Pública deverá acionar o antigo proprietário para a recuperação do valor remanescente.

Edital não pode trazer regra diferente da prevista no CTN
O relator observou que a partir da previsão do artigo 686, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973 e do artigo 886, inciso VI, do CPC/2015, foi adotada a tese de que a menção, no edital do leilão, dos ônus tributários que recaem sobre o imóvel afastaria o comando do artigo 130, parágrafo único, do CTN para permitir a responsabilização pessoal do arrematante pelo pagamento, dada sua prévia e inequívoca ciência da dívida.

No entanto, segundo o ministro, não é possível admitir que uma norma geral sobre responsabilidade tributária constante do próprio CTN – cujo status normativo é de lei complementar – seja afastada por simples previsão em sentido diverso no edital. Para ele, os dispositivos processuais que ampararam a orientação adotada pelo STJ não possuem esse alcance.

Teodoro Silva Santos comentou que são irrelevantes a ciência e a eventual concordância do participante do leilão em assumir o ônus pelo pagamento dos tributos sobre o imóvel arrematado. Em conclusão, alertou que é vedado exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação.

Veja o acórdão.
Processos: REsp 1914902; REsp 1944757 e REsp 1961835

TST: Dano moral em ricochete – Relações de afeto ganham relevância em decisões na Justiça do Trabalho

Mortes em acidentes de trabalho têm gerado indenização a pessoas que não são da família nuclear, quando comprovado o afeto e o vínculo com a vítima.

Eles se conheciam desde a adolescência. Cresceram e viveram a vida toda na mesma cidade. Aos 15 anos “engataram o namoro”, e, 15 anos depois, no início de janeiro de 2019, noivos, foram juntos à Igreja Matriz de Brumadinho (MG) marcar o casamento. Contudo, cinco meses antes da cerimônia, uma lista emitida pela Vale S.A. na noite de 26 de janeiro indicava que Djener Paulo Las Casas Melo, o noivo, operador de máquinas, estava entre as 272 pessoas soterrados pela lama na tragédia do Córrego do Feijão. O sonho foi interrompido.

Essa história não é mais um caso de alguém que perdeu um ente querido na tragédia de Brumadinho. É diferente porque é única, em seus dramas, seus sofrimentos e sua luta. Essa noiva, Ketre Menezes de Paula, hoje microempresária, teve de juntar cartas de amor, fotografias e declaração da paróquia de Brumadinho para comprovar na Justiça seu direito à indenização pela morte do noivo – o chamado “dano moral em ricochete”.

Segundo a jurisprudência trabalhista, o dano em ricochete é presumido em relação ao núcleo familiar básico da pessoa falecida – cônjuge, companheiro ou companheira, filhos e pais. Recentemente, o TST reconheceu que o vínculo afetivo entre irmãos também dispensa a necessidade de prova do sofrimento. Quanto aos demais entes, familiares ou não, o laço afetivo ou a relação de proximidade devem ser devidamente comprovados nos autos. Ou seja, a afetividade passa a ter peso jurídico para resolução dos conflitos.

Provar afetividade é desafio doloroso.

Foi o caso de Ketre, em que o pedido foi feito com base no grau de afetividade, e não de parentesco. Essas situações enfrentam a barreira da ilegitimidade quando se propõe ação autônoma pelo dano em ricochete. São sogras, amigos, sobrinhas, namorados, enfim, pessoas que buscam o direito a uma reparação, mas que para isso têm de comprovar que tiveram com a vítima uma relação estreita de intimidade.

A microempresária explica que decidiu entrar com a ação porque as indenizações selecionadas por grau de parentesco pela empresa não incluíam noivas, apenas esposas. “Durante o processo, eles duvidaram da minha história com ele (o noivo) o tempo inteiro. Ficavam com um ar de que eu era uma oportunista e que estava me aproveitando da situação para me dar bem financeiramente. Essa foi a parte mais dolorosa do processo”, declarou.

