STJ: Sem averbação da execução no registro do imóvel, configuração de fraude em alienações sucessivas exige prova de má-fé

Com base na jurisprudência da corte, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu os critérios para que o reconhecimento de fraude à execução na venda de imóvel do devedor tenha efeitos em relação às alienações subsequentes, a partir de dois cenários principais:

1) Caso exista registro prévio da ação ou da penhora na matrícula do imóvel alienado a terceiro, haverá presunção absoluta do conhecimento do adquirente sucessivo e, portanto, da ocorrência de fraude. Sendo declarada a ineficácia da transação entre o devedor e o adquirente primário, as alienações posteriores também serão consideradas ineficazes.

2) Se não houver registro da penhora ou da ação, caberá ao credor provar a má-fé do adquirente sucessivo. Ainda que a venda ao primeiro comprador tenha ocorrido em fraude à execução, as alienações sucessivas não serão automaticamente ineficazes. Dessa forma, a sua ineficácia perante o credor dependerá da demonstração de que o adquirente posterior tinha conhecimento da ação contra o proprietário original.

Imóvel vendido quando não havia restrição em cartório
O recurso teve origem em embargos de terceiros apresentados pelos compradores de um imóvel que havia sido adquirido pelo vendedor, dois anos antes, de pessoas que estavam sendo executadas por uma empresa de factoring. Após o reconhecimento de fraude à execução na primeira alienação, os embargantes alegaram que fizeram o negócio de boa-fé, pois, naquele momento, não constava no cartório imobiliário nenhuma informação sobre o processo.

Os embargos foram julgados improcedentes em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença por considerar que não havia qualquer restrição no registro imobiliário quando o negócio foi celebrado, e que o reconhecimento da fraude na primeira alienação não afetava automaticamente a venda subsequente.

Em recurso ao STJ, a empresa de factoring sustentou que a venda foi intermediada por imobiliária, a qual, experiente no ramo, tem o hábito de obter certidões sobre ações e execuções antes do fechamento de um negócio, razão pela qual os compradores não poderiam alegar desconhecimento da execução.

Hipóteses para o reconhecimento da fraude à execução
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, explicou que o reconhecimento de fraude à execução leva à ineficácia da alienação do bem em relação ao exequente (artigo 792, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 1015).

Com base na legislação e na interpretação do STJ, a ministra apontou as hipóteses em que a alienação ou a oneração do bem podem ser consideradas fraude à execução: a) quando sobre o bem houver ação baseada em direito real ou com pretensão reipersecutória (reivindicação de um bem ou direito que não se encontra no próprio patrimônio); b) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução; c) quando o bem tiver sido objeto de constrição nos autos da ação em que foi suscitada a fraude; d) quando, no momento da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.

Quanto à prévia averbação da penhora no registro imobiliário, a magistrada destacou que, segundo a jurisprudência, ela é requisito de eficácia perante terceiros, gerando presunção absoluta de conhecimento para estes e, portanto, de fraude à execução “caso o bem tenha sido alienado ou onerado após a averbação” – situação que também se aplica na hipótese de averbação de execução pendente.

Falta de averbação exige comprovação de má-fé
No entanto – esclareceu Nancy Andrighi –, se não há a averbação de penhora ou execução, essa circunstância não impede totalmente o reconhecimento de fraude à execução, “mas caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro, vale dizer, que o adquirente tinha conhecimento acerca da pendência do processo”. Essa orientação está consolidada na Súmula 375 do STJ.

No caso dos autos, a relatora observou que a empresa de factoring não providenciou a averbação da execução no registro imobiliário nem comprovou que os adquirentes sucessivos tinham conhecimento da ação em trâmite contra os executados (primeiros vendedores).

“Não há que se falar, por conseguinte, em extensão da decisão que reconheceu a fraude à execução na primeira alienação e, portanto, em ineficácia do negócio celebrado entre os recorridos e o primeiro comprador”, concluiu a ministra.

Ao negar provimento ao recurso especial, ela ressaltou ainda que – como bem apontado pelo TJSP –, as certidões judiciais de ações e execuções que devem ser verificadas na alienação de imóvel dizem respeito ao vendedor, não se exigindo uma investigação de toda a cadeia dominial passada.