Judicialmente, duvidar da história significa alegar que não há elementos suficientes para demonstrar a proximidade diária, constante e íntima, a ponto de gerar sentimento de perda passível de compensação financeira. À alegação segue a tese de que, se a reparação for estendida a todas as pessoas que, de algum modo, sentiram a dor da perda, corre-se o risco de banalizar o instituto do dano moral em ricochete, sobretudo quanto aos critérios de afetividade.

Para Wilson Paz, advogado da microempresária no processo, a alegação de banalização do dano moral em tragédias como a de Brumadinho soa como uma afronta à dignidade da Justiça. Segundo ele, a morte de alguém querido em decorrência da omissão ou de uma ação positiva do empregador deve ser punida de forma exemplar, para que o caráter pedagógico seja atingido, ou seja, para que a situação não se repita.

Em abril de 2022, a Vale perdeu seu último recurso no TST, e o direito à indenização por danos morais por ricochete foi reconhecido à microempresária pela morte do noivo em Brumadinho. Poucos meses depois, a sentença foi cumprida, e o caso foi arquivado.

Hoje, cinco anos e oito meses após a tragédia que impossibilitou a sonhada vida a dois, a microempresária disse que a cidade ainda é marcada pela sombra da injustiça e da saudade. Ela conta que refez a vida pela fé em Deus, o que não significa que apagou o que viveu. “Muito pelo contrário, cada passo traz uma lembrança, cada conquista traz um desafio: o desafio de ter que lidar com o passado, viver o presente e almejar o futuro com justiça feita”.

Novos arranjos familiares são considerados
Outra questão sensível que envolve casos de dano por ricochete por grau de afetividade é a compreensão de que as mudanças sociais das últimas décadas fizeram surgir novos arranjos familiares. Isso exige uma visão mais ampla do que vem a ser núcleo familiar (para além de pai, mãe e filhos) – tanto que, em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar e as equiparou às uniões estáveis entre homens e mulheres.

No caso do dano em ricochete, cabe aos julgadores avaliar a legitimidade de quem pede reparação não só com base nos vínculos biológicos e matrimoniais, mas também no princípio da afetividade.

É o caso de um processo jem que o companheiro de um trabalhador, também vítima do acidente em Brumadinho, pediu reconhecimento do dano moral em ricochete. Ele anexou aos autos fotografias do casal, comprovantes de endereço, escritura pública declaratória e carta de concessão de benefício previdenciário para comprovar a união estável de mais de três anos.

A empresa, mais uma vez, rechaçou o direito pelo grau de afetividade. Alegou que os documentos careciam de fé pública e que o companheiro poderia facilmente os ter falsificado em programas de computador.

Contudo, as provas demonstraram a formação de laços estreitos de envolvimento emocional entre eles, e isso permitia concluir que a morte do trabalhador causou intenso sofrimento ao companheiro.

Agra Belmonte, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, explica que a questão é de dano extrapatrimonial. “Estamos falando de sentimento, e o sentimento pode dizer respeito a qualquer pessoa de afinidade próxima”, observa. Segundo ele, isso envolve normalmente pessoas do convívio familiar, mas nada impede que se estenda a outras pessoas em relação às quais havia uma afinidade muito grande. “Você pode ter uma pessoa próxima a você, que não compõe o núcleo familiar, mas com quem tem um laço forte de afinidade. O critério é afinidade”.

Indenizações de Brumadinho já ultrapassam R$ 1 bi
De acordo com a Vale, na esfera trabalhista, as indenizações, por danos morais e materiais decorrentes do rompimento da barragem em Brumadinho chegam a mais de R$ 1,166 bilhões e foram destinadas a mais de 2,5 mil pessoas. Além disso, foram depositados R$ 400 milhões a título de dano moral coletivo, cuja destinação será definida por um Comitê Gestor composto pela Justiça do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pela Defensoria Pública da União (DPU) e por representantes das famílias atingidas.

A empresa não informou quanto desse montante foi destinado a pessoas que ajuizaram ação de dano moral em ricochete, além daqueles em que o dano afetivo foi reconhecido.