Veja o acórdão.
Processo n° 1863999 – SP (2020/0048011-4)

Recurso Repetitivo – STJ considera válida cobertura de invalidez vinculada à perda total da autonomia do segurado

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos, definiu que não é abusiva a cláusula de contrato de seguro de vida que prevê cobertura para invalidez permanente por doença apenas na hipótese de perda total da autonomia do segurado. O entendimento reafirmou diversos precedentes, tanto da Terceira quanto da Quarta Turma.

A tese fixada no Tema 1.068 dos repetitivos é a seguinte: não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração médica.

Com o julgamento, podem voltar a tramitar todos os processos individuais ou coletivos que estavam suspensos no país à espera da definição do precedente qualificado.

Novas coberturas com novos conceitos
Em um dos casos selecionados como representativos da controvérsia, o contrato de seguro de vida em grupo previa cobertura adicional para invalidez funcional permanente total por doença. O juízo de primeiro grau isentou a seguradora de pagar a indenização por entender que a incapacidade causada pela doença do segurado o impedia de trabalhar, mas não de exercer outras atividades.

Ao reformar a sentença, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que o conceito de invalidez previsto na apólice era muito restrito e abusivo, devendo ser entendido apenas como incapacidade para o trabalho. Assim, determinou o pagamento da indenização.

A relatoria dos recursos especiais em julgamento coube ao ministro Villas Bôas Cueva, que apresentou as diferenças entre as coberturas de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD) e de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD) – modalidades criadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) para substituir a antiga cobertura de Invalidez Permanente por Doença (IPD), cujo conceito era pouco claro e gerava muitos conflitos judiciais.

Invalidez funcional e incapacidade profissional
Segundo o relator, na ILPD, há o pagamento de indenização diante de incapacidade para o trabalho principal do segurado, de caráter permanente e total, resultante de doença para a qual não haja recuperação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento (artigo 15 da Circular Susep 302/2005).

No caso da IFPD, o magistrado explicou que o pagamento da indenização decorre de invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, comprovada quando o quadro clínico incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício das suas atividades de forma autônoma (artigo 17 da Circular Susep 302/2005).

De acordo com o ministro, a cobertura de invalidez funcional não tem nenhuma vinculação com a incapacidade profissional, podendo, inclusive, ser contratada para garantir ao segurado a antecipação do capital previsto para a hipótese de morte.

Cobertura compatível com o Código do Consumidor
Villas Bôas Cueva acrescentou que, embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais restritiva do que a cobertura ILPD (invalidez profissional), não se pode considerá-la abusiva ou ilegal.

Para o relator, tampouco é possível falar em ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se constatando, nas hipóteses julgadas, nenhuma vantagem exagerada da seguradora em detrimento do consumidor. “A cobertura IFPD não é incompatível com a legislação consumerista”, completou.

O ministro ressaltou, no entanto, que os produtos existentes no mercado securitário devem ser disponibilizados com o devido esclarecimento, ou seja, devem ser oferecidos com informações claras acerca do tipo de cobertura a ser contratada e suas consequências, de modo a não induzir o segurado em erro.

Aposentadoria do INSS não garante pagamento do seguro
Em seu voto, Villas Bôas Cueva também explicou que eventual aposentadoria por invalidez permanente concedida pelo INSS não dá ao segurado o direito automático de receber indenização do seguro contratado com empresa privada.

Segundo ele, a jurisprudência das turmas de direito privado do STJ entende ser imprescindível a realização de perícia médica para atestar tanto a natureza e o grau da incapacidade quanto o correto enquadramento na cobertura contratada (artigo 5º, parágrafo único, da Circular 302/2005).

Veja o acórdão.
Processo n° 1.845.943 – SP (2019/0324319-8)

STJ: Constituição do devedor assistido pela Defensoria Pública em fiel depositário exige intimação pessoal

É imprescindível a intimação pessoal do devedor assistido pela Defensoria Pública (DP) para a sua constituição como depositário fiel do imóvel penhorado por termo nos autos. O entendimento foi firmado, por maioria, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao discutir a validade de intimação dirigida à DP com o objetivo de constituir o devedor assistido como depositário do bem.

O recurso especial analisado pela turma foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que entendeu não ser necessária a intimação pessoal do devedor quando houver procurador no processo, mesmo que seja defensor dativo.