TRF1: Gillette pagará mais de R$470 mil por não ter informado redução do número de lâminas de barbear em embalagem

Quando o fornecedor de um produto não apresenta informações claras e corretas sobre aquilo que está vendendo, ele pode ser responsabilizado por isso. Foi o que aconteceu a uma empresa que reduziu a quantidade de cartuchos de duas marcas de lâmina de barbear sem informar ao consumidor a redução. A instituição foi condenada, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a pagar a multa imposta em valor superior a R$ 470 mil.

Proteção da legítima confiança
Antes de parar na Justiça Federal, o caso foi discutido na então Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (antigo SDE), órgão que detinha as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (o CADE, autarquia hoje responsável por zelar pela livre concorrência no Brasil).

Depois do processo administrativo na SDE, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor decidiu multar a empresa por ter reduzido a quantidade de cartuchos de quatro para três unidades sem esclarecer ao consumidor a mudança. A empresa procurou a Justiça Federal e em primeira instância conseguiu anular a multa. Entretanto, a Procuradoria Regional da União questionou, no TRF1, a retirada da sanção administrativa. A PRU obteve a reversão da decisão e a determinação para que a fornecedora fosse multada pela ausência de informação ao consumidor.

Para a relatora, juíza federal convocada Mara Lina Silva do Carmo, é a proteção da legítima confiança que está em julgamento quando o fornecedor não apresenta informações claras e corretas sobre o produto em circulação. “De fato”, observou a magistrada, ao analisar o caso, “nas embalagens não consta informação sobre redução da quantidade X para a quantidade Y; traz a informação sobre a quantidade de produto contida na embalagem, e não sobre a redução da quantidade de produto. A prova de ausência da informação é a própria embalagem sem a informação sobre tal redução”, concluiu.

Ainda de acordo com a relatora, acompanhada, por unanimidade, pela 6ª Turma do TRF1, com a inversão do ônus da prova (prevista no Código de Defesa do Consumidor) caberia ao fornecedor comprovar que a alteração não informada se devia a uma mudança de estratégia mundial de marketing, como havia alegado, sem que isso pudesse ser considerado “maquiagem de produto” – o que ofende o direito fundamental à informação previsto na Constituição e no Código de Defesa do Consumidor.

Processo: 0026342-24.2007.4.01.3400

TJ/DFT: Distrito Federal é condenado a pagar pensão a mãe socioafetiva por morte de filho em ação policial

O 2º Juizado Especial da Fazenda Pública do Distrito Federal condenou o Distrito Federal a pagar pensão mensal a mulher, cujo filho socioafetivo foi morto por disparo de arma de fogo efetuado por policial militar em serviço. A decisão reconheceu o vínculo socioafetivo entre a autora e a vítima e estabeleceu a responsabilidade do Estado.

No processo, a autora relatou que, em 2005, recebeu a guarda de criança deixada pela mãe biológica e o criou como seu próprio filho, com todos os cuidados, educação e afeto. Em 28 de janeiro de 2022, o jovem foi morto em decorrência de um disparo de arma de fogo efetuado por um policial militar em serviço. Diante disso, a autora ingressou com ação judicial, na qual solicitou pensão mensal como forma de reparação pelos danos materiais sofridos.

O Distrito Federal, em sua defesa, argumentou que não havia comprovação do vínculo maternal entre a autora e a vítima. Além disso, solicitou a suspensão do processo até o julgamento da ação penal relacionada ao caso, sob o argumento de que a decisão criminal poderia influenciar a responsabilidade civil do Estado.

Ao analisar o caso, o Juiz reconheceu a existência de vínculo socioafetivo entre a autora e o jovem falecido. Destacou que a posse de estado de filho foi comprovada pelos elementos de tratamento e reputação, uma vez que a autora provia sustento, educação e afeto ao jovem e era reconhecida na comunidade como sua mãe. “Considerando a farta documentação que comprova que a filiação socioafetiva foi pública, contínua, duradoura e consolidada por quase 17 anos, existindo laços de afeto e tendo os pais provido sustento e dirigido a educação do infante, constato ser incontroversa a existência da posse do estado de filho e a parentalidade socioafetiva no caso”, afirmou o magistrado.