O recorrente alegou violação do artigo 659, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil de 1973 e do artigo 16 da Lei Federal 1.060/1950 (Lei de Assistência Judiciária), reiterando a necessidade da intimação pessoal, pois é assistido pela DP, cujos membros não se enquadram no conceito de “advogado” para os fins previstos no CPC/1973.

Distinção entre advogado constituído pela parte e defensor público
No voto que prevaleceu no colegiado, a ministra Isabel Gallotti afirmou que é preciso levar em conta a distinção entre o defensor constituído pela parte e o defensor público, que atua por obrigação legal, sem escolha e sem uma relação prévia de confiança. Nesse contexto – acrescentou a magistrada –, o defensor público atua em juízo apenas com os poderes relacionados à procuração geral para o foro, pois o exercício de poderes especiais exige mandato com cláusula expressa.

Com base na doutrina, a magistrada afirmou que a natureza do ato a ser praticado – atos processuais, que exigem capacidade postulatória, ou atos materiais, que envolvem o cumprimento de obrigações – define o destinatário da intimação, se a própria parte ou o seu procurador.

Diante das responsabilidades civis e penais do depositário – papel atribuído preferencialmente ao devedor no CPC/1973 –, Gallotti ressaltou que a constituição desse encargo não pode ser considerada um ato puramente processual. As turmas de direito privado do STJ, inclusive, entendem que é indispensável a assunção pessoal do encargo por parte do depositário, ou ao menos a assinatura do termo por procurador com poderes especiais – situação que não é a do defensor público.

Papel de depositário fiel pode ser recusado
No caso da constituição de depositário de bem penhorado, Gallotti observou ainda que o encargo pode ser recusado, como estabelecido na Súmula 319/STJ, e essa possibilidade somente será respeitada se a parte tiver a opção de fazê-lo antes e de modo pessoal, não bastando a hipótese de requerer posteriormente ao juízo a sua exoneração.

“Isso porque as situações caracterizadoras de responsabilidade civil e criminal do depositário já podem estar, inclusive, concretizadas em razão da ausência de ciência pessoal do devedor, que já pode ter alienado ou instituído gravame sobre o bem penhorado”, explicou a ministra.

Embora o CPC/1973 não previsse de forma expressa a necessidade de intimação pessoal da parte assistida pela DP – apontou Gallotti –, o CPC/2015 foi explícito em diversos artigos a respeito dessa obrigatoriedade. “Evidencia-se, portanto, que há clara diferença na relação representante-representado quando o advogado é designado, e não constituído voluntária e pessoalmente pela parte”, afirmou.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.331.719 – SP (2012/0134720-5)

TJ/SP: Dívida de internação por Covid-19 não será assumida pela Fazenda Pública

Não foi verificada omissão do Estado de São Paulo.


A 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Olavo Sá Pereira da Silva, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Osasco, que negou pedido para que a Fazenda Pública estadual assumisse dívida de internação de paciente com Covid-19 em hospital particular por falta de leitos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Também foi mantida a improcedência do pedido de declaração de inexigibilidade de débito decorrente do contrato firmado pela autora com o hospital réu.

Consta nos autos que a autora da ação levou sua mãe a hospital particular para atendimento de Covid-19. Ao final da consulta, percebeu-se um agravamento do quadro de saúde e a necessidade de internação. Devido à falta de vagas no sistema público de saúde naquele momento, a autora celebrou contrato de assistência médica e sua genitora seguiu com tratamento por 12 dias, quando foi disponibilizada vaga no SUS e efetuada a transferência. Do atendimento no hospital particular, foi cobrado o valor de R$ 230.393,34, que a autora pretende que seja pago pela Fazenda do Estado.

De acordo com o relator da apelação, desembargador Décio Notarangeli, na verificação de possível negligência na disponibilização de leito para a internação deve ser considerado o contexto da pandemia. “A escassez de leitos diante da demanda decorrente do elevadíssimo número de casos diários de Covid-19 registrado nos picos de contaminação no país é fato público e notório, inexistindo indícios de que o Estado de São Paulo tenha falhado na condução da crise sanitária e possa ser responsabilizado pela falta de leitos nos momentos mais graves da pandemia”, apontou o relator. “Em suma, da imprevisibilidade e inevitabilidade da pandemia advém a inexigibilidade de conduta diversa que rompe o nexo causal entre a omissão apontada pela parte e o dano por ela experimentado, o que exclui o dever de indenizar acarretando a improcedência dos pedidos.”