O Juiz também rejeitou o pedido de suspensão do processo, pois entendeu que a responsabilidade civil do Estado é independente da responsabilidade penal, conforme previsto no Código Civil. Ademais, considerou que a ausência de julgamento na esfera criminal não impede a análise da responsabilidade civil, uma vez que a conduta do agente público e o nexo causal entre a ação policial e a morte do jovem estão comprovados.

Diante disso, o Distrito Federal foi condenado a pagar pensão mensal à autora, no valor correspondente a 2/3 do salário mínimo, desde a data do óbito até a data em que a vítima completaria 25 anos. A partir daí, a pensão será reduzida para 1/3 do salário mínimo até a data em que o jovem completaria 75 anos ou até o falecimento da autora, o que ocorrer primeiro. O Juiz destacou que, embora a autora tenha alegado que o jovem trabalhava e recebia remuneração, não há provas nos autos que comprovem essa renda, razão pela qual a pensão foi fixada com base no salário mínimo.

Cabe recurso da decisão.

Processo: 0709582-20.2024.8.07.0018

Para o STJ, crime continuado não impede celebração do acordo de não persecução penal

​Ao interpretar o artigo 28-A, parágrafo 2º, II, do Código de Processo Penal (CPP), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que “a continuidade delitiva não impede a celebração do acordo de não persecução penal (ANPP)”. No mesmo julgamento, o colegiado também definiu que o acordo “pode ser aplicado retroativamente em processos penais em andamento, desde que presentes os requisitos legais e antes do trânsito em julgado”.

Segundo o processo, um funcionário da Caixa Econômica Federal se apropriou de valores da instituição mediante fraudes e manipulação de contas bancárias, causando prejuízo significativo entre os anos de 2010 e 2011.

Ele foi condenado pelo crime de peculato por 16 vezes, na forma continuada (artigo 71 do Código Penal), o que levou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) a considerar que não seria possível o ANPP, pois a continuidade seria indício de dedicação à atividade criminosa. Com o reconhecimento da confissão espontânea, a pena foi reduzida para três anos e oito meses de reclusão e depois substituída por penas restritivas de direitos.

Crime continuado não é impedimento à celebração do ANPP
O relator do recurso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, explicou que há uma diferença entre crime continuado e crime habitual. No primeiro, afirmou, existe uma “unidade de desígnios entre todas as infrações perpetradas”, sendo uma continuação da outra, bem como semelhança nas circunstâncias de tempo, lugar e modus operandi. Segundo o ministro, o instituto da continuidade tem o objetivo de evitar excesso punitivo nas situações em que há uma série de infrações semelhantes e conectadas.

Já a habitualidade, segundo ele, é a reincidência de crimes já consumados, e está entre as hipóteses excludentes do ANPP, previstas de forma taxativa no artigo 28-A, parágrafo 2º, II, do CPP.

“A inclusão da continuidade delitiva como óbice à celebração do acordo constitui uma interpretação que extrapola os limites impostos pela norma, inserindo um requisito que o legislador, de forma deliberada, optou por não contemplar. Não se pode olvidar que a norma processual penal tem seus parâmetros definidos de maneira a equilibrar o poder punitivo do Estado com as garantias constitucionais do acusado, sendo inadmissível a criação de obstáculos não previstos expressamente em lei, sob pena de violação ao princípio da estrita legalidade”, afirmou.

Na avaliação do ministro, a habitualidade é incompatível com a finalidade do acordo de não persecução, o qual busca alcançar “a resolução consensual de casos de menor gravidade, com vistas a reduzir o estigma da persecução penal e a onerosidade do sistema judicial, sem prejuízo do princípio da legalidade penal”.

ANPP pode ser celebrado de forma retroativa antes do trânsito em julgado
O relator destacou que o STJ possui julgados no sentido de que o ANPP deve ser fechado durante a fase do inquérito policial, ou seja, antes do recebimento da denúncia. Contudo, o ministro observou que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 185.913, permitiu que o acordo seja celebrado retroativamente nos casos em andamento, antes do trânsito em julgado, desde que presentes os requisitos legais.

No caso em análise, Ribeiro Dantas verificou que estão presentes os requisitos que autorizam a aplicação do ANPP: o delito não envolveu violência ou grave ameaça; a pena mínima cominada ao crime é inferior a quatro anos; o réu não é reincidente em crime doloso; e existe a possibilidade de confissão formal por parte do acusado.

Veja o acórdão.
Processo: AREsp 2406856

TST: Motoboy tem direito à estabilidade por acidente mesmo sem empresa saber de afastamento

Vítima de acidente durante contrato de experiência, ele foi dispensado enquanto ainda estava com atestado de 60 dias.


Resumo:

  • A 6ª Turma do TST reconheceu o direito à estabilidade de um ano para um motoboy que sofreu acidente de trabalho durante contrato de experiência.
    Segundo o colegiado, para ter direito à garantia do emprego, basta a ocorrência do acidente de trabalho e do afastamento superior a 15 dias.
  • O fato de a empresa não ter tido conhecimento do afastamento prolongado do funcionário não é motivo para negar o direito. O que importa é a ocorrência do acidente e o período de afastamento.
  • 20/10/2024 – A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a SMF Logística e Transportes Ltda., do Vale do Itajaí (SC), a pagar a um motoboy indenização correspondente à remuneração que ele deveria receber entre a data da dispensa e a do término da estabilidade no emprego decorrente de acidente de trabalho. Segundo o colegiado, o fato de a empresa não saber que ele estava de atestado por 60 dias não afasta o direito à estabilidade.

Pela legislação, o segurado da Previdência Social que sofreu acidente do trabalho tem garantida a manutenção do seu contrato de trabalho por um ano após o fim do auxílio-doença acidentário. Para requerer e receber o benefício, é necessário o afastamento das atividades por mais de 15 dias.

Empresa não soube do atestado
Com contrato de experiência de 90 dias, o motociclista sofreu acidente com dois meses de trabalho e recebeu atestado médico de 15 dias. Em seguida, recebeu mais 60 dias de afastamento.

No processo judicial, ficou comprovado que a empresa não soube da prorrogação. Como o empregado não voltou ao serviço depois do primeiro afastamento e se passaram os 90 dias de contrato, a SMF não o renovou.

Na ação judicial, o motociclista cobrou o pagamento da remuneração correspondente ao período de estabilidade. A transportadora, por outro lado, sustentou que ele tinha requerido o auxílio-doença acidentário apenas depois do término do emprego e que não teve notícia a tempo sobre o atestado superior a 15 dias.

O juízo de primeiro grau negou o pedido, e o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) manteve a decisão. Para o TRT, o motociclista não foi dispensado durante o período de garantia provisória de emprego porque a empresa não sabia do afastamento médico por mais de 15 dias, e o trabalhador somente requereu o benefício previdenciário após o fim do prazo do contrato de trabalho.

Fundamento da estabilidade é ocorrência do acidente
O ministro Augusto César, relator do recurso de revista do motoboy, disse que é pacífico no TST o entendimento de que o não recebimento do auxílio-doença acidentário não é suficiente para afastar a estabilidade acidentária. “O fundamento da estabilidade acidentária não é a percepção do benefício previdenciário, e sim a constatação de que o empregado sofreu acidente de trabalho em circunstância que o faria credor desse benefício, o que ocorreu no caso”.

Ainda de acordo com o ministro, o desconhecimento da empresa sobre a prorrogação do afastamento não altera o fato de que o motociclista sofreu acidente de trabalho e foi afastado das atividades por mais de 15 dias, e esses pressupostos são suficientes para a concessão da estabilidade provisória. Para concluir, ele afirmou que esse direito abrange quem está em contrato por tempo determinado, como o de experiência, conforme a Súmula 378 do TST.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: RR-1171-33.2018.5.12.0056


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