Quanto à declaração de inexigibilidade de débito, o magistrado também não acolheu o pedido. “Não sendo questionada a necessidade dos serviços prestados, ou demonstrado que o preço cobrado está acima da média daqueles que são usualmente praticados no mercado, o sacrifício patrimonial extremo por si só não basta para caracterização do estado de perigo. Mesmo em se tratando de emergência médica, situação crítica, súbita e imprevista, com risco de vida para a paciente, não está configurado vício de consentimento para invalidação do contrato conscientemente celebrado pela apelante, em especial pela ausência de demonstração de prática abusiva pelo hospital apelado”, concluiu.

Completaram o julgamento os desembargadores Oswaldo Luiz Plau e Moreira de Carvalho. A decisão foi unânime.

Processo nº 1012046-55.2020.8.26.0405

TJ/MA: Estado não pode cobrar ICMS de empresa que transfere maquinário de uma filial para outra

Uma sentença da 1ª Vara de Buriticupu declarou a inexistência de relação jurídico-tributária entre a empresa Scheffer & Cia. Ltda, parte autora, e o Estado do Maranhão, quanto à incidência de ICMS nos casos de transferência, entre estabelecimentos de sua propriedade, de quaisquer dos bens (que estejam na lista anexada ao processo) ou que venham a compor o ativo imobilizado da empresa, ainda que o estabelecimento de destino se encontre situado em outra unidade da federação.

A sentença, proferida pelo juiz titular Felipe Damous, destaca que a empresa não será obrigada a recolher ICMS nos casos de transferência de bens do seu ativo imobilizado, entre estabelecimentos de sua propriedade, sendo compreendido como ativo imobilizado o conjunto de bens necessários à manutenção das atividades da empresa, caracterizados por apresentar-se na forma tangível, a exemplo de máquinas. Narra a ação que a empresa atua no ramo agropecuário, e alegou que possui atividade nos estados do Maranhão e do Mato Grosso.

Com o objetivo de alcançar maior eficiência operacional, a empresa afirmou pretender utilizar o mesmo maquinário agrícola pertencente ao ativo fixo em mais de um estabelecimento, pois os períodos de plantio e colheita nos referidos estados ocorrem em épocas diferentes. Entretanto, ressalta que tal operação é tributada pelo Estado do Maranhão com base no seu Regulamento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, o RICMS/MA, Decreto 19.714, de 10 de julho de 2003, o que, segundo entende, encontra impedimento na jurisprudência sedimentada dos tribunais superiores, no sentido de ser inviável a cobrança do ICMS nessas hipóteses.

SÚMULA DO STJ

Na sentença, o magistrado ressaltou que a Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça dispõe o seguinte: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Além disso, destacou que o mesmo STJ, no julgamento do um Recurso Especial, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, consagrou a tese de que “o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS, porquanto, para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade”. Tal entendimento segue inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal na mesma linha.

“Em relação ao maquinário integrante do ativo fixo da empresa autora, comprovado pelos documentos contábeis juntados aos autos, não poderia haver incidência de ICMS no momento do deslocamento dos bens entre as filiais localizadas nos estados do Mato Grosso e Maranhão, o que faz parte da sua operação regular, a fim de não deixar seu maquinário agrícola sem uso, já que os momentos de plantio e colheita dos produtos ocorrem em momentos do ano distintos em tais estados”, pontuou Damous, citando julgamentos de outros tribunais.

Para o juiz, a atuação do estado, nesse caso específico, representa incidência do ICMS de forma indevida, o que aumenta sobremaneira os custos da produção da parte autora, podendo tornar a atividade economicamente inviável, causando prejuízos não só à empresa, mas a todos que dependem da atividade agrícola por ela desempenhada, inclusive o consumidor final. Daí, decidiu por confirmar decisão antecipada, no sentido de declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre a parte autora e o Estado do Maranhão quanto à incidência de ICMS, nos termos aqui colocados.

Veja a decisão.
Processo n° 0801609-13.2021.8.10.0028

TJ/RJ: Fifa é condenada a indenizar empresa dona de patente do ‘spray de barreira’

A Fifa foi condenada a pagar R$ 50 mil por danos morais e um valor que ainda será calculado por danos materiais pelo uso do spray que os árbitros utilizam para marcar a posição das barreiras no futebol. A decisão é dos desembargadores da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que aceitaram recurso da Spuni, empresa de produtos esportivos, que alega ter registrado a patente do spray há 21 anos.

Na Copa do Mundo de 2014, a Fifa teria utilizado o produto, mas coberto o nome da empresa, com a qual ainda não tinha chegado a um acordo pela compra da patente. O valor da indenização também corresponde, de 2012 até o fim da exclusividade da patente da Spuni no Brasil, a todas as partidas oficiais organizadas no país ou por suas confederações hierarquicamente subordinadas.

A ação contra a Fifa foi ajuizada em 2017 pela Spuni. O pedido de indenização foi negado no primeiro grau e a empresa recorreu. Para o desembargador relator Francisco de Assis Pessanha Filho, a Fifa “após reiterada utilização gratuita do produto, transferência de expertise e promessas de compra da patente, atuou em flagrante má-fé negocial, violando o nome da empresa autora e quedando-se inerte na concretização do negócio jurídico”.

Processo nº 0314313-89.2017.8.19.0001

TRF1: Honorários de perito em ação de desapropriação deve ser adiantado pelo ente público expropriante

Em agravo de instrumento interposto contra a decisão que determina ao dono de propriedade alvo de desapropriação agrária o adiantamento dos honorários periciais, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF1) decidiu que, ainda que o proprietário (expropriado) tenha contestado o valor da oferta feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), não pode ter despesas com a desapropriação, menos ainda quando busca os subsídios necessários à aferição da justa indenização, de base constitucional.

Na decisã agravada o magistrado de primeiro grau determinou que a responsabilidade pelo adiantamento dos honorários é do expropriado, uma vez que o pedido de perícia havia sido feito pelo proprietário por discordar da avaliação administrativa da fazenda, em R$ 9.247.780,20 (nove milhões, duzentos e quarenta e sete mil, setecentos e oitenta reais e vinte centavos).

Segundo o Relator do processo, juiz federal convocado Saulo Casali Bahia, a própria existência da ação judicial de desapropriação direta pressupõe a discordância do expropriado com o valor apurado pela administração para seu bem. Essa ação, prosseguiu o magistrado, tem a característica de que a identificação do valor justo da indenização é pressuposto constitucional deste ato administrativo, conforme os arts. 5º, XXIV e 184 da Constituição Federal (CF)

Não se aplica ao caso, explicou o juiz federal, em face dessa característica, o preceito do art. 95 do Código de Processo Civil (CPC), quando estabelece que o perito deve ser pago por quem requereu a perícia. Acrescentou que a Lei Complementar 76/1993 dispõe que “se o expropriado contestar a oferta do expropriante, o juiz determinará a realização de prova pericial” e que os valores devem ser adiantados pelo expropriante, no caso o Incra, que será ressarcido no caso de sair vencedor, especialmente porque a perícia, pelo que se observou da ata de audiência, foi determinada pelo juízo e não requerida pelo proprietário da fazenda.

Processo n° 1006688-29.2019.4.01.0000

TJ/DFT: Falta de segurança em partida do campeonato brasileiro de futebol gera indenização coletiva

A 2ª Turma Cível do TJDFT manteve a sentença que condenou o Clube de Regatas do Flamengo e a Federação de Futebol do Distrito Federal a pagar danos morais coletivos por falta de segurança na partida entre o clube e o time do Palmeiras. O jogo foi realizado em junho de 2016 no Estádio Mané Garrincha, pelo Campeonato Brasileiro. O colegiado concluiu que os réus devem responder pelos danos decorrentes de briga generalizada entre as torcidas.

O MPDFT afirma que os réus firmaram contrato de prestação de serviço de segurança considerando um público de 30 mil pessoas, mas que foram vendidos 54 mil ingressos. O autor da ação alega que a segurança foi insuficiente para o público presente, o que gerou ocorrências de violência no jogo. Consta nos autos que membros das duas torcidas se enfrentaram dentro do estádio, o que resultou em pessoas feridas, tumulto e intervenção da polícia militar com bombas de gás lacrimogêneo. O Ministério Público alega que houve violação ao Estatuto do Torcedor e pede que os réus sejam condenados por danos morais coletivos no valor referente a 10% do faturamento bruto da partida.

Decisão da 7ª Vara Cível de Brasília condenou os réus, que recorreram. O Flamengo argumentou que o policiamento e a segurança do estádio são de responsabilidade da polícia militar e que a segurança particular contratada tinha caráter complementar. Defende ainda que não houve lesão a direito difuso ou coletivo que enseje a condenação por dano moral coletivo. A Federação de Futebol, por sua vez, alega que não pode ser enquadrada na função de fornecedor, uma vez que a responsabilidade é do mandante do jogo e dos seus dirigentes. Afirma ainda que o planejamento prévio de segurança foi para 54 mil torcedores.

Ao analisar o recurso, a Turma observou que o relatório elaborado pela polícia militar apontou que o plano de contingenciamento não foi integralmente atendido. De acordo com o colegiado, tanto o clube mandante quanto a Federação são responsáveis pela segurança dos torcedores durante os jogos e “devem responder solidariamente, independentemente de culpa, pelos prejuízos causados ao torcedor”.

“Mesmo que efetivamente presentes no estádio o efetivo de segurança requisitado à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e a segurança privada contratada, se ocorrer qualquer evento danoso que cause prejuízo a torcedor conclui-se que a segurança prestada era insuficiente ou defeituosa, ensejando, assim, (…), o dever de indenizar das entidades envolvidas com a organização”, registrou o relator.

A Turma explicou ainda que os danos morais coletivos estão configurados nos casos “em que atos de violência praticados nos estádios causem verdadeiro sentimento de temor, a ponto de impedir o comparecimento da coletividade de torcedores aos torneios, em virtude da falta de segurança”.

Assim, “Cabe à entidade desportiva detentora do mando de jogo e à entidade responsável pela organização da competição o dever de garantir a segurança do público consumidor presente e dos envolvidos com o espetáculo esportivo. Diante dos fatos narrados, cabível o pedido de reparação por danos morais coletivos, em razão do serviço defeituoso prestado pelos apelantes, responsáveis pela organização do jogo do campeonato brasileiro de futebol, em 2016, entre as equipes do Flamengo e Palmeiras”, afirmaram.

Dessa forma, o colegiado manteve a sentença que condenou os réus a pagarem de forma solidária a quantia de R$ 282.856,50. O valor deverá ser repassado ao Fundo de Defesa do Consumidor.

A decisão foi unânime.

Processo n° 0736141-41.2019.8.07.0001

TRF3 mantém multa de R$ 15 mil à empresa por venda irregular de brinquedos na 25 de Março

Produtos eram comercializados sem selo de certificação do Inmetro.


A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve multa de R$ 15 mil aplicada pelo Instituto Nacional de Metrologia Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) a uma distribuidora de brinquedos na região da Rua 25 de Março, em São Paulo/SP. A empresa foi autuada por venda de produtos sem a devida certificação.

Para os magistrados, não foi constatada ilegalidade na autuação da autarquia federal. “A Lei 9.933/99 atribui competência ao Inmetro para expedição de atos normativos e regulamentação técnica de conformidade de produtos, processos e serviços, conferindo, ainda, à autarquia poder de polícia para processar e julgar as infrações e aplicar sanções administrativas”, afirmou a juíza federal convocada Denise Avelar, relatora do processo.

Conforme os autos, a empresa foi multada por comercializar carrinhos de brinquedo, da marca “Racer”, sem a certificação do Inmetro. Com isso, acionou o Judiciário e pediu nulidade e extinção do auto de infração, bem como o cancelamento da dívida ativa e do protesto lavrado.

Após a Justiça Federal de São Paulo julgar a solicitação improcedente, a distribuidora recorreu ao TRF3 e alegou que o processo administrativo deveria ser nulo, devido à desproporcionalidade da multa aplicada.

Ao avaliar o caso, a juíza federal convocada desconsiderou os argumentos apresentados. “Analisando-se o processo administrativo, verifica-se que foi oportunizada a defesa e obedecidos todos os trâmites pertinentes ao procedimento, não se verificando qualquer nulidade, para que seja afastada a penalidade aplicada”, salientou.

A relatora não constatou irregularidade no valor da infração, já que, para a sua aplicação, não é considerado o valor do produto, e sim, como explicou na decisão, o disposto na legislação pertinente, que prevê o montante entre R$ 100 até R$ 1,5 milhão.

Assim, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação e manteve a multa de R$ 15 mil.

Processo n° 5007588-54.2018.4.03.6100

STJ: Marca famosa sem alto renome não impede registro em segmento distinto com base na proteção contra diluição

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma fabricante de calçados e determinou que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) reanalise o seu pedido de registro da marca Perdigão, utilizada por ela desde 1990.

Para o colegiado, foi indevido o ato do INPI que indeferiu a solicitação com fundamento na possibilidade de aproveitamento parasitário, decisão posteriormente mantida, em recurso administrativo, em razão do alto renome da marca de produtos alimentícios Perdigão – já que esse status especial ainda não havia sido concedido no momento do pedido de registro pela empresa calçadista.

O recurso teve origem em ação proposta pela fabricante de calçados para anular ato do INPI que indeferiu o registro da marca mista Perdigão, depositada em fevereiro de 1996, sob o argumento de que haveria a possibilidade de aproveitamento parasitário por parte da requerente.

Interposto recurso administrativo, o INPI, quase 11 anos depois, manteve o indeferimento, sob a alegação de que a marca de alimentos Perdigão possuía alto renome, fato que impediria o registro de marcas idênticas, ainda que para produtos distintos.

A empresa argumentou que, desde 1990, a sua marca Perdigão vem sendo utilizada para designar os calçados produzidos na cidade de Perdigão (MG). Ressaltou que os produtos a que se refere sua marca são distintos daqueles comercializados sob a outra marca, cujo status de alto renome foi reconhecido posteriormente.

O juízo de primeiro grau, mesmo entendendo que a marca de produtos alimentícios não detinha, na época do depósito da marca de calçados, o status especial, concluiu que, sendo ela amplamente conhecida, sua proteção, à luz da teoria da diluição, deveria impedir o registro de signos idênticos ou semelhantes também em segmentos distintos. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região.

Reconhecimento de alto renome gera efeitos para o futuro
Para o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, houve equívoco na decisão que negou o registro, uma vez que a marca de alimentos Perdigão – embora atualmente tenha o status de alto renome reconhecido pelo INPI – não detinha essa condição na época do depósito, nem no momento do indeferimento administrativo.

“A decisão administrativa de concessão de alto renome tem efeitos meramente prospectivos, não podendo retroagir para atingir marcas já depositadas à época de seu reconhecimento”, apontou.

Segundo Sanseverino, a diluição, no direito de marcas, é a perda gradual da força distintiva de determinado signo, que ocorre pelo uso, por terceiros, de signo idêntico para designar produtos e serviços distintos daqueles inicialmente referidos de forma exclusiva pela marca registrada, ainda que não haja confusão.

Proteção restrita às marcas de alto renome
Ao apresentar um histórico do tema, o magistrado destacou que o Brasil optou, desde 1967, por garantir proteção específica contra a diluição apenas para marcas que tenham alcançado um grau diferenciado de conhecimento pelo seu público-alvo.

“Portanto, a proteção contra a diluição está, no Brasil, umbilicalmente relacionada às marcas de alto renome: apenas a elas e em razão delas foi criada essa proteção especial. Não é por outro motivo que as marcas de alto renome são justamente definidas como aquelas que, em razão de seu alto grau de fama, excepcionam o princípio da especialidade, o que é justamente a característica que lhes confere proteção contra a diluição”, afirmou.

Na avaliação do relator, não faz sentido, na sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, a afirmação de que a proteção contra a diluição poderia ser gozada não apenas pelas marcas de alto renome – status conferido exclusivamente pelo INPI –, mas também por outras marcas famosas.

O ministro acrescentou que, diferentemente do afirmado na sentença, a proteção aos titulares de marcas contra sua diluição não se encontra no artigo 130, III, mas sim no artigo 125 da Lei de Propriedade Industrial, o qual prevê a exceção ao princípio da especialidade.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.787.676 – RJ (2017/0297188-0)


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